quarta-feira, 28 de outubro de 2015

O Clube das Descartadas


Poucas vezes nos anos 90 apareceram tantas estrelas em um roteiro tão capcioso. O filme “O Clube das Desquitadas” conta a história de mulheres de meia idade cujos maridos as abandonaram em nome de mulheres mais jovens. Tudo começa quando este quarteto de amigas, então jovens moças, forma-se junto na faculdade, indo cada uma seguir seu caminho. O estopim é o suicídio de uma delas, uma mulher que, adivinhe, fora trocada por uma mais jovem. Assim, as amigas que permaneceram no mundo descobrem que têm algo em comum e decidem fazer algo a respeito. Assim nasce o famoso clube, não só com o objetivo de sacanear os três maridos sacanas, como também prestar auxílio a mulheres que estivessem passando pelo que o trio protagonista passava.
A graça do filme gira em torno do que precisava ser feito para o clube funcionar, até com direito às três desquitadas caindo de um andaime de um prédio em plena 5th Avenue, com o lendário Metropolitan Museum of Art ao fundo.
O trio até funciona bem:
1) Diane Keaton está ok como Annie, e é, sutilmente, a protagonista da película, fazendo narrações em off e interpretando uma esposa que vê seu marido substituindo-a pela própria jovem e linda terapeuta de Annie, sendo que esta passa por um dolorido mas necessário processo de desilusão, mandando, no fim da trama, o marido pastar;
2) Dói-me muito dizer o que vou dizer, pois sempre fui um fãzaço de Bette Midler: ela está meio mal aproveitada, como um vinho finíssimo usado para fazer sagu, como uma estrela do quilate de Gwyneth Paltrow fazendo um papelzinho coadjuvante na franquia “Homem de Ferro”, como Andrea Bocceli cantando “Atirei o Pau no Gato”. Não se equipara ao brilho habitual de Bette em “Um Vagabundo na Alta Roda” ou no megahilário “Cuidado com as Gêmeas”, tendo neste uma química impecável com Lilly Tomlin. Em “Clube...”, Bette faz Brenda, uma ítaloamericana que vê seu marido trocá-la por uma gostosona vulgar e grosseira, muito bem construída por Sarah Jessica Parker. Brenda aciona o próprio tio mafioso para dar uma prensa no marido traidor;
3) Quem reina no filme é Goldie Hawn, que faz uma atuação de metalinguística, interpretando uma atriz alcoólatra e tabagista que está em pleno ostracismo, mesmo tendo arrebatado um Oscar anos antes do clube ser fundado, tendo concorrido com Meryl Streep pelo troféu – na ironia de que elas duas, na vida real, atuaram juntas na supercomédia “A Morte lhe Cai Bem”, sendo que neste quem interpreta uma atriz é Meryl. Em “Clube...”, Goldie é a estrela decadente Elise Eliot, cujo marido, um produtor de filmes, a troca por uma, é claro, piriguete disposta a se prostituir para virar uma estrela. Hawn desfila toda sua majestade nos takes em que, escoltada por uma equipe de mudança, invade imóveis do marido a fim de recolher bens valiosos e obras de arte para si. No início da película, ela praticamente ameaça de morte seu cirurgião plástico se ele não lhe aplicasse um preenchimento labial.
            - Eu quero ser Tina (Turner), eu quero ser (Mick) Jagger! Preencha-os! – ordena.
Menção honrosa à decana Maggie Smith, que interpreta uma socialite chiquérrima que decide dar uma ajudinha ao clube: ela é a elegante Gunilla, uma mulher já abandonada por quatro maridos. Maggie, em qualquer idade, é uma deusa. Chique.
E é em certos momentos que o diretor Hugh Wilson, que dirigiu a comédia “Loucademia de Polícia” nos anos 80, lança mão de recursos inusitados. Em uma sequência, uma desquitada deixa recado na secretária eletrônica da outra. Ao redor da secretária de Annie, tudo arrumadinho e organizado, como a própria personagem coxinha; ao redor da secretária de Brenda, um porta retrato dela com o filho e o marido, mas com a cara deste rasgada fora; ao redor da secretária de Elise, um belo cinzeiro enorme de cristal cheio de tocos de cigarro.
Um dos pontos altos é no qual as três vão a uma boate de lésbicas, para que Annie demonstrasse à própria filha gay que a aprovava e que a queria contribuindo coadjuvantemente para o Clube das Desquitadas. Elise arrasa dançando no meio das sapatas, enquanto Brenda vê ter algo em comum com uma sapata: ambas tinham sido trocadas por mulheres mais jovens. E quando Brenda chama Elise para ir embora, uma lésbica quase bate em Brenda, que finge ser a namorada da atriz.
- Brenda, você é tão possessiva! – diz Elise ao saírem do night club.
No final das contas, “O Clube das Desquitadas” é um filme feminista, mas bem feminino. O trio protagonista mostra que não depende de homens para ser feliz. Independência e liberdade são os termos chave da trama. Em uma sociedade patriarcal e machista, uma mulher livre é mal vista. Um dos maiores exemplos disso é uma certa popstar, cujo nome não mencionarei. Mulheres, façam com que seus homens joguem limpo com vocês!
Por falar em feminismo, não podemos esquecer o estilo de Keaton há décadas atrás, com terninhos e gravatas. Com uma piada no seriado Friends, no qual Chandler, ao saber que está comprando um terno já usado por uma celebridade, quer saber qual o ator que o havia usado, e Rachel responde:
- Diane Keaton.
O detalhe é que Diane jamais perdeu a feminilidade, ao contrário do filme feminista “Thelma & Louise”, no qual as personagens centrais perdem a feminilidade ao fim da trama.
“Clube...”, do ano de 1996, teve roteiro baseado no romance homônimo de  Olivia Goldsmith, de 1992; o filme teve uma versão musical em 2015, estreando na cidade de Chicago, EUA. O próprio filme tem um pouco de musical quando o trio canta “You Don’t Own Me”, ou seja, “Você Não é Meu Dono”. A ilustração do cartaz promocional da peça teatral é algo meio “Sex and the City” (olha a Sarah aí de novo!): mulheres fabulosas e modernas em busca de afirmação na vida e de felicidade no amor. Na ilustração desta postagem, a capa da revista Time no auge do sucesso da película, em uma edição que fala sobre divórcio. Na época, o trio ainda fez uma aparição especial na cerimônia do Oscar, anunciando o troféu de melhor canção original. Bem, gurias!
Até Ivana Trump dá o ar da graça no fim do filme, interpretando a si mesma, que, na vida real e na ficção, deu uma lição ao marido Donald no divórcio. Na vida real, o republicano e ultraconservador Trump quer ser presidente e está no páreo contra a democrata (e feminina) Hillary Clinton, referência do feminismo americano, numa sociedade que, no passado, condenava mulheres por bruxaria. Sucesso, Hill!

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Frank Sinatra, digo, Langella



A internet é uma espécie de “terra de ninguém”. Portanto, não dá para acreditar em tudo o que você ler ou ver. Mas eu me deparei com a suposta capa do roteiro para um novo filme de He-Man. Sim, o guerreiro ícone de quem foi criança nos anos 80. Os produtores precisam se espelhar em filmes bem sucedidos, como “Os Vingadores”. E este novo filme precisa não ter as carências do filme “Mestres do Universo” de 1987, cujo ponto alto é o cruel, maravilhoso e inesquecível Esqueleto de Frank Langella, um papel que o próprio diz ter amado fazer. Eu tinha nove anos de idade quando vi o filme, e confesso que me borrava na poltrona do cinema com o Senhor da Montanha da Serpente dele. Frank é, com certeza, um mestre do universo.
Antes de ver o filme em julho em um extinto cinema de rua de Porto Alegre, aonde minha tia me levou para assistir, eu estava viajando com minha família em Buenos Aires, no fim de semana de Páscoa. E vi o cartaz do filme em um cinema portenho, com Langella ao fundo, com sua negra capa de veludo. Que vilão! Fiquei cheio de expectativas para ver o filme, chamado de “Amos del Universo” na Argentina. E me apaixonei, apesar de hoje eu ver que não se trata de um filme impecável.
No início do filme, Esqueleto entra no Castelo de Grayskull batendo estrondosamente um cajado de belzebu no chão, fazendo ecoar todo o seu terror, como um Bin Laden nefasto. E, no espaço de sessenta segundos, Esqueleto dá nos dedos de Maligna e da Feiticeira. Maligna diz:
- Depois de tanto tempo, Grayskull é nosso.
- Não! – diz Esqueleto. – É meu! – E Maligna olha-o contrariada, sabendo no fundo de que Esqueleto era insano, um psicopata de ossos, mergulhado na obsessão da ambição, que acabaria trazendo a ruína ao próprio.
E depois a Feiticeira diz:
            - Você ainda não venceu Esqueleto. He-Man ainda está vivo, eu posso sentir!
            - É mesmo? Como você é sensível – diz o vilão. E Esqueleto suga sua energia e a deixa exausta, perguntando-lhe então – Você pode sentir isso?
A maquiagem do filme era uma máscara colada na face do pobre Langella. E, privado de um recurso importante, que é a expressão facial, restaram a Frank voz, olhos e gestual. E mesmo assim, sob esse percalço, Frank fez um baita Esqueleto, inseguro, cheio de conflitos, como se no fundo soubesse que não estava certo fazer o que fazia. Pura arrogância de um sugador de almas.
Langella é tão fabuloso que, mesmo tendo sido sempre um pouco esnobado por Hollywood, fez uma respeitável carreira no teatro, tendo conquistado três prêmios Tony, o Oscar da Broadway. Bravo! E há algo que eu não sabia: antes de Frank viver Nixon no filme que lhe rendeu uma indicação ao Oscar, o ator fez o mesmo papel no teatro. Algo como Barbra Streisand, que fez a peça Funny Girl e depois venceu o Oscar fazendo o mesmo papel. Pela ironia de que Frank ganhou o Tony mas não o Oscar, enquanto Barbra não ganhou o Tony mas ganhou o Oscar. C’est la vie!
Para conseguir um emprego na Broadway, já é preciso ser excepcional. Então imagine você ser considerado, por três vezes, excepcional dentre os excepcionais. Frank ainda tem dois Obie Awards, que é um troféu off-Broadway. Pelos poderes de Frank!
Na ilustração, o caderno Playbill da Broadway com Langella interpretando Dracula, em 1977, quando eu era um bebezinho. Inclusive, Frank também fez Dracula no cinema.
Só digo algo: o novo Esqueleto tem que ter a verve de um Curinga de Heath Ledger – uma releitura que seja ousada mas que seja também uma declaração de amor à personagem original. Afinal, amor é tudo. Sendo necessário deslumbrar a parcela do público que brincou de He-Man com os amiguinhos há décadas atrás.