Não é blog. É blogão. É blogaço. Crônica semanal sobre Cultura em geral, com atualizações geralmente às quartas-feiras à tarde. Gonçalo é formado em Publicidade e Propaganda pela respeitada Universidade de Caxias do Sul, RS. O autor deste blog está no Facebook. Chupa aqui, vadia ordinária!
sábado, 4 de maio de 2019
quarta-feira, 24 de abril de 2019
Fonte de Luz
O italoargentino Lucio
Fontana (1899 – 1968) é tido como deflagrador do Espacialismo, um movimento de
vanguarda, agressivo como qualquer inovação, como o Modernismo Brasileiro. Já
teve uma mostra retrospectiva no Met Breuer, que é uma “filial” do Met de Nova
York, sendo aquele responsável exclusivamente por mostras de Arte Moderna e
Contemporânea. Fontana é conhecido por perfurar e cortar suas obras, fazendo
também entalhes. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente
meus. Boa leitura!
Acima, Conceito Espacial (1). Esta obra remete ao recente caso no Brasil
de um carro ser alvejado por militares, matando inocentes. É como a marca de
tiroteios em favelas, na efervescência do Funk Carioca, na participação de
Anitta no próximo álbum de Madonna. A cor da base é alva, branca, como se
estivesse predestinada a receber esses tiros de pistola, no prazer estuprador
de macular algo, de pisar em terras devolutas, como um imigrante italiano
abraçando uma vida dura, de muito labor, encarando terras selvagens, cheias de
índios e criaturas exóticas. Aqui é como uma constelação, uma família estelar,
no enigma das estrelas fascinando a Humanidade desde sempre, na obsessão incessante
de um artista querendo se tornar estrela, tornando-se uma referência no céu
noturno, nos sonhos de um ator em início de carreira, no duro fato de que
ninguém brilha o tempo todo, e de que a Morte vem incondicionalmente, num
artista querendo ser lembrado para sempre, deixando uma mácula indelével no
Mundo. Aqui, são como organismos microscópicos no Oceano, nos mistérios do
surgimento da Vida na Terra, com cientistas se perguntando se há Vida
Microscópica fora da Terra, nos confins de um sistema solar tão vasto, tão
frio, tão escuro. Aqui, há uma divisão entre furos e cruzes, e, apesar de
estarem todos juntos, como dançando num baile, suas diferenças jamais serão
esquecidas, num mundo democrático em que, frente à urna, somos todos iguais,
não importante sexo, cor, raça, nível social etc. Mas também num mundo em que
as diferenças jamais serão esquecidas, nas inevitáveis dores da existência,
numa pessoa que geme de dor por ser desimportante, como um ator que, no início
da carreira, teve inúmeros sonhos apolíneos, mas que, no galgar dos anos, foi
se frustrando e acabou trocando de carreira, sepultando um sonho que, apesar de
belo, não resistiu às intempéries da Vida, como no choque entre dois mundos –
um mundo idealizado e o mundo real, num choque em que o idealizado é
pulverizado e o real, na sua dureza, prevalece. Aqui, é como uma tela de
bordado, na costureira com sua agressiva agulha, perfurando o tecido, na
metáfora ao redor das costureiras, tecendo os destinos das pessoas, fazendo com
que passemos uns pelas vidas dos outros, como conheci, certa vez, um amigo, e
ele e eu estávamos passando por uma devastação existencial muito grande, só que
por motivos diferentes, e eu jamais vou me esquecer deste amigo. Aqui, é como
aquele joguinho infantil de ligar os pontos e descobrir uma forma, um desenho,
uma lógica, algo palpável, solucionando um mistério e trazendo elucidação a
superstições tolas – é o poder da Razão, a lança afiada que todos temos em
nossas respectivas bainhas. Invertendo as cores aqui, temos um fundo negro com
estrelas brancas, numa dança de sedução entre claro e escuro, nas majestosas
fotos em preto e branco das estrelas hollywoodianas, fazendo metáfora com a
vida majestosa que nos espera após o Desencarne, quando um barco nos leva a uma
dimensão em que as vicissitudes terrenas nada significam – existe uma vida maravilhosa
após a Encarnação, e entes queridos, falecidos antes de nós, aguardam-nos em
uma suntuosa festa de retorno, como um filho que finalmente volta ao Lar. Esses
furinhos de Fontana são como um rastro deixado por serpentes, na sensual
liquidiscência das cobras, seres de constituição simples, minimalista, como um
cabelo impecavelmente aprumado com gel. É como um enxame de muitos mosquitos,
num grupo social complexo, numa família numerosa, muito numerosa.
Acima, Conceito Espacial (2). Uma vista do deserto do Saara, pontilhado
por inúmeras pirâmides, na necessidade do Ser Humano em entender a finitude da
Matéria. A cor é dourada, gloriosa, nos louros exclusivos que são jogados num
artista consagrado. É como a vista aérea de construções humanas, talvez querendo
obter a atenção de seres extraterrestres, que nos olham de cima, do espaço.
Parece que os ventos do deserto foram moldando essas construções, na
sensualidade das curvas erosivas que o vento foi desenhando por eras geológicas,
no fato de que nada na Terra é eterno, e nem o Sol é eterno, e do mesmo modo
que algumas estrelas morrem, outras nascem, num Universo em constante processo
de evolução e depuração. As pirâmides, com suas pontas agressivas, apontam para
o Céu, como se quisessem dizer algo, atingir algo, na esperança de que a alma
sobreviva à putrefação orgânica, numa esperança de que algo um pouco melhor do
que a dura vida material. São como estrelas inúmeras em uma galáxia, uma
família sideral, com estrelas girando em torno de um vazio, de um buraco negro,
nas incompreensíveis demandas cósmicas, num Cosmos que funciona como se fosse
um organismo só, na pergunta: O que há além da escuridão nos confins do
Universo? O que há depois? O que é a Eternidade? A Eternidade é poderosa demais
para ser entendida pelo Ser Humano, pois a Eternidade é o imenso poder de Tao,
o qual sempre esteve aqui. Estes furinhos de Fontana seguem uma certa lógica,
um balé, e desdobram-se como serpentes, fluindo pelas areias, famintas, sempre
em busca de comida, como insaciáveis pombas urbanas, sendo alimentadas por
cidadãos que se dão ao trabalho de comprar milho granulado, como uma pessoa que
conheço, que simplesmente ama os animais de rua. As dunas não são perenes, e
estão em constante processo de modificação, nunca caindo numa mesmice, no modo
como a pessoa nunca pode crer que atingiu um momento de perfeição, pois, como
dizem as leis básicas da Dialética, tudo é processo, tudo é dinâmico, no modo
como é uma ilusão acreditar que a Terra será para sempre como é, com os
continentes migrando para lá e para cá no passar de bilhões de anos – como a
Humanidade é jovem! É da cor de um biscoito, recém-saído do forno, espalhando
um doce cheiro de baunilha pela casa, como nos furinhos nos biscoitos de
bolacha Maria. São como fios gravitacionais entrelaçados num sistema social
complexo, em que o infrator é punido e rejeitado, no modo como um psicopata assassina
sua própria vida social, “queimando-se” com tudo e todos. São serpentinas num
baile de carnaval, na inofensiva brincadeira de salão de jogar confete uns
sobre os outros, num momento de festa, num momento que faz metáfora com a rica
agenda social metafísica. São como lombrigas num intestino, apoderando-se de um
organismo, sugando a Vida, como pragas em uma árvore, ou como pragas num vinhedo,
num viticultor permanentemente atento a qualquer insinuação de parasitas sobre
os vinhedos. É o exercício cognitivo de separar o joio do trigo, observando o
Mundo do jeitinho que este é, sem maquiagens ou idealizações, no sentido da
mortificação espiritual, no exercício de não mais se deixar seduzir pelos
agouros mundanos, rejeitando e desprezando estes. É como os cabelos sedutores
de uma sereia n’água, na sedução feminina que faz com que Marte curve-se
perante Vênus, numa sociedade machista em que é complicada a questão feminista,
pois o Ser Humano constrói inúmeras ritualizações em torno de gênero. São como
os cabelos esvoaçantes de uma Gisele, encantando o Mundo com o talento de
alguém que sabe se destacar numa passarela, na agressividade de uma pessoa que
não se contenta em ser só mais uma na multidão, numa atitude altamente
antissimplória. É uma água viva com seus tentáculos cáusticos, reinando sobre
as águas.
Acima, Conceito Espacial (3). Temos pinceladas afoitas, como um papel
higiênico usado, na ironia de que as catarses são fezes psíquicas, que limpam a
mente do artista catártico. É como a vista aérea de um complexo de
arquipélagos, com muitos subconjuntos cortados por muitos lagos e rios, no fato
de que a Terra é tão rica em Vida, sem o Ser Humano saber se há esferas no
Universo com tanta Vida como há na Terra, no modo como o Ser Humano sempre
olhou para as estrelas, perguntando-se o que são elas, como num documentário
biográfico que vi ontem mesmo, sobre Rita Hayworth, no talento instintivo de
certas pessoas que conseguem se vender muito bem, pois não há livro ou
faculdade que nos ensine a brilhar, e este aprendizado tem que ser individual e
instintivo – por que certas pessoas têm tanto talento para se vender e outras
não? Aqui, há uma minoria, que são as pinceladas brancas, relegadas a um papel
mínimo e coadjuvante, discreto, sempre sendo a dama de honra e nunca sendo a
noiva, no modo como as pessoas que vagam pelos submundos têm que se contentar
com migalhas, com restos, na prisão mental que é um submundo. Aqui, há a
supremacia das pinceladas douradas, numa vida iluminada, sem a escuridão fétida
do submundo. Aqui, é um artista se vendendo como ouro, dando-nos a impressão de
que o artista reconhecido em vida teve sorte, mas não é bem assim – é uma
ilusão crer que uns nascem com sorte e outros nascem com azar, e o fracasso de
alguém não é culpa do Mundo, apesar de parecer que este é injusto e cruel. O
fundo do quadro é um oceano denso, bem escuro, que esconde o que há por baixo,
no modo como a Divina Providência esconde certas coisas por um certo tempo,
sendo muito importante que a pessoa só veja aquilo que realmente deve ser
visto, pois quando não é para a pessoa ver algo, não tem Cristo que faça ver. A
Vida é uma cortina misteriosa, e nunca vemos o que não nos é permitido ver.
Esta é uma foto do Google Earth, dando a impressão de que a Terra é plácida e
perfeita, na perfeição de uma cidade metafísica, onde as dores existenciais
cessam e onde o indivíduo tem uma vida plena, produtiva e deliciosa. O sucesso
do Google Earth se deve ao fato da metáfora que o programa faz com o Mundo
Metafísico, um plano desvencilhado das vicissitudes terrenas. Neste programa de
computador, parece que tudo está em inabalável paz, e que os problemas do Mundo
e das pessoas, simplesmente, deixaram de existir. Lucio Fontana,
definitivamente, abraça a Arte Moderna e foge dos moldes clássicos acadêmicos,
no modo como a Renascença, na época desta, era o que havia de frescor e
novidade, com as ondas, as vogues ditando tendências e renovações, fazendo da
Arte um corpo dinâmico e imprevisível, numa Arte que simplesmente não tem como
cair na mesmice, sendo função da Arte trazer sempre frescor, sempre evolução,
acompanhando o galgar moral da Humanidade, pois o comportamento moral é o foco,
o objetivo da Encarnação, e os que não têm apuro moral, perecem no Umbral, na
dimensão na qual vagam aqueles que não aceitam que há algo muito além da
Matéria, do Físico. Aqui, é uma frente fria e úmida que vai se espalhando por
um país, numa Natureza ditando as regras, cabendo ao Ser Humano aceitar
humildemente tais golpes climáticos, sempre buscando se adaptar a dias frios ou
quentes; úmidos ou secos. E as pinceladinhas brancas resistem, valentemente,
como o Modernismo Brasileiro, que foi se impondo sobre moldes clássicos e
paradigmáticos de Arte, quebrando a membrana do tédio e tendo a mesma atitude
agressiva de Lucio Fontana, rasgando as telas, no prazer desvirginante de
morder um bombom de sorvete coberto de uma casca de chocolate. Aqui, temos a
ovelha negra da família, a anomalia em Matrix, fazendo do indivíduo contestador
o nervo de novas eras, no modo como a evolução de uma sociedade se deve à
atitude do indivíduo transgressor, e a Arte tem essa função, a tarefa de trazer
frescor e novidade, pois é claro que a Humanidade jamais permaneceria para
sempre na Renascença.
Acima, Conceito Espacial (4). Lucio pegou aqui um estilete e deixou sua
mácula, sua marca, como nas garras de Wolverine, rasgando o Mundo, trilhando um
caminho, desbravando caminhos nunca antes trilhados, na coragem de uma pessoa
que se permite sonhar. Aqui, é como um olho felino, afiado, que enxerga muito
longe, como lince. É o grande e terrível olho onisciente de Sauron, o Senhor
dos Anéis, o Senhor da Escuridão que quer agrilhoar o Mundo e ser o Senhor de
tudo e todos, acabando com a Vida na Terra e promovendo Fim dos Tempos, num cenário
apocalíptico, na fraqueza do Ser Humano perante os poderes mundanos do Anel.
Aqui, é como o órgão reprodutor feminino, numa fenda que conduz a uma caverna
de mistérios, no útero que é o santuário da Vida, o nervo da Vida, a sala
primordial que trouxe todos nós à Terra. É o portal, a passagem, o canal natal
que gera a Vida e traz encarnados ao Mundo. É o termo, a gíria “racha”, que
denomina seres humanos heterossexuais do sexo feminino, no modo como a
genitália feminina tem o aspecto de uma rachadura, de um trinco em vidro,
parecendo um coco que caiu no chão e que adquiriu uma rachadura. É como um
homem castrado, restando apenas a cicatriz da extirpação. É uma brecha que
permite que a pessoa respire, no modo como é insuportável a “falta de ar” nas
pessoas que simplesmente não produzem. São as brechas da Vida em Sociedade,
como o Machismo, por exemplo, num sociopata sugador e ardiloso que se aproveita
dessas brechas para emanar malícia e maldade. A Sociedade Heterocentrada, por
exemplo: o sociopata se aproveita dessa porta escancarada para causar mal a
outrem, numa inteligência brilhante, só que uma inteligência a serviço do Mal,
como na inteligência de um Bin Laden destruindo símbolos do poder americano.
Aqui, é um risco elegante e minimalista, num dano mínimo, nas inevitáveis
feridas que a Vida nos causa, deixando cicatrizes que não nos permite que
esqueçamos, com lições e aprendizados, na demanda existencial de lições
importantes sendo aprendidas, no modo como nada, na Vida da pessoa, acontece
por acaso, numa Divina Providência que tece nossos dias na Terra. É um risco
que demarca um antes e um depois, como na passagem de Jesus pela Terra, numa
agressividade do Bem, benéfica, sem amargor, num homem que trouxe lições
importantes, sempre visando a depuração moral do Ser Humano, como ser uma pessoa
honesta, digna de respeito, no modo como nas Cidades Metafísicas só há pessoa
boas, honestas e virtuosas, pessoas que jamais optariam pelo Mal. É como uma
jangada bem fininha, rasgando mares e rios, na ânsia humana em descobrir e
desvendar, como na Era das Navegações, ou na vontade humana de pisar em Marte,
num Ser Humano sempre sedento por superações e descobertas, na ânsia científica
em desvendar mistérios. É como um fiozinho de cabelo encontrado numa cena de
crime, num fiozinho que, na perícia, fará toda a diferença, nos vestígios que uma
pessoa vai deixando na Terra, como pegadas, com legados sendo entregues no
Mundo. Aqui, temos uma virginal base branca, e o olho felino negro é
misterioso, como se revelasse um interior que jamais fora revelado
anteriormente. Estamos olhando para os confins cósmicos, sendo bilhões de anos
insuficientes para vermos tudo o que nos cerca, no poder imenso por trás da
Eternidade, uma prova do poder intermitente de Tao, a virtude eterna. Este
rasguinho nos dá vontade de rasgar ainda mais para vermos o que há dentro, num
desejo de estupro cognitivo. Esta brecha deixa o quadro respirar, como uma
fenestração de banheiro, permitindo que a umidade do banho saia pela janela. É
como um corte de papel, um corte mínimo, mas que faz toda a diferença, porque
dói. É como uma mínima ferroada de abelha, que dói mais do que imaginamos
quando vemos um ferrão tão pequenino. É o ferrão sendo subestimado,
revelando-se fortíssimo e ensinando a lição de que não devemos subestimar
outrem.
Acima, Conceito Espacial Vermelho. O gosto de Fontana por rasgos, como
uma mão calejada, habituada à lavoura. É como uma estrada trilhada inúmeras
vezes, deixando vestígios de danos e desgastes, num atelier desgastado, um
lugar próprio para labor, numa feiura e numa bagunça que só o próprio artista
pode compreender. Temos aqui uma gruta, como em um dos episódios do desenho
animado Thundercats, numa gruta cujo interior fazia com que a pessoa, ali
dentro, envelhecesse extraordinariamente rápido, em questão de apenas alguns
segundos. É uma fissura, uma rachadura em uma parede, deixando vazar umidade,
nas inevitáveis imperfeições de tudo o que é feito pelo Homem, sendo este um
ser eternamente empenhado em tentar imitar Tao, o Impecável. A cor desta obra é
a da menstruação, nas memórias que tenho no colégio, com uma colega minha
“morrendo” de dores de cólica, chorando, tendo que tomar Atroveran Gotas. Esta
gora vai gotejando aos pouquinhos, lentamente, com passinhos de bebê, com muita
paciência, até o ponto longínquo em que o copo está cheio d’água, como uma
galinha, enchendo o papo de grão em grão, numa paciência eterna, como a Paciência
Divina, sempre disposta a perdoar, pois o crescimento depende do perdão. É uma
cor muito recorrente em bandeiras nacionais, no fato de que o Ser Humano, em
seus patriotismos, é universal, e as diferenças culturais são apenas
superficiais e ilusórias, no modo como, por exemplo, a Arte é universal, assim
como o Patriarcado. É a cor da Guerra, da feiura, do ódio e da raiva, na eterna
inclinação humana em subestimar a Paz, pois só há prosperidade em meio à Paz,
nunca em meio à Guerra, sendo esta uma interrupção, um abalo sobre o qual nada
pode ser construído; nada pode prosperar. É a cor da feminilidade, da maçã do
pecado, na misoginia bíblica, culpando uma mulher pelos males da Humanidade,
fazendo da Mulher um mero e grotesco arremedo da obraprima de Deus, que é o
Homem. É a maçã que a bruxa dá a Branca de Neve, na cor da sedução, dos
organismos regados a sangue. É como uma supernova explodindo, numa grande
estrela, como uma Gisele, com a capacidade de ditar uma tendência capilar
mundial que já dura anos e anos. A intenção da Arte é imitar as forças da
Natureza, no modo como o Ser Humano, desde cedo, identifica fenômenos naturais
com deuses, como o Sol, a Lua, os rios, as estrelas etc. E o artista, no fundo,
quer ser isso, quer ser uma força da Natureza, quer abalar estruturas, quer
fazer o chão tremer, e tudo o que o artista não quer é ser ignorado, às vezes
apelando para artifícios, sempre visando obter atenção, na amargura na vida de
um artista que é, desde sempre, ignorado pelo Mundo em geral, numa frustração
triste. É a cor rubra do olho do computador maléfico do filme 2001, fazendo na Inteligência Artificial
um demônio que pouco se importa com a depuração moral da Humanidade, fazendo
metáfora com o psicopata, uma pessoa fria, desalmada e cruel, que debocha de
pessoas moralmente empenhadas. Este rasgo de Lucio Fontana traz um respiro,
como se a obra fosse um ser vivo que precisa respirar para viver, para se
manter no Mundo, no modo como o nervo da Arte é a Vida, pois esta é obra de
Tao, o misterioso, num enigma fácil de ser perguntado e difícil de ser
resolvido – o que faz um coração bater? E é exatamente este mistério o que move
o Ser Humano, seja na Arte, seja na Ciência. O interior aqui é imprevisível,
negro, precisando ser iluminado pelas luzes do Conhecimento, na cor negra dos
confins do Universo – será que existem barreiras delimitando o Universo? E após
essas barreiras, o que existe? Temos que crer no Infinito. A velocidade da Luz
é muito lenta em termos cósmicos, numa vastidão incrível. Aqui, é uma porta
estreita, e só os moralmente honestos podem passar, entrando para a Dimensão
Metafísica, a dimensão do desapego material; do contrário, há Umbral, o lugar
onde vagam os não muito honestos. Tao não faz o Mal – o Mal é um capricho
humano. Ouvimos aqui um mínimo ventinho fluindo pela brecha, no ar que nos une
ao redor da Terra.
Acima, Teatrino. Dois espectadores abraçados assistindo a um filme ou um
espetáculo. A pessoa da direita é maior, talvez o homem, no papel de protetor,
protegendo a pessoa menor e mais fraca, que é a mulher, no modo como a
Sociedade considero belo um casal cujo homem é mais alto do que a companheira,
na relação erótica entre protetor e protegido, como Batman e Robin. A tela aqui
é dourada, muito dourada, no ouro metafísico cornucópico que nos aguarda na
dimensão acima, uma dimensão que não é submetida às intempéries da Natureza. Na
tela, há furinhos em uma fila indiana, como o rastro viscoso deixado por uma
lagarta, como um artista construindo uma carreira, sempre sabendo que não pode
parar de trabalhar, de lutar pela Vida, pois, se parar, sabe que virará peça de
museu – não importa quanto sucesso alguém obtém, pois este alguém sempre tem
que ter a força para virar a página e seguir em frente com a Vida. Aqui, a tela
é uma aurora majestosa, na sedução da Estrela D’Alva, sempre anunciando um novo
dia, na beleza das terras metafísicas, o Reino prometido por Jesus – temos que
ter Fé. Todo o entorno da cena é bem escuro, absolutamente preto, como as
tubulações em banheiros, levando a túneis escuros, no mistério que divide o
Universo entre Físico e Metafísico. A escuridão é a imprevisibilidade da Vida,
sempre nos pregando peças, sempre fazendo brincadeiras, sendo essencial à
pessoa entender o senso de humor de Tao. Esses furinhos são como a trajetória
de um corpo celeste, no modo como os antigos observadores sabiam que certas
estrelas, que hoje sabemos que são planetas, “dançavam” pelo Céu,
diferentemente do restante das estrelas. É como uma parede calejada, que já
recebeu inúmeras obras de Arte penduradas, numa galeria com toda uma história e
uma trajetória, sempre sendo necessário fazer com que a parede seja imaculada,
tentando o Ser Humano entender o que é uma Imaculada Conceição, que é a total
ausência de Matéria, de coisas, de objetos, de joias, de metais etc., no
sentido de que a Vida Material é uma ilusão, uma grande ilusão, grande ao ponto
de seduzir muitos espíritos mundanos e indepurados. Acima na cena, formas que
são como galhos de árvore, no modo como a Natureza vai invadindo a Vida em
Sociedade, no constante trabalho terrestre de varrer ruas e podar plantas,
fazendo com que as Cidades Físicas se pareçam ao máximo com a dimensão acima. E
a aurora permanece majestosa, como se todo o universo fosse pintado de ouro,
fazendo parecer com que o ouro físico seja absolutamente tudo; mas não é. O
Cinema é a capacidade humana em sonhar com um mundo não tão duro como este no
qual estamos encarnados, acorrentados. Como na II Guerra Mundial, época em que
o Cinema tinha a missão de nos fazer esquecer de tantas tristezas, tanta violência
e tanta morte, no modo como os Jogos Olímpicos foram suspensos nos períodos
bélicos, assim como a Festa da Uva de Caxias do Sul foi suspensa durante o
conflito. E os namorados abraçados curtem um momento de interação social,
havendo no casal heterossexual uma inevitável representatividade – Yin e Yang,
os opostos que formam Tao, o perfumado Amor Eterno. Os furinhos são como
capelinhas, e dentro de cada uma há um astro, um artista célebre, ou um
político célebre, no modo humano de culto às celebridades, no modo como Jesus
Cristo foi um grande superstar, o maior da História do Mundo, segundo o
Espiritismo. Os pontilhados são a organização da Vida, com um dia após o outro,
no modo humano de contar o Tempo linearmente, entre passado e futuro, havendo
no Tempo uma ilusão, pois o resto do Universo despreza absolutamente os modos
humanos de contar o Tempo, por meio de rotações e translações que, fora de
nosso sistema solar, nada significam. As cabeças desses namorados são grandes,
no crescimento mental por meio da Arte, havendo nesta a dignidade de nos fazer
humanos. Esta aurora é a de Scarlet O’Hara, tirando força do fundo d’alma para tocar
a Vida para a frente.
Referências bibliográficas:
Lucio Fontana. Disponível em <www.catalogodasartes.com.br>.
Acesso 17 abr. 2019.
Lucio Fontana. Disponível em <www.fondazioneluciofontana.it>.
Acesso 17 abr. 2019.
Lucio Fontana. Disponível em <www.guggenheim.org>.
Acesso 17 abr. 2019.
Lucio Fontana. Disponível em <www.museoreinasofia.es>.
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Lucio Fontana. Disponível em <www.pt.wikipedia.org>.
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Lucio Fontana. Disponível em <www.touchofclass.com.br>.
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Lucio Fontana Obras. Disponível em <www.google.com>.
Acesso 17 abr. 2019.
quarta-feira, 17 de abril de 2019
O Máximo de Ousadia
Max Ernst (1891 – 1976) foi
um surrealista alemão de nascença que se radicou nos EUA e na França. Tendo Van
Gogh como ídolo, estudou Psiquiatria e Filosofia. Em 1953, ganhou prêmio na
Bienal de Veneza. Suas obras têm de duas a três dimensões. Os textos e análises
semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!
Acima, A Virgem espancando o Menino Jesus ante Três Testemunhas – Andre
Breton, Paul Eluard e o Pintor. Esta cena, que poderia escandalizar alguns,
é muito cômica, pois mostra que a Sagrada Família é um clã como qualquer outro,
com discussões e brigas, e este quadro certamente escandalizaria uma certa pessoa
falecida de minha família, uma pessoa muito religiosa. Aqui, Nossa Senhora nada
tem de doce, e mostra-se uma mãe enérgica e rigorosa, punindo o filho da forma
tradicional de tapinhas na bunda. A aureola de Jesus está caída ao chão, e
neste momento o Salvador é uma criancinha como qualquer outra, fazendo suas
travessuras e aprendendo lições básicas como se comportar, ter bons modos e
demonstrar respeito aos mais velhos. Aqui, Jesus está sofrendo as dores da
Crucificação, e seu bumbum está vermelho de tantos tapas. Claro que podemos
ouvir o choro da criança, num momento que vai marcar a vida deste infante, o
qual jamais esquecer-se-á deste momento de punição, numa lição sendo aprendida
do pior modo possível. É um remédio amargo que faz bem. Podemos ouvir o som de
cristal sendo brindado, no momento em que a delicada aureola dourada cai. Este
momento faz metáfora com a Morte na Cruz – estamos perto da Páscoa! –, num
momento em que o Filho de Deus perde toda sua divindade e é punido e humilhado
como um homem qualquer sem eira nem beira, punido como um bandido, um
psicopata, um verme desprezível ante o Código Penal Romano. Jesus está nu como
veio ao Mundo, e, aqui, Jesus não é perfeito como na Tradição Bíblica, mas é um
menino sapeca e irritante, irritando sua mãezinha, fazendo com que esta também
se mostre uma figura desidealizada, humana, repleta de vícios e fraquezas. É um
quadro um tanto iconoclasta, irreverente, e precisa ser apreciado com bom
humor, não com conservadorismo inflexível. A Madona está num pedestal, mas não
está se mostrando uma figura idealizada, doce e clemente, mas uma mãe que sabe
que ela própria é responsável pela construção moral do próprio filho. A Madona
veste vermelho, uma cor vibrante, do sangue mostrando que sangue quente pulsa
em seu corpo, caliente, cálida, sedutora, muito diferente de tons neutros ou
esbranquiçados, tons estes que conotam pureza, virgindade e perfeição moral. É
uma cor sexual, típica de bordéis, e isso me remete a uma intelectual que
conheci, a qual, inesquecivelmente, disse-me: “Maria era uma puta, pois teve
filho com alguém que não era seu marido!”. É a cor do sangue derramado na cruz,
numa mãe que abraçou o cadáver ensanguentado do filho, numa cena que antevê a
morte trágica e excruciante, sofrida, martirizante. É o fato de que Jesus era
um homem de carne e osso, e o tom rubro é o vinho, Seu sangue, bebido na Última
Ceia. A veste mais inferior de Maria é de um azul marinho, cor de Iemanjá, e
Jesus parece estar perdido em meio às imensidões oceânicas do Universo, um
Cosmos tão vasto, tão enigmático – será que um dia o Ser Humano compreenderá
isso tudo? O vermelho é a cor da menstruação, num Jesus gerado numa bolsa
vermelha, nas dores das cólicas menstruais, nas dores das palmadas, nas dores
da Crucificação, no fato de que as dores existenciais são inevitáveis e
naturais, e o que muda é o modo do indivíduo lidar com essa dor – se aceitar
esta, esta deixa de ser tão incômoda; se não aceitar, a dor piora... Atrás na
cena, três homens assistindo quietos à cena, talvez o Três Reis Magos visitando
o Menino na manjedoura. É a sociedade machista, a qual pouco permite liberdades
a uma mulher, estabelecendo que só há dois tipos de mulher – a pura e a puta,
quando, na verdade, nenhuma das duas existe. Esta cena tem uma arquitetura
moderna, minimalista, elegante e sedutora, num arquiteto modernista que parece
ter respirado os ares do Movimento Modernista Brasileiro dos anos 1920. Os
homens conversam entre si sem interferir na cena, deixando que a roupa suja se
lave em casa.
Acima, O Chapéu faz o Homem. Aqui, temos um jogo intrincado de equilíbrio,
e os chapéus simbolizam a masculinidade, o estilo de um homem, e os chapéus
estão interligados como num clube exclusivo para cavalheiros, como na
Maçonaria. Estes chapéus estão expostos numa vitrine, em um tempo em que o
acessório era obrigatório a um homem, um hábito que, hoje em dia, perdeu muito
de sua força – é o galgar das modas. Estes cavalheiros estão calmamente
conversando, como num café, em uma ala exclusiva para os homens, na inevitável
cisão social entre homens e mulheres, numa sociedade patriarcal, que não perdoa
um Bolinha fora do Clube do Bolinha. O fundo do quadro é rústico, numa parede
crua, tosca e acolhedora, na simplicidade acolhedora de ambientes simples, de
ambientes sem sedentas pretensões aristocráticas, no modo como um regente tem
que se mostrar sempre muito simples para, assim, conquistar a confiança de seu
próprio povo, pois o povo confia em pessoas humildes e pés no chão, como o
carismático Papa Francisco. Os chapéus são a discrição, o resguardo, a
proteção, protegendo tanto do Sol quanto da chuva, como um telhado, numa parte
fundamental de um lar. O cavalheiro polidamente tira o chapéu ao entrar num
recinto, deixando o casaco e o chapéu na chapelaria (!). O gesto de tirar o
chapéu significa humildade e polidez, como um homem tirando o chapéu para
cumprimentar uma dama, no termo “de tirar o chapéu”, que significa respeitar
alguém. Todos os chapéus aqui são escuros e discretos, como se houvesse uma
regra implícita de conduta, numa frase hilária que ouvi certa vez: “Não deixe
um bando de italianos homossexuais lhe dizer como um homem deve se vestir”.
Apesar da sisudez masculina, temos aqui também muita cor e alegria, numa
animada conversa entre homens, como num café de Caxias do Sul no qual, todo
início de tarde, vários senhores se reúnem para colocar o papo em dia, num
clima animado e descontraído, como no programa televisivo “Papo de Segunda”,
com homens debatendo os assuntos do momento. Aqui, há um prisma de diversidade,
numa alegria feminina, como uma drag queen “quebrando o gelo” e impondo-se
implacavelmente. É a dança de sedução entre masculino e feminino. Esses chapéus
estão em busca de equilíbrio grupal, tentando estabelecer harmonia e rechaçar
ao máximo quaisquer violências, com cavalheiros cordatos, civilizados, que se sentam
para ter uma boa e construtiva conversa. Estes chapéus estão em uma dança, no
modo como existe, em várias culturas, o hábito dos homens se reunirem para
dançar juntos, como nas tradições islâmicas, em contextos culturais nos quais
mulher não entra – e é assim em qualquer lugar do Mundo... Há, aqui, muitos tons
de dourado, no modo como vale ouro um cavalheiro nobre e respeitoso, no
inestimável valor da virtude, de Tao, a elegância eterna, a majestade
irresistível, como num majestoso tapete persa, como a Cleópatra de Liz Taylor
sendo revelada no início do filme, como um tesouro inestimável, numa mulher que
soube se vender muito bem, no tino comercial de outra certa pessoa, cujo nome
não mencionarei. Aqui, há um sabor tutifruti, como num saco das extintas balas
Soft, como num monte de bolinhas de gude, na magia das cores que seduz a
criança e marca a infância de uma pessoa, numa época em que a Vida é simples,
muito simples. Quase ao centro do quadro, vemos uma tora de madeira, a qual é,
é claro, o falo, no termo “botar o pau na mesa”, que significa uma pessoa que se
impõe ao Mundo, como na majestosa Dame Judy Dench num recente filme em que a
estrela interpreta uma rainha Vitória idosa, à beira do desencarne, quando,
numa cena, a rainha dá um “para-te quieto” no próprio filho, o qual ameaçara
depô-la alegando que a monarca era mentalmente doente e incapaz. O falo é a
coragem, o ímpeto, numa pessoa buscando o seu lugar no Mundo, buscando uma
identidade, uma força, uma representatividade, num grande e gordo desafio, que
é o autoencontro. Apesar dos chapéus aqui serem tão similares, há muitos
chapéus que buscam ter identidade e particularidade, num processo existencial
que ocorre dentro da pessoa, e não fora desta.
Acima, Pássaros e também Peixe, Cobra e Espantalho. Aqui, há um pássaro de
duas cabeças, como duas sentinelas, como nas sentinelas do clássico dos anos 80
História sem Fim, no qual qualquer um
que passasse pelas sentinelas era alvejado por raios terríveis emanados dos
dois lados. É como gêmeos siameses, condenados a viver grudados, numa má
formação que, antigamente, deveria ser considerada uma aberração inaceitável.
Os pássaros são brancos, da cor da Paz, da pureza, como na pele da virginal
Elizabeth, num reinado pacífico e próspero, imitando ao máximo os eternos
reinados metafísicos. As bocas dos pássaros emitem espadas delgadas,
penetrantes, perigosas, no poder de atitudes finas e elegantes, minimalistas,
limpas. De um lado vem um peixe, que é a liberdade de pensamento, viajando
livre pelos mares da criação. De outro lado, há algo parecido com um balão de
paraquedas, na leveza de um Max sempre disposto a trazer o inusitado, na
criatividade avassaladora dos surrealistas, num movimento artístico realmente
revolucionário, debruçado sobre os labirintos da mente humana, aliado à
Psiquiatria, tentando desvendar os códigos oníricos, as projeções do self da pessoa, num sonho em que a pessoa
projeta partes de si mesma, como se olhasse num espelho, e não é feliz aquele
que conhece a si mesmo? Na porção inferior do quadro vemos uma serpente terrosa,
de argila, na cor da terra, da Mãe da Biodiversidade. A cobra está ereta,
atenta, talvez planejando um bote, no modo como o artista vai preparando os
seus “botes”, fazendo com que as pessoas se perguntem qual será o próximo bote,
num clima de fãclube e expectativa. Na cena, um barco verde conduz os pássaros,
os quais estão trazendo várias peças de roupas. O barco é a curiosidade
exploratória, aquilo que faz um cientista formular teorias e hipóteses,
querendo desvendar o véu de Deus. Há uma roupa vermelha, em chamas, na sedução
de uma lareira e um cálice de vinho. Há uma saia dobrada, a qual significa a
organização, o ordenamento de ideias, no modo como a pessoa tem que organizar a
própria vida, sob a pena de excruciante dor existencial, no modo como sofrem as
pessoas que parecem ser tão desoladas e abandonadas, como se carecessem de um
anjo da guarda, como um miserável mendigo na rua falando consigo mesmo em voz
alta, com sua própria mente lhe dando alguém com quem possa conversar. Vemos um
touro furioso e indomável, num ímpeto do tamanho do Mundo, num artista de obras
contundentes, difíceis de ser ignoradas. Uma mão tenta conter o touro, talvez a
mão do próprio Max, buscando dar um certo frio a tanto ímpeto avassalador. Do
outro lado do quadro, um manequim com um delicado vestido feminino rosa, num
manequim sem cabeça, que é a ausência de lógica nos códigos oníricos, só
podendo ser desvendados numa sessão de psicoterapia, sob a luz fria da
observação de um terapeuta competente. Sua cintura é fininha, delgada,
simbolizando elegância e beleza, na ditadura dos padrões de beleza, numa
sociedade que faz com que a pessoa fora desses padrões se sinta marginalizada,
o que me remete a uma recente campanha publicitária de cosméticos, em que uma
linda moça com vitiligo hidrata a própria pele, ou também uma moça obesa, longe
da ditadura da magreza semianoréxica vigente no Mundo. Este barco é como um
caixão sendo aberto, numa pessoa que morreu e ressuscitou, deixando para trás a
Vida Material e abraçando a glória que é a Vida Metafísica, um momento em que a
pessoa não só é feliz como também sabe que é feliz. Na porção mais superior do
quadro vemos uma garrafa voando, e de dentro dela sai um gás branco, como um
gás lacrimogêneo, reprimindo violentamente rebeliões violentas, nas lágrimas de
Jesus na Cruz, na garrafa simbolizando o vício, numa pessoa agrilhoada à
Boemia, num lugar de recreação de vícios. O fundo deste quadro é incerto,
nebuloso, como um vidro opaco que nos impede de observar algo com clareza,
pois, quando encarnada, a pessoa só consegue ver as coisas por um vidro opaco,
muito opaco. É assim mesmo.
Acima, Pietà. Temos um Max irreverente e inovador, com toneladas de senso
de humor. Aqui, temos uma subversão da clássica imagem católica da Pietà. Não há uma mãe, mas um pai,
elegantemente vestido, com chapéu, terno e gravata, da cor da terra, do chão,
num Max confortável em seu próprio chão, no modo como são felizes aqueles que
param de construir expectativas em relação à Vida, numa mortificação
espiritual, no caminho da maturidade e da sabedoria. O cavalheiro terroso tem
um garboso bigode, num rosto impecavelmente aprumado, como um noivo se preparando
para o grande dia. Ele se parece com um certo deus hindu que usa bigode, num
princípio masculino, como nos deuses homens gregos, no modo taoista de dividir o
Cosmos entre Yin e Yang, cuja junção nos traz o Grande e Enigmático Arquiteto.
Então, esta Nossa Senhora masculinizada segura o filho Jesus morto, vítima de
cruéis ferimentos, numa imagem muito poderosa, que perdura até hoje (e
provavelmente perdurará ainda por muito tempo, quiçá para sempre). Este Jesus
pós-moderno veste uma camisa branca, sem qualquer manchinha de sangue, no modo
como a carne fica para trás e o espírito sobrevive à Morte – somos todos
sobreviventes. Sua calça é vermelha, claro, da cor do sangue, como na divertida
obra de Dan Brown, em que há uma linhagem sanguínea de Jesus que dura até hoje,
numa família discretíssima, secreta, cheia de virtude e humildade, sugerindo
que apuro moral é geneticamente transmissível, o que não é verdade, pois apuro
moral está na mente, não no corpo nem no DNA deste. As mãos desta Maria Macho
são transparentes, discretas, retiradas, na virtude que existe numa pessoa que
não quer chamar atenção sobre si mesma, como se temesse que o perigo está à espreita,
como num líder cauteloso, que sabe que o perigo pode estar em qualquer esquina
da Vida. A calça vermelha é o martírio. Será que Max gosta de brincar
inocentemente com ícones católicos? Teria Max alma de palhaço, como Mr. Bean? A
pele deste Jesus é azul, da cor do Reino dos Céus, a terra imaterial prometida,
no modo como não há provas científicas da Vida Metafísica, e é uma grande
provação à pessoa acreditar que algo melhor nos espera, como vi hoje mesmo, na
rua, um menininho que precisava de um andador para caminhar, sendo auxiliado
pela zelosa mãe, ou seja, a Vida é difícil para todos nós, meus amigos. O tom
terroso acompanha o motif pascal de chocolate, no perfume das chocolaterias de
Gramado, na cor da cruz em que o Salvador foi torturado até a morte. É a cor de
sangue “enferrujado”, nas relíquias do Vaticano, como o Santo Sudário. Ao fundo
na cena, vemos uma luminária, com um formato parecido com um ponto de
interrogação, na inevitável dúvida cinzenta existencial, nos versos de um
clássico da Broadway: “Nada é totalmente negro; nada é totalmente branco”. A
luminária é a tentativa humana em trazer luz a tantos mistérios que nos cercam,
como o que terá acontecido com o cadáver de Jesus. Também ao fundo na cena, grades
de sacada, como um artista na sacada, observando e pintando o Mundo que o
cerca, no fato de que é preciso que a pessoa tenha uma pitada de contemplação
em sua vida, e não apenas trabalhar, trabalhar e trabalhar, no modo como eu,
por experiência de Vida, cheguei à conclusão de que a Vida com 100% de labor é
desinteressante, muito degradante, como um Jesus na Cruz. Também ao fundo vemos
o desenho de outro homem, como um espírito translúcido, como a Matéria Escura invisível
que une o espaço sideral entre inúmeras galáxias – será que, algum dia, o Ser
Humano vai entender tudo o que o cerca? Essas grades de sacada lembram o famoso
adereço judaico, com vários castiçais para velas, talvez num Max que, apesar de
ser tão brincalhão com ícones sérios, tenha uma verdadeira paixão por
espiritualidade, como no filme Dogma.
O homem desenhado ao fundo tem um semblante triste, num Max catarseando um
sentimento de frustração, de expectativas naufragadas, como um Titanic.
Acima, Vestido de Noiva. Toda a beleza da nudez feminina, mas um nu não
muito agressivo ou vulgar. Num plano mais à frente, uma mulher veste um grande
manto cor de carne, como na famosa Casa da Luz Vermelha, o bordel de Jorge
Amado. Não podemos ver todo o corpo desta modelo, e ela está perfurada por uma
flecha, na tentativa humana de agressividade científica, perfurando os dragões
e descobrindo segredos científicos. É como o santo martirizado, perfurado por
várias flechas, no termo “espetada” nos consultório de Psiquiatria/Psicologia,
onde o terapeuta faz com que o paciente confronte fatos dolorosos da
existência, como dores e frustrações. Ao lado da mulher cor de carne, vemos um
demônio verde, na cor da inveja, ameaçando furar a mulher com mais uma lança,
no modo como a sociedade patriarcal impede que a mulher viva livremente, como
nas meninas que sofrem mutilações genitais em várias partes do Mundo, numa
esfera em que a mulher não pode ser livre para ter escolhas – como é duro ser
mulher ainda! Ao fundo na cena, um quadro na parede que traz a mesma mulher cor
de carne, numa metalinguagem – pintura falando de pintura, como num espelho, em
que a mulher olha para si mesma, no símbolo do sexo feminino, que é um espelho.
No quadro ao fundo, vemos um alegre dia de Céu de Brigadeiro, numa paisagem
feliz, ensolarada, aberta, em que a pessoa deixa para traz os grilhões físicos
e abraça a gloriosa vida metafísica, num ambiente californiano, no qual nunca
chove nem há nuvens de incerteza nos céus. O chão da cena é em xadrez, no modo
como a Humanidade inventa a Inteligência Artificial, quando um programa de
computador venceu, no Xadrez, o homem que era o campeão mundial na categoria,
como nos prognósticos caóticos e pessimistas de Harari, que afirma que podemos
estar nos encaminhando em direção a uma Ditadura Digital, como no contexto de
ficção científica da trilogia Matrix.
A mulher à frente toca o corpo de outra mulher nua, sendo esta da cor roxa, com
um pescoço descomunal e um rosto quase inobservável, usando na cabeça uma saia
com pregas, como na coroa imperial do famoso busto de Nefertiti, fazendo metáfora
com cérebros avantajados, inteligentíssimos, talvez iguais a criaturas
avançadas que não necessariamente são da Terra, no eterno mistério que cerca a
Ufologia. Estas duas mulheres têm seios avantajados, talvez lactantes, prontas
para amamentar sua prole. Mais abaixo na cena vemos uma pequena mulher verde,
da cor do demônio da cena, com quatro seios no peito, talvez como os de uma
cadela, a qual sofre por uma desnutrição para poder amamentar os filhotes, no
modo mamífero de uma mãe ser absolutamente zelosa enquanto os filhos não
crescem, com a diferença que, na raça Humana, a maternidade dura para sempre,
sobrevivendo ao Desencarne, assim como todos os outros vínculos de família também
sobrevivem. A parede ao fundo traz tijolos cinzentos, como paralelepípedos
cinzentos em um dia frio de inverno, como se houvesse uma batalha épica entre
Luz e Escuridão, no arquétipo universal do Bem versus Mal. Podemos ouvir alguns
lamúrios destas mulheres, gemendo talvez de dor, agrilhoadas a um corpo sujeito
às cólicas menstruais, na vida difícil da mulher, enfrentando mensalmente essa
vicissitude orgânica. Este manto rubro é majestoso, e é o interior uterino, no
ventre sacro de Nossa Senhora, a Grande Mãe para cujos braços voltamos ao término
de uma missão na Terra, na desnecessidade de algumas pessoas que pregam o fim
do culto à Nossa Senhora, havendo nessas pessoas uma dificuldade de compreensão
metafórica. A mulherzinha verde está grávida, e podemos já antever o choro do
nenê recém-nascido. Ela parece chorar, como se soubesse que enfrentará horas e
horas de um complicado trabalho de parto, no modo como o corpo físico está
sujeito a dores e desconfortos – a Vida dói em todos nós. Aqui, são mulheres
jovens, que não sabem ainda o que é envelhecer, na juventude eterna dos clubes
elegantes metafísicos.
Referências bibliográficas:
Max Ernst. Disponível em <www.suapesquisa.com>.
Acesso 10 abr. 2019.
Max Ernst Obras. Disponível em <www.google.com>.
Acesso 10 abr. 2019.
quarta-feira, 10 de abril de 2019
Pelos Mares da Arte
O americano John Atherton chegou
a servir na Marinha durante a I Guerra Mundial. Fez curso em uma escola de Arte
em São Francisco,
Califórnia. Fez muitas capas para o periódico The Saturday Evening Post. Tem
obras que estão nas coleções dos museus Met e MoMA, ambos em Nova York. Homônimo
de um bispo anglicano que viveu há séculos, o artista John sofreu clara
influência do Surrealismo. Um bispo da Arte. Os textos e análises semióticas a
seguir são inteiramente meus. Boa leitura!
Acima, A Caverna. As belezas internas de uma caverna, em tesouros
geológicos, como no interior de uma ametista, uma pedra que é feia e subestimada
por fora; linda por dentro, no sentido de que não devemos subestimar as
pessoas, sempre querendo observar o que a pessoa tem dentro, na mente. Aqui, é
como um reino natural, majestoso. Os picos no teto ameaçam cair, matando ou
ferindo os visitantes, na metáfora do termo “ponta de faca” – a faca está ali
quietinha no canto dela, ou seja, tome distância, respeite-a, e não pense em
dar murros... São formas geológicas fálicas, como no Código de Hamurabi, no grande
falo de obelisco que tem a missão de reger um povo e de trazer unidade a um
reino, no desafio que é conquistar a fé do Povo, um povo sempre atento aos
menores deslizes de seu líder, como um monarca recém empossado, com o desafio
de se mostrar respeitoso e clemente, muito longe do frio coração de um ditador,
um ditador que simplesmente faz com que o Povo sofra com fome e miséria, como
em um certo país latinoamericano no momento. São formas que lembram o famoso
“Dedo de Deus” na região serrana do Rio de Janeiro, num dedo rochoso que aponta
para o céu, tal qual uma pirâmide, uma seta que aponta para o sentido de
depuração, de gradual desprendimento material, sempre atento ao psíquico, ao
intelectual, rejeitando as ilusões mundanas como pedras preciosas. São como grandes
formigueiros, repletos de Vida, num sistema social que nunca para, como no
título de “cidade que nunca dorme” para Nova York. É a tentativa humana de compreender
as cidades metafísicas, dimensões onde não há fadiga, mas muito labor e
diversão – existe todo um plano divino para conosco. Esses “formigueiros” são
como ondas revoltas em um mar tenso, como forças d’água que ameaçam virar
barcos pesqueiros, como no romance Moby
Dick, em que o leitor, em certo ponto, começa a sentir como se estivesse
ondulando em um barco! É o desafio de obter Paz em um mundo tão aguerrido, tão
dividido por guerras e conflitos, na eterna tendência humana para a violência,
para a estupidez das ganâncias. As rochas pontiagudas no teto parecem gotejar
aos poucos, formando-se mineralmente num processo de muitos milênios, na calma
que a Natureza tem para se desdobrar, como galáxias que levam muito, muito
tempo para se formar, num Universo vasto ao ponto de ser imenso, imprevisível,
muitíssimo além de qualquer cogitação humana, pois o Ser Humano é uma singela
formiguinha em um formigueiro incomensurável. Esses picos são como cortinas em
uma sala suntuosa, num lugar que precisa ser iluminado artificialmente, no modo
humano de trazer luz e esclarecimento aos mistérios naturais, como um
telescópio Hubble, mirando nos confins do Universo, encontrando cada vez mais
galáxias, que se espalham pelo Cosmos como conchinhas à beiramar – é o hálito
marinho da Grande Mãe, Iemanjá. Nesta cena, há três pessoas pequeninas,
ínfimas, quase imperceptíveis. Essas pessoas expressam a pequenez do Ser Humano,
num ser em meio a um ambiente tão amplo, fazendo das Ciências meras tentativas
de obter esclarecimento, como me disse certa vez um professor: Fazer Ciência é
adivinhar como um relógio funciona sem poder abrir este. Aqui é como o interior
do Corpo Humano, cheio de veias e órgãos, na tentativa científica de explorar
sempre, sempre no desafio de se fazerem descobertas, numa intermitente sede por
Conhecimento. Nessas três pessoinhas, duas são um casal, representando a união
dos opostos que geram a Vida. A pessoinha sozinha é o sentimento de solidão, de
estar perdido, sentindo-se tão ínfimo e desimportante em um Mundo tão vasto e
desafiador. Aqui, temos uma certa claustrofobia, pois não estamos ao ar livre,
talvez num John catarseando um sentimento de opressão.
Acima, Formas Envelhecidas. Podemos observar uma semelhança entre Atherton
e Dalí, na forma inevitável como os artistas inspiram uns aos outros, como
comidas diferentes sendo assimiladas pelo mesmo estômago, ao mesmo tempo. Temos
aqui um lugar ermo, deserto, sem uma viva alma, talvez num artista catarseando
um sentimento de abandono e solidão. Podemos ouvir o barulho do Mar, das ondas
requebrando, na forma como a orla é uma página em branco, esperando para ser
preenchida, na sedução da passividade, do princípio feminino que seduz em sua
inércia, como água caindo para o nível mais baixo, na forma como o grande artista
é como uma força gravitacional, sempre puxando o espectador, sempre apimentando
as percepções deste. As canoas na areia parecem estar abandonadas, danificadas,
não mais prestando para pescar. É um cenário de abandono, como um amante opta
por chutar o outro, relegando este a um sentimento amargo de rejeição, fazendo
com que lágrimas sejam vertidas, na dança imprevisível dos sentimentos, das
paixões, talvez num John farto disso tudo, decidindo fazer da Arte um band-aid
que cure tais feridas sentimentais. A areia está intocada, virgem, sem qualquer
sinal de pegadas humanas, numa praia esquecida, ignorada, como perguntaram
certa vez à atriz Marília Pêra o que a entristecia, e a diva disse: “Um teatro
com plateia vazia”. Neste cenário de abandono, ninguém se importa com a praia
ou com as canoas, num céu de tons incertos, num dia de incerteza, como na
excruciante dúvida existencial de uma pessoa deprimida que simplesmente não
sabe o que fazer nem para onde ir. É um desnorteamento. Em primeiro plano no
quadro, um maquinário estranho, obsoleto e abandonado, com elementos incertos,
pois não sabemos ao certo para que servem. É como uma pessoa que não sabe qual
é o seu próprio lugar no Mundo, com peças enigmáticas, danificadas pela
passagem do tempo e pela maresia inevitável da orla. É algo sem qualquer
manutenção, sem qualquer cuidado, com uma vida que foi abandonada, só restando
vestígios incertos de inutilidade, como um ator se frustrando na carreira
cênica, optando por mudar de carreira e se tornar, por exemplo, advogado. É o
amargo sabor da frustração, mas um remédio amargo que acaba fazendo muito bem
ao amargurado. Vivemos num mundo em que o indivíduo vive obcecado em obter
sucesso, e a autoestima da pessoa desaba quando esta falha e fracassa. Vemos
aqui toras de madeira fincadas na areia, como os pregos que crucificaram Jesus,
atravessando a carne e tratando de fazer com que o indivíduo sinta na carne
toda a estupidez das violências humanas. Este maquinário incógnito tem prazo de
validade, e ficará ainda mais deteriorado, chegando a um ponto em que será
tragado pelo vendo e pelo solo, sendo apenas uma questão de tempo até que essas
formas sejam tragadas e eliminadas, com a força da Natureza se impondo, como
num dia chuvoso, em que o indivíduo tem que aceitar a água e sair de cada com
um guardachuva. São as vicissitudes da Matéria. Vemos aqui alguns fios
retorcidos, como tubos intestinais, como serpentes agonizando em uma situação
tão degradante, tão difícil. Vemos aqui um governo em franco colapso, caduco,
não mais sendo confiado pelo povo, num líder prestes a ser deposto e
substituído, na forma como a força do Povo acaba se impondo aos Poderes, pois
nunca ouvimos dizer que todo poder emana do Povo e em nome deste deve ser
exercido? Aqui, é como um motor de carro, que outrora funcionou e teve uma
função digna, um papel a desempenhar, tornando-se importante, útil. Temos aqui
um cenário de inutilidade, de obsolência. A luz do Sol aqui não á acalentadora,
mas desoladora, como uma pessoa exposta ao Sol sem usar protetor solar.
Exposição. Isto aqui já foi um corpo social vibrante, em que cada indivíduo
vivia feliz, tendo certeza de ter para si um papel importante, uma dignidade,
sentindo-se um agente da Vida e Sociedade. E não é um grande desafio para um
artista descobrir a sua própria função social?
Acima, Madona de uma Loja de Departamento. Esta recatada Madona está com
partes do rosto deterioradas, como uma imagem de altar que não resistiu à
passagem do Tempo, como uma peça sem serviço de restauro ou manutenção. Seu véu
lhe cobre a cabeça, num adereço indispensável à Virgem Santíssima, uma pessoa
que nunca em vida fez sexo, na crueldade da Sociedade Patriarcal, sociedade
esta que simplesmente tolha o prazer sexual da mulher. Aqui, a Madona tem um
olhar doce, cândido, olhando para fora do quadro, para o horizonte, talvez
vislumbrando o futuro do filho da Imaculada Conceição. As sobrancelhas da
Madona são impecavelmente depiladas, numa mulher vaidosa que frequenta o salão
de beleza, no essencial exercício da autoestima, na forma como cada pessoa tem
que gostar de si mesma, sem narcisismos. Não vemos aqui o filho desta Madona, e
o filho deve estar brincando no quintal enquanto a mãe prepara o almoço, no
machismo que prega que o lugar certo para uma mulher não é no mercado de
trabalho, mas pilotando um fogão e um tanque de lavar roupa. Esta Madona tem um
rosto jovem, na obsessão feminina em busca da juventude eterna, sendo proibido
que a mulher dê sinais de passagem do tempo, numa mulher à qual não é permitido
ter uma carreira, uma história, uma trajetória, ao contrário do homem, ao qual
é cobrado o desenvolvimento de uma trajetória. Então, a mulher fica relegada ao
mero papel insípido como água. São as ritualizações humanas em torno de gênero.
O cabelo da Madona não tem qualquer fio branco, no modo como a sociedade
estipula que, no homem, cabelo branco significa sabedoria; na mulher, desleixo.
Então, a indústria de cosméticos lança seus tentáculos na promessa da juventude
eterna, uma promessa que busca fazer harmonia com o fato de que, na Dimensão
Metafísica, somos todos jovens para sempre; na Dimensão Física, nem tanto.
Atrás da Madona, um manequim de vitrine, na sedução de lojas bem arrumadas,
sempre querendo exercer uma força gravitacional sobre os desejos humanos,
sempre querendo vender algo que, de fato, não pode ser vendido, como Felicidade
ou Preenchimento Existencial. Este manequim traz as formas dos padrões de
beleza, que exigem magreza da mulher, fabricando legiões de anoréxicas
bulímicas, escravas de tais padrões. Este manequim deteriorado é a decadência
moral da Sociedade de Consumo, uma sociedade que faz promessas as quais jamais
poderão ser cumpridas. Este manequim está capenga, incompleto, carecendo de
lógica, de pertinência. Está desconexo, e não faz sentido por si só. É a
sensação de pobreza e nudez, de vazio, pois quanto mais consumimos, mais vazios
nos sentimos... É uma virtude saber quando se tem o suficiente. A paisagem ao
fundo é encoberta e triste, num horizonte turvo, cujo futuro não podemos prever
– a Sociedade de Consumo não pode te dizer quem és. Podemos ouvir um som de um
gélido vento cortante, desolador, num terreno deserto. Esta Madona é como o
famoso busto de Nefertiti sendo descoberto, numa imagem que resiste à passagem
do Tempo, com algum dano mínimo. Apesar desta Madona não estar claramente
sorrindo, ela tem um rosto feliz, satisfeito, como um artista que se descobre
feliz no que faz. Seus olhos trazem um sorriso de Monalisa, e é uma imagem de
contentamento, como se a Madona soubesse que sofre os refutáveis assédios das
interpelações do consumo. A Virgem rejeita o mundano, o material, e olha mais
longe no horizonte, buscando um tipo de satisfação que não pode (e nunca
poderá) ser vendida. Este manequim parece estar empalado por uma lança, por um
princípio agressivo, como a retilinidade do pensamento racional, fazendo
atalhos e indo logo ao que interessa, que é a intelectualização – a produção de
ideias e pensamentos. O manequim é como uma múmia, desafiando a passagem
cronológica. Esta Madona está decapitada, alienada do resto do corpo, alienada
do desejo sexual ou gastronômico, no modo como só a mente é o que sobrevive ao
Desencarne.
Acima, No Resort de Esqui – capa do The Saturday Evening Post. A sedução
das terras altas nevadas, como Bariloche, na Argentina. A neve seduz por sua
pureza, sua limpeza, como certa vez com uma professora que tive, a qual mal
podia dar aula porque estava “hipnotizada” pela neve que caía lá fora. Aqui, as
luvas têm desenhos geométricos típicos da arte gráfica dos indígenas
americanos, num Estados Unidos que mesclou muitas etnias para formar sua
identidade cultural nacional, como nas tapeçarias indígenas do hotel assombrado
de O Iluminado. Os instrumentos de
esqui são Yang, ágeis, racionais, e têm uma utilidade, não se importando muito
com beleza ou graciosidade – aqui, a beleza fica por conta da paisagem nevada,
com seus pinheiros pontiagudos, como se quisessem furar o céu com sua
agressividade, no modo como os esportes existem para que se desenvolva a
agressividade, num contexto competitivo, em que muitos espermatozoides competem
pelo mesmo óvulo. Os picos apontam para um céu infinito, na magia das regiões
serranas, montanhosas, fazendo formidável metáfora com as cidades metafísicas,
que gravitam acima de nós, em uma dimensão imaterial. Esses equipamentos estão
dispostos ao lado de uma construção típica americana, com casas construídas com
toras, cortadas pela viril força dos lenhadores, no perfume de pino que é
exalado com o corte das árvores aqui, no frescor de uma natureza sempre
provendo algo aos humanos que habitam tal ecossistema. Aqui, o céu está limpo,
limpíssimo, numa cor rosada, num entardecer ou num alvorecer, como no
espetacular Sol poente no Lago Guaíba, em Porto Alegre. É uma
luminosidade cândida, delicada, cheirando a talco de bebê. A neve se acumula
nas toras de madeira, e por dentro deve haver uma formidável lareira,
esquentando um cômodo e eliminando a umidade do interior da casa, na sedução de
uma lareira acesa em um dia frio, recebendo família e amigos em torno do fogo,
na guinada na História da Humanidade que foi a descoberta do controle do fogo.
Podemos ouvir um vento com um sutil uivo, e a paisagem ao ar livre nos inspira
a sair de casa e aproveitar o formidável dia, como na nevada de 1994 em Caxias
do Sul, quando a cidade amanheceu branca. Os esquis retilíneos são a
agressividade do esquiador, sempre cortando a neve e desvirginando a paisagem,
como na lança de São Jorge, perfurando o mostro e libertando a Beleza das
garras da Malícia. Aqui, a paisagem é uma virgem santíssima, convidando-nos a
desbravar tais terrenos, como desbravadores europeus desembarcando em terras
americanas. Aqui, a bolsa é o útero, e está protegida do frio, no instinto de
uma mãe em prover conforto aos filhos, como vi hoje mesmo, em uma calçada de
Caxias do Sul, uma miserável mãe indígena aleitando o filho pequeno, sem ela se
importar se os passantes viam o seio desnudo. A bolsa está fechada, reservada,
e talvez não é o momento do filho sair de casa. A bolsa protege do frio, e é o
aconchego do Lar, da referência, da raiz, no modo como as referências de
família são importantes, importantes ao ponto de sobreviver ao Desencarne.
Aqui, os esquis cruzam agressivamente o quadro de ponta a ponta, impondo-se com
ímpeto, na vontade do guerreiro de lutar, de trabalhar para obter as coisas, ao
contrário da miséria existencial de uma pessoa que simplesmente parou de lutar
pela Vida. Os esquis dividem o quadro entre antes e depois, no poder da
passagem de Jesus Cristo pela Terra. Aqui, as luvas de lã estão empaladas por
um mastro, como peixes capturados pelas lanças de índios amazônicos, na
inevitável tarefa de ganhar o dia, no modo como há miséria na vida de uma
pessoa que passa o dia a nada produzir. Aqui, os objetos são úteis, dignos,
pois prestam ao Mundo. É o espírito olímpico, sempre com ânimo para concorrer
por um pódio. John Atherton nos proporciona uma janela para vermos esta cena,
convidando-nos a pegar esses objetos e desfrutar de um pouco de diversão. São
objetos que têm dignidade, utilidade, sempre servindo ao Mundo, colocando a
inteligência a serviço deste.
Acima, Tesouros de um Jovem Menino. No primeiro momento em que me deparei
com esta obra, vi um grande olho de peixe, num olho terrível, frio, onisciente,
como um olho de terapeuta, “fincando” fundo no paciente e observando do que
este precisa. Só depois vi que se tratava de um capacete. O capacete é o
resguardo, a proteção, a preservação, numa pessoa discreta, que quer evitar
desgastes ou exposições desnecessárias. Vemos uma grande luva, densa, forte,
reforçada, capaz de poupar a pessoa de se queimar com uma panela muito quente.
Há três dardos fincados na parede, e eles são, é claro, a agressividade lúdica,
num artista que, como ilustrador de capas, encontrou um modo de se relacionar
com o Mundo ao seu redor, num John feliz em ilustrar capas de periódicos. Os
dardos são as Três Marias do Cinturão de Órion, dançando pelo céu noturno,
sempre unidas, sempre alinhadas, como as três grandes pirâmides, nos enigmas de
civilizações perdidas. Acima dos dardos, um papel em branco, uma lacuna, uma
orla vazia esperando para ser preenchida, talvez num John desejoso de Paz,
querendo produzir em seu atelier quietinho, reservado, retirado, no modo como a
importância da discrição se mostra como a proteção que este capacete provê. O
capacete é a mente, o labor psíquico, num labor que exige o máximo de
criatividade, num John competitivo, que sabia que, para prosperar na profissão,
teria que ser competente a habilidoso. Vemos várias pérolas dissociadas de um colar,
e elas estavam desejosas de se libertar e ir para o Mundo, como numa família em
que crianças se tornam adultos e saem de casa, como minha avó me disse que,
quando minha mãe casou e saiu de casa, minha avó ficou com a sensação de que
arrancaram desta um braço, tal a sensação de vazio... As pérolas são a análise,
a desconstrução, talvez num artista meticuloso, pronto para ser analisado, por
exemplo, pelo presente blog. Vemos uma bola de baseball, maior do que as
pérolas, numa espécie de nave mãe, responsável pela ninhada de bolinhas. A bola
é o objetivo, o espírito olímpico, o tesão de entrar numa quadra e competir
para ganhar, no inevitável modo como os artistas competem entre si, como na
competitiva Florença renascentista, num espectro em que todos querem brilhar
mais do que todos. Vemos um periódico, uma revista em quadrinhos, num John
apaixonado pelo mundo editorial, pela cultura de massa, sabendo que as capas de
John sofrerão uma monstruosa multiplicação, parando ante os olhos de muitos
leitores e bancas. Vemos uma pequena cômoda, com várias gavetas. É a
organização, a ordem dentro de uma mente, como numa casa arrumada, em que tudo
tem um lugar específico. Uma das gavetas diz “Cai fora!”, ou seja, é a reserva,
uma gaveta que jamais poderá ser trazida a público, numa gaveta muito íntima,
muito pessoal, inadequada para o domínio público. É o resguardo dos
sentimentos, contidos entre as paredes do Lar, no modo como não é interessante
escancarar a própria vida íntima. Outra gaveta tem anzóis, prontos para fisgar
a atenção do espectador, no desafio que é “bombardear” as percepções de outrem,
causando comoções, como um blockbuster, com uma bilheteria monstruosa. Outra
gaveta guarda pedras preciosas, na preciosidade que são as grandes amizades, as
pessoas que nos conhecem profunda e intimamente, havendo na perenidade das
pedras metáfora com o fato de que grandes amigos jamais somem de nossas vidas.
Vemos também uma grande espingarda, num John um tanto agressivo, digno de um
homem que já foi marinheiro, desbravando os mares e arriscando a própria vida
para proteger a América e os aliados desta, numa experiência belicosa que
jamais abandonou a mente de Atherton. Vemos um cordão com várias caixinhas de
fósforo, que são a iluminação, a inspiração, a luz numa mente criativa, o calor
criativo. Vemos algumas placas pregadas na parede, e uma delas nos diz para tomarmos
cuidado com o cão, num Atherton impondo respeito, impondo uma clara linha
divisória entre íntimo e público, podendo se tornar feroz como um pitbull! Haveria
aqui um Atherton debruçado sobre a própria infância?
Referências bibliográficas:
John Atherton. Disponível em <www.askart.com>.
Acesso 4 abr. 2019.
John Atherton. Disponível em <www.illustrationhistory.org>.
Acesso 4 abr. 2019.
John Atherton. Disponível em <www.moma.org>.
Acesso 4 abr. 2019.
John Atherton. Disponível em <www.saturdayeveningpost.com>.
Acesso 4 abr. 2019.
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