Até hoje no mundo, milhões de discos já foram lançados,
tanto vinis quanto CDs. Foram lançados trabalhos de vários artistas e estilos.
Estar entre os dez trabalhos mais bem-vendidos da História da Indústria Fonográfica
é muita, muita coisa; é a pontinha da pontinha do iceberg. O álbum O Guarda-costas vendeu terrivelmente bem,
e foi, decididamente, um divisor de águas da vida desta cantora negra americana
que começou cantando Gospel em
igrejas. As seis canções do álbum cantadas por Whitney Houston
foram exaustivamente tocadas em rádios e em festas, em especial o supermegahit I Will Always Love You, que é na verdade
uma regravação, sendo que a canção, originalmente, não fizera tanto alarde
quanto à faixa de O Guarda-costas.
Irônico, não? Parece que Whitney deu um empurrãozinho para vender a canção. Em
entrevista a Oprah Winfrey, Houston disse que, antes de O Guarda-costas, a diva usava drogas leves, e que, depois disso,
passou a usar drogas pesadas, numa prova de como o sucesso acarreta em pressão
e assoberbamento estratosférico. Não é fácil fazer tanto sucesso. O ator Macaulay
Culkin, por exemplo, está até hoje tentando sobreviver a Esqueceram de Mim – ninguém o esqueceu. Por outro lado, o insucesso
também é complicado, pois é depressor, desnorteante e desestimulante, quando
que, quando alguém atinge um ponto de sucesso, quer permanecer eternamente
neste momento doce, e a vida não é assim; a vida é página tendo que ser virada
sempre. Portanto, relaxe e curta a viagem.
É interessante observar que as pessoas só se lembram das
faixas de Whitney em O Guarda-costas, pois
as faixas restantes, interpretadas por outros artistas, foram absolutamente
esquecidas. Engraçado, não? Faixas que chegaram tão perto do sucesso e que
foram ignoradas. É o senso de humor da vida. Outro aspecto equivalente é o fato
de que o filme, no qual Whitney contracena com o hoje esquecido Kevin Costner,
está abaixo da média, e não é um filme clássico, frente ao esmagador êxito do
álbum. A crítica não se empolgou com a atuação de Whitney, a qual interpreta,
em metalinguagem, uma estrela negra americana da Música – diva falando de diva.
E Costner, que já esteve no topo da cadeia alimentar hollywoodiana com Dança com Lobos, entrou em um limbo do
qual parece que não conseguirá sair, numa prova de que ninguém está por cima o
tempo todo.
No filme, um guarda-costas, é claro, apaixona-se pela
estrela da história, algo incomum nos EUA, país no qual, normalmente, branco
casa com branco e negro casa com negro. A superdiva Rachel Marron, além de
sucesso musical, é uma estupenda atriz, e é a favorita a ganhar um Oscar. O
erotismo da história está exatamente na relação entre protetor e protegida, e o
espectador não entende direito porque o par não viveu feliz para sempre. Ironicamente,
Whitney, na época, após o boom de I
Will..., apresentou o prêmio de Melhor Canção no Oscar, brincando ao dizer
que toparia cantar todas a cinco canções, as quais já tinham sido tocadas na
cerimônia, mostrando uma Whitney segura, mas algo que acabou revelando-se
apenas um verniz, pois, abaixo de tanto aparente autocontrole, revelar-se-ia
uma pessoa que foi sofrendo durante a vida. Ainda no Oscar, a deusa da Comédia
Whoopi Goldberg cantou o refrão de I
Will... para Whitney, que estava na plateia, revelando-se WG, comicamente,
uma cantora que não chegava aos pés de Houston, e Whitney, embarcando na piada,
aconselhou Whoopi a ficar calada, e esta disse: É por isso que só me deixam cantar com freiras, aludindo ao sucesso
de comédia Sister Act, ou seja, Mudança de Hábito.
Whitney era dona de uma voz deslumbrante, viril, forte,
redentora, no melhor estilo Gospel. I
Will... é uma canção de amor fraterno, desapegado, racional. Na letra, uma
pessoa rejeitou outra pessoa não por não amá-la, mas por amá-la de fato, algo
do tipo: Se eu continuasse no seu
caminho, eu colocar-me-ia entre você e a vida que você quer ter. Você jamais
sairá de minha vida nem de minha memória, e sempre será um dos maiores amigos
que tive em vida. Quero
que você encontre alguém e que seja feliz com essa pessoa, pois você e eu
sempre fomos pessoas que olharam para direções diferentes uma da outra: sermos
diferentes um do outro parecia que ia dar certo, na junção dos opostos, mas
acabou revelando-se não tão certo. Vá viver sua vida amigo, e conte com meu
amor, sempre. É uma grande canção, e Whitney a preencheu com maestria, numa
época em que sua voz estava no auge. Por que estou dizendo isso? Porque a voz
dessa diva, no decorrer dos anos, pelo abuso de drogas, foi passando por um
empobrecimento enorme, até culminar no desastroso álbum I Look to You, no qual Whitney volta às raízes Gospel. Nesse
trabalho, sua voz está irreconhecível, no mau sentido, numa voz que revelou-se
uma vaga sombra do que era a voz de Whitney nos anos 80. As drogas devastaram a
voz e a vida de Whitney, e seu ganha-pão sofreu um débito incontornável, para
sempre. Nesse álbum, só dá para ouvir momentos em que Whitney canta com
mais sutileza, mas nada equiparável à “sirene” melódica de O Guarda-costas. A vida de Whitney ficou absolutamente destruída,
tudo por culpa das drogas, malditas estas sejam. Nos últimos trabalhos de
Whitney, não dava para reconhecê-la, tal o débito vocal. Parece que a diva
simplesmente perdera a inata capacidade de cantar como um anjo. A diva caiu
para nunca mais poder reerguer-se. Foi uma maldição digna de vilão de Disney.
Reza a lenda que Whitney, numa irrefreável avalanche de dependência
química, fez da maconha e do álcool portas de entrada para a cocaína. Um dos
sintomas da crise de abstinência de cocaína é a sudorese acentuada, e,
realmente, se formos observar, depois de O
Guarda-costas, Whitney, em suas aparições no palco, suava excessivamente,
incessantemente, mais do que qualquer outro artista no palco. Mais ou menos na
mesma época, Whitney fez uma aparição pública ao lado do Rei Pelé na abertura
da Copa do Mundo dos EUA, em 1994. Falando em esportes, anos antes, antes mesmo
de I Will..., a América já reconhecia
o poder vocal de Whitney, e esta foi convidada a cantar o Hino Nacional dos EUA
em uma cerimônia de um grande campeonato, e Whitney o fez fazendo-nos
arrepiarmo-nos. Outra aparição apoteótica foi numa cerimônia do Grammy, na qual
Whitney interpretou a arrebatadora canção One
Moment in Time, num final glorioso, ovacionada de pé pela plateia e pelo
mundo, numa diva no auge de sua virtude vocal, numa cantora que ia muito bem
entre momentos sutis até explosões de “gritos”. E isso que I Will... ainda estava por vir.
Parece que Whitney, em uma fase aguda da drogadição, passou
a fazer uso de crack, uma droga que é um verdadeiro pé na cova. Um dos efeitos
desta droga malévola é a perda dental, com dentes que simplesmente começam a
cair, numa Whitney que faleceu com vários implantes dentários. Provavelmente
sob efeito excessivo de calmantes, Whitney adormeceu e afogou-se numa banheira
um hotel de Beverly Hills, EUA. Sua família a enterrou com joias, e Whitney
permanecerá sempre uma das maiores vozes do fim do Século XX – uma joia de
talento. Entretanto, a história de Houston fala de sofrimento, numa fábula de
como o mega-estrelato é desolador para quem está no topo desse bolo. Sem as
drogas, Whitney ainda estaria entre nós, deslumbrando-nos por décadas com sua
voz sobrenatural. A Indústria Fonográfica pode ser perniciosa. Whitney teve
tudo, e tudo perdeu. Esperamos que ela esteja feliz na vida de desencarnada,
continuando a fazer o que ela amava: cantar.
Além de diva, Whitney era bela e fotogênica, sempre
aparecendo como uma deusa nas capas de seus álbuns, numa autêntica beleza
africana. Um grande dueto que fez foi com outra megadiva, Mariah Carey – que
cancelou um show em Porto
Alegre –, na música-tema do filme O Príncipe do Egito. Uma piada no findado seriado The Nanny é quando a babá Fran fica
sabendo que há em Nova York
o Whitney Museum, que abriga arte estritamente americana, e Fran, ao entender
errado, diz: Ela tem um museu? Será que
lá tem a roupa metálica que ela usou em O Guarda-costas?,
fazendo alusão ao figurino que Rachel Marron usa em um show no filme.
De uma Rachel Marron livre de drogas e maravilhosa em termos
de voz e atuação, no completo controle das coisas, contrasta com uma Whitney
que foi perdendo controle da situação e da própria carreira. Na lei universal
de que ninguém está por cima o tempo todo, Whitney surfou em uma onda grande
demais, e acabou afogando-se. Whitney não soube administrar. E o sucesso é de
dificílima administração.
Depois de O
Guarda-costas, Whitney virou sinônimo de excelência, num patamar como o de
Michael Jackson. A América e o mundo veem estrelas subir e cair, no cômico
carrossel da vida. Whitney foi sutilmente caindo. Ela teve um rápido upgrade na
carreira com o lançamento de um álbum de remixes de grandes hits da cantora,
com dois CDs ao mesmo tempo, sendo um de músicas dançantes e o outro de baladas
românticas. Na capa do álbum, vemos uma Whitney sorridente colecionando discos
que aludem aos recordes de WH em
vendas. Mas já era um momento em que a diva decaía, num sonho
que virara pesadelo. Repito: malditas sejam as drogas.