quarta-feira, 28 de junho de 2017

Sempre a Amaremos




Até hoje no mundo, milhões de discos já foram lançados, tanto vinis quanto CDs. Foram lançados trabalhos de vários artistas e estilos. Estar entre os dez trabalhos mais bem-vendidos da História da Indústria Fonográfica é muita, muita coisa; é a pontinha da pontinha do iceberg. O álbum O Guarda-costas vendeu terrivelmente bem, e foi, decididamente, um divisor de águas da vida desta cantora negra americana que começou cantando Gospel em igrejas. As seis canções do álbum cantadas por Whitney Houston foram exaustivamente tocadas em rádios e em festas, em especial o supermegahit I Will Always Love You, que é na verdade uma regravação, sendo que a canção, originalmente, não fizera tanto alarde quanto à faixa de O Guarda-costas. Irônico, não? Parece que Whitney deu um empurrãozinho para vender a canção. Em entrevista a Oprah Winfrey, Houston disse que, antes de O Guarda-costas, a diva usava drogas leves, e que, depois disso, passou a usar drogas pesadas, numa prova de como o sucesso acarreta em pressão e assoberbamento estratosférico. Não é fácil fazer tanto sucesso. O ator Macaulay Culkin, por exemplo, está até hoje tentando sobreviver a Esqueceram de Mim – ninguém o esqueceu. Por outro lado, o insucesso também é complicado, pois é depressor, desnorteante e desestimulante, quando que, quando alguém atinge um ponto de sucesso, quer permanecer eternamente neste momento doce, e a vida não é assim; a vida é página tendo que ser virada sempre. Portanto, relaxe e curta a viagem.

É interessante observar que as pessoas só se lembram das faixas de Whitney em O Guarda-costas, pois as faixas restantes, interpretadas por outros artistas, foram absolutamente esquecidas. Engraçado, não? Faixas que chegaram tão perto do sucesso e que foram ignoradas. É o senso de humor da vida. Outro aspecto equivalente é o fato de que o filme, no qual Whitney contracena com o hoje esquecido Kevin Costner, está abaixo da média, e não é um filme clássico, frente ao esmagador êxito do álbum. A crítica não se empolgou com a atuação de Whitney, a qual interpreta, em metalinguagem, uma estrela negra americana da Música – diva falando de diva. E Costner, que já esteve no topo da cadeia alimentar hollywoodiana com Dança com Lobos, entrou em um limbo do qual parece que não conseguirá sair, numa prova de que ninguém está por cima o tempo todo.

No filme, um guarda-costas, é claro, apaixona-se pela estrela da história, algo incomum nos EUA, país no qual, normalmente, branco casa com branco e negro casa com negro. A superdiva Rachel Marron, além de sucesso musical, é uma estupenda atriz, e é a favorita a ganhar um Oscar. O erotismo da história está exatamente na relação entre protetor e protegida, e o espectador não entende direito porque o par não viveu feliz para sempre. Ironicamente, Whitney, na época, após o boom de I Will..., apresentou o prêmio de Melhor Canção no Oscar, brincando ao dizer que toparia cantar todas a cinco canções, as quais já tinham sido tocadas na cerimônia, mostrando uma Whitney segura, mas algo que acabou revelando-se apenas um verniz, pois, abaixo de tanto aparente autocontrole, revelar-se-ia uma pessoa que foi sofrendo durante a vida. Ainda no Oscar, a deusa da Comédia Whoopi Goldberg cantou o refrão de I Will... para Whitney, que estava na plateia, revelando-se WG, comicamente, uma cantora que não chegava aos pés de Houston, e Whitney, embarcando na piada, aconselhou Whoopi a ficar calada, e esta disse: É por isso que só me deixam cantar com freiras, aludindo ao sucesso de comédia Sister Act, ou seja, Mudança de Hábito.

Whitney era dona de uma voz deslumbrante, viril, forte, redentora, no melhor estilo Gospel. I Will... é uma canção de amor fraterno, desapegado, racional. Na letra, uma pessoa rejeitou outra pessoa não por não amá-la, mas por amá-la de fato, algo do tipo: Se eu continuasse no seu caminho, eu colocar-me-ia entre você e a vida que você quer ter. Você jamais sairá de minha vida nem de minha memória, e sempre será um dos maiores amigos que tive em vida. Quero que você encontre alguém e que seja feliz com essa pessoa, pois você e eu sempre fomos pessoas que olharam para direções diferentes uma da outra: sermos diferentes um do outro parecia que ia dar certo, na junção dos opostos, mas acabou revelando-se não tão certo. Vá viver sua vida amigo, e conte com meu amor, sempre. É uma grande canção, e Whitney a preencheu com maestria, numa época em que sua voz estava no auge. Por que estou dizendo isso? Porque a voz dessa diva, no decorrer dos anos, pelo abuso de drogas, foi passando por um empobrecimento enorme, até culminar no desastroso álbum I Look to You, no qual Whitney volta às raízes Gospel. Nesse trabalho, sua voz está irreconhecível, no mau sentido, numa voz que revelou-se uma vaga sombra do que era a voz de Whitney nos anos 80. As drogas devastaram a voz e a vida de Whitney, e seu ganha-pão sofreu um débito incontornável, para sempre. Nesse álbum, só dá para ouvir momentos em que Whitney canta com mais sutileza, mas nada equiparável à “sirene” melódica de O Guarda-costas. A vida de Whitney ficou absolutamente destruída, tudo por culpa das drogas, malditas estas sejam. Nos últimos trabalhos de Whitney, não dava para reconhecê-la, tal o débito vocal. Parece que a diva simplesmente perdera a inata capacidade de cantar como um anjo. A diva caiu para nunca mais poder reerguer-se. Foi uma maldição digna de vilão de Disney.

Reza a lenda que Whitney, numa irrefreável avalanche de dependência química, fez da maconha e do álcool portas de entrada para a cocaína. Um dos sintomas da crise de abstinência de cocaína é a sudorese acentuada, e, realmente, se formos observar, depois de O Guarda-costas, Whitney, em suas aparições no palco, suava excessivamente, incessantemente, mais do que qualquer outro artista no palco. Mais ou menos na mesma época, Whitney fez uma aparição pública ao lado do Rei Pelé na abertura da Copa do Mundo dos EUA, em 1994. Falando em esportes, anos antes, antes mesmo de I Will..., a América já reconhecia o poder vocal de Whitney, e esta foi convidada a cantar o Hino Nacional dos EUA em uma cerimônia de um grande campeonato, e Whitney o fez fazendo-nos arrepiarmo-nos. Outra aparição apoteótica foi numa cerimônia do Grammy, na qual Whitney interpretou a arrebatadora canção One Moment in Time, num final glorioso, ovacionada de pé pela plateia e pelo mundo, numa diva no auge de sua virtude vocal, numa cantora que ia muito bem entre momentos sutis até explosões de “gritos”. E isso que I Will... ainda estava por vir.

Parece que Whitney, em uma fase aguda da drogadição, passou a fazer uso de crack, uma droga que é um verdadeiro pé na cova. Um dos efeitos desta droga malévola é a perda dental, com dentes que simplesmente começam a cair, numa Whitney que faleceu com vários implantes dentários. Provavelmente sob efeito excessivo de calmantes, Whitney adormeceu e afogou-se numa banheira um hotel de Beverly Hills, EUA. Sua família a enterrou com joias, e Whitney permanecerá sempre uma das maiores vozes do fim do Século XX – uma joia de talento. Entretanto, a história de Houston fala de sofrimento, numa fábula de como o mega-estrelato é desolador para quem está no topo desse bolo. Sem as drogas, Whitney ainda estaria entre nós, deslumbrando-nos por décadas com sua voz sobrenatural. A Indústria Fonográfica pode ser perniciosa. Whitney teve tudo, e tudo perdeu. Esperamos que ela esteja feliz na vida de desencarnada, continuando a fazer o que ela amava: cantar.

Além de diva, Whitney era bela e fotogênica, sempre aparecendo como uma deusa nas capas de seus álbuns, numa autêntica beleza africana. Um grande dueto que fez foi com outra megadiva, Mariah Carey – que cancelou um show em Porto Alegre –, na música-tema do filme O Príncipe do Egito. Uma piada no findado seriado The Nanny é quando a babá Fran fica sabendo que há em Nova York o Whitney Museum, que abriga arte estritamente americana, e Fran, ao entender errado, diz: Ela tem um museu? Será que lá tem a roupa metálica que ela usou em O Guarda-costas?, fazendo alusão ao figurino que Rachel Marron usa em um show no filme.

De uma Rachel Marron livre de drogas e maravilhosa em termos de voz e atuação, no completo controle das coisas, contrasta com uma Whitney que foi perdendo controle da situação e da própria carreira. Na lei universal de que ninguém está por cima o tempo todo, Whitney surfou em uma onda grande demais, e acabou afogando-se. Whitney não soube administrar. E o sucesso é de dificílima administração.

Depois de O Guarda-costas, Whitney virou sinônimo de excelência, num patamar como o de Michael Jackson. A América e o mundo veem estrelas subir e cair, no cômico carrossel da vida. Whitney foi sutilmente caindo. Ela teve um rápido upgrade na carreira com o lançamento de um álbum de remixes de grandes hits da cantora, com dois CDs ao mesmo tempo, sendo um de músicas dançantes e o outro de baladas românticas. Na capa do álbum, vemos uma Whitney sorridente colecionando discos que aludem aos recordes de WH em vendas. Mas já era um momento em que a diva decaía, num sonho que virara pesadelo. Repito: malditas sejam as drogas.

quarta-feira, 21 de junho de 2017

Simples Sol Nascente




            Eu devo ter sido japonês em outra encarnação, pois adoro tudo relativo ao país do Sol nascente: Folclore, Arquitetura, Cultura, Gastronomia, Arte. Esbaldei-me na seção japonesa do Metropolitan, de Nova York. Existe na cultura japonesa uma simplicidade, um minimalismo elegante e impecável, uma limpeza de formas, num povo discreto, num país onde o analfabetismo é zero. Há no senso comum japonês um espaço para a meditação, a ponderação. Os japoneses são polidos. Quando eu estava no Ensino Médio, em Caxias do Sul, veio estudar no meu colégio, na minha sala de aula, uma menina adolescente japonesa. Inteligente, ela escrevia em Português muito bem, e numa de suas redações citou que gostou muito do vinagre de vinho tinto, algo que provavelmente não deve ser muito comum no Japão, apesar deste país estar começando a aflorar como pólo de vitivinicultura, algo que me dá curiosidade para, quem sabe um dia, provar os vinhos japoneses – eis que o Japão não produz só saquê. Esta adolescente disse que, em seu país de origem, o professor dá a aula no mais completo silêncio, e que, ao fim da aula, cada aluno que tiver dúvidas vai falar individualmente com o professor. O Japão sabe que a base de uma nação próspera é a produção de cultura erudita, a qual inicia-se nos bancos escolares.

O Japão é um gigante econômico, mas um anão político, e nunca se mete nos assuntos de outros países. De passado xintoísta, religião pagã, o Japão hoje é budista, pois existe toda uma vertente filosófica oriental que é esquecida pelo Ocidente, como o Taoísmo, por exemplo. Exótico para nós da América, o Japão exerce fascínio, como no filme A Época da Inocência, no qual o personagem Newland quer se desligar da insuportável vida burguesa novaiorquina e aventurar-se nas longínquas terras japonesas. Infelizmente, o Japão sofre com terremotos, e um dos grandes abalos sísmicos recentes provocou um desastre atômico em Fukushima. Mas o Japão sempre acaba reerguendo-se, resiliente.

            A História do Japão é a da Fênix, que ressuscitou das cinzas. A humilhante derrota na II Guerra Mundial, com duas bombas atômicas no país, depois do infame ataque japonês a Pearl Harbor, nos EUA, fez parecer com que o Japão jamais se reerguer-se-ia. No divertido filme De Volta para o Futuro, em uma cena ocorrida nos EUA dos anos 1950, mostra que, na época, a tecnologia japonesa era uma piada, digna de incredulidade e indigna de respeito, mas o mundo dá voltas. Uma pessoa de minha família, alguém que já viajou por muitos lugares do mundo, já esteve no Japão, e eu, na minha curiosidade sobre este país, perguntei-lhe como eram as coisas lá, e essa pessoa me disse que fica-se embasbacado com a riqueza do Japão. Por exemplo, há em Tóquio uma avenida do porte de uma Avenida Paulista, só que apenas de lojas de eletrônicos. Então imagine uma avenida tão vasta como a Paulista, inteira de eletrônicos. É muita riqueza. País da flor nacional que é a sakura, a primavera no Japão é exuberante, e a sakura segue como símbolo dessa beleza, como no lobby do hotel Matsubara de São Paulo, numa pintura de uma grande árvore de sakura florida, tendo no mesmo hall uma armadura de samurai, remetendo ao interessante filme O Último Samurai, com Tom Cruise, película que mostra os costumes de um tradicional Japão prestes a entrar na Modernidade, pois tive uma professora que dizia que o Cinema é uma ótima forma de se narrar costumes de comunidades e países distantes.

            O Japão é homenageado pela Disneyworld na Flórida, EUA, pois nos pavilhões dos países no Epcot Center, há um impecável arranjo arquitetônico que honra as tradições estéticas japonesas. O bairro japonês de São Paulo, chamado Liberdade, tem um excelente restaurante de sushi onde almocei por duas ocasiões com minha família. Na divertida personagem Dona Xepa, vivida por Marília Pêra, Xepa é levada a um restaurante de sushi e não entende porque tudo era cru, perguntando: Mas não tem nem uma colher de óleo para fritar esse peixe? Mas nem tudo são flores, pois o restaurante de sushi tem que ser de confiança, tendo-se a certeza de que o peixe é fresquinho, pois por duas ocasiões, em restaurantes japoneses do RS, passei mal depois de comer sushi com peixe passado. Isso é uma sacanagem para com o cliente. O que ocorreu? Eu nunca mais fui comer nestes dois restaurantes. Isso se chama Dissonância Cognitiva, que é quando a pessoa pega nojo de algum produto ou serviço. Ainda falando em sushi, há um divertido episódio do seriado The Nanny em que a personagem Fran vai a um restaurante novaiorquino de sushi e, depois de mastigar um sushi de borracha que era só para exposição, quase “morre” ao ingerir, inadvertidamente, uma grande quantidade de raiz forte, o condimento que deixa o sushi extrapicante. O sushi ganhou o mundo, numa comida relacionada a conceitos de sofisticação e luxo, visto que não é tão simples assim fazer sushi, e o sushiman, o fazedor do sushi, tem que ser habilidoso, senão o sushi fica com cara de rocambole. No seriado Sex and the City, a personagem Samantha prepara uma surpresa de Dia dos Namorados ao namorado, e o espera deitada nua, apenas coberta de sushis. E por que a Liberdade chama-se assim? Porque os imigrantes japoneses, ao vir ao Brasil, foram escravizados, forçados a trabalhar para senhores gananciosos e inescrupulosos, algo muito bem mostrado em um filme da cineasta Tizuka Yamasake. Os imigrantes, depois de sofrer, finalmente foram libertados do trabalho escravo e fincaram-se profundamente na sociedade paulistana. A Liberdade é um bairro vibrante, com muito comércio e restaurantes.

            Monarquia parlamentar, o Japão honra suas tradições, como por exemplo por meio da Família Imperial do Japão. Há ainda muita tradição, como nas gueixas, que são arquétipos femininos de delicadeza, perfume, poesia, beleza, graça e, acima de tudo, sedução. Uma pessoa de minha família fez certa vez uma exposição de óleos sobre tela, e um dos quadros era do rosto de uma gueixa, tradicionalmente aprumada, com um olhar um tanto triste, como se assoberbada pela aprumação e pelo comportamento esperado de uma gueixa. Esta pessoa, ao ver que gostei do trabalho, deu-o para mim, e até hoje tenho a tela com muita estima, exposta ao lado de meu computador, pois, segundo o fengshui, ao lado da mesa de trabalho tem que haver ou uma janela ou algo que seja quase como uma janela, como uma pintura, por exemplo. Certa vez vi uma reportagem sobre o Japão, e nas ruas de Tóquio passeava um tradicional casal, com a mulher trajada tradicionalmente, sendo que o homem, absolutamente sisudo e sério, caminhava passos à frente da esposa, que por sua vez era totalmente sorridente e simpática, saudando a câmera de reportagem. É o arquétipo universal de Razão versus Loucura, sendo um a contradição do outro, como falam as leis filosóficas da Dialética Grega. O equivalente gaúcho da gueixa é a prenda, a qual é doce, graciosa e agradável, num contraponto ao gaúcho machão. O universo das gueixas já seduziu a popstar Madonna, a qual no clipe de uma canção aparece como uma gueixa pós-moderna, com o cabelo lisíssimo do povo japonês.

A bandeira nacional japonesa é de uma elegância incrível, ao ponto de me fazer dizer que é a bandeira mais bonita do mundo, mesmo sendo eu patriota e achando a bandeira brasileira bela também, só que a bandeira do Brasil é mais complexa, fugindo do minimalismo oriental. A inspiração para a bandeira do Japão é o místico nascer do Sol de lá, o qual nasce rubro e envolto de uma névoa alva. Esta bandeira é de uma limpeza primorosa, numa composição gráfica que sabe que menos é mais.

Em meus tempos de residência em Porto Alegre, eu morava na quadra da casa do Cônsul do Japão, uma estrutura que posteriormente foi demolida, transformando-se em prédio residencial. Falando em consulados, o filme O Império do Sol, com um infante Christian Bale, mostra o estopim da II Guerra Mundial, narrando a história de uma família cujo chefe era Embaixador dos EUA no Japão. Só que os pais, por acidente,
perdem contato com o filho, vivido por Bale, e o menino vê-se sozinho na casa dos pais, num ponto em que a penúria causada pelo conflito causou a falta de água na casa, e o menino passa fome e necessidades. É uma história de um menino que se tornou homem em poucos anos, finalmente reencontrando os pais ao final da Guerra, abraçando a mãe e fechando os olhos, como se estivesse acordando de um longo e penoso pesadelo. Ainda falando em filmes, a película Encontros e Desencontros, com Bill Murray, mostra a paixão dos japoneses pelo videoquê, e mostra também a prostituição no país, quando ao personagem de Murray é oferecido o serviço de uma bela e discreta prostituta.

            Um dos sinais de discernimento dos japoneses é curvar-se para saudar alguém, em consonância com o Taoísmo, que prega que, para se conquistar, é necessário antes ser humilde e curvar-se perante a situação, como no polido cumprimento de curvatura entre os oponentes no Judô, o qual é uma das mais expressivas tradições desportivas japonesas, num esporte olímpico que ganhou o mundo, inclusive o Brasil. O Judô é sábio, em golpes que fazem com que o atleta pareça vencível perante o oponente, quando que, na verdade, são movimentos que mostram que quem é subestimado, vence. Em um episódio de Mr. Bean, o personagem-título tem uma aula de Judô, e acaba enrolando o professor (ou sensei) no tatame, o colchonete sobre o qual o esporte é praticado. Ainda falando em desporto, há o tradicional Sumô, praticado por homens obrigatoriamente obesos. Ainda falando em curvar-se, há a famosa imagem de Barack Obama, no início do primeiro mandato, curvando-se humildemente perante um japonês. E só quem se curva pode vencer, eliminando-se assim a arrogância e a presunção.

            Por fim, não posso deixar de falar da expressiva Cultura de Massa japonesa, principalmente no que tange à programação infantojuvenil. Cresci assistindo aos seriados de super-heróis japoneses, como Spectroman, Ultraman, Jaspion e Changemen. A trama é basicamente sempre a mesma: seres maléficos do espaço querem conquistar e destruir a Terra, e os guardiões da Humanidade surgem para enfrentar gigantescos monstros que querem destruir tudo e todos em seu caminho. Há personagens inesquecíveis como o monstrinho Ghioday, que é redondo e tem um grande olho só, e tem o poder de transformar monstros pequenos em titãs do Mal. É sempre o combate de Bem versus Mal, no qual o Bem prevalece, pois na cabeça da criança é tudo muito simples: ou algo é do Bem, ou é do Mal. Os Figurinos e a Direção de Arte são normalmente loucos nesses seriados japoneses. Um videoclipe da cantora Mariah Carey satiriza isso tudo, e mostra monstros gigantescos destruindo prédios no Japão enquanto as pessoas trabalham naturalmente, sem sobressaltos. Outro aspecto de Entretenimento Infantil é a tradição de desenhos animados japoneses, em muitos dos quais os personagens tem olhos grandes e redondos, extremamente ocidentais, contrapondo-se aos olhos orientais puxadinhos. Irônico, não?

            Quem sabe um dia vou ao Japão, talvez encontrando museus que tratem da Arte daquele país.

quinta-feira, 15 de junho de 2017

Brilho Total




            Ela é mais do que estrela; ela é monstro, daqueles que carregam tudo e todos consigo, como um tsunami. Segundo Tao, aquele que é subestimado, vence. Gisele está no topo do topo e ninguém percebe, considerando-a apenas uma modelo. No Brasil, ela é a top do mundo; já, no mundo, ela é UMA das tops, como disse esses dias o entrevistador e ator Jimmy Fallon no talk show deste. Uma bomba de carisma, Gisele é soda, tão carismática quanto o ex-namorado Leonardo. Mas é claro que ninguém é perfeito – há rumores de que Gisele até fez teste de câmera para interpretar Mulher Maravilha nas telonas, mas dizem que a voz da top foi um empecilho. Mesmo assim, isso não impede Gisele de ser poderosa. Concordo plenamente com a capa da revista Veja no ano 2000, em que a modelo é equiparada a Senna e Pelé. Mas o status estelar transcende, e, quando vemos Gisele, estamos diante de uma presença esmagadora, e não apenas diante de alguém que tem que trabalhar para ganhar a vida. Enquanto umas trabalham e são dignas de respeito, outras reinam.

            Meus caros, ouçam o que vou dizer: todas as mulheres, do Oiapoque ao Chuí, de Los Angeles a Tóquio, da Europa à África, gordas e magras, velhas e jovens, negras e brancas: TODAS imitam o cabelo de Gisele, que é de um ondulado, entre liso e crespo. É uma tendência capilar fortíssima, intransponível. TODAS as mulheres imitam Gisele, mesmo vertiginosas estrelas sodonas como Julia Roberts, Charlize Theron, Madonna e lá vai uma lista interminável. O cabelo de Gisele está em seu ápice estilístico, derrubando por terra a ditadura dos lisos. O cabelo de Gisele é natural: ela não faz força para ser assim. Uma psicóloga já me disse: admiração e raiva andam juntas. Portanto, a nível inconsciente, as mulheres têm inveja e raiva de Gisele, e querem “arrancar” da estrela o que esta tem de tão quente e maravilhoso – daí nasceu esta tendência capilar. As mulheres querem ter a beleza, o carisma, o talento e o dinheiro de Gisele. Nada mais natural, então, do que imitar o cabelo da top.

É claro que não é para qualquer um. Trata-se de um dom – ou você tem, ou não tem. Quando a pessoa tem um dom, uma vocação, um talento, tudo o que esta pessoa precisa é de persistência. Reza a lenda que o reinado de Gisele começou quando esta fez fotos para o baile de debutantes de sua cidade natal, a minúscula Horizontina, tal qual o Super-Homem, que viveu como criança em uma cidadezinha também. Nessa foto de debutante, vemos uma juveníssima Gisele esfomeada, faminta para devorar o mundo, ambiciosa, devorando impiedosamente a lente do fotógrafo, o qual percebeu o potencial da menina e a encaminhou para fazer um book – álbum de fotos dos modelos que servem para a agência “vendê-los” – em uma agência de Porto Alegre, e este foi o primeiro duro passo de Gisele longe de casa. Gisele firmou uma relação de amor com POA, tendo anos depois, já famosona, ter sido clicada por um anônimo portoalegrense no Parcão, com o detalhe que Gisele no clique estava disfarçada, com chapéu, óculos escuros e peruca crespa morena, no prazer anônimo de uma pessoa comum que quer curtir a vida e não só trabalhar. Na agência de modelos em POA, as pessoas, os agentes de moda, perceberam o potencial da moça, e não demorou até Gisele ir para a cidade mais influente da América Latina – São Paulo. Numa vida dura de modelo em Sampa, Gisele declarou anos depois que quando pensava em desistir, podia quase ouvir uma voz dizendo-lhe: Não desista. Na metrópole paulista, berço da MTV Brasil, Gisele gravou um programa do canal, o MTV Al Dente, que mostrava modelos sensuais apresentando clipes. Só que, na ocasião, pouca gente deu bola, e Gisele passou quase despercebida, e é esta invisibilidade que permite que as pessoas invisíveis surpreendam. Então, o maior passo da vida de Gisele foi ir para os braços de Tio Sam, para Nova York, um dos poucos grandes megapólos de moda do mundo, e isso quando tinha 15 aninhos, ou seja, uma criança que aprendeu rápido a ser adulta, numa fibra incrível. Inclusive, às vésperas de se tornar uma Brazilian Bombshell, ou seja, Uma Granada Brasileira, Gisele foi entrevistada por Paulo Francis na Big Apple, e Francis ficou impressionado que aquela menininha de 15 anos parecia ter 20. Paulo anunciou: Tem avião novo na praça, pressentindo o estouro. Em NY, Gisele passou a mostrar ao mundo um inconfundível porte na passarela, como um elegante cavalo nobre, e dona de uma fotogenia misteriosa e inegável, visto que a fotogenia é um mistério: o que faz uma pessoa clicar deslumbrantemente frente às frias lentes? Recentemente, Gisele aposentou-se das passarelas, e seu derradeiro desfile custou-lhe lágrimas. Foi o fim de uma era.

            O que Gisele tem que fazer para manter-se no topo? Nada, absolutamente nada, só continuar trabalhando e produzindo, visto que qualquer ser humano tem que se ocupar. Seu reinado global permanecerá enquanto a própria Gisele manter-se humilde e nunca deixar de ser produtiva. Gisele, como toda pessoa grande, sabe que, se parar, virará peça de museu. O ambicioso diretor Fábio Barreto tentou seduzir Gisele a interpretar a louca Jacobina no filme que, no fim, acabou sendo protagonizado por Letícia Spiller, ambas “alemoas”. Na apoteótica abertura dos Jogos Olímpicos do Rio, Gisele cruzou de ponta a ponta, de salto alto e vestido justo, o Maracanã, ao irresistível som de Garota de Ipanema. Gisele brilha tanto que sua simples presença preencheu completamente o Maracanã e as telas TV do mundo inteiro, num momento bem marcante, um orgulho nacional.

            É claro que nem tudo são flores. Gisele teve uma época em sua vida em que ambicionou uma carreira de atriz, obtendo papel de destaque no filme Táxi. Na première, Gisele chegou no tapete vermelho em um táxi, numa ironia, e estava acompanhada dos pais, apoiando a filha em sua empreitada. Na época do lançamento, uma revista brasileira de cinema colocou Gisele no grande destaque da capa, enaltecendo grandemente a película e a participação de Gisele. Interessante observar que a mão que acaricia é a mesma que apedreja. Tempos depois, na mesma revista, foi feita uma recapitulação dos piores filmes dos últimos anos, e Táxi estava nesse infame rol. Nunca ouvimos que na vida não se pode ter tudo?

Vida de modelo não deve ser fácil. Há anos trás, o jornal Zero Hora fez um ensaio fotográfico com a irmã mais nova da simpática e talentosa modelo Shirley Mallmann. Então, o jornal entrevistou Shirley e perguntou se sua irmã seguiria os seus passo no mundo da Moda, e Mallmann foi contundente, dizendo algo do tipo: Amo minha irmã. Logo, não desejo vida de modelo para ela. O mundo da Moda é extremamente concorrido, com muitos corpões e rostos belos concorrendo pela mesma oportunidade de trabalho. É um trabalho no qual o modelo tem que se “matar” para manter-se no condicionamento físico exigido pelo mercado. Ainda por cima, é um mercado volúvel, sempre em busca de novidades e caras novas. Vencer todas essas vicissitudes é só para os excepcionais.

É claro que não são todas as modelos que se tornam top – as tops são apenas a pontinha do iceberg. O mundo da Moda está repleto de frustrações. Gisele teve que morar por um tempo em um apartamento com mais outras várias meninas modelos, rateando o aluguel. Uma dessas modelos contou, recentemente, que Gisele é meio pão dura, e que esta exige respeito – é esse respeito por si mesma que fez Gisele tão grande. Na geladeira do apartamento, havia um tomate de Gisele, e esta colocou um bilhete ao lado do tomate dizendo: Este tomate é meu. Por que você está mexendo nele? Coloque-o de volta. Eu entendo Gisele – ela não quer tomate; quer respeito, o qual pode ser simbolizado pelo tomate mas não é tomate por si só. Dá para entender. Mãe coruja, Gisele declarou que sua obrigação é prover um ambiente seguro para que as crianças floresçam e sejam a luz que são.

            Como diz uma pessoa de minha família, Gisele chegou lá. Gisele está no plano de uma Lady Gaga, e esta também conquistou o mundo e ninguém percebeu. Tao é o invisível que entra sem ser percebido, impecável, simples, consistente. A atriz veterana Suzana Vieira já se declarou publicamente fã de Gisele, e disse que esta é a vitória da cabeça sobre a bunda. Aliás, observo o volume de fãs mulheres de Gisele na faixa etária entre meia e terceira idade. Gisele angaria fãs de todas as idades, no poder da estrela de unir as pessoas, na promessa de um mundo melhor. A estrela é um sinal de que há um mundo melhor à nossa espera. O que Gisele é? Gisele é forte, uma Mulher Maravilha de imbatível. Gisele é uma Carmen Miranda, uma vogue, que avassala. E Gisele aprendeu sozinha a ser Gisele.

Houve um momento em que Gisele ficou no “olho do furacão”, quando, desfilando em NY, a modelo foi alvo de pessoas que protestavam contra o uso de peles de animais na Indústria da Moda, e estas pessoas subiram na passarela e, aos berros, ostentaram cartazes que diziam: Gisele é a escória das peles. Com nervos de aço, Gisele desfilou normalmente, ignorando altivamente os trancos e barrancos da vida.

No tapete vermelho do Oscar, no ano em que DiCaprio concorria dor O Aviador, Gisele apareceu com um vestido branco, inconscientemente na cor das noivas, e Gisele estava uma Vênus cristalina ao amanhecer. Tempos depois, a socialite Paris Hilton, em seu próprio videoclipe, imitou não só o vestido e o cabelo, como também os trejeitos que fizeram Gisele célebre. Na ironia de que Paris e Gisele têm proveniências extremamente diferentes uma da outra, e a menina que nasceu rica e privilegiada não chega aos pés da menina que veio de Horizontina, RS. A humilde horizontinense já declarou que não é toda aquela deusa que as lentes captam. E o mundo não é dos humildes?

sábado, 10 de junho de 2017

De Frente, Sempre




Com décadas de experiência profissional, Marília “Gabi” Gabriela é uma das maiores entrevistadoras da História do Brasil, ao lado de um grande nome como Jô Soares. Já tendo conversado com grandes pessoas do Brasil e do Mundo, Gabi também dá espaço a entrevistas esclarecedoras, entrevistando pessoas menos famosas, como médicos especialistas, os quais respondem a perguntas que moram na cabeça do senso comum, tendo nestas a entrevistadora frequentemente lançando mão de perguntar um sofisticado e maduro “por quê?”. Gabi sabe a arte da conversa, e concentra-se ao máximo no momento da entrevista, nunca tirando os olhos de cima do entrevistado. Dedicação. Direta, simples e prática, Gabi frequentemente, em uma pergunta, lança mão do “ou, ou”, no sentido de perguntar ao entrevistado se algo é deste ou daquele jeito. Gabi sabe que é irritante o entrevistador que quer aparecer mais do que o entrevistado.

Workaholic, Gabi nunca pára, podendo inclusive trabalhar em dois canais de TV ao mesmo passo. Gabi também já se mostrou viciada em sites de notícias, passando boa parte de seu tempo em sites noticiosos, numa pessoa antenada e moderna, sempre a par do que ocorre ao seu redor.

O implacável programa humorístico Pânico na Band já tratou de homenagear Gabi, com a personagem Marília Gabiherpes, a qual tem uma herpes e-nor-me no lábio superior. Então, a primeira entrevistada de Gabiherpes foi a Gabi real, a qual dava gargalhadas com a imitação do talentoso humorista Ceará. Gabiherpes tem uma verdadeira coleção de óculos com armações coloridas, imitando o trejeito de Gabi de tirar e pôr os óculos durante vários momentos nas entrevistas. Ao abrir suas entrevistas, Gabi sempre evoca grandes pensamentos, com frases de pensadores renomados, célebres e respeitado, sempre com pertinência, com frases capazes de resumir, identificar a apresentar o entrevistado. Então, Gabiherpes abriu uma entrevista dizendo: Antes de entrar no elevador, certifique-se de que o mesmo esteja parado no seu andar. Ceará imita a voz grave, com um sutil biquinho nos lábios de Gabi enquanto esta fala. Gabi é assim: ela não entra no elevador sem se certificar de que o mesmo esteja parado no seu andar. Criteriosa na hora de fazer perguntas, nunca pisa em um terreno escorregadio, estando segura de si. Tanto que, num comercial de um desodorante masculino, Gabi aparece entrevistando um homem, o qual fica de costas para a câmera, e Gabi começa a titubear e perder a concentração. Então, o slogan do comercial é mais ou menos assim: Este desodorante deixa inseguras até as mulheres mais seguras.

Outra sátira foi a de Jô – olha ele aqui de novo – no extinto (e formidável) televisivo humorístico Viva o Gordo, da Globo. Jô aproveitou a deixa de um programa de Gabi na época, o Face a Face, cuja angulação de câmera dava a impressão de entrevistador e entrevistado estarem com os narizes colados um no outro – isto é coisa de Gabi, a qual traça uma simples linha reta em direção ao entrevistado. Na referida sátira, havia o Fuça a Fuça, e os atores, de fato, estavam colados um na fuça do outro, quase se beijando. As sátiras, já ouvi dizer, são declarações de amor.

Uma entrevista muito curiosa foi a de Fausto Silva, o qual, com décadas de calejado estilo profissional, simplesmente parou de olhar para Gabi e direcionou-se à câmera, como o faz no programa Domingão do Faustão. Então, Faustão fez exatamente o que faz ao discursar no seu televisivo dominical, absolutamente dispensando perguntas da parte de Gabi, a qual, num extremo momento, disse aos berros a Silva: Esse programa aqui é meu! A coisa ficou engraçada porque Faustão inverteu o jogo e começou ele a apresentar Gabi para a câmera, enaltecendo a entrevistadora, mas perdendo a noção de que ele era o entrevistado. Engraçado.

Ser midiático, Gabi adora aparecer, e o fez inúmeras vezes com quem namorou uma época, o galã Reynaldo Gianecchini, o qual tem idade para ser filho de Marília – uma deixa que sobrou a um humorista que, ao ver Gabi e Reynaldo chegar de carro num evento, perguntou a ela: É teu filho? E Gabi sorriu, mostrando ter senso de humor. Gabi é um misto de intelectual com show woman, sempre primando pela inteligência, mas também gostando de ser celebridade.

            Multimídia, Gabi é atriz também, já tendo feito TV e Teatro. No tablado, se não me engano, interpretou Shakespeare, aceitando desafios e encarando a tarefa difícil de atuar; na TV, fez uma personagem que conheceu a Rainha da Inglaterra numa trama há décadas atrás, tendo Gabi num inglês um pouco sofrível, mas razoável. Dona de uma pele linda, Gabi parece não envelhecer, mesmo sendo uma figura midiática, que volta e meia está nos meios de comunicação, pertencendo ao rol das figuras as quais estão sempre expostas ao público, envelhecendo a olhos vistos. A cabeça de Gabi permanece jovem, sagaz e questionadora, sendo moderna. Numa recente chamada do canal pago GNT, Gabi aparece fincando uma espada de esgrima bem no meio de um combalido alvo, retirando a máscara de esgrima e revelando-se ao público telespectador. Gabi vai direto ao ponto, indo o mais profundo possível. Isso se reflete em uma mesa que numa época serviu de cenário a seu programa de entrevistas no GNT, uma mesa cuja tábua era em forma aproximada de um “C”, com Gabi sentada numa posição que “invade” o entrevistado. Gabi finca uma espada bem no meio do entrevistado, mas é por interesse e não por agressão. Simplicidade de quem entrevista bem.

            Por fim, evocarei o ditado em latim que diz que a verdade é filha do tempo, ou seja, se quisermos enxergar algo com clareza, deixemos o tempo passar. Na famosa entrevista de Gabi com Madonna, a entrevistadora não gostou do resultado. Depois da infame entrevista, Gabi foi entrevistada por Astrid Fontenelle, num programa da MTV Brasil, quando Gabi revelou os bastidores de tudo. Ao decidir que queria entrevistar a Rainha do Pop, Gabi, sempre batalhadora, entrou em contato com a Warner Brasil, a qual, disse Gabi, foi extremamente cordial, mas foi tudo uma longa negociação, talvez a maior da carreira de Gabi. A Warner entrou em contato com a matriz americana, e, então, o escritório de produção de Madonna exigiu vários planos de entrevista, geralmente rechaçando-os, e também exigiu vídeos de entrevistas de Gabi com pessoas de renome mundial. Após findada esta etapa, a produção pediu um plano de divulgação da entrevista, e, num dado momento, disse à produção de Gabi: Vocês são amadores! Isto é uma entrevista com Madonna! Marília Gabriela, com suas décadas de experiência, ser chamada de amadora – nesse ponto, no qual foi insultada, Gabi deveria ter desistido, mas persistiu. Gabi, acostumada a entrevistar pessoas durante quase uma hora, teve que se curvar à exigência de Madonna da entrevista ser de apenas meia hora. Então, foi marcada a entrevista em um restaurante decorado com velas, cedo da manhã, e Madonna chegou com um séquito de produção, e a van, na qual chegou, ficou o tempo todo ligada, caso Madonna se irritasse com a entrevista e simplesmente quisesse deixar o local. Que diva, hein? Ao apertar a mão da estrela, Gabi abriu o jogo logo de início e disse que considerava ela, Madonna, do Balacobaco, o “b” do borogodó, e Madonna agradeceu sumariamente. Para Astrid, Gabi disse que viu na diva uma pessoa mais esperta do que inteligente, com uma Madonna um tanto na defensiva, uma diva calejada por décadas lidando com uma imprensa nem sempre disposta a falar bem de Madonna – e isso confirma-se nessa entrevista de Gabi a Astrid, na qual Marília espinafrou Madonna, quase como uma vingança. Gabi disse que Madonna chegou lá na defensiva, desconfiada, dura, difícil, inacessível, com respostas breves e curtas a perguntas que poderiam render grandes desenvolvimentos de pensamento.

Ao findar a entrevista, Gabi disse ao produtor que achou Madonna muito calada, e o produtor disse que Madonna sempre é assim, monossilábica; o mesmo, ao fim da gravação, cumprimentou Gabi, dizendo que aquela foi uma das melhores entrevistas que alguém já fez com Madonna. E eu concordo. Todos dizem que a entrevista foi Madonna dando coices o tempo todo em Gabi, mas não vejo desse modo. Há momentos em que Madonna se esforça para dar respostas profundas. Gabi disse que, ao elogiar o corpo de Madonna, a mesma debochou, como se Gabi a estivesse cantando. Em outra pergunta, quando Gabi cita uma certa escritora, Madonna diz que esta é desagradável e infeliz – nessa pergunta, Gabi ficou com as expectativas de que Madonna desenvolveria pensamentos mil, mas não foi assim que ocorreu. O problema é que Gabi chegou na entrevista cheia de expectativas, e é difícil de se imaginar Gabi entrevistando a diva novamente, tal o trauma da experiência. Gabi chegou na entrevista com um complexo de inferioridade, o qual acomete os latino-americanos.

Bem humorada, Madonna brincou que chegaria um dia em sua própria vida em que receberia desconto para idosos nas salas de cinema. Madonna é uma pessoa que se construiu em meio às vicissitudes inevitáveis da vida, assim como Gabi construiu a si mesma. Foi o encontro de duas mulheres fortes, porém diferentes uma da outra, bem diferentes. O fato é, antes da entrevista, Madonna não fazia ideia de quem era Gabi, mesmo como todo o cordial intermédio da Warner Brasil, a qual serviu de “cartão de visitas” para Gabi encontrar-se com Madonna, a qual é dura mas não é desumana. Certamente foi uma boa entrevista, mesmo que revelada de um modo o qual Gabi não imaginara. O bom da vida é que nada ocorre como pensamos que iria ocorrer. Gabi deveria perder esse complexo de inferioridade e ver que a entrevista com Madonna foi ótima, mesmo que atípica.

Gabi é como um bom vinho, e está sempre melhor. Tomara que ela nunca faça o que Jô Soares fez – abandonar a carreira de entrevistador, tendo a ausência de Jô abrindo espaço para Pedro Bial. Give time time, ou seja, Dê tempo ao tempo. A verdade vem à tona.