quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Sem Morrer na Cruz



Com obras pertencentes a museus como o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, o venezuelano Carlos Cruz-Diez está radicado em Paris. Chic! Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!


Acima, Fisicromía Doble Faz para Madrid, 1991. Uma cobra urbana, com clara inspiração em um viaduto, só que uma via que vai do nada a lugar nenhum, no enigma da mente artística, nas graças de um artista que é compreendido e valorizado. É como uma reação em cadeia de um jogo de dominó, e um simples empurrãozinho é capaz de causar comoção, numa pitada de agressividade, uma pitadinha de sal que faz toda a diferença, na relação entre causa e efeito, no termo “It’s all down hill”, ou seja “É tudo agora morro abaixo”, no termo “deixar rolar”, na sabedoria de quem dá este empurrãozinho mínimo, discreto, quase nulo, e acaba por causar um grande tsunami, como na obra de um artista que vi, e na obra raios de tempestade eram provocados por dispositivos metálicos, no termo “tremendão” da Jovem Guarda, sendo um artista, em todos os sentidos, uma força da Natureza. São como várias etapas em uma caminhada existencial, como num curso educacional, num aprendizado construído dia após dia, no modo como cada dia de Vida é uma batalha, uma luta, um esforço, na necessidade de se adquirir disciplina, como num balé, com bailarinas extremamente disciplinadas, com seus coques apertados, quase dolorosos, quiçá dolorosos, havendo no cabelo preso uma metáfora com a disciplina, como mulheres aristocráticas, ou aeromoças, arrumadas para um dia de luta. Esta obra de CCD é como uma obra abandonada de viaduto, talvez por falta de verba, talvez por um entrave jurídico, nas interrupções inevitáveis da Vida, num curso truncado, difícil, embargado. É a serpente da fertilidade, aquosa, como girinos n’água, no modo como a Vida luta para viver e sobreviver, como árvores competindo por um lugar ao Sol, na competitividade do Mundo dos Esportes, um plano desglamourizado, onde só há espaço para a fria Razão. Esta cobra vai se esgueirando em busca de alimento, e vai trocando sua pele, como um ator vai trocando de personagem, numa pessoa que vai virando as páginas e vai abraçando um novo dia. Esta cobra é formada por essa infinidade de cartuchos retangulares, na passagem do Tempo. Talvez tenhamos aqui um só cartucho, e a caminhada deste, como na construção de uma carreira, no cidadão que acorda e se depara com a necessidade de luta, rechaçando a preguicinha na hora de levantar, clamando o Superego. Esta obra é forte como concreto, firme como os fundamentos da Terra, com raízes que fincam fundo, dando estabilidade a esta “árvore”. São janelas que vislumbram o decorrer de uma vida, como Tao escreve certo por linhas tortas, no mistério da necessidade da pessoa passar por este ou aquele momento, na Divina Providência, sempre tecendo com perfeição o caminho de cada pessoa. É uma obra que, de certo modo, desafia a Gravidade, como o famoso e emblemático vão do MASP, no sonho de um arquiteto que sonha com prédios gigantescos e, ainda assim, leves, na arquitetura depuradíssima da Dimensão Metafísica, a Terra do Pensamento, a terra onde a Matéria e a Gravidade nada significam. Apesar de se sustentar por um pilar tão forte, esta obra é de uma aparência frágil, e parece que basta uma pequena borboleta pousando para que o caos destrutivo tome corpo. As coisas finas são assim: aparência fraca, efeito forte. Esta obra concorre com as demais estruturas numa cidade vibrante como Madrid, num CCD internacional, mostrando a universalidade da Arte. E esta salamandra vai se esgueirando, como se o ar fosse água; como se fosse uma cobra d’água, num surfista que se torna uma extensão d’água, fazendo o ar de Madrid parecer água. É como o chocalho no fim do rabo de uma cobra peçonhenta, e cada parte do chocalho corresponde a um momento de Vida, e quanto mais longo o chocalho, mais experiência de Vida, como na sabedoria de um homem de cabelos e barbas brancos. Esta obra é um político que já exerceu vários cargos públicos, sempre entendendo a necessidade de não parar de produzir.


Acima, Physichromie 1607, 2009. O retângulo alienígena de 2001- Uma Odisseia no Espaço, na prova de uma inteligência superior, no modo como um artista se sente um alienígena, um ser de outro mundo, tendo que encarar a encarnação na Terra e fazer-se compreender, no capital e grande desafio que é o autoencontro, na dor que assoberba o artista malcompreendido. Temos um CCD empenhado no enigma geométrico, num efeito que hipnotiza os olhos, as percepções do espectador. São como grades de uma prisão, no fato de que todo ser encarnado é um prisioneiro – pergunte a um prisioneiro se este gosta da prisão. Temos todo um tom cinzento metálico, como numa fábrica metalmecânica, num parque industrial arrojado, moderno, nas demandas econômicas de um país emergente como o Brasil. É uma esteira de fábrica, com os bens produzidos deslizando por esteiras, abastecendo mercados e gerando riquezas, no modo como o atelier do artista não deixa de ser uma fábrica, só que artesanal, como produzir Cinema no Brasil – o cineasta brasileiro é um artesão, sem o respaldo de uma estrutura industrial com as de Hollywood e Bollywood. Temos aqui um arcoíris discreto, de tons sisudos, como Elizabeth II, numa seriedade e numa sobriedade quase assustadora – o que faz esta monarca ser tão séria? O retângulo ao centro tem tons bordôs, de vinho, na sedução do açúcar da fruta se transformar em álcool, na universalidade da birita, como saquê, vodka, cachaça, rum etc. O artista quer embriagar o espectador, querendo causar comoção, rebuliço, uma desordem benéfica. Aqui, é como um prisma sutil, sóbrio, sem um carnaval de cores, numa proposta séria e, ao mesmo tempo, um tanto divertida, na tentativa de conciliar alegria infantil com seriedade adulta, no modo como a pessoa não pode perder para sempre o senso de humor, pois a Vida é repleta de ironias, de piadas tecidas por Tao, o Grande Piadista, o Rei dos Palhaços. O centro do retângulo tem um dourado discreto, fechado, como um tesouro que resiste em se expor, como na Coroa do Império Britânico, condenada a prisão perpétua, sem condições do adorno repleto de joias sair em público – a ladroagem não deve ser subestimada, e ser cuidadoso faz parte da autoestima da pessoa. Aqui não temos linhas orgânicas ou liquidiscentes; temos a dura construção técnica do espírito, num mundo obcecado em projetar espaços em linhas retas, seja por quadrados, seja por retângulos. Temos aqui uma simetria bem estável, clara, matemática, como um desenho simétrico de tapete, como os pontos cardeais, espraiando-se igualmente pelos quatro cantos da Terra, na eterna tentativa humana em impor Ordem ao Caos, no desafio da pessoa organizar a sua própria vida, ou colocar ordem numa casa com uma boa faxina, pois Tao é limpeza. Aqui, temos uma sensual persiana italiana, numa sedutora tarde de verão, de doces férias, na sedução da estação mais quente, longe da sisudez invernal, como na canção California Dreaming, na qual o inverno de folhas marrons e céus cinzentos é contrastado com o clima californiano, de temperaturas amenas e Céu de Brigadeiro. CCD se revela um mestre nos movimentos gráficos, dando um nó nos olhos do espectador. São como ramos de colheita sendo cuidadosamente acondicionados, organizados e catalogados, num escritório altamente organizado, na necessidade da pessoa ter que organizar a si mesma, encontrando um ponto centrado, um Norte, centrando a vida em um propósito sério e válido, pois pobre daquele que não se centra. É como um taquaral apolíneo, longe do caos natural da Fauna e da Flora, num Darwin empenhado em conhecer e catalogar espécies, buscando ver Ordem numa Natureza tão caótica, tão vasta e tão enigmática. O Ser Humano quer encontrar lógica na obra do Grande Arquiteto, fazendo da intervenção humana o fator decisivo para a Vida em Sociedade. Aqui, a alegria carnavalesca não está ceifada, mas colocada sob um certo e um mínimo controle, no modo como a Vida não é só festa, e pobre coitado do playboy, que nada produz e nada tem para ficar orgulhoso. Todos têm que produzir.


Acima, Primer Proyecto para um muro exterior, Caracas, 1954. Um Mondrian relido. Uma prateleira sui generis, com linhas retas alvoroçadas, como em uma divertida festa com várias cores mas, ao mesmo tempo, um predomínio dos traços negros e da superfície cinzenta, num CCD disposto a fazer um muro ao ar livre, impondo cores a um mundo tão cinzento, tão borocoxô, tão desanimadinho. As cores são a diversidade, no modo como o respeito mútuo deve ser estimulado e difundido, ao contrário de ditaduras, as quais não respeitam as individualidades, fazendo do cidadão um reles marionete, sempre manipulado por sistemas que pouco querem que o próprio cidadão seja feliz, como na artificial comoção na recente morte de um ditador – ao cidadão reprimido, vítima de um estado dissimulado, só resta mostrar emoções dissimuladas. Estas prateleiras não querem sustentar algo, pois já sustentam a percepção do espectador. É como se o muro fosse horizontal, e as pessoas tenham caído aleatoriamente sobre ele. Temos linhas retas e linhas tortas, mas nunca tortuosas. É o Messias sendo crucificado, pregado dolorosamente em uma cruz, exposto em uma humilhação pública, renascendo, séculos depois, em uma Europa farta de ser pagã. É como se estas peças estivessem parcialmente submersas em um tanque de líquido cinzento, e só podemos ver, acima do nível d’água, uma parte das estruturas, como um iceberg, escondendo a maior parte de si abaixo d’água, resguardando-se, nunca se revelando por completo, como se soubesse o valor da Discrição, como uma pessoa que faz erros e acertos, colocando os erros ocultos, escondidos abaixo d’água. É como um Pinóquio abaixo d’água, fazendo com que seu nariz mentiroso apenas se mostre parcialmente, num gesto de recato e vergonha, no valor do resguardo, como Tao diz que o showman, aquele que quer só aparecer, nunca é secretamente respeitado pelas pessoas. Aqui, são alternativas em uma prova de Vestibular, num jogo intrincado, feito para confundir a cabeça do vestibulando, em várias armadilhas e arapucas, como no termo das questões chamadas “pegarratão”, em que o indivíduo, metido a esperto, é comicamente ludibriado por mentes superiores. Temos aqui um labirinto, cuja função é confundir, no labirinto que é a cabeça daquela pessoa que ainda não se centrou na Vida, como uma mosca varejeira, que vai de lá para cá, ao sabor do vento, sem construir algo pertinente ou válido, como um saco plástico voando pela rua, sempre ao sabor da Vida, como um barco mal ancorado, sujeito às intempéries existenciais, como um piso de uma tábua solta, móvel, traiçoeira, fazendo com que a pessoa caminhante tropece e se machuque. É a sensação de despertencimento, numa dúvida persistente. Então, CCD pega um insosso muro cinzento, um muro tão comum e monótono, e o enche de temperos deliciosos, no modo como comi hoje uma bela rabanada. E as cores invadem uma cidade, buscando o embelezamento, ao contrário de uma cidade de muros pichados e canteiros malcuidados, nas feiúras corriqueiras das grandes cidades físicas – a Encarnação é assim mesmo, uma nuvem cinzenta, e a cada um de nós cabe fazer algo desse muro impessoal, na ilusão do vândalo pichador, o qual se considera um artista, um grande homem, mas não passa de uma pessoa equivocada, tendo dentro de si um certo ódio contra a Vida em Sociedade. Estas cores são um prisma sedutor, e estas tábuas parecem sacadas de um prédio de rica arquitetura, com formas desafiando a Lei da Gravidade, no modo do artista conseguir fazer perceber, de alguma forma, como é o Mundo das Ideias, a dimensão onde temos casa, comida e roupa lavada, só restando ao desencarnado buscar um trabalho, pois, como eu já disse nesta mesma postagem, todos temos que produzir de alguma forma. Vemos aqui algumas formas que lembram cruzes, no modo como li hoje o depoimento de um religioso, o qual se opõe a obras de Arte que combinam nudez com símbolos religiosos, no poder provocador da Arte, a irmã da Liberdade. E na ironia de que, dentro da transgressão, existe a caretice, tendo tudo em si a própria contradição. Sem stress, gente!


Acima, Projet pour Couleur Additive, 1959. Um painel de elevador indicando a depuração de uma dimensão acima, na trajetória de um artista que vai crescendo na carreira e vai crescendo como pessoa, como espírito, pois tudo é processo, e crescer é este processo. Temos em CCD um mestre em hipnotizar a percepção ótica de quem se depara com a obra, no modo como um Escher brinca também com o espectador, dando um nó na mesmice e na mediocridade, como no célebre professor Tatata Pimentel, pois este ignorava os alunos medíocres, chamando de “elite” somente alguns alunos que se destacavam na aula. Esta obra mostra o jogo de cores entremeadas, fornecendo novas cores, no fato de que, se observado de perto, podemos ver as linhas em separado, e temos o efeito de estampa, de listras; se observado de longe, não vemos listras, mas estampas lisas, no modo como, de longe, no frigir dos ovos, um tecido com listras pretas e brancas vira uma cor cinzenta. É algo matemático. As listras são símbolos de organização, de retidão, de elegância aristocrática, e rejeitam qualquer ideia de caos liquidiscente. As formas piramidais são um tanto universais, num Egito ou numa América Pré-colombiana erguendo estas formas tão simples, tão futuristas, num design tão depurado para uma época em que o Ser Humano mal tinha noções civilizatórias morais, em sociedades que praticavam os hoje inaceitáveis sacrifícios humanos. Quanto mais nos desapegamos, mais para o alto vamos, no desprendimento taoista, uma filosofia que prega a máxima da Elegância: Menos é mais, como na atitude revolucionária de uma Coco Chanel, que mudou para sempre os conceitos de feminilidade, como abolir o uso de joias em nome de bijuterias, pois, para Chanel, o que importa é o efeito. Uma persiana fazendo um jogo sexy entre mostrar e esconder, no termo que striptease que dizer “provocar com uma tira”, sendo sexy quando esconde e desinteressante quando revela, num eterno jogo de provocação, como um artista que sabe causar esse “it”, este charme na cabeça do espectador. Classe é sexy. Ao redor deste triângulo temos uma base negra, no modo como, a partir dos anos 90, a cor preta veio para ficar, tornando-se moda avassaladora, em looks um tanto monótonos, de uma pessoa que se veste só de preto, numa obviedade tediosa, do tipo “1 é igual a 1”. Mas aqui, com CCD, o preto cede em alguns lugares, compartilhando com tiras de outras cores, rechaçando a obviedade e estabelecendo um jogo interessante de harmonia cromática, numa festa que, apesar de adulta, é divertida, no modo como a pessoa não pode se permitir se tornar sisuda demais. Este triângulo sai do sexual e entra no sensual, no erotismo desprovido de sexualidade, no modo como sexy ser aquilo que não pode ser definido, como no primeiro momento do livro de Tao: “O Tao sobre o qual podemos falar não é o verdadeiro Tao”. Ou seja, é um jogo que provoca e nunca entrega. Este triângulo está sensualmente oculto e, ao mesmo tempo, revelado, como dentro de uma sauna a vapor, ou como numa penumbra, onde as formas estão um tanto despistadas, como acordar em um quarto envolto em penumbra, tendo muito sono, no momento do dia em que não é dia nem noite, mas uma luz do luar, a qual é nítida e, ao mesmo tempo, escondida. Este quadro parece girar, e as listras verdes são a Natureza, os majestosos trajes que árvores vestem em uma floresta, no fato de que, geralmente, o Ser Humano se deslumbra com palácios, mas ignora os campos. Como na tradição gauchesca, os campos têm que ser amados como parte verdadeira de um reino, no prazer de respirar ar puro e observar, ao longe, as formas geológicas de um lugar. Liberdade. Este quadro é uma noite em que amantes se encontram, fazendo amor sob o luar, na beira de praias de ondas doces requebrando. Este triângulo tem pontas um tanto agressivas, cortantes, ao contrário de mesas de vidro com as extremidades polidas. É o poder desbravador de mentes que buscam gentilmente transgredir velhos paradigmas, na coragem das mentes inventivas. Aqui, em perspectiva, temos um caminho dourado cercado por bosques, no acolhimento de uma sala de visitas com uma iluminação branda.


Acima, Transchromie, 1972. Um código de barras colorido, na tentativa de trazer alguma cor e alegria a um Mundo tão triste, miserável e embebido em ódio. São como degraus divertidos, que tocam música enquanto são pisados. É como o joguinho de palitos coloridos, no modo como o jogador tem que ter sutileza e cuidado para, ao retirar um palito, nunca fazer os outros palitos se mexer. É como uma bandeja de banheiro cheia de frascos coloridos, perfumados, num prisma explodindo, como uma bomba atômica benéfica, artística, na ambição de os artistas serem essas bombas de comoção, mexendo profundamente com a cabeça do espectador. Esta obra foi concebida em uma época em que as cores estavam muito em voga, vibrantes, como grafites coloridos em uma São Paulo tão cinzenta, tão de negócios, tão down. São como um saco de canudos multicoloridos, no ambiente mágico das lanchonetes, as quais se parecem com os lugares de encontro social da Dimensão Metafísica, cheios de gente bonita e agradável, cheios de luz e beleza, elegância de espíritos de alta depuração moral, de fé em algo maior, de fé em algo que rege todas as dimensões do Universo. É como se cada filete representasse um dia, sendo que a pessoa, conforme o dia, sente-se assim ou assado, como no se vestir de uma mulher que, em certos dias, sente-se feminina e veste-se com Chanel; em outros dias, sente-se masculina e veste-se como um menino, com um boné de baseball. É uma explosão de diversidade, com as cores respeitando o espaço umas das outras, como numa empresa harmônica e funcional, num ambiente de respeito às inevitáveis diferenças. É um buffet de opções, como nos atores estelares, que podem se dar ao luxo de escolher quais papéis desempenharão, numa bolha de privilégios, exclusiva, quando que o ator comum tem que dar graças a Deus quando um papel cai nas mãos daquele. Do mesmo modo como em um célebre artista plástico, o qual recebe inúmeras propostas, podendo se dar ao luxo da escolha excludente. Aqui, é uma cortina colorida, e a luz exterior atravessa o pano e dá o efeito de vitral de igreja, no brinquedo tradicional de caleidoscópio, como na roseta de Elizabeth I, a Mãe de todo o seu povo, numa noiva de vestido deslumbrante. Estas barras parecem se entrecruzar, brincando de ocupar o espaço umas das outras, como num grande baile. É uma gaita produzindo Música, no fato de que as Artes estão umas dentro das outras, podendo haver em um cineasta um artista plástico. Aqui é uma boca sorrindo, mostrando todos os seus dentes multicoloridos, num sorriso irresistível, aberto e simpático, no dom que as pessoas simpáticas têm em abrir seus próprios corações para o Mundo, havendo na pessoa antipática uma dificuldade de interação social. Aqui, CCD manifesta sua alegria em meio à dura realidade da Vida, num artista nunca se permitindo ser empedernido ou brutalizado. São vários tubos de ensaio em um laboratório químico. São várias colunas em um templo, sustentando com força, fazendo da alegria do dia a dia um combustível para que a jornada se mostre leve e agradável, pois o Mal é desagradável, ou seja, estressar-se em demasia é mau. É um baralho de cartas, como num jogo de tarô, num painel mágico de magia em que a Vida é desnudada e decodificada. São asas de uma grande águia majestosa, numa borboleta bela e colorida, como na lembrança que tenho de coloridas flores de lantana sendo polinizadas por muitas borboletas primaveris. É a festa da Vida, como planetas coloridos girando em torno do mesmo astropai. É um DNA decodificado, revelando segredos, numa Humanidade que tenta conciliar avanço científico com avanço ético e moral. Temos aqui a Diversidade, num mundo de tantas etnias e nacionalidades, no grande desafio de se estabelecer paz e entendimento em um Mundo tão aguerrido, tão instável, quando tudo de que precisamos é ver o outro como um igual. As pessoas são diferentes umas das outras – é a questão da Individualidade, pois Tao não faz dois espíritos iguais, como num ator genial, que constrói uma heterogênea galeria de personagens.

Referências bibliográficas:
Carlos Cruz-Diez. Disponível em <www.raquelarnaud.com.br>. Acesso 21 nov. 2018.
Work. Disponível em <www.cruz-diez.com>. Acesso 21 nov. 2018.

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Memórias do Cáceres



Ramón Cáceres nasceu no Paraguai, onde estudou Arte. Após isso, fixou residência no Brasil, onde construiu carreira. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!


Acima, sem título. Aqui, temos um Mondrian ondulante, como uma bandeira tremulando. À esquerda, um grande retângulo negro, como uma lousa de escola, num professor empenhado em transmitir conhecimento, com uma certa frustração, pois a esmagadora maioria dos alunos, quando não todos, estão desinteressados, sendo poucos os alunos que dão orgulho ao professor, como na hierarquia espiritual, onde os de mais fé regem os de menos fé, havendo no sociopata uma fé irrisória, quiçá inexistente. Na Vida não há certezas, mas há quem tenha fé, num grande desafio espiritual, na eterna dificuldade humana em entender o Infinito, o qual é a prova do poder absoluto de Tao, o intermitente, o laborioso, o criativo, o ativo. Este retângulo negro é uma janela para o nada, na perda de noção de espaço e de tempo, uma perda que permeia o Umbral, numa pessoa que se perde nos labirintos do Narcisismo. Separando o negror do resto do quadro, um filete branco, numa espécie de antídoto, na certeza de uma pessoa que se encontrou, numa pessoa que está contente com a Vida, contente com o lugar onde mora, sem querer estar em outro lugar, pois querer estar em outro lugar tira a Paz da pessoa, e um inferno astral se instala – é o Descontentamento. Após este filete apaziguador, um belo vitral colorido, colorindo o interior de templos, trazendo consolo a corações casados de tanta frustração, sendo esta um antídoto, pois aquele que se desilude fica mais próximo do contentamento de Tao, como água, que habita os lugares mais inferiores, precisando aceitar onde está, como no passe em centros espíritas, nos quais a pessoa que leva o passe tem que estar com as mãos posicionadas para cima, abraçando o que Tao lhe coloca nas mãos – é uma sensação reconfortante a autoaceitação, num embate que tem que ocorrer dentro da pessoa, e não fora, como o erro de uma pessoa em querer fugir da Vida, mudando-se de lugar para lugar, pois os carmas são inevitáveis, e simplesmente perseguem a pessoa, aonde quer que esta vá. O grande vão em branco é a areia branca de praias metafísicas, paradisíacas, pois nada de errado em se sentir prazer, como há pessoas que simplesmente não se permitem ter prazer, nos adoráveis pecadinhos da Gula e da Luxúria, entre outros, como uma preguicinha na cama... Estas delgadas ondas negras fluem alegremente, como azulejos em uma piscina, numa doce tarde de verão, recebendo amigos em um churrasco em torno da piscina, brindando os bons momentos, como hoje, quando me deparei com uma velha amiga no supermercado, e colocamos a conversa em dia – é sempre bom falar com amigões, pessoas que o tempo não leva para longe de nós. No cantinho azul, como um Céu de Brigadeiro, a assinatura do artista, que assina somente “Ramón”, numa busca por simplicidade, como uma amiga minha artista plástica, que me presenteou com obras suas. Esse ínfimo cantinho azul é a promessa dos céus metafísicos, numa cor intensa e cheia de Vida, na energia de trabalho e prazer que existe plena no Céu. Temos um cantinho em vermelho, no pecado da Luxúria, na bobagem de acreditar que há como desvencilhar o Ser Humano da Sexualidade deste. É um saboroso morango, doce, suculento, recém tirado do pé, nos pequenos e simples prazeres da Vida, como respirar fundo e encher os pulmões de ar puro, observado nuvens de algodão no Céu. Vemos um cantinho dourado, na glória dos espíritos que cumprem sua missão na Terra e voltam vitoriosos ao Lar, recebidos como queridos heróis, na eterna inclinação humana em projetar poderes mágicos no Ouro e em outros materiais preciosos – é apenas uma projeção. O restante do quadro é de um azul bem discreto, mortificado, na necessidade de Discrição, pois Tao é a Infindável Discrição, sempre agindo invisivelmente nos bastidores, sempre subestimado, sempre por trás das cortinas, numa pessoa que odeia aparecer, sendo o oposto do showman, do homem exibidão que não é, de fato, respeitado.


Acima, sem título. Um quadro que, apesar de alegre, tem um fundo negro e sisudo, discreto, na ideal combinação entre dever e prazer – ambos devem existir na vida da pessoa, ao contrário de um workaholic, que não vive; só trabalha. Ao contrário também do bon vivant, que não produz, e tudo o que produz são fezes na privada. Aqui é como um prisma negro, no modo como eu, quando criança, fascinava-me com as cores dos lustres de cristal do Clube Juvenil, em Porto Alegre. Estas ondas são plácidas, e não tsunâmicas, e trazem o prazer de uma orla metafísica, de temperatura amena e agradável, ao contrário das vicissitudes materiais, com extremos meteorológicos, como calor ou frio intensos, no inevitável desequilíbrio da Encarnação. Podemos ouvir o som agradável de ondas requebrando delicadamente, num mar doce, com gosto de baunilha, num vinho delicioso, perfumado, frutado. A onda mais inferior, em tom de magenta traz um perfume feminino, sedutor, num aroma irresistível, assim como é irresistível um espírito superior em Fé. Aqui, temos uma implícita hierarquia das cores, como numa pirâmide, abrangendo todas as classes sociais, nos abismos sociais que o Ser Humano sabe muito bem produzir, numa Terra cheia de desigualdades e vãos, com um bilhão de pessoas que vive na miséria, mal tendo o que comer, o que vestir, onde morar, no modo como a Dimensão Metafísica rechaça tais desigualdades, destruindo as pirâmides pontiagudas e colocando todos os filhos no mesmo útero, na metáfora da Imaculada Conceição, projetando em Nossa Senhora a dimensão acima, um mundo (muito) melhor, pois desprovido das ambições materiais humanas, pois, como diz Tao, a Ambição é inimiga da Paz, e se eu estou o tempo todo querendo coisas, não terei sossego, no modo como é altamente necessário o contentamento, no fato de que a Vida na Terra está longe de ser perfeita – é assim mesmo. As ondas em tons amarelados, pardo e laranja trazem a luz do Sol, o astro-pai, a gigantesca pérola incandescente que alimenta toda uma família, no modo como cada um de nós é um planeta em particular, com suas individualidades e curiosidades, mas todos girando em torno da mesma barriga, planetas-filhos sempre com algo em comum, apesar de estarem preservadas as sagradas individualidades. É um calçadão de Ipanema, só que colorido, curvando-se perante as ondas naturais na orla, na tentativa humana em compreender e reproduzir as forças naturais, num Ser Humano que, no passado, achava que as forças naturais eram deuses. Há uma onda verde-água, num paraíso caribenho, cópia fiel do Éden, mas apenas uma cópia, como flores artificiais – o que Tao faz, o Homem não faz tão bem. Essas ondas excedem o quadro, no enigma permanente da Eternidade, pois é difícil (ou impossível) ao Ser Humano compreender que sua alma, seu self, jamais encontrará final, pois, do contrário, sem Eternidade, a Vida não teria sentido algum, como diz a lógica espírita, a qual julga ser natural o Eterno, e sem sentido o Finito. São ondas de rádio, alimentando aparelhos do Oiapoque ao Chuí, no grande passo tecnológico que foi a invenção do Rádio, como hoje são as ondas globais da Internet, no intermitente galgar das tecnologias, num Ser Humano incessantemente se aprimorando, fazendo metáfora com a Evolução Moral da Humanidade, o grande sentido da Vida na Terra. Aqui, os momentos de alegria sofrem interrupções negras, como o fim de semana divertido após uma semana inteira de trabalho, como na atriz Jodie Foster, que disse que obriga a si mesma a NÃO trabalhar nos finais de semana, pois como diz o versinho em O Iluminado: “Muito trabalho e pouca diversão fazem de Jack um bobão”. É como uma grelha quente, esperando pela carne, num fogo multicolorido, como um saquinho da guloseima Confete, com pastilhas coloridas recheadas de chocolate, no modo como há, na Dimensão Metafísica, doces deliciosos para serem degustados, ou seja, não devemos temer o pecadinho da Gula! Aqui, são cabelos ondulados ao vento, numa Gisele cujo cabelo se tornou avassaladora moda mundial. São fios de Miojo, de macarrão, feitos pela generosa nonna, a Grande Mãezona.


Acima, sem título. Uma declaração de Amor ao Brasil, especialmente ao Estado de São Paulo, terra que Ramón elegeu para se radicar, como um filho adotivo. Aqui, a bandeira tremula, em doce liquidiscência, como uma bandeira reinando em um dia de Céu de Brigadeiro, num Brasil tão vasto, num estado tão rico e industrializado, numa urbe vibrante, repleta de Vida Cultural. Aqui, há o sedutor contraste entre claro e escuro, como nas cores de um farol, com a missão de guiar marinheiros, no modo como a Missão da Arte é inspirar tanto artistas quanto espectadores, numa corrente retroalimentar, onde Arte alimenta mais Arte, numa reação em cadeia. Impondo-se sobre a bandeira, um prisma, um triângulo transparente, trazendo contraste ao contraste, ou seja, trazendo ainda mais destaque contrastante, convertendo noite em dia e viceversa. É a Matéria Escura, o enigmático fluido invisível universal que une o Cosmos, na infinidade de galáxias deste, numa vastidão que desafia a pequenina Humanidade: Há mais estrelas no Universo do que grãos de areia em todas as praias da Terra juntas – já nos demos conta de quantos grãos de areia existem só na ilha de Florianópolis? E o artista tenta encontrar o seu lugar em um lugar tão grande, fazendo da expressão um Norte numa bússola, no modo como as estrelas guiam os astrônomos. A pontinha desta pirâmide de cristal é rubra, como um rubi, coroando o topo de uma pirâmide social, na restrição de privilégios, sendo estes reservados só aos níveis mais altos do corpo social, numa sociedade excludente, que, assim como produz riqueza, produz miséria, no modo como não há classe social na Dimensão Metafísica. Este cristal é como a identidade visual do canal Globonews, identidade esta projetada atrás dos âncoras apresentadores, dando um efeito de cristal mesmo, no fascínio de objetos brilhantes, reproduzindo, de forma finita, a sofisticação infinita das mansões metafísicas, cheias de escadarias majestosas, numa vida difícil de ser imaginada aqui, na Terra. O pequeno mapa do Brasil é em azul anil, abençoando a pátria de Norte a Sul, no sonho de ser, um dia, um país rico, com cidadãos gozando de plena saúde e felicidade, na felicidade que recheia os que vivem em uma dimensão superior. Um círculo branco envolve o mapa, como um ovo, no mistério de trazer Vida ao Mundo, nos mistérios reprodutivos, no milagre da Vida. É o ovo de galinha, sempre nutrindo com riqueza em proteínas, no sonho de um mundo onde não haja fome nem desnutrição, no sofrimento de meninas anoréxicas, que veem na comida um inimigo. Quatro estrelas douradas ladeiam o mapa, como se fossem guardiãs da República, como quatro sentinelas, representando os pontos cardeais, como as quatro estações do ano, envolvendo a Terra em ciclos sensuais de aquecimento e resfriamento, na grande comédia que é o fato de hemisférios terem o clima exatamente ao contrário um do outro. As estrelas são as riquezas de uma São Paulo soberana, atraindo brasileiros de outros cantos do país, brasileiros estes que têm o sonho de enriquecer em uma terra próspera, encontrando na urbe um cenário duro, na dureza de qualquer lugar sobre a face da Terra – o problema é o que o Ser Humano quer fugir da Vida. Aqui, a bandeira está aquática, na deliciosa fluidez da sensação de Liberdade e Paz que há na Experiência Extracorporal, quando o espírito, em um corpo físico adormecido, sai temporariamente da carne e adquire experiências na Dimensão Metafísica, muitas vezes se reencontrando com entes queridos já desencarnados. Esta pirâmide retilínea, de linhas tensas e matemáticas, corta a sensualidade destas listras aquosas, fazendo com que duro e mole sejam parte do mesmo trabalho, ou seja, não existe só prazer no trabalho; há também disciplina. É como a rotina disciplinada de um dia no quartel, havendo no divertido personagem Recruta Zero um militar preguiçoso, sem muita disciplina, na tendência humana à Preguiça, pois a Vida não é apenas sacrifício. A pontinha vermelha deste triângulo é uma ponta de adaga, desbravando terrenos nunca antes explorados, na busca por originalidade, num Freud desbravando a Psicanálise.


Acima, sem título. Escamas brilhantes de um peixe vivo, vibrante, gozando de plena saúde. É um jogo binário digno de Escher: “Onde está o vazado e onde está o saliente?”, ou seja, “Onde está o positivo e onde está o negativo?”. Estamos tendo vista para um mar verde-água ou para uma aurora dourada? Existe um jogo de encaixe, pois triângulos de ponta para cima encaixam-se em triângulos com a ponta para baixo, numa junção dos opostos que regem o Cosmos. O triângulo de ponta para baixo se parece muito com a logomarca da empresa Vale, na qual uma letra V se insinua na forma de um vale, num design digno de um publicitário de mão cheia, numa profissão sempre em busca de sacações inteligentes. Aqui, podemos ver também losangos, e cada um destes é formado por dois triângulos opostos encaixados, no modo dialético no qual tudo traz em si a própria contradição. Então, esses losangos cortam o quadro com alinhamentos retos, precisos, cortando o quadro de forma oblíqua, como num estacionamento oblíquo, buscando conter o maior número possível de carros estacionados, no modo como a Cultura Popular vai na capciosa diagonal, ao contrário da Cultura Erudita, que vai de forma vertical, e também ao contrário da Cultura de Massa, que vai na horizontal. Aqui, é como um tabuleiro de xadrez, só que colorido e na diagonal, numa estampa de tecido, num quebracabeça sem mistérios, com peças encaixadas de forma lógica. Os alinhamentos aqui geram linhas invisíveis, no modo como Tao é invisível, pois é feito de matéria, no modo como o Reino dos Céus, aclamado por Jesus, também é invisível, pois é feito de pensamento, e não feito de matéria, pois ao olharmos para cima, só vemos o Céu azul e nuvens, no esforço espírita para fazer entender o que é a Dimensão Metafísica, o plano das ideias, numa dimensão desprovida das vicissitudes materiais, como a fadiga, as doenças em geral e as outras necessidades materiais, como comer, hidratar-se e proteger-se dos raios nocivos do Sol – na dimensão acima, o Sol brilha majestosamente, mas não fere as vistas. Lindo, não? Aqui, temos ouro digno de uma tumba de faraó, na sensação mundial causada pela descoberta da tumba intacta de Tutancâmon, na eterna tentativa humana em entender o que acontece quando chega o inevitável fim do corpo físico, como diz Tao: “Se o seu corpo morrer, você não tem com o que se preocupar”. A dúvida do pós-morte é universal. E este peixe brilhante nada cheio de Vida, suculento, sendo pescado e assado, como um Gollum ávido, devorando peixes crus, ainda vivos, no instinto selvagem da fome insaciável. Aqui, temos contradição, pois há setas que apontam para cima e há setas que apontam para baixo, num momento de escolha: Para onde vou? Então a escolha é feita, e a pessoa tem que colher os frutos de tal escolha, num Ser Humano iludido, que quer “estar” ao contrário de “ser”, quando que, as mudanças de vida, acontecem dentro, e nunca fora do indivíduo. Este quadro, se visto de muito longe, terá uma só cor, que é um tom esverdeado, fruto da junção entre azul e amarelo, como se pudéssemos olhar bem de pertinho um material impresso colorido, no qual podemos ver que, a cor vermelha é, na verdade, a junção entre magenta e amarelo, numa grande contradição: se olharmos esta tela de Ramón de perto, veremos qualquer cor, menos o verde. Se menos é mais, a pessoa precisa desaparecer para aparecer, ou seja, andar para trás para avançar, ou seja, curvar-se para reinar. É como uma placa de barro suméria, nos primeiros registros humanos de Escrita, sendo esta o que tirou o Ser Humano da Pré-História. É como uma torcida brasileira verde e amarela, nos momentos de Copa do Mundo, em que o Brasil se une em torno de um só ideal, num raro momento de união, confraternização e irmandade, sendo todos filhos do mesmo grande Brasil. Quisera que sempre fosse assim no Brasil.


Acima, sem título. Um raio de luz dourada aparece, como na Esperança da Luz, um espírito iluminado do desenho animado She-Ra, na forma de uma luz multicolorida, trazendo a esperança de um plano melhor, como no episódio de Tom & Jerry, em que o gato vai ao Céu em uma escada rolante, subindo ao encontro de aristocráticos céus iluminados e doces nuvens. É o modo como as pirâmides são escadarias que levam ao alto, numa caminhada de depuração na qual o indivíduo sofre uma provação de Fé, sendo forçado a nunca perder esta, pois o Reino dos Céus só é acessível aos que creem em tal reino – é um teste para a alma. Esta luz se deita sobre morros sensuais, como nas formas de uma mulher bonita de corpo, como os exuberantes morros da cidade do Rio de Janeiro, numa Natureza exuberante, exalando Vida, numa cidade muito sensual, num carioca conectado às paisagens da Cidade Maravilhosa. É como um raio de esperança depois de uma horrível e impiedosa tempestade, no modo como as coisas passam, e os momentos de crise, finalmente, vão embora, graças à força de vontade do indivíduo – querer estar bem é o primeiro passo para estar bem. É uma luz retilínea, da retidão dos espíritos éticos e honestos, dignos de respeito, ao contrário da Serpente da Malícia, que é esmagada pelos alvos pés de Nossa Senhora – o Mal está fadado à destruição, pois se há algo descartável, este algo é uma maldade, na preciosidade do gesto honesto, cheio de Amor e Respeito, pois amar o próximo é nunca querer enganar este. Esta retidão é o pensamento racional, imune a malícias, como num antivírus de computador. Aqui, há um contraste cromático entre amarelo e azul, no calor se encontrando com o frio, trazendo equilíbrio, numa temperatura amena, na sensação gloriosa de entrar em um shopping refrigerado em um tórrido dia de Verão, ou como tomar um copo d’água depois de comer algo muito salgado. Esta luz são os raios de Maria abençoando seus filhos na Terra, no modo como os vínculos de família não se dissolvem com o Desencarne, e, lá no Céu, há pessoas que nos amam muito e cuidam de nós de lá, na perfeição das tramas da Divina Providência, no modo como cada um de nós tem um Anjo da Guarda, até mesmo as almas mais problemáticas, como mendigos que se arrastam pelas ruas, no modo como ninguém está sozinho, pois Tao nunca abandona seus filhos; se abandonasse, não seria Tao em sua majestade – há um Mundo melhor para todos, numa luz que nos envolve, nunca nos ferindo; sempre acariciando. Vemos a forma de um til, nas particularidades da Língua Portuguesa, num Ramón que nasceu e cresceu falando em Espanhol, tendo que se adaptar ao idioma do país que o artista escolher como novo lar, num processo de adaptação, como conversei hoje, em Português, com um malasiano que mora há anos no Brasil. Aqui, o azul é o termo em Inglês “blue”, ou seja, triste, mas não uma tristeza depressiva, mas um clima introspectivo, em que a pessoa recolhe a si mesma e desfruta de um momento (necessário e saudável) de solitude. Então, essa tristeza recebe a cor dourada da alegria, na alegria de conversar com velhos amigos, de reencontrar entes queridos, na alegria de reencontrar pessoas há muito desencarnadas. Aqui é uma janela para uma aurora, nas memórias que tenho de quando eu morava com minha família em uma casa em Caxias do Sul, e um dos quartos era frente Leste, e eu podia apreciar os raios de alvorada, tomando o Mundo de dourado. É renascer em outra dimensão, acordando em uma cama com lençóis suavemente perfumados, numa cena digna de revista de Decoração, na beleza de uma região serrana, elevada. Esta luz é um socorro, um alento, uma promessa, um contentamento, no modo como ser feliz é contentar-se, sendo o descontentamento a raiz para o inferno astral. Então, os morros da Serra Gaúcha, com suas araucárias cheias de pinhão, amanhecem para uma Festa da Uva, na beleza da soberana, a Grande Rainha que nos aguarda nas terras abençoadas da Terra do Pensamento, um lugar onde reina a Simplicidade, a Alegria e, acima de tudo, o Contentamento. Abrace!

Referência bibliográfica:
Ramón Cáceres. Disponível em <www.inngallery.com.br>. Acesso 14 nov. 2018.

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Volpi por Cima



Natural da cidade italiana de Lucca, Alfredo Volpi construiu no Brasil uma carreira que exaltou a segunda fase do Modernismo Brasileiro. Muito de sua obra traz as famosas bandeirinhas e casarios, numa grande identidade brasileira. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!


Acima, Bandeirinhas Estruturadas. Um azul marinho discreto, num Volpi apaixonado pela beleza do Brasil, pelas riquezas naturais. As bandeirinhas são parte da identidade nacional, no costume de decoração das Festas Juninas. As festas são momentos de interação social, na tentativa de imitar a agenda social da Dimensão Metafísica, sendo esta um lugar repleto de Vida, muito longe do modo humano de temer a Morte. Temos um Volpi amante da Geometria, e sua obra traz uma candura infantil, traço frequente no Modernismo, com linhas simples, afastando-se da técnica acadêmica. As bandeirinhas brancas são a Paz, no clima de interação amistosa que deve permear uma festa, longe de brigas e desavenças. As bandeirinhas devem ser coloridas, alegres, convidando para festejar, deixando para lá as tristezas espinhosas inevitáveis da Vida, num raro momento de exaltação da doçura inenarrável de uma dimensão melhor. Além de bandeirinhas, podemos ver, em contradição visual, figuras de pequenas casinhas, com singelos telhados pontiagudos, na simplicidade de comunidades que se distanciam das pretensões humanas de riqueza e ostentação, como diz a letra de um funk: “Eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente na favela onde eu nasci”. Como na acolhedora favela em que mora o personagem Zé Carioca, de Disney, numa tentativa de estabelecer identidade, como uma Carmen Miranda dançando com Zé, na política de boa vizinhança entre Brasil e EUA. São os abismos sociais brasileiros, no modo como, ao lado de um apartamento em que morava minha irmã em Salvador, havia uma pequena favela, tocando música o tempo todo, no modo como o convívio tem que ser levado com delicadeza. Os telhadinhos aqui são bem pontiagudos, agressivos, como se quisessem furar o Céu, desde os tempos da Torre de Babel, num Ser Humano que, de certa forma, quer desafiar Deus, fazendo avanços tecnológicos ilimitados, como me disse certa vez alguém: “Aonde o Homem quer chegar?”. Temos aqui um mosaico, uma colcha de retalhos, como uma parede de tijolos, construída com muito esforço e paciência, do modo como um cronista constrói um texto, ou, como disse Caetano Velloso: compor uma letra de canção exige paciência. Cada triangulozinho é o esforço de uma pessoa em particular, no desafio do indivíduo em deixar a própria marca no Mundo, num exercício de afirmação, num Mundo duro, no qual a pessoa tem que provar ser boa e competente, no modo como qualquer artista quer conquistar seu lugar ao Sol, com em plantas competindo pelo Sol, na inevitável competitividade de anônimos espermatozoides, visando o sucesso do óvulo, a taça, o recipiente dos vitoriosos. Os telhados negros são como furos triangulares, deixando aparecer, ao fundo, um negro céu noturno, querendo desvendar o mistério, no modo como a Divina Providência jamais antecede segredos antes do momento certo de revelação – a Vida é naturalmente imprevisível, ou seja, é divertida e irônica. As bandeirinhas são como tesouras esfomeadas, sempre cortando, sempre trabalhando, como na abertura da telenovela Tititi, da Globo, em que tesouras, representando costureiros rivais, devoravam uma à outra, como dois cães raivosos brigando, na eterna vocação humana em odiar, odiar e odiar, sendo a Raiva inimiga da Paz, pois há uma dimensão onde só há tempos e Paz e Prosperidade, e a Guerra não é História; a Guerra é uma interrupção da História. As bandeirinhas de tons terrosos são o chão, a terra, a referência, do modo como Volpi adotou o Brasil e foi por este adotado, na simplicidade do fato de sermos todos irmãos que habitam a mesma terra, como vi certa vez em um desfile de moda, no qual a passarela era coberta de terra!


Acima, Bandeirinhas. A cor do Mar seduz Volpi. Aqui, temos uma maior variedade cromática, como numa explosão de prisma. Podemos sentir o calor da fogueira, e ver as pessoas pulando a fogueira! Podemos ouvir o barulho de fogos e foguetes, e o som de Música. Podemos sentir o cheiro agradável de comidas e bebidas juninas, como pipoca e quentão. Há algo mais brasileiro do que as Festas Juninas? As crianças brasileiras, desde cedo, são incentivadas a participar das brincadeiras juninas, num costume passado de geração para geração, numa verdadeira expressão de cultura popular, como o Halloween nos EUA. No Sul do Brasil, há um aspecto de miscigenação cultural, pois muitas meninas se vestem de prenda e muitos meninos estão pilchados, ou seja, vestidos de gauchinhos, e nas festas juninas gaúchas é servido também o tradicional pinhão, uma semente invernal, num Ariano Suassuna que sempre amou o Brasil Popular. Estas cores trazem um certo perfume cristalino, como cravo e canela usados no quentão, no modo como é limpa e perfumada a atitude simples, minimalista, sem excessos ou frescuras, no modo como uma publicitária me ensinou a dar valor às fontes simples, como a Arial. Neste quadro, temos uma angulação, uma perspectiva. São como azulejos de uma piscina, convidando-nos a mergulhar na água fresquinha e prazerosa, na simples diversão infantil de pular n’água, num doce dia de férias de Verão. O jogo de cores aqui faz parecer que há uma luz por trás do quadro, como numa luz sendo projetada por um colorido vitral de igreja, trazendo a alegria da diversidade, num mundo colorido em que cada cor é respeitada, no necessário exercício democrático de respeito às diferenças – você não tem que ser de tal cor; você tem que respeitar tal cor. O azul é o Mar cheio de riquezas, de frutos, num formidável macarrão à putanesca, na sensualidade do perfume de peixe, enchendo a casa, fazendo desta uma extensão do Mar. É a simplicidade de uma criancinha à beiramar, numa diversão que sequer custa um único centavo, no espaço altamente democrático que é a Beira da Praia, num plano em que todos são iguais, como na Urna Eleitoral, como no fato de sermos todos prisioneiros de corpos carnais, mas uma prisão que faz com que o prisioneiros cresça, cresça muito, no sentido da Vida – crescer e se depurar moralmente, no caminho humano rumo à depuração, à sofisticação de pensamento. As bandeirinhas cor de rosa pastel são a candura infantil em se divertir da forma mais simples, como crianças que, ao ganhar brinquedos caros, divertem-se muito mais com as fitas coloridas que adornavam tais presentes, na necessária humildade franciscana, como num Papa Francisco, uma pessoa que entende o poder da Simplicidade. As bandeirinhas verdes são o verde da Flora Brasileira, verdejante, vibrante, muito distante dos verdes sisudos de paisagens europeias. Neste quadro, as bandeirinhas são como pedras preciosas, ricas em cores, na sedução de objetos que brilham, no indescritível glamour da dimensão acima, no perfume indescritível dos espíritos depurados, como dizem que, na presença do médium Chico Xavier, era possível se sentir o perfume comportamental do mestre, na lembrança de infância que tenho, com meus pais saindo perfumados de casa rumo a algum evento social. Volpi foi muito feliz em ter se encontrado e ter adquirido um estilo, no modo como, apesar da busca por referências ser necessária, cada um tem que ser ele mesmo. Aqui são como gotas escorrendo em um vidro de janela, no humor cinzento de um dia chuvoso, em que os chafarizes perdem a razão de ser, sendo o chafariz só notado e valorizado em meio a um dia seco, fazendo, assim, contraste. Estas bandeirinhas tremulam como uma bandeira no mastro, em ondas, em liquidiscência, no modo como o Universo é altamente translúcido, como numa Ana Terra, que fazia da água do rio um espelho para se enxergar, numa busca por autoestima, numa pessoa querendo de se arrumar e se gostar, na sensação gloriosa de uma pessoa que se aceita integralmente.


Acima, Barco com Bandeirinhas e Pássaros. Veja se não parece um desenho de uma criança! Com isso não estou desmerecendo Volpi, bem pelo contrário, estou enaltecendo o fato de ser necessário que um adulto conserve traços de candura infantil. A magia do Modernismo traz essa simplicidade, num Brasil desejoso de evoluir se modernizar em vários aspectos, como no aspecto industrial, por exemplo, no modo como o Cinema Brasileiro tem a grande tarefa de estabelecer uma identidade nacional, numa Patricia Pillar, uma atriz sempre enaltecendo o Cinema Brazuca. O barco tem forma de concha, como no Congresso em Brasília, num receptáculo, sempre aceitando, sempre recebendo, no modo como, ao receber o passe no centro espírita, a pessoa tem que posicionar as mãos voltadas para cima, para assim receber o Tao lhe coloca nas mãos. Podemos ouvir o som das gaivotas e das ondas quebrando, e o humilde barquinho tremula com suas bandeirinhas a vento, sempre tremulando, sempre aceitando o fluxo do ar, o gás precioso e invisível. Aqui, Céu e Mar se fundem num só azul, no continuum que reina entre tudo e todos, no tom que Tao traz à própria criação. O barco verde é uma esmeralda, no modo como a velhinha de Titanic, ao fim do filme, joga ao Mar uma preciosa joia, manifestando assim desprezo às riquezas mundanas, pois um ser humano pode sofrer muito ao se apegar e deixar dominar por riquezas mundanas. É um momento de libertação, como na sensação de liberdade em uma praia de nudismo, na qual não há espaço para malícia, havendo na nudez como algo belo e natural, na vocação milenar da Arte em despir o Ser Humano, na busca pela simplicidade da nudez, como dedos que se desprendem dos anéis, no necessário exercício de desapego, no modo como é complicado o desencarne de uma pessoa materialmente apegada. As bandeirinhas seguem um só fluxo, numa integração sensual, no ar puríssimo da beiramar, no modo como, na maior parte do tempo, tudo de que precisamos é de ar nos pulmões. Os pássaros negros competem com os pescadores, pois ambos visam o peixe como alimento, com pássaros furtivamente roubando o peixe das redes dos pescadores. Em Capão da Canoa, à noite, pode-se observar, bem ao longe, em altomar, luzes de barcos pesqueiros, lutando pela Vida, buscando o alimento proporcionado por Iemanjá, a Mãe dos Mares, como na mãe de Salvador Dalí, retratada de forma inocentemente nua. É a liberdade do vento à beiramar, na sensação gloriosa de se despir e colocar humildes chinelos, na simplicidade da falta de afetações ou vaidades. Os pássaros negros têm olhos brancos, numa intenção de contraste, é claro, num Volpi que sabe das contradições, como no fato de que, na Razão, nada mais natural do que a Loucura, como numa peça teatral que vi há décadas, em que a Razão era a sisudez masculina e a Loucura era a explosão multicolorida de uma drag queen, no modo há duas faces de um mesmo trabalho – uma face é áspera; a outra, macia como seda. Realmente, o Modernismo foi um ato de muita coragem transgressora, em meio a um Brasil que ainda engatinhava como República, havendo na Monarquia uma identificação com a Arte Clássica, acadêmica. É a simplicidade das linhas de um Niemeyer, numa Brasília tão brasileira que podemos ouvir o som de flautas e suaves percussões de Bossa Nova. No modo como o Rock Brasileiro foi desbravando seu próprio caminho, e no modo como me emocionei ao ver de perto, no Rio de Janeiro, ninguém menos do que Renato Russo, algo muito improvável para um menino interiorano como eu. É como a magia de um ovo de Páscoa sendo aberto, revelando um mundo mágico e colorido, com o perfume de chocolate, numa revelação, como uma pedra de ametista, tão feia e subestimada por fora; tão surpreendentemente bela e rica por dentro. Os traços simples de Volpi fazem com que o subestimemos, e, desse modo, Volpi entra poderosamente em nossas mentes, mostrando que menos é mais.


Acima, Fachada. Já ouvi dizer que, quando se vai a Portugal, a Arquitetura Lusa faz com que não nos sintamos numa terra estranha, e Volpi abraçou a Arquitetura Brasileira. As portas em arco são a humildade, numa pessoa que se curva e não se permite ser arrogante, pois a arrogância precede a queda, como diz Tao: Quando você se sente como uma tesoura cega, é porque você está vem, pois está humilde. E não é insuportável um sociopata que se acha Deus? Aqui, as partes em vermelho são o continuum entre os sangues português e brasileiro, havendo no processo colonizatório uma espécie de ensiminação, num Brasil que cresceu muito, ao ponto de superar em muito a população portuguesa. Podemos ouvir o som de cavaquinho, como no romance O Cortiço, em que uma sedutora mulata dança ao som do samba, seduzindo com uma cultura exótica, sensual, no modo da pessoa se sentir integrada ao Cosmos ao redor, numa noite amena, de estrelas sobre o céu carioca. De novo vemos as bandeirinhas, enfeitando para uma ocasião especial, como no seriado Chaves, em que a humilde vila é enfeitada para a Festa da Boa Vizinhança, trazendo a pichorra, que é um traço de Cultura Popular Mexicana, um boneco recheado de doces para as crianças, havendo na festa um momento agressivo, em que a pichorra é espancada. Aqui, as bandeirinhas são em duas cores, como num código binário, talvez representando homens e mulheres, na ritualização social de dividir os banheiros públicos entre Eles e Elas, na tentativa humana de organizar o caos primordial cósmico, num mundo heterocentrado, em que a união homem-mulher é exposta e glorificada. Aqui, vemos apenas a fachada, e não podemos saber o que há no misterioso interior da casa. São as gavetas do Inconsciente, com conteúdos que devem permanecer fechadinhos, a salvo. Como no seriado Friends, em que, na casa ultraorganizada de Mônica, havia um pequeno cômodo absolutamente caótico e desorganizado, no modo como a organização integral é uma ilusão, uma falácia, pois, na Dimensão Material, o caos é inevitável, e só pode haver alguma ordem, e nunca ordem total, como diz uma canção americana: Há uma manchinha negra no Sol hoje. Sempre haverá manchinhas negras no Sol – Encarnação é isso. Temos aqui um rosa bebê, muito cândido e brando, num delicioso interior rosado de um filé suculento, no modo como a Arte é alimento espiritual; é comida para a Mente. No andar intermediário, vemos uma porta mais estreita, mais difícil de ser utilizada, num resguardo, numa reserva, na necessidade não só de privacidade, mas de alguns saudáveis momentos de solitude. É a reserva da vida íntima, vida nesta na qual apenas os amigos mais próximos entram, no modo como, no Facebook, por exemplo, não são todos os nossos amigos na rede social que são de fato nosso amigos fora da rede social. Bem ao alto, três janelas, sempre observando a rua, como numa fofoqueira, eternamente debruçada e observando os movimentos do dia, numa vida desinteressante, que nada mais faz do que perder tempo com frivolidades, pois não é o fofoqueiro uma pessoa desinteressante, que mais nada tem para fazer da Vida? Esta fachada traz um azul anil, num glorioso Céu de Brigadeiro, na abundância de energia solar no Brasil. É a clareza de um artista que se encontrou na Arte, num artista capaz de amar o Brasil, ajudando este a ter uma identidade cultural. Esta fachada é simétrica, equilibrada, e podemos ouvir o som de samba de um bloco carnavalesco de rua, pronto para passar e fazer muito barulho, no sambinha de Chico Buarque: Vai passar nessa avenida o samba popular. Em ruas cobertas de confete e serpentina. A fachada é o refúgio do Lar, num espaço em que a pessoa pode ficar confortável, à vontade. O vermelho sanguíneo pulsa junto com os tambores, em um Brasil que tanto deve à cultura africana, num passado escravocrata tão cruel, com sequelas sociais ainda presentes no Brasil, ao contrário dos EUA, com tantos negros integrando a classe média por lá.


Acima, Festa de São João. Como são doces as lembranças de infância nas Festas Juninas! Lembro que minha mãe, além de me vestir de caipira, pintava em mim um bigode! Aqui, temos novamente tudo enfeitado para uma ocasião especial, e os enfeites parecem grandes serpentes, como num sonho de Tim Burton, e as cobras se esgueiram pela mata em busca de alimento, na inescapável tarefa da Vida em nome do sustento, na luta pela Vida, com um pai um tanto angustiado, sem ter a certeza de que receberá seu abono e poderá sustentar sua esposa e filhos. Em um primeiro plano, vemos um grande poste firme, na autoridade patriarcal, como numa mostra fotográfica recente que vi, sobre a África, e em uma parte da mostra havia várias fotos de patriarcas africanos, sentados em seus tronos empoderados, quase amedrontadores, poderosos. O poste é o falo, fazendo uma divisão entre antes e depois, no modo como uma festa marca a vida de uma comunidade, como na Festa da Uva, num momento de integração social em torno de um só ideal – festejar a Vida. O poste é o dedo do meio, simbolizando o “vá se foder”, com o perdão da palavra, como numa blindagem, em uma pessoa que tem que aprender a dizer “não”. Vemos várias janelas e portas arqueadas, como arcos romanos, como numa sensual modelo de calcinha e sutiã, havendo nas curvas dos arcos a fluidez primordial uterina, o Sacro Lar ao qual todos pertencemos, no problema de que os espíritos sofredores não querem saber deste Lar. A cor alaranjada é cítrica e perfumada, na incrível variedade de frutos brasileiros, num país em que a abundância faz bons preços nas feiras livres, em programas de culinária que tanto fazem uso de raspas de casca de frutas cítricas, num sabor ácido e abrasivo, numa agressividade tão interessante. De dentro desta casa emana uma luz branca, como uma casa toda iluminada para uma noite festiva, recebendo convidados de braços abertos, numa anfitriã rica e elegante, recebendo as pessoas com o melhor espumante, no prazer de receber, de acolher e de proporcionar prazer a outrem. Mais ao alto, vemos uma imagem, talvez de Nossa Senhora, com uma cabeça radiante, cheia de brilho, com setas espetando, irradiando beleza, numa fonte de esclarecimento, colocando fim às dúvidas existenciais, trazendo a aurora da Dimensão da Estrela da Manhã, um momento em que mistérios são finalmente desnudados e resolvidos. No topo do quadro, mais bandeirinhas, sempre com a obrigação de colorir e trazer alegria, num momento de euforia em um baile, em que todos são felizes e sorridentes, deixando um pouco para lá as vicissitudes do dia a dia, numa festa pomposa, digna de receber o Presidente da República, no modo como as festas comunitárias divulgam cidades para o resto do país. Aqui, as janelas e portas têm forma de balas de revólver, mas um revólver do Bem, que atira Arte e inspiração para todos os lados, fuzilando as percepções, na guerra contra a Ignorância e o Preconceito. A impressão que se tem aqui é a de um lugar muito bem governado e administrado, num lugar belo e limpo, cheio de gente contente, como um mundo em miniatura, numa cidade tão formosa e perfumada. Um pouco acima da imagem de Maria, uma forma que parece uma flor, como a Rosa Mística, no mistério mágico de Feminilidade, numa hortênsia decorando cidades serranas gaúchas no fim de ano, numa claraboia iluminadora, trazendo coragem e certeza.


Acima, Sereia. As sereias têm toda uma magia, no sedutor odor de Mar, no aspecto feminino de fluidez. No filme Piratas do Caribe, as sereias são frias e traiçoeiras, arrastando marinheiros para o fundo do Mar e destruindo-os. No folclore brasileiro, a sereia é algo belo, como na imagem de Iemanjá, a Senhora dos Mares e dos Navegantes, nutrindo as redes pesqueiras, com as mãos voltadas para o adorador, alimentando este com pérolas brancas, os frutos do Mar. Os Estúdios Disney começaram uma fase de reconstrução com o filme A Pequena Sereia, em que uma sereia queria muito viver fora do Mar, na Terra, na metáfora com a eterna insatisfação humana, num Ser Humano que nunca está bem servido – se está na Cidade quer ir para o Campo; se está no Campo quer ir para a Cidade. Aqui, a sereia tem longos cabelos negros, como os de Iemanjá, e são cabelos naturais, nunca presos ou contidos, sem um penteado específico, na beleza de cabelos de comercial de xampu, negros como a asa da graúna, nos cabelos da índia idealizada Iracema. É impressionante a doce simplicidade infantil de Volpi, pois um adulto jamais deve se alienar totalmente da própria infância. O rabo da sereia é verde esmeralda, um rabo curvilíneo, sempre em movimento, escapando das redes dos pescadores. Num recente comercial televisivo de carro, uma sereia seduz um homem que dirige o caro anunciado – o homem acaba sozinho no Mar e a sereia acaba controlando o carro, talvez numa metáfora de um divórcio litigioso, num Luizinho ser obrigado, por Lei, a sustentar uma pessoa que não mais faz parte da vida de Luizinho. Aqui, a sereia é cercada por meias-luas, que podem ser peixes, na magia lunar que banha os Oceanos, regendo as marés, no sedutor enigma físico da integração da Vida na Terra, nas entranhas do Mar que engoliu o Titanic, numa fome voraz, num Mar que pode ser fada ou bruxa. As meias-luas são a fartura do que é trazido pela Mãe Cósmica Primordial, num Jesus Cristo fazendo o milagre da multiplicação dos peixes, enchendo de peixes as redes dos pescadores, numa cornucópia, em um banquete digno de receber um rei, como numa farta galeteria, na divertida lembrança que tenho de uma italiana à mesa de uma galeteria caxiense, e a italiana dizia: “Ma Dio, como vocês comem!”. É como a riqueza de um café colonial em Gramado, ou no café da manhã de um bom hotel, numa mesa generosa, numa Iemanjá zelosa, que gosta de presentear os pescadores. O rabo da sereia é altamente sinuoso, traiçoeiro, sempre em movimento, na fluidez eterna de Tao, o córrego da Vida, a cascata que nunca cessa. Seus dedos são delgados e delicados, como de uma princesa cercada de privilégios, nas mãos de uma mulher que nunca teve que fazer tarefas pesadas, como cortar lenha. Esta sereia é pálida como a Lua, na suave luz lunar, e podemos olhar para ela diretamente, sem que nos ofusque os olhos. Esta nudez é muito inocente, sem sensualidades, e os seios são representados por apenas dois pontinhos. O rosto é um pouco Picasso, e esta Nossa Senhora dos Navegantes não sorri; tem um olhar plácido e ponderado, equilibrado, como num plácido e brando Mar da Vênus de Botticelli, num receptáculo delicioso, acolhedor, no prazer que preenche a alma dos anjos, os espíritos desencarnados, na crença espírita de que cada um de nós tem a integral companhia de um anjo da guarda. O umbigo da sereia é um singelo pontinho, como um micro buraco negro, seduzindo e arrastando tudo e todos para si, como se agregasse uma família, na grande família que é a Vida no Mar, o plano primordial que gerou a Vida. Esta sereia plácida entra aqui para trazer estabilidade, na estabilidade de um artista que está centradinho e produtivo. Esta sereia é um talismã benéfico de boa sorte, como uma Ísis dos Mares, no mistério da reprodução, da fertilidade, dos mistérios do útero que traz novas vidas ao Mundo. Este quadro é equilibrado, como um Niemeyer. As meias-luas são cascas de unhas, no exercício constante de autoestima, numa pessoa que tem que se cuidar para se gostar, na gloriosa sensação de uma pessoa que gosta de sua própria Vida, como diz uma recente canção de Robbie Williams: “I love my life”, ou seja, “Eu amo a minha vida”. É a romântica história do clássico filme dos anos 80, Splash – Uma Sereia em Minha Vida, de uma sereia que se apaixona por um homem, indo ambos, ao final, morar juntos no fundo do Mar. As escamas trazem um elegante brilho, como num vestido cuidadosamente adornado, na magia artística que nos transporta a outros mundos.

Referências bibliográficas:
Alfredo Volpi. Disponível em <www.escritoriodearte.com>. Acesso 7 nov. 2018.
Alfredo Volpi. Disponível em <www.wikiart.org>. Acesso 7 nov. 2018.