quarta-feira, 25 de julho de 2018

Bonita Malfatti



Anita Malfatti participou do Modernismo Brasileiro, e deparou-se com um grande percalço – uma atrofia no braço direito. Outro desafio na vida da artista foi a Depressão. E as grandes superações e os grandes sucessos nascem de dificuldades desafiadoras. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!


Acima, A Estudante Russa. Uma mulher que recém chegou à Terceira Idade, com um olhar incerto e um tanto triste, na sabedoria que nasce do cansaço, numa mulher que cansou de se cansar, sentando-se calmamente e contemplando o que a Vida pode dar. É um quadro onde as ilusões estão aniquiladas; é um quadro com os pés no chão. Suas pálpebras caídas falam da passagem do Tempo, numa pessoa que reúne dentro de si uma série extensa de experiências. Seu cabelo curto é um corte sofisticado, urbano, numa Anita desejosa de derrubar velhos padrões acadêmicos e sisudos, trazendo a transgressão modernista, num Brasil que começava a se modernizar a nível de mentalidade, encontrando na Arte uma válvula de escape de um mundo tão careta, quadrado, previsível e monótono, desafiando a Burguesia para esta aceitar o novo, como numa transgressora Lady Di, adorada pelo povo. A mulher aqui está de batom, num ato de autoestima, numa pessoa que sabe que idade não é pretexto para parar de se arrumar, o que o Espiritismo chama de instinto de conservação, no qual o indivíduo quer sempre estar arrumado e garboso. Apesar da expressão triste, é um quadro colorido, numa artista brasileira tão desejosa de transmitir a alegria colorida o Povo Brasileiro, como na colorida coleção de camisas de Jorge Amado, em um museu em Salvador. O Brasil é naturalmente colorido na Fauna e Flora, e tem cores e sabores de frutas diversas, como na sedução exótica de uma Carmen Miranda, representando a alegria brasileira, num ato de identidade coletiva, do modo como Hollywood traz identidade ao Povo Americano, e cada povo tem que encontrar a si mesmo. Aqui, a camisa está com os botões superiores abertos, numa cena confortável, à vontade, no modo como Liberdade é sinônimo de Conforto, e é um desconforto o aprisionamento, o que nos faz perceber que o conceito de Liberdade da Revolução Francesa não é “conversa para boi dormir”, pois a Liberdade, realmente, é necessária, benéfica e deliciosa. A camisa desabotoada traz uma certa sensualidade, e esta mulher, apesar de não mais ser muito jovem, guarda traços de beleza, na natural sensualidade brasileira. A mulher está sentada, pois seria muito desconfortável – olha o conceito de Liberdade aí – ficar de pé por horas em frente de Anita. Uma das mangas está arregaçada, no calor da meteorologia brasileira, numa cidade de Salvador que, mesmo no calor, traz uma brisa reconfortante. A mulher não tem fio de cabelo branco, numa pessoa que quer se cuidar, apesar de ser necessário que a pessoa admita a própria idade. No pano de fundo, harmoniosos tons de azul, como numa paradisíaca praia, como no final do filme Contato, em que a personagem de Jodie Foster, numa experiência extracorporal, entra em uma praia absolutamente convidativa e agradável, com areia fofa e um mar de uma placidez arrebatadora, na promessa de que a Dimensão Metafísica possui lugares de prazer indescritível, lugares estes que encontram cópias (toscas) na Dimensão Material. É assim mesmo: tudo na Matéria gira em torno da dimensão acima, que é a Mente. É um quadro que traz um certo perfume, uma refrescância, como o Modernismo trouxe ares de renovação jovial a moldes tão rançosos e rígidos, no modo como disse o (ultracarismático) Papa Francisco: Sejam revolucionários! A camisa multicolorida é um arco-íris após a tormenta, na aurora que surge após um momento negro de incerteza, num Brasil que nunca mais seria o mesmo após o Modernismo. O rosto da mulher tem lacunas em branco, as quais são a pureza das intenções de um artista, numa bandeirinha branca clamando por Paz, querendo colocar um fim na “guerra” entre Tradição e Modernidade, as quais podem tranquilamente andar juntar, em harmonia, como no casarão de pedra dos Veronese – minha família! – em Flores da Cunha, RS: a junção entre o tradicional, que é a base de pedra, como o avançado e futurista, que é o teto de materiais como metal e vidro, como na deliciosa transgressão da pirâmide de vidro do Louvre, em Paris.


Acima, A Ventania. As pinceladas afoitas e vigorosas dão a própria impressão de ventania, e as árvores se contorcem intensamente, mas respaldadas por raízes fortes, que as prendem fortemente ao chão, o qual é o juízo, a maturidade. As árvores se curvam perante o vento, trazendo o conceito metafórico taoista de humildade: aquele que se curva jamais é arrancado do chão; jamais sofre. As árvores aqui estão se curvando perante a intempérie, procurando se curvar e, assim, sobreviver, pois só os humildes sobrevivem, e os arrogantes perecem, pois a arrogância, a ausência de raízes, precede a queda. O Brasil teve que se curvar perante os novos tempos da Arte nacional, e a Arte Acadêmica teve que se curvar perante o novo. É um quadro de instabilidade revoltada, num momento de mudança brusca de tempo, com tudo no quadro dançando conforme a música, nas instabilidades da Natureza, a qual nos dá o aviso de que não estamos numa dimensão perfeita, mas numa dimensão desafiadora e instável, exigindo do indivíduo a coragem e a superação para encarar uma Mãe Natureza tão exigente. Aqui, o campo está ermo, convidando a um momento de solidão reflexiva, como na cena do filme A Rainha, em que a monarca, num momento de solidão em um campo ermo, chora intimamente pela morte de Diana, numa regente muito discreta e reservada, e, na mesma cena, aparece um lindo animal silvestre, no modo como a Natureza, apesar das intempéries, traz-nos momento de alguma beleza, a qual, insisto, é uma cópia da dimensão acima. Os movimentos no quadro trazem um certo ar de Vincent van Gogh, em elementos fluidios, os quais convivem num ritmo só, do modo como há unidade na Natureza, e os reinos Mineral, Vegetal e Animal são regidos por uma mesma orquestra, com tudo bailando no mesmo tom, como neste quadro, e que todos os elementos sofrem as influências meteorológicas, e as previsões do tempo são tentativas humanas de encontrar lógica, sentido e previsibilidade na Natureza, dando ao Ser Humano a sensação de controle mental sobre o caos, tendo na previsão um “controle” sobre a Natureza, como na metáfora do aparelho de controle remoto, no anseio do Ser Humano de controlar a si mesmo e controlar a própria vida, tendo a ilusão de que, na Vida, é possível retroceder, acelerar, pausar e parar, quando na verdade, como mostra este quadro, a ideia de controlar a existência é falha, pois é do imprevisível que vem o aprendizado, como me disse uma velha senhora: Vivendo e aprendendo. Não é um quadro extremamente colorido, e as árvores são de um verde musgo, fechado, escuro, misterioso, como num campo inglês, muito distante da exuberante Natureza do Brasil. Podemos ouvir o vento uivando ruidosamente, impiedosamente, e podemos ouvir o intenso farfalhar das árvores, numa orquestra de caos e desequilíbrio, na crença do Ser Humano de que existe um equilíbrio ambiental, o qual não deve ser desrespeitado. Aqui, Malfatti catarseia um sentimento de desolação, frio e desconforto, numa sensação de aprisionamento, como diz a rainha Vitória de Dame Judy Dench: somos todos prisioneiros. Esse é o poder terapêutico da Arte, tendo no artista um paciente que se cura por meio de pinceladas numa tela. Aqui, o céu está incerto, com momentos claros e momentos cinzentos. A impressão que se tem é de Anita ali, naquele campo tão desconfortável e revolto, sofre para pintar, estando o tempo todo desafiada pela ventania caótica, nos motivos ocultos da Natureza, a qual tem suas próprias regras e motivações, desafiando o Ser Humano a decifrar os enigmas do Universo. São pinceladas arredondadas e orgânicas, sem qualquer retilinidade lógica, racional ou fálica. É como uma máquina de lavar roupa, na capacidade da Arte de “lavar” e renovar mentes, tanto a mente do autor quanto a mente do espectador.


Acima, Fernanda de Castro. A ironia é a de que a modelo Fernanda está com um olhar um tanto aborrecido e entediado, como se estivesse cansada de posar para Anita. Sua boca está com um aspecto irritado, e sua expressão é extremamente séria. É como se Fernanda estivesse farta de ocupar a posição que ocupava, querendo muito se libertar e ter novas experiências de vida, como, por exemplo, encontrar um grande amor, ou atingir grandes feitos profissionais. Seu cabelo está disciplinado e arrumado, na disciplina e na paciência que o modelo tem que ter para posar. Não é um quadro simétrico, pois a modelo não ocupa de fato o dentro do quadro. A cadeira sobre a qual repousa é a posição social, o privilégio, o qual, apesar de aparentemente benéfico, pode trazer problemas ou simplesmente tédio. Esta Fernanda anseia em se libertar, para voar para bem longe, para um mundo no qual as coisas são mais simples e autênticas, pois a Vida é boa quando é simples, como na infância de cada um de nós, numa época em que a simplicidade é o que rege a criança, no fato de que os adultos têm muito o que aprender com as crianças, pois o mundo dos adultos é complicado e, por vezes, amargo. Talvez Fernanda esteja farta disso tudo, e sua “monocelha” representa a pressão social em torno do comportamento feminino: Moças de família não depilam as sobrancelhas. Mas e se Fernanda quiser depilar? Fernanda está ansiosa para transgredir, como numa panela de pressão, prestes a estourar esplendidamente, na capacidade de uma pessoa em estourar como uma supernova, promovendo um espetáculo por meio de um trabalho bem feito. Apesar de grande, o decote não entrega muita coisa. Mal podemos ver a forma dos seios, talvez numa Fernanda que, no fundo, gostaria de estar posando nua. Esta modelo é relativamente jovem, e não deve ser mais velha do que uma trintona. Seus braços são harmoniosos e suaves, e seu vestido verde é uma folha de bananeira, pegando esta “banana” e alimentando o espectador. Parece a foto de uma pessoa presa pela polícia, sendo obrigada a posar para registro, como na foto do ator Hugh Grant ao ser preso com uma prostituta nos EUA. Certamente Fernanda não está muito feliz. Seus sérios olhos pétreos furam a tela e atingem o espectador, numa seriedade forte. No que será que ela está pensando? Por que tanto mal humor? Seus cabelos negros são imprevisíveis, não nos deixando ver o que Fernanda quer ou não quer. Seu rosto não é de uma beleza acadêmica, mas é um rosto estranho, com olhos muito separados um do outro, em tom aborrecido. Podemos ouvir um suspiro de tédio vindo do nariz da modelo, e talvez o tiquetaque de um relógio na sala, assinalando a passagem do tempo, o qual, depois de passar, jamais retorna. No pano de fundo, parece que há umidade escorrendo pela parede, como lágrimas de uma alma depressiva, a qual se depara com um gigantesco desconforto existencial, o qual vai contra a sensação de liberdade. Liberdade é prazer; desconforto é prisão. As mãos de Fernanda estão praticamente ocultas e misteriosas, como se estivesse escondendo um segredo, no mistério da grande mente artística, pois o grande artista se torna um mistério, cada vez mais insondável. É Tao, o mistério eterno, pois se não é infindável, não é Tao. E existe algo mais misterioso do que uma existência que simplesmente não finda? É muito poder. A “monocelha” é uma serpente tortuosa, insinuando-se na mente do espectador. Os olhos de Fernanda são frios como gelo, como se estivesse passando o espectador sob um raio x. É uma Anita catarseando um sentimento de enfadonhamento perante os moldes tradicionais, perante as pressões sociais sobre a mulher, pois esta tem que obedecer normas de conduta: mulher faz isso; mulher não faz aquilo. É uma Anita querendo se libertar por meio da Arte, como diz a letra célebre da banda Queen: I want to break free, ou seja, Eu quero me libertar. E os sistemas totalitários nada mais fazem do que torturar o seu próprio cidadão. É da Liberdade que vem o frescor do novo, num Brasil que ainda estava prestes a passar pela Ditadura Militar. A Liberdade é o Bem; a Censura é o Mal.


Acima, Mário de Andrade. Os artistas e intelectuais do Modernismo, é claro, formavam uma galera, dentro da qual todos eram uma mesma família, algo que mostra aqui a amizade entre duas grandes cabeças. Aqui, vemos um Mário lânguido, como o Taoismo diz que não é defeito ser preguiçoso, pois a preguiça faz com que a pessoa faça somente o necessário, tendo uma atitude “limpa”, pura, atenta ao essencial, ao indispensável, num belo minimalismo japonês: Menos é mais. Seus óculos deixam transparecer olhos tristes, depressivos, no auge de uma crise depressiva, numa prostração de quem sofreu uma decepção enorme com a Vida, como uma pessoa que conheci, a qual reformou a própria casa e fez uma plástica no próprio nariz, esperando, assim, mudar de vida, mas a vida dela continuou a mesma, com ou sem reforma ou plástica, e esta pessoa mergulhou em Depressão. Vemos aqui um cavalheiro polido, devidamente barbeado, formalmente trajado, com uma impecável camisa branca e uma elegante gravata borboleta, como as gravatas de Jô Soares, outro grande intelectual brasileiro. A gravata apertada é o anseio de se libertar, e hoje mesmo tomei conhecimento do falecimento de uma amiga, a qual, inclusive, era espírita, e era também muita cândida. Vá em paz, amiga, e desfrute da liberdade de quem não mais está anexado ao corpo carnal! Vemos, aqui, um Mário um tanto mortificado, desprendendo-se de ilusões ou idealizações, vendo o Mundo do modo como este é, sem filtros. Temos aqui uma Anita Malfatti amante das cores, colocando em seus quadros a riqueza cromática de um país tropical e caloroso, exótico, no modo como o Modernismo Brasileiro foi um empreendimento coletivo em busca de uma identidade brasileira, sem ficar tão “escravo” dos padrões europeus. A gravata borboleta é uma hélice de avião, num Santos Dumont sonhador ansioso por se libertar, por dar asas à imaginação e quebrar barreiras e limites. Os óculos transparentes são a transparência de uma Anita “Garibaldi” guerreira, a qual encontrou na Arte uma forma de superar tamanha melancolia, como numa Virginia Woolf depressiva, a qual mostrou ser genial. E virgem é a intenção do artista, numa Anita desbravando o Mundo, desvirginando este, num espírito de navegador, ansioso por se libertar nas águas. Vemos um Mário um tanto calvo, mostrando a passagem do Tempo e o inevitável envelhecimento, o qual, em compensação, traz sabedoria e precaução. Há sequer um mínimo sorriso esboçado em Mário, num homem delgado e elegante, amante da vida urbana, com elegantes cafeterias, teatros e galerias de Arte, como no anseio de Teresa de O Quatrilho, uma mulher que não se identificava com a árdua vida rural e queria se mudar para um grande centro urbano como São Paulo, querendo ter uma vida sofisticada e citadina, num anseio grande o suficiente para Teresa trair o próprio marido. E como está triste e carente este Mário! Talvez um coração cheio de amor para dar, mas num momento solitário, delicado, num homem querendo se encontrar na Vida. Busca por identidade. Podemos ouvir uma suave respiração de Mário, num sutil suspiro de vida que sobrevive em meio às decepções naturais da Vida. Ainda assim, é um quadro colorido, na promessa de um dia mais ensolarado. Vemos uma alma sensível e contempladora, numa sensibilidade que começa a se mesclar com melancolia, talvez numa Anita catarseando um sentimento de tristeza e lamentação, tons típicos da Depressão. É, insisto, o poder terapêutico da Arte – há algo mais humano do que fazer Arte?; do que expressar  pensamentos? A cabeça de Mário está levemente pendente para a esquerda, como um sino badalando, marcando a passagem do tempo de uma existência, dando um recado: Cedo ou tarde, o desencarne vem. E as pinceladas incertas de Malfatti dão o tom da jovialidade modernista, numa janela que se abre para o novo, para o fresquinho, como um delicioso pão que recém saiu do forno da padaria, alimentando a alma.


Acima, Tropical. Vemos uma mulher comum, do povo. Sua cor mostra a miscigenação brasileira, na magia de mistura entre africanos, brancos e indígenas, como num arcoíris de diversidade racial de uma campanha da Benetton, com as multicores das roupas fazendo metáfora com a diversidade racial. Podemos sentir o perfume dos frutos tropicais, e Anita nos traz frutas bem representativas do Brasil, como abacaxi, cacau, banana e manga. É a rica cultura gastronômica popular brasileira, um ramo da Cultura Popular Brasileira em geral, como na sedutora cozinha da casa de Jorge Amado em Salvador, como um suco de cajá, que simplesmente não existe no Sul do Brasil. Vemos, no quadro, a exuberante vegetação tropical, com folhas de bananeira, as quais são usadas até por Jamie Oliver, na Inglaterra. A mulher se veste de branco, a cor da cultura afro, e também a cor de centros espíritas e unidades hospitalares, tendo na cor branca representando pureza, limpeza e claridade, no termo latino Lux – leveza, luz e luxo, valores universais de sofisticação, no modo como a Dimensão Metafísica é limpa, perfumada e clara. Podemos ouvir o som de tambores, tão essenciais na herança afro, gerando o Samba, o Axé e o Pagode, trazendo identidade musical a um país tão diversificado como as frutas nesta salada de Malfatti. Os tambores me lembram de um casamento para o qual fui em Salvador há alguns anos, quando, no meio da festa, chegou uma vibrante banda ao estilo Olodum, contagiando e impedindo que os convidados ficassem parados. Os tambores têm a ver com a deliciosa liquidiscência, o fluído universal que interliga todo o Universo, como numa internet psíquica. O abacaxi tem lá seus espinhos, no termo “descascar um abacaxi”, pois os espinhos são naturais na Vida, e devem ser encarados, exigindo que a pessoa crie uma “casca grossa” e fique livre desses pregos que crucificaram Jesus. É como uma coroa de espinhos, que mostra como pesa a coroa sobre a cabeça de quem rege. As vestes desta mulher mostram o calorzinho tropical, numa amplitude térmica que se mantém a mesma o ano inteiro, com sedutoras noites tropicais enluaradas, convidando os enamorados a desfrutar de tal dádiva, como na balada romântica Kisses in the Moonlight, ou seja, Beijos ao Luar. Aqui, é uma mulher de autoestima, com cabelos arrumados e sobrancelhas depiladas. E há uma metalinguagem sutil: tropicalidade falando de tropicalidade, ou seja, um movimento tropical e brasileiro falando de frutas e miscigenações brasileiras. Nada mais pertinente. A mulher tem cor de chocolate e nos convida a entrar numa chocolateria de Gramado, a qual, apesar de ter ares tão europeus, usa o velho e bom cacau que vem dos trópicos. As frutas no cesto são a organização de Tao, o qual pega todos os seus filhos e os reúne sob o mesmo teto, sob a mesma casa, sob a mesma dinastia, não havendo, metafisicamente, diferenças abismais entre as pessoas e, ainda assim, cada filho tem sua própria identidade, numa perspectiva colorida como este cesto frutal. É o trabalho de coleta das mulheres indígenas, trabalho que é equiparado à mulher urbana fazendo compras no supermercado, na universalidade do Ser Humano. Como pode a Humanidade ser tão diversa e, ainda assim, ser tão igual? Este quadro é um momento de trabalho, e a mulher não pode perder muito tempo posando para Anita, pois o almoço tem que ser feito. O perfume das frutas toma conta do quadro, e a “crueza” das pinceladas modernistas seduz com o inédito, quebrando barreiras estéticas. É como uma rainha da Festa da Uva na videira, fazendo a colheita do fruto da terra, num arquétipo feminino de fartura e abundância, de prosperidade de uma terra. E no fundo do quadro podemos ver as folhas tremulando ao delicioso vento tropical, como uma bandeira nacional tremulando de Norte a Sul, unificando um território tão vasto e heterogêneo.

sexta-feira, 20 de julho de 2018

Belo de Matar



Em um (excelente) filme de comédia dos anos 80 com Bette Midler, Richard Dreyfuss e Nick Nolte, um cão de raça de uma mansão de Beverly Hills se chamava “Matisse”. Isto dá uma ideia do sinônimo de sofisticação que o francês Henri Matisse espalhou pelo Mundo. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus.


Acima, Dança II. O quadro esbanja movimento, numa ciranda intermitente. É como num ecossistema, no qual cada agente tem seu papel, num equilíbrio grupal de harmonia, no qual um sistema funciona perfeitamente. Os corpos nus remetem à simplicidade de uma colônia de Nudismo, sem qualquer pitada de malícia ou sexualidade, mas de naturalidade. Porém, como nada é perfeito – ou seja, Tao, o Uno, é perfeito, pois não é de matéria, mas de pensamento –, há uma pequena anomalia nesse sistema, no modo como na trilogia Matrix, em que a anomalia de um sistema opressor se manifesta quando um indivíduo questiona o sistema, produzindo pensamento, ideias. Aqui, quase todas as mãos estão entrelaçadas, mas há duas mãos que quase se tocam, mas não se tocam de fato, num momento de ruptura, num indivíduo que põe a própria cabeça para pensar e produz questionamento, como nos perseguidos políticos em ditaduras. Nessa “anomalia”, os dedos estão muito próximos de se tocar, mas não se tocam, assim como no quase toque entre Deus e Adão na obra de Michelangelo. É uma frustração, no sentido de que ninguém pode ter tudo na Vida, nem mesmo artistas célebres como Matisse. Já ouvi dizer de um pensador que as anormalidades, as falhas, são fundamentais para o funcionamento do Universo, e que são exatamente as anomalias o que faz um sistema respirar – Life is not ment to be perfect, ou seja, a Vida não é para ser perfeita, pois, se fosse perfeita, o que o indivíduo teria para aprender em meio a tanta monotonia repetitiva? É da anomalia, do defeito, que vem uma lição a ser aprendida. Por outro lado, o quadro é uma fotografia feliz, num momento em que os indivíduos vivem em harmonia social, tendo cada um o seu próprio papel nesse sistema, e os indivíduos transgressores são fundamentais em suas anomalias sociais, para o desenvolvimento social, como Neo em Matrix – sim , gosto muito do filme! –, ousando não ser apenas um indiferenciado tijolo numa parede, revoltando-se contra um sistema opressor, sistema este que faz do indivíduo um prisioneiro, uma pilha alcalina, num sistema que vai contra o fato divino de que todos somos únicos e especiais. Deus quer que haja anomalias, como na Comédia, na irreverência, na qual a azeda dureza do Mundo é transformada em doce limonada. Aqui, é um dia de céu limpo, num gramado paradisíaco, numa ilustração de sinergia, onde tudo ajuda tudo, num conjunto que convive tranquilamente com esta pequena anomalia benéfica. Todos os corpos aqui parecem femininos, mas há alguns que deixam dúvida, no modo como gênero não é algo definido aqui, e que as diferenças entre homens e mulheres são irrelevantes, no sentido de que o espírito não tem sexo, nem sexualidade, numa espécie de castração, na qual o sensual é absolutamente desprovido de sexual, ou seja, é o sexy sem ser vulgar, como nos ousados vestidos de Gisele Bündchen. Aqui não há diferença racial, e os corpos têm a mesma cor, num desejo por igualdade, no modo como, além da cor da pele, não há muitas diferenças, apesar de ser necessário ao indivíduo ter identidade própria. É bom ter bons exemplos no Mundo, como Jesus Cristo, mas isso não é o suficiente, pois cada um precisa aprender por si mesmo, desenvolvendo uma identidade inequiparável, diferenciada, própria, como Matisse. É uma contradição cósmica: ser único como um óvulo (Yin) e ser comum como um espermatozoide (Yang) – ser igual e, ao mesmo tempo, diferente. Neste quadro há a Grande Família Humana, o grande clã espiritual ao qual todos pertencemos, todos herdeiros do mesmo Genitor. Aqui, Matisse traz a dança das estações do ano, sempre renovando, como Tao, sempre trazendo renovação e frescor, na sensação gloriosa de recém sair de um banho. Os dedos que quase se tocam são a Imaculada Conceição, sem um pingo de materialidade. A ciranda gira em torno do vazio, de Tao.


Acima, Nu Azul – Memória de Briska. Os seios estão à vontade, um pendendo para cada lado, como olhos de camaleão, cada um olhando para um lado, dando uma visão total do campo, na função da Arte em revelar todos os ângulos do Ser Humano, debruçando-se sobre este. O bom artista é um camaleão, sempre se reinventando, como uma certa pessoa, cujo nome não mencionarei. A discrição do camaleão é poderosa, pois ele fica invisível, sempre subestimado, pronto para dar o bote e “dar nos dedos” de todos que o subestimava. É uma espécie de vingança, mas uma vingança do Bem, sem malícia nem rancores. A mulher está ajeitando o cabelo, aprumando-se para Matisse, e ela não olha diretamente ao espectador, mas olha para o vazio. Seu cabelo é bem negro, fechado, como numa noite de Lua Nova, com estrelas brilhando intensamente, provocando a imaginação humana: O que é uma estrela? O que faz de uma pessoa um ser coruscante? É a ambição humana – brilhar como um ser metafísico. O corpo da modelo é delineado por traços fortes, definidos, e os seios atiçam a imaginação, como duas pessoas que se amam, no vínculo entre artista e modelo, estando um exaltando o outro. É uma simbiose, e os seios vivem em harmonia um com o outro. O umbigo é definido, na cicatriz primordial do útero, uma cicatriz inevitável ao encarnado, sendo que o espírito, o ser metafísico, não possui essa cicatriz, pois o espírito é fruto de uma concepção de pensamento, e não de carne. A vegetação ao redor da modelo é exuberante, tropical, cheia de Vida, e é essa Vida que Matisse quer demonstrar aqui, num atelier vibrante, onde Arte é feita e onde Vida pulsa, na alegria de produzir coisas artísticas, as quais são provas definitivas da Inteligência Emocional, arma fundamental de qualquer pessoa que se diga artista. O sexo da modelo está oculto pela própria perna, numa espécie de recato, de envergonhamento, num Matisse que respeita a privacidade da modelo, apesar desta estar completamente nua. Suas mãos são delicadas, suaves, cariciosas, mãos de uma dama, de uma mulher bem cuidada. A modelo não sorri, mas tem semblante plácido, sereno, tendo muita paciência para ficar horas posando para Matisse – para puxar um aparte, vi na Disneyworld uma imagem divertida, na qual Monalisa posa para da Vinci, mas, nesse caso, Monalisa está aborrecida e irritada, batendo impacientemente o pé no chão! Os seios são como olhos de vagalume, olhando para o espectador, seduzindo este, querendo ser tocados, acariciados, desvirginados. A modelo se funde com a Natureza ao redor, e podemos ouvir o vento farfalhando nas folhas, num sedutor jardim tropical à noite, num ecossistema onde os agentes entram em harmonia sinérgica, como na sinergia que existe em Gramado, cidade onde tudo combina com tudo, seduzindo turistas. E esta é a sedução da modelo aqui, convidando-nos a estar com ela, deitar-se com ela, entrar nela, como numa luxuosa sala de estar, com lustres majestosos de cristal, entrando no corpo santo de uma Evita embalsamada. A modelo aqui é uma espécie de anfitriã, convidando-nos, como uma exímia socialite, mestre em receber com luxo. No quadro, das entranhas da terra vem a nutrição para as plantas, e estas são as entranhas da modelo, o útero primordial. O corpo cruza a tela de ponta a ponta, desdobrando-se em sua glória pálida, como se banhado de luar, na sedução da luz da Lua, o espelho feminino que reflete o agente masculino, que é o agressivo Sol. A modelo aqui remete à abertura da telenovela Tieta, da Rede Globo, na qual a sensual Isadora Ribeiro, com efeitos especiais de computador, mescla-se, nua, com as paisagens tropicais da Bahia, que é, já ouvi dizer, um país à parte. Desse modo, é inevitável não vir à cabeça a música tema da novela, cantada por Luiz Caldas: “Tieta é fogo ardente, queimando coração. Seu amor mata a gente mais que o solo do sertão”.


Acima, Nu Reclinado. As voluptuosas paisagens do Rio de Janeiro, com seus montes rochosos e florestas exuberantes, na celebração da Beleza e da Vida. A mulher flutua numa deliciosa piscina, em um dia de verão. Um Sol disforme aparece, como se estivesse derretendo no próprio calor, numa ironia, da obra de alguém voltando às mãos deste alguém, como me disse uma professora de Educação Artística no Ensino Médio: Por mais que possa ser vendida, a obra de Arte sempre pertencerá a seu artista conceptor. Abaixo do Sol disforme, uma fruta que entra em harmonia cromática com a cor da pele da mulher, a qual é suculenta e deliciosa como uma boa fruta madura, doce, irresistível, na riqueza de frutas tropicais de uma feira livre no Rio de Janeiro, como mangas maduras em pés de mangueiras em Salvador, no continuum de prazer entre sexo e gula, no modo como ter fome é tão natural como fazer sexo, e o Ser Humano não pode negar sua própria natureza. Acima do Sol disforme, um biscoito do tipo orelha de macaco, com símios furtivos pulando entre galhos em um jardim botânico tropical, com os pequenos símios alimentando-se de pequenos frutos. Essa “orelha” remete ao cabelo de Gary Oldman em Drácula de Bram Stoker, só que cabelos brancos, na avidez de um vampiro que está louco para vampirizar a saudável e deliciosa mulher aqui, no poder de sedução dos vampiros, ou seja, dos psicopatas, que seduzem vítimas e fazem com que as vidas dessas vítimas girem em torno da vida do vampiro: se eu estou bem, o vampiro fica mal; se eu estou mal, o vampiro fica bem, numa ausência total de compaixão ou empatia por parte do psicopata. Neste quadro, vemos estampas em xadrez, que, em sua retilinidade, opõem-se às curvas femininas. Esta mulher é tão gigantesca que sequer cabe inteira no quadro, como num Woody Allen, que se considera fragilmente menor do que as mulheres pelas quais se apaixona. Atrás do Sol disforme, uma viga rubra, que traz dureza e sustentação, como num falo ereto, o qual se curva perante às majestosas curvas de uma terra virgem, uma terra esperando para ser desbravada e ser cheia de nomes – nomes de rios, de montanhas, de florestas, de cascatas etc. É a tendência humana para tentar impor ordem ao caos, dando nomes às coisas, aos vegetais, aos animais, aos lugares, às galáxias. Os seios da mulher são o Pão de Açúcar, com seu bondinho viajando de um lado para o outro, trazendo turistas para o coração de uma mata exótica, cheia de Vida. Esta mulher parece ser feita de argila, como argila nas mãos de um artesão, no talento plástico de transformar elementos, produzindo algo novo. Os azulejos azuis desta piscina lutam para não se render às curvas do Feminino, como numa sensual rede de Internet, interligando seres na agradável piscina primordial uterina, a casa da qual viemos e para a qual voltaremos, no caixão que se torna útero, e viceversa: Quando Joãozinho nasceu, este chorou e o Mundo riu; quando Joãozinho morreu, este riu e o Mundo chorou. Podemos ouvir o delicioso ruído de água fluindo. A modelo repousa confortavelmente, sem tensão, deixando-se “fotografar” livremente. Os traços simples do seu rosto trazem beleza, pois simplicidade, limpeza e beleza andam juntas. A mulher parece estar nadando de costas, numa saudável atividade física, cruzando oceanos de ponta a ponta, remando nos mares primordiais, dos quais veio a Vida. Temos um Matisse que se rende completamente ao próprio trabalho, encontrando prazer, pois o que é feito com prazer, é apreciado com prazer. Matisse aqui “faz amor” com a modelo, num nu sem sexualidade, mas com limpeza, numa parede intocada que, cedo ou tarde, tornar-se-á vítima de um vândalo pichador, de um “estuprador”. A mulher aqui inspira ser vigiada e protegida, para chegar ao altar da igreja pura e casta, jogada das mãos deu homem para outro homem, sempre fraca e dependente.


Acima, Hobby Roxo e Anêmonas. O hobby é o conforto do Lar, numa pessoa que, em casa, não precisa se preocupar, ao sair para a Rua, com o que veste, o como está o cabelo. Certa vez vi uma mulher que, ao morar na quadra da padaria da esquina, ia no fim de tarde, de pantufa e hobby, comprar pão e leite, parando no trajeto para conversar com as comadres da vizinhança, no sentido que nenhum bom líder deve interferir no desejo de um cidadão que está confortável na própria vizinhança. As flores são os galanteios que o Professor Girafalez faz para a Dona Florinda, no sentido de que as flores são as genitálias de um vegetal, na intenção oculta que cada um dos pombinhos tem: fazer coito juntos. As flores aqui são diversas e coloridas, numa mulher devidamente presenteada por um pretendente. Este hobby roxo é fluidio, como num plácido córrego silencioso, que alimenta vales e plantações. É o Lar líquido, delicioso, numa pessoa que, ao chegar em casa, deixa para trás o Mundo lá fora, no sentido de que cada pessoa tem que ser mais Yin dentro de si mesma, mais feminina, mais no prazer do aconchego, de um par de pantufas. Quase tudo neste quadro flui tortuosamente, como no vaso, que parece girar, hidratando as flores, que representam a diversidade, a riqueza de um Mundo no qual as diferenças têm que ser respeitadas, pois, do contrário, não há Vida em Sociedade. Aos pés do vaso vemos três frutos ou pães, no alimento existencial que é direcionado àquele que encontra a si mesmo, decidindo levar a Vida de modo pacato, reservado, confortável, no modo como o célebre espírito Patrícia, ao desencarnar, acordou em uma cama com lençóis levemente perfumados. Aqui, tudo se rende ao perfume das flores, ao Feminino, e a mulher é adorada, mimada, presenteada. Estes frutos são a fartura, como esferas num sistema solar, integrando-se ao colar de pérolas negras da mulher, talvez também um presente de um pretendente. Esta mulher é reverenciada, como sonha qualquer socialite. A mesa sob o vaso tem traços aristocráticos, sofisticados, integrando-se ao grande ritmo liquidiscente do quadro. Um dos poucos elementos não fuidios é a parede listrada, a qual luta para não se render completamente ao Yin, no fato de que nunca é possível baixar a guarda completamente, numa existência que pode guardar uma surpresa em cada esquina. A face da mulher tem traços incertos, com se levemente desfigurados por um cristal tortuoso, como na teoria da Matéria Escura, que seria o cimento invisível que une o Universo. Os cabelos da mulher também fluem, e são crespos, tortuosos como uma sedutora serpente, no modo como em algumas culturas a serpente é símbolo de sensualidade, e não de horror. E o hobby flui majestoso, como um Rio Nilo, um Amazonas, sempre nutrindo, sempre em processo de fluidez, num interrompendo-se, do modo como Tao está sempre criando. É a Grande Via da Vida, o único caminho que une irmãos em torno do mesmo Rei. A mulher está à vontade, repousando a cabeça sobre uma das mãos, mostrando ser inteligente, interessante, irônica, divertida. Uma musa de Matisse.


Acima, Os Marroquinos. É um quadro que beira o abstrato, sem formas extremamente claras e definidas, ou classificáveis. Há estruturas que se parecem com prédios ou vilas, no retrato de uma aconchegante vizinhança. Teria Matisse já viajado ao Marrocos? O fundo é preto, imprevisível, numa noite fechada e misteriosa, onde pouco podemos ver. É a imprevisibilidade natural da existência, num ser humano que não pode (nem deve) prever tudo, nas surpresas que a Vida nos prepara, como me disse certa vez uma amiga: “A Vida nos prepara cada uma...”. É exatamente neste imprevisível que reside a graça de tudo, pois que sentido teria uma Vida na qual podemos ver tudo antes do tempo das coisas acontecerem? Na porção inferior esquerda, formas que parecem ser uma mata de palmeiras, com frutos dourados nos pés. Os frutos são a vitória, o reconhecimento, a riqueza de uma existência rica em preenchimento psíquico. As palmeiras balançam ao vento, nessa dança sensual noturna. Os frutos são a recompensa, o merecimento, no desafio ao artista que é ser digno de valorização, num gigantesco desafio. Atrás da mata, vemos uma rede de linhas tensas, retilíneas, na sensualidade da Internet, que conecta e todos em uma só piscina primordial, na qual há prazer e leveza, numa sensação de Paz enorme, indescritível. Essas linhas brancas fazem contraste com o fundo negro, como num quadro negro escolar, em contraste com as informações em branco, no desafio didático de educar: O que faz de alguém um bom professor? Qual é o segredo para a Educação? É a simplicidade, a clareza. Só assim há aprendizado. E Matisse aprende aqui, em sua própria obra, numa combinação entre talento e persistência; entre sonho e trabalho. Mais acima das palmeiras, uma parte desta vila, com um parapeito na sacada. O parapeito é o resguardo, o cuidado, para evitar que alguém caia e morra. E amar a si próprio é isso – resguardar a si mesmo; poupar-se. O parapeito é o limite entre Razão e Loucura, duas faces da mesma moeda, no sentido de que tudo traz em si a própria contradição. Nessa sacada, outra planta, só que com folhas azuis, cruzadas por listras brancas. Um vegetal estranho, que não existe de fato, mas existe só aqui. É o modo humano de aprender com Tao, buscando compreender este, pois, já me disse uma grande amiga psicóloga: “O Amor é o segredo da Vida”. E como poderia existir um artista que não ama o que ele mesmo faz? Impossível. É do autoamor que vem o sucesso, numa pessoa que respeita a si mesma. Esta cena parece ser banhada por um sensual luar, numa brisa marroquina, sedutora, exótica, deliciosamente estranha e enigmática. Na porção direita do quadro, um prédio róseo, como num delicioso interior de um filé passado ao ponto médio, nas delícias que existem na Vida, delícias misturadas, é claro, com desafios ásperos, pois, como diz Tao, o fácil e o difícil são faces do mesmo trabalho. Vemos aqui uma grande esfera branca, que pode ser a Lua, o grande espelho feminino que rege os ciclos menstruais, na dança gravitacional, onde estrelas giram em torno do mesmo centro galáctico, que é Tao, o vazio. Esta esfera pode ser também uma cabeça humana, sustentada por um corpo azul, retangular, num Matisse buscando abstrair ao máximo a forma humana. É um marroquino, vivendo em sua vila, um lugar onde há Paz. Parece sair deste homem um grande braço, enorme, no poderoso braço de Matisse segurando um pincel. A vila é como um formigueiro, uma sociedade, um subconjunto com suas próprias regras e limites, os quais devem ser respeitados por qualquer um que more nesta vila marroquina. No prédio róseo, um grande buraco negro, que é a vagina, um túnel que leva ao primórdio uterino, o berço, a origem: há uma luz no fim do túnel. É o Lar, a casa, o aconchego, do modo como a atelier se torna a casa do artista, num lugar extremamente adaptado a estes marroquinos do quadro.