quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Gol de Rubens



O brasileiro Rubens Gerchman era descendente de suecos e flertou claramente com a Pop Art, abordando Política, Esporte e Arte. Antes, quero dizer que a sigla CDA não faz parte das obras nesta postagem. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!


Acima, A Luta, O Trabalho. Óleo sobre cartão. 50 x 60 cm. Rubens traz uma abordagem sociopolítica, tentando compreender o papel do Brasil num cenário global. No centro do quadro, temos uma expressa placa, dando ordens, impondo autoridade, no modo como um artista deve se impor ao Mundo. A placa significa um marco, e é cheia de imperativo, num regime totalitário que sequer permite que o cidadão saia do país. É uma placa redonda como o Sol o astro-rei que rege o Sistema Solar, numa força gravitacional que se estende aos confins gelados das fronteiras sistêmicas. É a transgressão do faraó Aquenáton, impondo o culto monoteísta ao Disco Solar, Áton, numa imposição estatal, numa regência embriagada pelo próprio poder, no apego humano ao poder, num Getúlio Vargas suicida que não podia imaginar a própria vida sem poder, embarcando para o Vale dos Suicidas, talvez até hoje se arrastando como um mendigo esfarrapado, na discrepância entre riqueza mundana e riqueza mental. No topo do quadro, a palavrachave TRABALHO, pois qualquer ser humano, por mais rico que seja, precisa trabalhar, havendo no labor uma questão de saúde mental, numa pessoa que, ao laborar, fica com os pés no chão, rechaçando o canto sedutor e desnorteador do Ócio, a mãe de todos os vícios. Vemos um mapinha do Brasil em vermelho, talvez numa alusão comunista. Dentro do mapa, flechas imperiosas procuram impor a ordem e o progresso expressos na bandeira nacional, num país de medidas continentais, sendo difícil a um governo federal impor unidade a um Brasil tão heterogêneo. Ao fundo do mapa, um negror imprevisível, cheio de dúvidas, no modo como muitos brasileiros resolveram se exilar. As iniciais BR buscam dar simplicidade, no poder de união da simplicidade, havendo no Universo apenas um caminho, que é Tao, sendo ilusões os demais caminhos, pois Tao é o grande vale que encaminha tudo e todos. Ao fundo da palavra “trabalho”, linhas oblíquas, como no trânsito, tentando falar da forma mais clara e expressa, simples, estabelecendo limites, como deve haver limite respeitoso em relação a outrem e a mim, nas saudáveis fronteiras entre pessoas, entre estados, precisando existir toda a polidez diplomática, sempre primando pelo diálogo e pelos meios pacíficos, no modo como os arcanjos são os espíritos que gozam da Plena Felicidade, espíritos que primam pela pacificação de todas as dimensões do Universo, no modo como é indescritível a Paz da Dimensão Metafísica, um plano onde não há ouro ou riquezas aptas a seduzir a pessoa. Vemos, aqui, um grupo de cavalheiros indistintos, como anônimos tijolos em uma parede, e nenhum desses homens tem identidade, distinção, personalidade, no modo como o sistema opressor morre de medo do delineamento de personalidade, pois um cidadão que pensa é um cidadão que contesta, precisando haver respeito à Inteligência. Este microprotesto traz placas, e uma dela convoca o cidadão a não mais se atirar nas cordas e lutar por algo, no modo como a Vida é cheia de luta, num Mundo exigente que desafia o cidadão a contemplar as maravilhas do Yang, da Vida Social, na racional lança de São Jorge, aniquilando o dragão horroroso da opressão, assassinando um sistema que não quer que o cidadão pense ou filosofe. Outra placa traz o ano de um Brasil imerso na Ditadura, num momento em que o artista brasileiro se viu castrado e reprimido, numa época em que o Bloco Capitalista Mundial temia que o Brasil se tornasse uma União Soviética ensolarada, na eterna cisão entre os seres humanos, um ser com inabalável talento para a Guerra e para o esgotamento dos meios diplomáticos, num momento bélico em que o Homem se torna macaco, com sua boca atada, censurada, aniquilando a Vida Cultural de uma nação. Este é um quadro que se impõe, como Betty Faria em uma cena da novela censurada Roque Santeiro, em que a estrela, de majestosos óculos escuros, impõe-se altivamente, assustando os porões da Censura, amedrontando o misógino Estado Opressor, o qual teme enormemente a Liberdade.


Acima, Denílson. Serigrafia sobre papel. 50 x 50 cm. Esta cena é um momento crucial, em que o atleta se prepara para atirar ao gol, num Rubens amante do Esporte. O fundo é quente, acolhedor, na cor dourada da vitória, no ouro que premia os que se sobressaem na multidão, ouro que premia os distintos, os memoráveis. A moldura é verde, formando, com o amarelo, as cores que unem o Brasil em época de Copa do Mundo, num momento federal em que os brasileiros esquecem quaisquer diferenças e abraçam um bem comum, que é a Seleção – oxalá o Brasil fosse assim sempre, unido. A cor dourada é a promessa mágica da cornucópia da Dimensão Metafísica, um lugar onde todos nos sentimos campeões, havendo no Esporte metáfora com a vitória do Desencarne, da libertação. Desencarnar é como uma vitória de Copa, com uma chuva dourada de êxito caindo dos Céus, de Tao. O uniforme do jogador traz a famosa marca Nike, a deusa da vitória, num símbolo incisivo, que finca, como no inocente gesto de vitória, que imita um homem penetrando num ânus ou numa vagina, havendo na penetração carnal uma cópia grotesca da vitória espiritual. O número 20 traz a juventude, de jogadores que, apesar de serem homenzarrões no campo, são garotos, são muito jovens, em um Mundo exigente, que exige desde cedo a maturidade por parte da pessoa, num lugar onde crescer e evoluir é a regra. A figura do jogador, em preto e branco, contrasta capciosamente com o fundo colorido, num contraste entre sisudez e alegria. O fascínio do preto e branco faz metáfora com o registro binário, na construção técnica do espírito, nas charmosas fotos de estrelas de Hollywood, fazendo dos astros metáforas dos espíritos evoluídos, polidos, sábios e poderosos, nossos “irmãos mais velhos”. Aqui, o jogador abre os braços como se estivesse pronto para decolar e voar, havendo nos aviões metáforas com a emancipação, a libertação do pensamento racional, havendo no formato do avião uma forma fálica, como um pênis alado, cortando os céus, desvirginando os céus, no modo como, até certa época, voar era um programa glamoroso, com os passageiros e aeromoças aprumando-se para o voo, num momento mágico de elevação, como numa raça de alienígenas evoluídos, trazendo à Humanidade noções civilizatórias e avançadas, numa espécie de colonização, no modo como o Europeu colonizou as Américas, ou como os ingleses trouxeram desenvolvimento à Argentina. Não podemos ver a bola no quadro, e este é um momento em que o atleta está absolutamente concentrado, alheio a quaisquer distrações, talvez até sem perceber o barulho da torcida ao redor. Aqui, o juiz é invisível, como Tao, sempre fiscalizando e encarregando-se de que as regras sejam cumpridas e respeitadas. O cabelo do jogador é bem curto, disciplinado, como cabelo de militar, sem espaço para frescuras, na objetividade do chute, sempre atraído pelo poder gravitacional da goleira, da porta passiva, do princípio feminino de donzela indefesa, tendo que ser resgatada pelo príncipe encantado, um príncipe que, na verdade, não existe. Este jogador é como uma andorinha, vivendo livre e feliz. Na camisa de Denílson, o brasão da CBF com quatro estrelas que contam uma história, uma trajetória, como um rastro, uma carreira, num país ambicionando sempre mais títulos, expressando uma supremacia, uma excelência. Ao redor do jogador existe uma aura, como se uma luz emanasse dele, emitindo um brilho, um talento, no modo como há pessoas com o dom de observar a aura invisível das outras pessoas. O brilho, o raio de Sol, é como uma lança que aponta, e nós podemos apreciar a iluminação, mas não podemos olhar diretamente para o Sol, para o astro. Temos que usar óculos escuros. Este Denílson está em plena forma, no modo o artista vai adquirindo “porte atlético” ao produzir, adquirindo um “calejamento”, uma manha. O astro em preto e branco sai nas fotos dos jornais, numa mídia sempre sedenta por ídolos, por estrelas, como Gisele na capa da Veja.


Acima, House. Acrílica (suporte desconhecido). 35 x 107 cm. Temos aqui cores um tanto mondriânicas. As letras são simples e claras, como debaixo do Sol da Califórnia, na sofisticação ensolarada de Los Angeles, numa luz solar que faz metáfora com o esclarecimento, com a solução de negros mistérios, como historiadores, que recontam uma história a partir de vestígios enigmáticos. Estas letras não têm serifas, e procuram ir ao centro do ponto de forma direta. A obra é banhada pelo Sol, e a luz é a atenção do público, um público sempre ávido por comoções artísticas, vendo no artista uma verdadeira força da Nartureza, como um terremoto, abalando percepções, num momento de coragem por parte do autor. As letras caem como confetes, na magia de um baile de carnaval, na alegria inabalável de uma dimensão em que os percalços mundanos acabaram, só havendo espaço para felicidade, para preenchimento, no fato de que o desencarnado não só é feliz como também sabe que é feliz. O formato vertical é como um mágico totem, trazendo elevação como um obelisco, rasgando os céus em busca de superação e aprimoramento. A letra O é como um buraco negro, arrastando tudo e todos, arrastando inclusive a luz. É como uma forma de bolo, na magia aconchegante de uma casa onde a Rainha do Lar fez um bolo, cujo perfume doce se espalha pela casa, no modo como uma casa gira em torno da própria cozinha, e o atelier é como uma cozinha, onde riquezas são construídas, no talento de chef que combina ingredientes para produzir algo novo. A letra H é dourada e ocupa o topo desta hierarquia, regendo e alinhando as demais letras, no modo mundano no qual tudo gira em torno de riqueza, numa pessoa embrutecida que chega a um ponto em que só considera dinheiro, no modo como dinheiro compra tudo, menos Amor – não é desafortunado aquele que acha que se pode vender ou comprar Amor? A letra U é em formato de receptáculo, de feminilidade e passividade, no modo como o goleiro é o guardião, sempre defendendo a donzela indefesa, tornando-se o herói da história. Esta letra U é da cor do céu, de um céu limpo, no enigma da Dimensão Metafísica: como podemos observar cidades que são invisíveis? A letra S está bem discreta, fundindo-se com o pano de fundo, numa exposição sutil, conotando uma timidez e um recato, numa mulher que vive a vida na sombra de um homem, numa sociedade que jamais aceitará uma mulher independente, com mulheres que sentem na carne toda a opressão patriarcal, na qual o Homem pode tudo e a Mulher pode nada, havendo no Homem a noiva e havendo na Mulher a dama de companhia, no modo Eva é um arremedo da obraprima Adão. Este S é uma serpente iluminada, desprovida de mistérios, como uma tenebrosa aranha iluminada, com seus mistérios e horrores desvendados, não mais amedrontando, não mais sendo considerada incrivelmente feia. É uma serpente de luz, do Bem, trazendo purificação sob o Sol do esclarecimento, como a solução de um mistério de Agatha Christie. Então, a noite da Morte acaba, e uma estrela branca desponta ao Leste, na Terra da Estrela da Manhã. A letra E, de Rubens sangue, digo, rubro sangue, fornece uma base para tudo, nos vínculos da família que, apesar de serem carnais, sobrevivem ao desencarne do sangue, no modo como tais vínculos sobrevivem à Morte Física, na alegria de uma pessoa que, ao desencarnar, encontra-se com uma saudosa avó. Esta letra E é como um cabo elétrico colocado em uma tomada, fornecendo a energia e a força que um artista precisa ter para continuar trabalhando e batalhando pelos sonhos de carreira. É o choque mental da catarse, num artista querendo colocar na tomada os dedos do Mundo! Pois cada artista tem um desafio – o de vencer e ser respeitado. Estas letras não obedecem a um rígido alinhamento, e parecem dançar sobre a base branca, que é Paz, e esta permite que exista o conforto da Liberdade, no modo como o Bem é sempre agradável. O branco é o útero imaculado, na concepção divina que nos trouxe à Vida, pois Tao age assim, de forma imaculada, sempre amando incondicionalmente, deixando seus filhos ficarem livres.


Acima, O Brasil ou Brazil. Óleo sobre cartão. 50 x 35 cm. Estaria Rubens querendo dizer que o Brasil é um prisioneiro do Bloco Capitalista? A bandeira nacional está aprisionada, talvez por uma ditadura, por anos de chumbo, talvez um país vítima da Violência, em que o cidadão tem que se cercar de grades para se proteger, como no nome da ONG “Brasil sem Grades”, uma organização que quer que o Brasil saiba o que é estar livre da Criminalidade. Aqui, o Brasil está sufocado pelo contexto global, virando um “Brazil”, uma colônia, um estado controlado. Em um dos cantos há uma estrela – será que uma estrela comunista? A estrela está escanteada, reduzida, reprimida, e mal pode respirar em meio a tanta opressão. Neste quadro, barras horizontais e verticais formam uma cela de prisão, no sentido de que toda encarnação é uma prisão, havendo na vida do presidiário algo horrível, pois é a prisão dentro da prisão, no sentido de que nada pode comprar a Liberdade. A grande placa, em inglês, é altamente impositiva, como uma regra de trânsito, procurando promover Paz e Harmonia a um corpo social tão caótico e desorganizado, como no costume humano de separar as mulheres dos homens, tentando impor algum sentido, alguma ordem ao segregar seres humanos que, desencarnados, não têm sexo. A placa é redonda como uma moeda, na hierarquia global entre nações ricas e nações pobres, num Adam Smith que promove a total ausência de leis econômicas, deixando que a Economia Global se regule por si mesma, naturalmente, sem intervenções estatais, uma utopia que é difícil de acontecer, pois os estados globais interferem inevitavelmente. A placa manda o espectador parar e observar com atenção, no modo como a obra de Arte quer captar essa atenção e ser compreendida, amada, prestigiada, no modo como há muitos e muitos artistas que passam suas vidas sem saber o que é ser reconhecido – uma pena. Esta obra parece um cartaz convocando o povo para algo, para alguma movimentação, uma manifestação na Rua, uma passeata, desafiando altas autoridades e tentando impor a hegemonia popular, no modo como um líder que se afasta do próprio povo, deixa de ser líder, como na ruptura da Revolução Francesa, em que um golpe destituiu a Monarquia Francesa e se tornou um marco contemporâneo. O artista quer fazer isso; quer promover uma revolução. Mas se depara com o duro fato de que o Mundo não mudará, e que revoluções não acontecerão, no modo como é necessário que o indivíduo se mortifique de ilusões. A grande placa é uma autoridade, um rei, um presidente altivo, como, certa vez na Casa Branca, quando Obama era presidente, um repórter interrompeu o líder, e este disse: “Você está na minha casa”, sendo Obama animadamente aplaudido no recinto pelos demais jornalistas. Esta placa quer estabelecer o discernimento entre minha casa e a casa de outrem, no modo como um regime totalitário simplesmente estupra a casa do cidadão, fazendo deste um escravo destituído de Individualidade e de Liberdade de Pensamento. A placa é uma Lua cheia, seduzindo lobos uivantes e, desde sempre, atiçando a imaginação humana, no marco desbravador que foi a ida à Lua, com as pegadas do astronauta maculando a então intocada superfície lunar, no ato agressivo que foi fincar a bandeira americana em solo lunar, numa imposição de autoridade, num recado ao resto do Mundo: Não se meta com os Estados Unidos da América, no modo como os EUA, com aliados, têm o poder de impor restrições econômicas a outras nações, como Cuba. É o dono do campinho e da bola. Neste quadro, podemos ouvir o som do apito de um guarda de trânsito, ou o apito de um árbitro de Futebol, tentando impor ordem a um campinho em que cada um quer fazer uma coisa diferente, num árbitro que luta pela honra das regras, fazendo estas serem cumpridas. Aqui, a cor preta tem um papel importante, como negros e brancos segregados logo nos EUA, o país que se diz o paladino baluarte da Liberdade e da Igualdade.


Acima, . Serigrafia (suporte desconhecido). 31 x 46 cm. Mais uma vez, um Rubens amante da Política, inserido num Brasil que, na Ditadura, virou uma espécie de palco entre Capitalismo e Comunismo, detendo, torturando e assassinando opositores que apresentassem tendências comunistas, como Dilma Rousseff. Aqui, temos uma solidão, num Che Guevara de semblante triste, como se soubesse que terminaria assassinado e, assim, virando um ícone comunista, alimentando até hoje os que simpatizam com o Marxismo, como petistas em frente à prisão onde está detido Lula, fazendo “companhia” ao detento. Aqui, Che faz um gesto autoritário, mandando-nos manter distância respeitosa, e mostra a mão para provar que não está armado, que nada esconde, no modo como a vida de um cidadão honesto é um livro aberto, mas também no modo de sabermos que Che não foi nenhum anjinho, sendo um feroz opositor dos regimes capitalistas. É a guerra entre Liberalismo e Comunismo, numa guerra de pensamento, de doutrina. A palavra “só”, então, expressa tal solidão, no modo como deve se sentir irremediavelmente sozinha a pessoa que se vê num paredão, pronta para ser fuzilada, como num filme com Sean Penn, em que um presidiário, amarrado na cadeira da injeção letal, urina nas calças, tal o medo de morrer. O grande fundo em azul traz uma tristeza, uma frieza, num sangue quente que esfriou, num Che sepultado, com o cadáver esfriando, o que nos faz imaginar o que aconteceu com o espírito deste homem: Por onde será que anda? Será que ainda tem ódio no coração? Tem raiva? É ainda revoltado? A estrela acima é como uma coroação, como no deboche da revista Veja sobre o filme Lula – O Filho do Brasil, capa onde Lula aparecia com uma aureola de estrelas na cabeça, no endeusamento político que existe comumente, com pessoas que acham Lula um anjo; outras, um demônio. Este gesto de Che faz uma renúncia, um rechaço, uma repulsa, como se quisesse se despir de todas as suas roupas mundanas para abraçar a Vida Espiritual dos Desencarnados, na dimensão onde quaisquer vaidades caem por terra, no famoso ditado “Vão-se os anéis, ficam os dedos”. Aqui, temos um Che se sentindo altamente solitário e abandonado, desamparado na parede de execução, como um Cristo que diz: “Senhor, por que me abandonaste?”. Não venho aqui endeusar Che, porém, pois não me envolvo em Política. Esta é a estrela na fronte altiva de Iemanjá, na beleza da Rainha dos Mares, na competição entre potências europeias pelo domínio das devolutas terras americanas, como no jogo de tabuleiro War, em que oponentes lutam pelo domínio militar da Terra, na eterna tendência humana para a Guerra e para o desentendimento, para o esgotamento dos polidos e civilizados canais diplomáticos. Che está aqui sozinho num vasto oceano, como vagar interminavelmente pelas ruas de uma cidade erma, fantasma, perdendo a noção de Espaço e Tempo sob um Sol inclemente. Esta estrela de Che é uma bênção e uma maldição, pois é uma coroação de popularidade e é também uma carga, um peso insuportável, uma carga que o levou à perseguição e à execução. O Ser Humano leva o Yang a sério de mais, e esquece-se do Yin. É na metáfora do Super-Homem: se você for pacato como um Clark Kent, você será um super-herói, pois a Paz é melhor do que a Raiva. Os opositores de Che julgaram este um inimigo da Paz, da Ordem, num Che que passou a pisar nos calos de poderosos, num Che querendo, no fundo, ser muito poderoso. É a patetice das ambições humanas, numa pessoa nunca satisfeita, sempre querendo mais. Quem não ambiciona, pode ter Paz. Nesse sentido, Che praticamente se suicidou, atraindo a Morte para si. Aqui, Che está pedindo um tempo, talvez para se acostumar com os moldes da vida desencarnada, pois a Guerra é simplesmente inviável numa dimensão superior. A moldura negra é o abraço da Morte, fazendo com que a execução de Che fosse um expresso aviso aos seguidores do mesmo Che: Comportem-se!

Referências bibliográficas:

Rubens Gerchman. Disponível em <www.catalogodasartes.com.br>. Acesso 20 jan. 2019.

Rubens Gerchman. Disponível em <www.pt.wikipedia.org>. Acesso 20 jan. 2019.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Um Delicioso Vinho Carménère



A longeva artista Carmen Herrera nasceu em Cuba e está há mais de meio século radicada nos EUA. Carmen é tida como uma grande minimalista e abstracionista. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!


Acima, Encontro, 2009. Aqui temos uma ruptura, como alguém que sai de um país para morar em outro. É como uma ponte que cai, deixando uma estrada desconexa. É como um transplante de órgão, num ato de substituição, de reparo. É como um vidro quebrado, impossível de ser consertado. São duas linhas tentando se encontrar, esforçando-se para que haja unidade e concórdia, numa heróica empreitada diplomática de reaproximar países inimigos como EUA e Cuba. Temos aqui uma Carmen querendo conciliar as diferenças e unir nações, num esforço diplomático, calcado nas conversações de Paz, nunca de Guerra, talvez num protesto contra os embargos econômicos à ilha de Fidel Castro. São duas pessoas tentando se encontrar, numa Carmen romântica. São linhas desencontradas, num momento de briga e discórdia, como irmãos discutindo por causa de Política, numa “treta”, um embate. Temos aqui um ciclo de máquina de lavar roupa, numa figura simétrica, num redemoinho, no modo como há enigmática Paz no olho de um furacão, e um artista, que vai causando comoção e reconhecimento, refugia-se dentro de casa, em Paz, deixando lá fora as questões da Vida Pública, refugiando-se no aconchego do Lar, curtindo aspectos simples da vida corriqueira, como cozinhar um macarrão e compartilhar uma garrafa de vinho, pois a Vida é boa quando é simples. O atelier é o Lar do artista, numa bagunça positiva, onde o artista sabe onde encontrar cada coisa, numa ordem só compreendida pelo próprio artista. O atelier é essa bagunça nutritiva, aconchegante, conciliando o Caos com organizada Produtividade, no casamento entre Razão e Loucura. Temos aqui uma imagem simples e limpa, numa Carmen minimalista, limpinha, higienizada, tentando impor limpeza em uma orla tão suja, tão cheia de tocos de cigarro, tão cheia de espigas de milhos consumidas, na inevitável sujeira do Mundo lá fora, na Vida em Sociedade, havendo em um namoro um oásis em meios a um deserto tão duro quanto os preconceitos da Sociedade Patriarcal, sociedade na qual a mulher está fadada a ser uma mera cadela do macho alfa. Essas duas faixas são como o quase toque entre Deus e o Adão de Michelangelo, tão próximos, tão perto, mas nunca de fato se tocando, na metáfora com a Dimensão Metafísica, onde tudo é espiritual, e onde o toque epitelial não existe, sendo a derme o símbolo da Dimensão Física, da Matéria, da dimensão onde tudo está danado e condenado à própria destruição, na ilusão das pedras preciosas, as quais são tidas como símbolo da Eternidade, mas são apenas símbolo, e, por incrível que pareça, as pedras preciosas estão também fadadas à danação, jamais sobrevivendo à Vida Eterna Espiritual, no modo como, infelizmente, o Ser Humano tende a acreditar que as pedras preciosas são eternas – tolinho. É a metáfora do ouro de tolo, sendo que qualquer ouro é de tolo, na fixação humana em acumulação de riqueza material, fixação a qual é uma perda de tempo. Aqui, é como se tivéssemos um mínimo átomo separando as duas faixas, num trato entre cavalheiros, com a honestidade no fio de bigode, num gentleman, ou seja, um homem gentil, o qual, apesar de ter uma espada na bainha, dá preferência à conversa diplomática e à cordura da Paz, como dizem que era muito polido e calmo meu bisavô, Joaquim Pedro Lisboa, um dos homens mais respeitados da História de Caxias do Sul. Esta forma gráfica dá também a impressão de que é uma faixa inteira, só que dobrada ao meio, como num vale, ou um degrau, nos vários degraus que um homem tem que trilhar até obter o respeito da sociedade à sua volta, no modo como só é feliz que é respeitado. Aqui, é como uma bandeira tremulando, transmitindo a altivez de uma nação digna e respeitada. São como nuvens retilíneas em um Céu de Brigadeiro, na retilinidade do pensamento lógico, o qual evita as tortuosidades insinuantes da malícia e da perda de foco. São opostos se beijando, numa eterna dança que une os opostos do Universo, causando o fluxo das galáxias.


Acima, Mais Amarelo, Menos Verde, 1989. Impossível não pensar em Copa do Mundo no Brasil quando vemos este quadro. Verde e amarelo são uma combinação harmoniosa, pois ambos concordam em uma coisa; ambos possuem o dourado em sua composição. Apesar de serem cores diferentes, são irmãs, convivendo em Paz no Imaculado Útero da Dimensão Metafísica, onde todos somos sangue nobre, havendo nas dinastias mundanas uma cópia grotesca. É claro que aqui o amarelo se impõe, deixando ao verde um papel sutil de coadjuvante. É como na Festiqueijo, a qual tem uma rainha e a dama de companhia desta, no jogo entre princesa e rainha, numa relação hierárquica – apesar da princesa ser coadjuvante, tem todo um charme especial, causando um certo incômodo à toda poderosa rainha, no modo como grande e pequeno alimentam um ao outro, havendo um embate entre quantitativo e qualitativo, num ato de discernimento. Aqui temos uma explosão dourada, como uma banana madura, havendo numa Carmen Miranda o papel simbólico da selvagem e misteriosa América do Sul, na feminilidade reinando sobre uma terra exótica, cheia de ritmos. Aqui temos uma assimetria, e é como uma luta marcial, onde o lutador mais agressivo triunfa, no modo como a Sociedade gosta de colocar dois machos numa arena para ver quem é o macho alfa no octógono, havendo uma total universalidade no modo como as sociedades humanas incentivam diversos tipos de lutas e esportes marciais, cabendo ao cromossomo XY a tarefa de simbolizar e incorporar a agressividade Yang, numa sociedade que jamais cobra da mulher o desenvolvimento da agressividade, e sim cobrando da mulher a feminilidade, a suavidade e a delicadeza, no modo humano de ver na oposição dos sexos um símbolo de Tao, que é o casamento entre tais opostos – os anjos não têm sexo, logo, são superiores, e a sexualização ritualística é típica do Ser Humano encarnado, típica da prisão que nos cerca. O Mundo é assim mesmo – não estou reclamando. Aqui, o verde serve de telhado para o amarelo, e este é indefeso, inspirando a dignidade de um herói que salva a pátria, que salva a mocinha raptada pelo vilão, no modo como a menina jovenzinha acredita que um dia será salva pelo príncipe encantado – tolinha. Quando Joãozinho protege o que é mais importante do que ele mesmo, Joãozinho se torna importante, no modo como cada sexo tem seu modo de ter dignidade, apesar desse modo apelar inevitavelmente à desigualdade. É um paradoxo: como duas cores contrastantes podem ser tão iguais? Aqui, não temos liquidiscência, numa Carmen racional, retilínea, matemática, na tentativa heroica de um professor em incutir nos próprios alunos o gosto do Pensamento Racional, Frio, Matemático. É uma aspa esperando pela aspa oposta, numa questão pendente, como um pagamento em aberto, na ilusão humana em ficar esperando por um milagre, um desfecho mágico, havendo no Desencarne a libertação, numa pessoa totalmente consciente do fato de que seu corpo físico ficou para trás, abraçando uma nova vida, numa nova dimensão, num Lar que, apesar de novo, é antiquíssimo. Aqui, o verde se resguarda discretamente para que o amarelo desponte, no modo como o grande artista dá a impressão de que não teve trabalho algum para desenvolver algum trabalho, no modo como não podemos imaginar Whitney Houston em um estúdio gravando as músicas de O Guardacostas. Este quadro é um momento de quase triunfo, em que o amarelo está prestes a englobar tudo e todos, impondo-se com agressividade, numa irrefreável ambição, como um ator que quer papar todos os prêmios possíveis por uma atuação, na eterna infelicidade humana, na qual o Ser Humano nunca está contente com as terras em seu próprio reino, como num sedento Império Romano, sempre impondo-se com a arrogância da espada cortante, no modo como a pessoa arrogante se sente afiada como um bisturi, sendo que Tao diz que, quando você se sente como uma tesoura cega, é porque está tudo bem com você, porque você está sendo humilde e realista, nunca se achando no direito de causar Mal ao seu irmão.


Acima, Preto e Branco, 1952. Aqui, temos uma pirâmide vista de cima, na metaforização das classes sociais, sendo o topo o faraó, o homem encarnado mais poderoso do Egito, havendo acima do faraó o Nada, o Vazio, o qual é Tao, o Imaterial, no modo como é difícil observarmos os movimentos da Divina Providência, a qual age silenciosamente, regendo todos, regendo inclusive o faraó. Aqui há um jogo entre claro e escuro, como num MC Escher, no namoro preto & branco entre os opostos que geraram uma majestosa geração de atores e atrizes em Hollywood, numa era de ouro do Cinema, havendo nesta arte um dos maiores símbolos do Século XX, o século do Cinema, no modo como o Século XXI será, provavelmente, o século da Internet. Aqui temos uma mandala, sempre girando, na cena cíclica onde todos temos um papel em uma dimensão tão hierárquica, como na Hierarquia Militar. Este jogo de contraste traz uma certa textura metálica, prateada, no termo silver screen, ou seja, tela de prata, atribuído ao Cinema. É um jogo de espelhos, de superfícies reflexivas, num metal polido, civilizado, apontando um estágio avançado no crescimento humano, havendo na Arte uma áurea expressão humana, numa prova de progresso e avanço psíquico. Aqui, também temos um túnel, numa espécie de casa giratória, numa casa maluca, em que as coisas mudam de lugar, num lúdico caos, como num liquidificador, com o chão alternando espaço com o teto, como um mágico caleidoscópio, com cristais hexagonais de neve, nunca havendo um cristal igual ao outro, como impressões digitais, nas saudáveis e inevitáveis diferenças de personalidade entre os seres humanos. No frigir dos ovos, juntando claro com escuro, temos o cinza, a cor da dúvida existencial, do dia cinzento, nunca claro demais, nunca escuro demais, como usar óculos escuros. São as cinzas de um corpo cremado, na perda do corpo material, num espírito se despindo das glórias mundanas e abraçando uma nova vida, uma vida menos obcecada por poder e dinheiro. É como um fosso de elevador, como questões girando em torno do mesmo ponto, no modo como inúmeros historiadores falam sobre o mesmo período histórico. Aqui, temos um jogo de xilogravura, o qual exige máxima atenção e concentração da parte do artista, havendo várias ciladas no aparentemente simples jogo entre vazio e cheio. Nesta vista aérea, não sabemos se o negócio sobe ou desce, numa Carmen deixando o espectador livre para acreditar no que o espectador quiser acreditar, no modo como cada pessoa vê o que quiser ver, na liberdade de interpretação, na característica da grande obra de Arte – render inúmeras interpretações, numa incessante cornucópia intelectual. Talvez tenhamos aqui uma ponta de faca apontada para nós – não sabemos. É o contraste entre Yin e Yang, tendo um trazendo algo do outro, numa perspectiva de concórdia. O que é bom para ruim, é ruim para o outro, como num jogo de futebol, no qual a alegria do goleador se opõe à tristeza do perdedor, tendo que haver no ganhador a elegância de não esfregar o triunfo na cara do oponente. São como dois times se degladiando, embaralhando-se no campo, tendo que encontrar equilíbrio entre atacar e defender, havendo no juiz a figura neutra e imparcial, como uma Suíça intermediando questões diplomáticas, como num Papa Francisco, empenhado em usar o próprio grande poder representativo para solucionar questões espinhosas, questões como inevitáveis e eternos desentendimentos. Aqui, temos uma estrela que brilha. É como uma gravata borboleta, no garbo de um cavalheiro perfumado, buscando soluções para impasses e brigas, no modo como um homem de Tao é um agente da Paz, um divino diplomata, na vitória da intelectualidade sobre a animalidade; na vitória da mente sobre a bunda. Aqui, temos um diamante negro, negro e profundo como os confins do Cosmos, com corpos celestes que estão tão distantes que sequer podem ser vistos da Terra. Então, o artista se depara com tal vastidão, tal eternidade, adquirindo a noção da superioridade de Tao e a noção de que o Ser Humano pouco pode saber.


Acima, Preto e Amarelo, 2009. Temos uma certa perspectiva, no modo como a Renascença renovou a Europa com ares de perspectiva geométrica, com profundidade, “puxando” e espectador para dentro da obra. É como um quarto escuro, no mais completo breu, iluminado por uma porta aberta, revelando um dia de dourado Sol, iluminando dúvidas, como luz sendo jorrada para dentro de um caixão, no milagre da ressurreição do Desencarne, num momento em que a pessoa se dá conta de que a Vida continua, sempre com novos desafios, desafios estes que ocasionam o necessário crescimento – qual o sentido da Vida sem uma meta, um norte? Uma linha muito tênue negra divide o quadro, como uma linha do Equador ou um Meridiano de Greenwich, no esforço humano em dividir e analisar as coisas, o Mundo, estabelecendo limites e regras, como numa Tabela Periódica, querendo compreender racionalmente uma dimensão de caos natural, num Ser Humano sempre querendo compreender Tao, o Criador de Tudo. A cor dourada persiste frente a um fundo tão negro, tão imprevisível, nas indecifráveis esquinas da Vida, sempre pegando a pessoa de surpresa, nunca permitindo que esta pessoa preveja absolutamente tudo, sempre guardando surpresas, no grande piadista que é Tao. Aqui, é um bloco que se impõe, trazendo alguma referência frente a tantos mistérios, como no monolito de 2001, numa clara influência alienígena, sempre atiçando os ufologistas no mistério – fomos “colonizados” no passado? Aqui, é como um livro que se abre, num artista se abrindo para o Mundo, num artista querendo participar, querendo ter um papel, no grande desafio que é a pessoa encontrar seu próprio lugar no Mundo. Aqui, é como uma folha de papel que foi dobrada e reaberta, numa Carmen adquirindo o desafio da assimetria, que é um equilíbrio mais sutil, como uma equação matemática: 3 “x” é igual a “y”, ou seja, um pequeno é igual a meio grande. Aqui, é como uma barra de ouro, na busca humana por riqueza, numa Inglaterra que enriqueceu milagrosamente durante o reinado de Elizabeth I, na hierarquia econômica entre nações, num Egito Antigo imperialista, no modo humano de impor Ordem por meio de flechas pontiagudas, no eterno belicismo humano. Este pesado bloco foi claramente trabalhado por um pensador civilizado, no modo como a Arte é uma prova da sofisticação humana, fazendo do labor uma expressão. É como a logomarca da Music Television, a MTV: há uma letra “m” pesada como um bloco, que representa a reverência clássica, a sisudez, a mortificação, o ponto de vista conservador, que diz que nada irá mudar no Mundo; já, as letras “t” e “v” imitam uma pichação, a qual representa a jovialidade, a irreverência jovial, o ponto de vista revolucionário, moderno e arrojado. Todos temos dois olhos – um olho conservador e um olho progressista, ou seja, um olho republicano e um olho democrata, na saudável alternância no Poder. Essa característica pessoal de cada americano acaba refletindo de forma macro, num país que, nas últimas eleições, ficou divido. Esta perspectiva de Carmen “salta” para fora do quadro e enfrenta o espectador, num ato agressivo de libertação, como um cavalo correndo livre, sempre perseguindo as fêmeas para este cavalo passar sua genética adiante. No termo “murro em ponta de faca”, quando a pessoa compra uma briga a qual não precisaria ser comprada. É uma ânsia por libertação, na expressão artística querendo “agredir” o Mundo e imitar uma força da Natureza, como um terremoto, fazendo das catarses bombas de comoção, nas faxinas espirituais que são as catarses – o papel da Arte é libertar o Ser Humano, havendo uma antiarte nos pensamentos opressores. Aqui, é como uma borboleta batendo as asas, como me lembro de uma linda borboleta amarela em um dia ensolarado no casamento de uma pessoa de minha família. A larva que se torna borboleta é um símbolo de libertação, num patinho feio se libertando ao notar que é um cisne, na necessária autocognição. Esta obra tem um certo arejamento, num fresco ar de renovação, numa juventude ansiosa por renovação.


Acima, Sete, 1949. Uma múmia habilidosamente enrolada, na tentativa humana de compreender a Eternidade, querendo compreender o porquê da Morte, da finitude da Matéria. É como um cartucho em hieróglifo, gravando o nome do faraó, num Egito que simplesmente não permitia que o próprio povo fosse alfabetizado. São como coloridos ovos de Páscoa, na magia de cornucópia de uma cesta cheia de tesouros, no fascínio que os doces exercem, no modo como, já ouvi dizer, há doces para serem comidos na Dimensão Metafísica, mas doces que não engordam! Aqui, há um diálogo entre retas e curvas, e as retas “amarram” as curvas, trazendo firmeza e estabilidade, como uma sólida canoa, nunca afundando, sendo a Vida em Sociedade esta canoa, como as cidades estados, aglomerando os seres humanos e deixando, no lado de fora, o caos da Natureza, como na cidade estado de Minas Tirith, de O Senhor dos Anéis, entalhada na rocha de uma montanha, no modo como um artista pega um bloco de mármore e o transforma em uma figura humana, como na incrível técnica de um Michelangelo, numa Pietà, na qual podemos ver até as veias de Jesus salientes nas mãos do Salvador. A Arte é Vida que pulsa, alimentando o Corpo Social, no modo como é equivocado considerar a Arte um luxo dispensável. Aqui é como um traficante de drogas embalando habilmente um pacote de cocaína, esperando passar despercebido nos filtros oficiais de aeroportos, sendo descoberto por um cão farejador e preso por tráfico internacional de drogas. É como um sólido bloco de presunto, sendo finamente fatiado pelo açougue, em um pobre bichinho que acabou virando lanche – não sou vegetariano! Aqui, é como um totem mágico, um emblema de feitiçaria, na autoridade dos curandeiros de aldeia indígenas, numa milenar cultura oral, com índios sabendo como usar cada erva nascida na selva, no imbatível Senso Comum, que acaba absorvendo todas as outras formas humanas de conhecimento. Temos aqui uma cidade irregular, que não foi planejada na caneta de um arquiteto, desenvolvendo-se instintivamente, virando um labirinto no qual somente um nativo pode se locomover tranquilamente. É um crescimento desordenado, como nas favelas, que foram instintivamente tomando conta dos morros do Rio de Janeiro. Aqui, há um ovo contendo outros ovos menores, como numa boneca russa, no milagre da Vida, como uma ninhada de cachorrinhos, num Tao sempre gerando, sempre fertilizando. As partes pretas são como espaços de água, como lagos e rios, cortando e nutrindo um lugar. É como o dramático e catastrófico rompimento de uma barragem de mineradora, arrastando tudo e todos, trazendo Morte e desolação, numa tragédia tsunâmica, no modo como o Ser Humano, volta e meia, está sujeito às intempéries da Dimensão Material – é assim mesmo. A parte alaranjada é como âmbar, no fascínio colorido das pedras, como uma ametista, tão feia e subestimada por fora e tão bela e rica por dentro, em um talento oculto, prestes a ser revelado ao Mundo, fazendo com que a pessoa subestimada surpreenda todos. Aqui, é como uma comida sendo digerida dentro de um estômago, num processo digestivo de assimilação, no modo como um artista vai sendo assimilado pela Sociedade, tendo no artista o privilégio de ser considerado respeitável e memorável, com tantos artistas que só foram reconhecidos após a Morte, ou, pior, que jamais foram reconhecidos. Tudo faz parte da linha existencial, num espírito que, antes de reencarnar, aceita a dureza mundana. Aqui é como um vitral, mas as partes negras não deixam o Sol passar, num bloqueio, uma negação, um rechaço, numa pessoa que passou por algo e pegou muito rechaço em relação a este algo. É como uma bijuteria exótica, enfeitando elegantes senhoras, mulheres perfumadas e arrumadas, no encanto de uma pessoa que se apruma para interagir socialmente. É como o colar de Ísis, com o disco solar de Amon, numa relíquia mágica, poderosa, numa Arte que atravessa milênios e continua a encantar.

Referências bibliográficas:

Carmen Herrera. Disponível em <www.en.wikipedia.org>. Acesso 20 jan. 2019.

Carmen Herrera Obras. Disponível em <www.google.com>. Acesso 20 jan. 2019.