quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Artistas Populares da Pop Art (Parte 4)




            Falo sobre vários artistas da Pop Art. As análises semióticas a seguir são minhas e não do livro-base de Osterwold, minha referência bibliográfica.

            Acima, Interior n. 3, um acrílico, metal polido, assemblage sobre cartão com diversos objetos (lâmpada de trabalho, relógio e rádio) de Tom Wesselmann, de 1964. Uma técnica mista. O relógio é o regulador, o governador, marcando o tempo e organizando as tarefas do lar. Seu formato é oval, como o ovo traz a vida, trazendo o novo, a renovação. São oito e meia da manhã, e as tarefas do lar iniciam o dia de muito trabalho, como cozinhar, limpar, lavar e organizar, colocando a casa em ordem, no dever da dona de casa. Os ponteiros são como uma letra L de cabeça para baixo, L de lar, de luz. Uma grande janela branca deixa a luz do dia entrar, como uma tarja alva, pura, como o leite que é servido no café da manhã. O branco é a paz dentro de um lar bem estruturado, numa estrutura de família e de divisão de tarefas – o pai sai para trabalhar, as crianças saem para a escola e a mãe fica em casa em sua solitária rotina de trabalhos domésticos. A geladeira é ampla, cheia de alimentos, num lar provedor, abundante, onde nada falta às crianças, sem espaço para fome ou para privação. O lar é o porto seguro, o norte, a referência, como o relógio é a referência de tempo, o qual a dona de casa administra, sabendo de suas responsabilidades, como haver comida na mesa quando o marido e as crianças chegam para o almoço, esfomeados. O rádio dá a trilha sonora para o dia, como uma companhia, fazendo com que a dona de casa não se sinta tão só em sua rotina de afazeres. Os dois botões redondos são os seios, na obrigação materna de prover o leite à criança – uma mãe dá tudo de si para a família, muitas vezes ficando exausta, em um trabalho que não é socialmente reconhecido, tendo direito apenas a uma pensão quando o marido morre. O lar pode ser uma prisão, e a noiva recém casada não faz ideia da vida de trabalho e sacrifício que a espera. O rádio é um amigo, um alento, e, assim como o relógio, dá o tom do dia. A mulher é uma prisioneira de uma vida à sombra de um homem, algo inaceitável para uma feminista, a qual tem pavor da redução da mulher a uma agradável e impecável serviçal. Duas garrafas de refrigerante seguem simbolizando os seios provedores, alimentando a ninhada, muitas vezes deixando a mãe esgotada, pois diz-se que ser mãe é padecer no paraíso. Os móveis desta cozinha são em preto e em tons de marrom, cores discretas que remetem à seriedade que é trazer crianças ao mundo e criá-las, uma tarefa árdua, tanto no sentido financeiro quanto no psicológico. Responsabilidade de adulto. E que segredos a geladeira esconde? O que há no coração desta dona de casa? Será que ela está desiludida em relação ao casamento e à maternidade? Será que ela está feliz em sua vida laborosa? As duas garrafas de bebida são como dois filhos, confortáveis no ninho, filhos que não sabem que deveriam agradecer por terem pais atenciosos, por terem um pai que trabalha para que haja comida na mesa, por terem uma mãe que deixa tudo perfeito dentro de casa. O puxador da geladeira é como a aliança de casamento, que pode ser um paraíso, mas também uma prisão. A esposa esforça-se para fazer a sua parte do trabalho. O grande retângulo branco é a bandeira da paz, trazendo estabilidade a um lar. Harmonia, sossego. Pois o lar é um refúgio, no qual foge-se da correria insana do dia-a-dia. O rádio está ligado, tocando sem parar, indiferente se há alguém para escutá-lo. A dona de casa entra e sai da cozinha nos seus deveres domésticos. Ela tem que colocar as bebidas na geladeira, mas esqueceu-se, pois até a mãe mais atenciosa pode ter atos falhos, não havendo mãe perfeita – as mães são seres humanos. As garrafas fazem companhia uma à outra, como a mulher acreditava que o seu marido estaria sempre ao seu lado. As vicissitudes da rotina diária impõem-se, e a dona de casa passa a perceber que a vida é luta. A cozinha é um local de trabalho, assim como o local de trabalho do artista é o atelier. A lâmpada é a dona de casa “acesa”, ativa em seus deveres, observando o que deve ser feito no lar.

            Acima, Green Coca-Cola Bottles, ou seja, Garrafas Verdes de Coca-Cola, um óleo sobre tela de Andy Warhol de 1962. Garrafas em uma esteira industrial, no boom da Revolução Industrial. Garrafas expostas em gôndolas de supermercados, facilmente disponíveis a toque de caixa. São as conveniências da sociedade de consumo, facilitando ao máximo a disposição de produtos e serviços, nem que para isso seja necessário o parcelamento do preço em forma de suaves prestações. O verde é como o verde de limo de uma piscina abandonada, cheia de sapos e ratos, pois o consumismo abandona o bom senso: é a invenção de necessidades, tirando do indivíduo a noção do essencial, do importante, do que é realmente necessário. As garrafas são como soldados enfileirados, prontos para lutar na Guerra Fria ou em qualquer outra guerra, como na guerra da concorrência, onde o mercado é o pano de fundo para uma sanguinolenta competição mercadológica, pois o capitalismo é uma selva na qual um indivíduo quer devorar as tripas do outro. Vivemos em um mundo competitivo. Podemos ouvir o tilintar do vidro das garrafas chocando-se umas contra as outras, em uma tensão bélica. As garrafas estão vazias, prontas para serem preenchidas pelo precioso líquido cuja fórmula é secreta. O líquido de Coca-Cola é o sangue azul de mercado; é um símbolo de juventude, beleza, vitalidade, diversão e prazer. Negra, a Coca-Cola é o negror da imprevisibilidade do mercado, pois nunca se sabe quem vai ganhar a concorrência – Trump ou Clinton? Os EUA são extremamente competitivos, num país que se esmera para ser, sempre, o mais rico e poderoso do mundo. A Coca-Cola é o sangue azul, cuja cada gota é preciosa, pois vale dinheiro. Cada garrafa do refrigerante é como um mero e comum tijolo na parede, como num sistema opressor, do qual o indivíduo é um mero instrumento, uma bateria alcalina. O indivíduo, inconscientemente, torna-se agente de um sistema, de uma ditadura, e faz do consumo uma religião, tornado-se uma peça cega a serviço desse sistema. Abaixo no quadro, a logomarca mais famosa do planeta, rubra como sangue, como um vampiro sempre ávido por vendas. O mercado nunca pára, e a esteira industrial jamais pode cessar de funcionar – o mercado é uma fome insaciável, pois sempre precisaremos acordar e escovar os dentes. As garrafas verdes são usadas inúmeras vezes, sendo preenchidas pelo refresco e esvaziadas pela sede do consumidor, num ciclo intermitente, rítmico, sensual, entre carência e satisfação. As garrafas são como escamas de peixe, o qual nada com desenvoltura pelos mares de mercado, tendo seu lugar na cadeia alimentar, como um tubarão, um executivo agressivo de Marketing que está o tempo todo focado na obrigação de vender e de estar no topo do mercado. Sem razão existencial, o consumo, por si só, não tem sentido. A pessoa, o indivíduo, precisa encontrar uma razão nobre para viver, se não, cairá na rede niilista do consumo. A sociedade de consumo não tem autonomia psicológica nem plenitude existencial. Já ouvi dizer, enquanto uns choram, outros vendem lenço, e se há algo que o americano faz é arregaçar as mangas e trabalhar. Os EUA têm os seus próprios ícones de consumo. As garrafas são como vidros de perfume, que são fabricados para emocionar e encantar, resultando, é claro, em vendas. É a obsessão do Marketing – ser escolhido pelo consumidor; ser o predileto; virar uma mania. A Coca-Cola está sempre arquitetando estratégias de mercado e de propaganda, sempre desconfiando do que a Pepsi está arquitetando. É um Gre-Nal que nunca termina. As garrafas são agentes dessa guerra, objetos de fetiche materialista, cobiçados e valorizados. Este quadro pertence ao Whitney Museum de Nova York. O irônico é que, falando em produtos na esteira de uma fábrica, o próprio Warhol foi extremamente produtivo, fabricando suas obras em escala semindustrial. É produção falando de produção. Bottle parece-se com Battle, do inglês, batalha, na inevitável batalha industrial, do modo como Warhol* batalhou para conquistar o próprio espaço. *Ironicamente, Warhol lembra war, do inglês, guerra.

            Acima, Coca-Cola Plan, ou seja, Plano da Coca-Cola, técnica mista de Robert Rauschenberg, de 1958. As asas prateadas são a liberdade garantida pela Constituição dos EUA. São como um anjo, cheio de bondade e nobreza. São a santa águia predadora e agressiva, que plaina procurando por um animal que vire almoço. Uma ave no topo da cadeia alimentar, do mesmo modo como um artista busca consagrar-se e ir ao topo da cadeia alimentar do mundo artístico – todo artista quer ser célebre e grande, como num sonho de ambição. As garrafas são as Três Marias do Cinturão de Órion, como as três grandes pirâmides do Egito, no sonho estelar de realização existencial. As garrafas, representantes da produção em escala industrial, estão manchadas de tinta, na bagunça de um atelier de produção artística, num caos onde só o próprio artista se encontra – é o ninho de labor. A esfera abaixo é o globo terrestre, no sonho de um artista de ser reconhecido nos quatro cantos do Mundo. A esfera é como uma bola de basquete, sensualmente deflorando a cesta e marcando um ponto agressivo, viril, no espírito olímpico de um artista que tem metas a cumprir. Acima na obra, retângulos que formam um retângulo-mor, na organização da mente – tudo está compartimentado, organizado, arrumado. A mente sã vive uma vida organizada, evitando o caos do inconsciente. O conjunto parece um armário decorativo, onde cada objeto tem um destino próprio. As garrafas estão vazias, prontas para serem retornadas à fábrica e serem preenchidas pelo precioso líquido negro, o qual será trocado por dinheiro, como um vinho fino, elaborado. As asas dão autonomia à obra, dizendo que só na liberdade a vida pode ter sentido. O vermelho na garrafa de Coca é a menstruação, que causa cólica à mulher, inserindo esta no impiedoso ritmo da fertilidade, algo que os homens não têm como compreender – os homens acham que é fácil ser mulher. E o globo roda como a Lua, regendo as marés e os ciclos menstruais, no pulsar da vida na Terra. As asas são prateadas como a Lua, e aparecem no céu só perdendo para o brilho do Sol, numa medalha de prata, do mesmo modo como que, em uma sociedade machista, a mulher é ternamente considerada quase tão boa quanto o homem. É o segundo sexo no Éden, fadando a mulher ao papel de pomo da discórdia, de autora do caos, enquanto o sexo masculino é tido como o ideal. Disse uma feminista: Uma mulher sem homem é como um peixe sem bicicleta. A cantora Cher disse: Homens são um luxo, como sobremesa. E ninguém morre sem sobremesa. E eu adoro sobremesas. Mas Cher não é uma escrava das sobremesas. As asas são a liberdade feminista, uma bandeira tremulando sobre os céus da América. Mas a sociedade de consumo confunde liberdade com dinheiro, quando que o Espiritismo condena a pregação do dinheiro como este sendo sinônimo de felicidade. As asas são a liberdade de escolha, algo difícil em ditaduras. Liberdade, liberdade, abra as asas sobre nós. Uma mulher precisa ser livre, dissociada do papel de Eva.

            Acima, Coca-Cola, uma colagem sobre papel de Wolf Vostell, de 1961. É como um painel de rua, marcado por inúmeras publicações, condenado às intempéries do tempo meteorológico e cronológico, sobre uma superfície metálica, que brilha fria no registro fotográfico que fotografou a obra. A marca do refrigerante está desgastada, enfeiada pela inevitável erosão da matéria, das coisas – a ruína é inescapável. É a Montanha da Perdição de O Senhor dos Anéis, naquilo que está destinado a perder a validade, como uma fruta ou qualquer outro produto com data de expiração. O ser humano está condenado à perdição, e só o apuro espiritual e moral pode salvar uma alma da ditadura mundana da perda de validade. O painel está totalmente usado, desgastado, violado, ferrado, abandonado. Não é atraente e nem vende algo, perdendo espaço para anúncios mais íntegros e belos. O mundo da Propaganda, fonte de inspiração eterna para a Pop Art, mostra-se em suas vicissitudes e defeitos, e um anúncio tem a missão de seduzir. Aqui, o anúncio não vende, subvertendo a missão publicitária. É um antianúncio, uma medida de antimarketing. As pessoas passam despercebendo o anúncio, só considerando anúncios que tenham pureza visual, que tenham simplicidade de comunicação, pois mensagens complexas são normalmente ignoradas. Interpelar o consumidor exige simplicidade, como num outdoor que, se tiver muitas informações, será ignorado e não será absorvido pela mente do consumidor interpelado. Aqui, a mensagem está confusa, complexa, fraca, ineficiente. Este anúncio não vende Coca-Cola; vende o nada. E ninguém pode comprar o nada. A missão da Arte é ser nada, gravitando acima da vulgaridade mundana. Ao mesmo tempo, a Arte quer ser tudo e quer ser absorvida pelas mentes dos espectadores. Se fosse exposta na rua, como em uma parada de ônibus, esta obra seria ignorada; como está numa galeria de Arte, é alçada ao status de obra artística. É a contradição artística: vender e, ao mesmo tempo, não vender. Não é por acaso que Arte e Propaganda sejam planos diferentes. Propaganda não é Arte; é técnica de venda. Essa é a frustração publicitária – ser um eterno subartista. O publicitário tem que ter alma de vendedor; o artista, alma de instigador. Neste trabalho de Vostell, nada está à venda. A Coca-Cola é quase vendida aqui. A lógica de mercado é aqui esquecida, traçando uma linha divisória muito clara entre Arte e Propaganda. Ao transformar Propaganda em Arte, a Pop Art rejeita a Propaganda e rechaça a lógica dos marqueteiros. A Pop Art quer fracassar na tentativa de apagar a linha divisória entre Propaganda e Arte. Pois não há frustração maior para um artista do que adequar-se às lógicas de mercado, de vendas. Nesses pedaços rasgados de papel de Wolf, podemos ver rostos sorridentes, na preocupação mercadológica em vender felicidade e juventude. São pequenos fragmentos de mentiras as quais o artista quer expor e humilhar. É insuportável a um artista ser superficial, negando assim o mundo de agourentas promessas publicitárias. O artista quer navegar acima do mundano, desmascarando inconsistências. O artista é um pensador, um intelectual, uma exceção em um mundo tão materialista. E desde quando um antimarqueteiro pode ser um marqueteiro?

            Acima, Dylaby, ou seja, Labirinto Dinâmico, uma pintura combinada de Robert Rauschenberg, de 1962. O tecido pardo parece uma calça de caubói, surrada, suja, extremamente usada e, mesmo assim, charmosa, feita de um tecido bem resistente, e podemos ver o caubói montando um furioso cavalo ou touro. A Coca-Cola está presente, em uma garrafa de formato fálico, reivindicando o Mercado para si, esmagando impiedosamente a concorrência. Há uma tábua de madeira como num formato de palito de picolé, na delícia tentadora do refrigerante, irresistível, delicioso. A tábua também é fálica, como um instrumento de tortura, dando palmadas sádicas em algum masoquista. Há tinta branca manchando o tecido, na cor da paz, clamando por um fim na guerra Coke versus Pepsi, uma guerra que jamais cessará. No canto direito superior, um belo círculo amarelo, como um Sol majestoso, no formato de uma medalha de ouro, o metal nobre que premia os campeões. Logo abaixo, um círculo vermelho, como o da bandeira nacional japonesa, na penetração global do falo da Coca-Cola, sendo esta vendida no globo terrestre inteiro, tornando-se símbolo de um país e de uma era – o século XX. Na direita do tecido, furos de abotoar, como furos de uma arma que alvejou o surrado caubói, na dureza da vida que é domar um touro furioso, como um toureiro espanhol, na guerra homem versus bestialidade. O animal furioso é controlado e o elegante toureiro sai vitorioso e consagrado em sua virilidade, sendo bradado pela plateia ensandecida, jogando flores ao final da tourada. Há elementos vermelhos nesta obra de Rauschenberg, sangue derramado no parto que trouxe o caubói ao mundo. O vermelho é uma cor quente, agressiva, provocante, da cor do líquido da vida, líquido cobiçado pelo vampiro, pois jamais esquecer-me-ei de uma linda mulher umbandista em um vestido vermelho. Aqui, o tecido não está impecavelmente passado, e tem rugas e sinais de amasso. A cor parda é a cor da terra da América, solo amado pelo próprio americano. Tudo aqui está desgastado, usadíssimo, como na moda atual dos jeans rasgados, algo impensável há séculos atrás. O jeans rasgados têm o charme da peça de roupa preferida, íntima do dono, uma roupa na qual o dono sente-se completamente confortável. Os jeans rasgados têm a atitude deste tecido surrado de Robert Rauschenberg. Há também manchas escuras, como manchas de gordura, de sujeira, e dá vontade de botar o tecido numa máquina de lavar. Ao lado do “sol” amarelo, um elemento da mesma cor, como uma lesma, que trafega lenta e tranquilamente pelo tecido, como um americano cruzando a extensão territorial da América. A preguiçosa lesma é viscosa e sensual em seus movimentos desprovidos de retilinidade. A Coca-Cola torna-se símbolo da América, e o fetiche das máquinas de refrigerante revela-se poderoso na identidade nacional. A América é mercado; é oportunidades de negócios. O contorno desta obra parece o contorno de um estado da federação, e seus desertos e estradas solitárias trazem o mistério do caubói solitário, como um lobo em busca de presas. O lobo transita pelos EUA, como os lobos de Wall Street. Ao lado da “lesma”, um elemento que parece um delta, como no delta do Rio Mississipi, embalado pelo jazz e pelo blues, na identidade cultural e musical americana. O solo da América tem seu próprio sabor, como no clipe de Don’t Tell Me de Madonna, quando esta encarna o sensual caubói solitário pela estrada e pelas paisagens pardas, tendo em um momento do clipe esfregando em si a terra e declarando seu amor pelos domínios do Tio Sam. É interessante observar como a Pop Art parte em busca de uma identidade americana, mesclando-se à cultura americana em geral. Também ao lado da “lesma”, um triângulo de formas arredondadas, como uma mariposa em torno da luz, num artista em busca de inspiração em elementos aparentemente triviais e comuns, como uma garrafa de Coca-Cola. Os amassados do tecido são como rugas no rosto de uma pessoa experiente, alguém com estrada e história. Os americanos são muito bem sucedidos na busca de uma identidade nacional. O senso prático ianque revela-se irresistível. Uma janela com vista para a América. Uma capa de toureiro. O ser humano é universal.

Referência bibliográfica:
OSTERWOLD, Tilman. Pop Art. Köln: Taschen, 2007

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Artistas Populares da Pop Art (Parte 3)




            Falo sobre vários artistas da Pop Art. As análises semióticas a seguir são minhas e não do livro-base de Osterwold, minha referência bibliográfica.

            Acima, Area Code, ou seja, Código de Área, um óleo sobre tela de James Rosenquist, de 1970, com sete painéis em plástico. JR já foi analisado por este blog, e este conjunto de painéis é similar a um trabalho também analisado do artista neste blog. James ama as cores do arco-íris. Na extrema direita, um grande pincel com muitas cerdas multicoloridas, numa bomba atômica cromática. As superfícies reflexivas aqui multiplicam o registro de cores, ampliando a percepção espacial – parece maior do que realmente é, mas não devemos subestimar o artista nem a mente deste. Na extrema esquerda, mais cores, só que há curiosamente uma asa negra, talvez de urubu ou algo que o valha. O negror ameaça as cores mas acaba sendo vencido pela alegria de viver. O negror é o arauto da guerra, da dor e da privação, e sua ameaça não pode ser subestimada, ainda que vencida (temporariamente). Infelizmente, o ser humano está o tempo todo produzindo conflitos, atritos e guerras, mas James tem fé no ser humano, e a asa negra acaba vencida e controlada, como a noite é vencida pela aurora e como o negror da tempestade é vencido pelo arco-íris. James está ciente dos problemas do mundo, mas é otimista. As linhas de cores aqui são de dois tipos: 1) Linhas tortuosas, como fios de novelo de lã, desfilando pelo quadro de sete metros de comprimento e quase três de altura, fios que trazem liquidiscência, ritmo e sensualidade feminina, confusa, insinuante a desconcertante; 2) Já, há longos retângulos horizontais multicoloridos, como na construção de um prédio de vários andares, e cada andar tem seu charme, seu tom, seu atrativo. Há algo interessante no meio do quadro – existe um clarão, uma lacuna praticamente não-preenchida, dando um respiro, uma folga de tantos elementos cromáticos e geométricos. Parece que as cores estão se empenhando em preencher este vazio, mas este é o charme do centro do quadro – é o nada, é Tao, é o indecifrável, o útil, o humilde, o modesto. É uma explosão de limpeza, de paz, de ponderação, e as cores aqui revelam-se como elementos decorativos, que giram em torno deste vazio, do mesmo modo como um o CD e ou disco de vinil são vazios no meio, e é exatamente este vazio quem dá utilidade ao objeto. Poucas linhas tortuosas conseguem, em exceção, desfilar sobre o vazio cromático. No geral, Rosenquist conta-nos uma história, um momento no qual as cores deram a largada para tentar preencher de cor o centro incolor, insípido e inodoro como água, o líquido da vida na Terra; como a matéria escura, à qual os cientistas dão o crédito de ser uma substância absolutamente translúcida que permeia o universo inteiro. As cores estão em pleno movimento, dando a largada como numa corrida de Fórmula Um. As extremidades espelhadas fazem do espaço infinito. A asa negra está tímida, acanhada, sabendo que a paz triunfará cedo ou tarde. No clarão, há o discreto risco divisor dos painéis, revelando-se uma linha de ponderação, pensamento racional e maturidade, estabelecendo a paz como elemento eterno e dominante, ao contrário das guerras, que começam e acabam. O clarão não começa e, por isso mesmo, não acaba. Os dois lados coloridos estão em rota de colisão um contra o outro, preparando-se para um beijo, uma união, um enlace. Parecem ter pressa, e correm o mais rápido que podem. O clarão é a linha divisória entre antes e depois, como uma bomba atômica ou o Dia D da II Guerra Mundial, num momento crucial, um importante divisor de águas. As cores correm em um momento histórico, e fica a promessa de que um dia o mundo terá paz e, assim, poderá viver e produzir tranquilamente. James acredita no Bem. Resta-nos saber o porquê do título deste trabalho. Pode ser porque as cores parecem estar telefonando umas para as outras, num conjunto vibrante, tendo no clarão central a figura da telefonista, e esta conecta as pessoas, como se JR pude-se prever que um dia surgiria a internet, unificando a Humanidade e simplificando cada vez mais a vida das pessoas.


           Acima, Stillife, ou seja, Natureza Morta, uma fotografia colorida sobre madeira de Richard Hamilton, de 1965. Confesso que não sei exatamente o que é o eletrodoméstico neste quadro. Será um forno elétrico? O aparelho é acompanhado por duas taças, provavelmente de espumante, num momento de festa, de confraternização, de reunião de família e amigos. A transparência das taças é clareza da Pop Art em se debruçar sobre a cultura de massa. Esta fotografia parece parte de um anúncio publicitário, pois a sociedade de consumo está sempre querendo encantar e seduzir o consumidor, e esta sedução acaba, ironicamente, seduzindo o artista. Ao fundo, vemos uma paisagem de árvores frondosas, num fresco dia de primavera, com as folhas farfalhando sensualmente ao sabor da brisa amena. As taças são belas, puras, finas, sofisticadas. Podemos ouvir o sutil ruído de taças sendo brindadas em uma ocasião especial. Podemos sentir o perfume usado pelos anfitriões, enchendo o ambiente de cor e prazer, no prazer de uma taça de um bom espumante. Uma limpa toalha branca parece estar sobre a mesa, como no branco de véspera de Ano Novo, num momento de euforia e de agouro positivo. Na parte inferior do aparelho, vemos uma tecla que vai para cima ou para baixo, na liberdade que a pessoa tem de escolher entre o Bem e o Mal; céu ou inferno. A tecla é um divisor de águas, e o indivíduo depara-se com momentos em sua vida em que precisa tomar atitudes e fazer decisões, num momento que pode ser protelado mas não totalmente evitado, pois, já ouvi numa canção, a vida cobra sério e realmente não dá para fugir. A tecla é como um elevador que transita por um esguio arranhacéu, com pessoas indo e vindo no ritmo de um produtivo dia. É como um ioiô ou um coito sexual, numa brincadeira prazerosa. É como um pulmão que inspira e expira, no pulsar da vida, na vibração da Arte, sendo esta sempre em nome da Civilização, no poder terapêutico das catarses. A tecla está à espera de alguém que a use, na prerrogativa do indivíduo inserido na vida em sociedade. Opções. Acima da tecla, um cronômetro que dá a opção de tempo em que ao alimento será cozido no forno, dando a ilusão de que o tempo pode ser controlado, quando, na verdade, não pode, pois faz parte do pulsar do universo e está além do alcance humano. É um relógio manipulável, moldando-se à vontade do consumidor, curvando-se perante ordens, um vassalo que fica ao sabor do vento, sem poder de incisão ou de escolha. É uma vítima do consumo, num sadomasoquismo, acorrentado em um calabouço e eternamente submetido a ordens superiores. Os eletrodomésticos são escravos, substituindo a mão-de-obra escrava, a qual vigorou por muito tempo nos EUA. Curiosamente, o palavra brown, ou seja, marrom, nomeia o aparelho, em inocente (porém clara) alusão à Escravatura. E a tecla que leva para cima ou para baixo é a estratificação social – brancos acima de negros. Certamente ainda existe muito preconceito racial no mundo, pois são sequelas escravocratas, e não é diferente no Brasil. Esse contraste de cor aparece muito bem neste trabalho de Hamilton, pois há coloração binária – claro e escuro, é claro. São os contrastes da América, numa sociedade na qual a miscigenação é rara, e não tão difundida como o é no Brasil. Na América, branco casa com branco e negro casa com negro, geralmente. O aparelho está sensualmente acorrentado em uma masmorra, disponível sempre, e o consumidor, nesse sentido, “fica com a faca e o queijo nas mãos”. A sociedade de consumo está sempre buscando facilitar a vida do consumidor, inventando conveniências e abreviaturas, como na revolução que foram as máquinas de lavar roupa. O avanço tecnológico traz progresso mas não faz o mundo ser perfeito. A seriedade da vida está além do alcance do mercado de consumo, mercado que só faz promessas, como políticos em campanha eleitoral. A ilusão do consumo não pode dizer quem você é.


            Acima, Win a New House for Christmas (Contest), ou seja, Ganhem Uma Casa Nova no Natal (Concurso), um óleo sobre tela de James Rosenquist de 1964. Uma parte de um anúncio imobiliário. Os elementos em vermelho quebram o registro em preto e branco. A casa é o poder atrativo e gravitacional do lar, da proveniência, da origem uterina. As janelas são negras, cegas, e não nos deixam ver por dentro; não dos deixam ver a alma do lugar. A vegetação tem pinceladas incertas, difusas, borradas. O poder do anúncio debruça-se sobre o lar, oprimindo-o, subjugando-o pelo poder do dinheiro, pois os EUA são um país perfeitamente capitalista, poderoso, rico. O grande valor monetário em vermelho suga todas as atenções para si, dizendo o que realmente importa – o preço. A casa sequer é mostrada em sua totalidade, sendo cortada pelo meio por Rosenquist. O que menos interessa é o bem em si, mas a transação, a troca. A chaminé tem formas retangulares, tensas, com tijolos cuidadosamente unidos por cimento. Dá vontade de acender a lareira em um frio dia de inverno e receber amigos para degustar um vinho à beira do fogo. O preço vende mais do que conforto, vende a ilusão da posse, da propriedade, algo que a pessoa perde quando morre – para quem irá a casa no momento da morte do proprietário? O vermelho sanguíneo é o sangue que passa de pai para filho, numa herança. O retângulo que abriga os registros textuais oprime tudo e todos no quadro, e o mundo publicitário revela-se em toda a sua avidez: vender, vender e vender. Nada mais americano, correto? Na América, tudo é dinheiro. A casa não tem curvas sensuais, mas é um projeto predominantemente de linhas retas, objetivas, no objetivo mercadológico. O que as janelas negras escondem por trás? Seria o negror a invisibilidade do destino, dos acontecimentos imprevistos, da vida indecifrável? As janelas são negras como a noite, só que sem estrelas ou Lua. Não podemos ver o interior da casa; não podemos saber o que ela nos reserva. O que acontecerá quando comprarmos a casa? Será que este bem suprirá as necessidades existenciais do ser humano? E por que um concurso natalino? Na data em que celebramos o nascimento de um homem importantíssimo, fazemos tudo com uma ganância que Ele jamais faria. A América é cristã e, ao mesmo tempo, pagã. Não entrou Jesus furioso em um mercado e condenou a ganância e a malícia ávida dos vendedores barganhadores? Rosenquist traz-nos um país dinheirista, minando o mercado publicitário com mensagens que podem ser falsas. Felicidade pode ser vendida e comprada? Receio que não. A casa, o imóvel, dá a sensação de permanência, de chão, de referência. A casa é como um escravo negro à venda, em toda a estupidez do ser humano preconceituoso. Diz Tao: se o que você tem você não acha que é o suficiente, então você nunca vai ter o suficiente.

            Acima, Pepsi-Cola Sign, ou seja, Símbolo da Pepsi-Cola, uma musselina embebida em gesso de Claes Oldenburg de 1961. A marca do refrigerante está bem desfigurada, quase irreconhecível. A tinta afoita escorrendo dá a sensação de que a obra foi recém feita, secando ao vento. Parece que uma bomba atômica caiu sobre o símbolo do tradicional refrigerante de renome mundial, pois o mercado capitalista está praticamente em todo os cantos do planeta, na sangrenta competição bélica da colas: Pepsi versus Coca-Cola. Parece que o símbolo foi colocado dentro e um forno e foi derretido ao ponto de mal sabermos que se trata de Pepsi. Por que essa subversão de tornar irreconhecível uma marca tão conhecida? A guerra das colas não tem fim, na paixão do ser humano por filmes de banguebangue. A vida está repleta de competição, e agressividade é necessária. A competitividade está em todos os lados, como na Política, por exemplo. A América é agressiva em suas ações de mercado, o qual está sempre em sinal de alerta: o que será que a concorrência está tramando? Tensão. Parece que a Coca-Cola sabotou a Pepsi, e deixou esta tão violada, estuprada, malfadada. No mercado, as logomarcas são muito importantes, pois são os escudos de percepção que carregam nomes, embalagens, marcas inconfundíveis. O desenho de marca e de embalagem é extremamente competitivo, pois compete pela atenção do consumidor. Aqui, a Pepsi está absolutamente invendável, não remetendo o consumidor ao refrigerante. Esta obra de Oldenburg não quer vender, não quer fazer anúncio, mas confundir o espectador. O artista aqui absolutamente não quer fazer transação, na ironia de que esta obra tem, por si só, um valor no mercado de Arte. É venda falando de venda, numa metalinguagem. Esta obra parece um doce, um sorvete colorido derretendo no calor do verão, tornando-se irresistível, deliciosa. É como algo envelhecido, com suas rugas, como um bom vinho. O texto confuso não quer informar, mas desnortear. É uma obra que traz mais perguntas do que respostas. E por que Pepsi? O que levou o artista a essa marca em especial? Refrigerantes são a marca registrada da América, vendendo a idéia de juventude e frescor. A obra parece uma tampinha amassada, desprezada, puro lixo, do modo como a sociedade de consumo produz muito lixo. Esta obra parece ter sido esquecida, abandonada à própria sorte, rolando por aí no meio de um monte de lixo. O consumo é assim, vampiresco. E, depois de uma garrafa de refrigerante ter sido consumida, o vidro vira resíduo, e uma nova garrafa terá de ser aberta. Oldenburg tem um certo desprezo pelo consumismo, e alerta sobre a mazelas deste. É como uma ameixa ressecada, doce, tentadora, no maravilhoso pecado da gula. É como uma folha de papel amassada e desprezada, no dia a dia de um escritório, na demanda humana por coisas e insumos. Aqui, o artista não quer desamassar, mas deixar como está, sem pena do símbolo do refrigerante. O artista que comunicar o incomunicável. Parece que foi a Coca-Cola quem detonou e estragou este símbolo da Pepsi, numa sanguinolenta competição.


            Acima, Close Cover Before Striking (Pepsi-Cola), ou seja, Fechar Antes de Riscar o Fósforo (Pepsi-Cola), um acrílico sobre tela do célebre Andy Warhol, de 1962. Aqui, a tampinha de Pepsi está extremamente clara, visível, comunicando com muita nitidez o que está sendo anunciado e vendido. Há os dizeres Diga Pepsi, por favor, orientando o consumidor a pedir o refrigerante em um bar ou restaurante. Até hoje as colas estão em guerra, como diz o anúncio Pode ser bom, pode ser muito bom, pode ser Pepsi. Não existe paz no marketing, e os investimentos mercadológicos são vastos para qualquer produto ou serviço que queira se destacar no mercado, nas gôndolas de supermercados. Na obra de Warhol, uma extensa tarja preta como em um striptease, provocando a mente do consumidor, tentando despertar neste o desejo que o mesmo tem em sua própria mente. A tarja preta é a vergonha frente ao cinismo da sociedade de consumo, como em um luto, no qual a moralidade é sacrificada e esquecida, pois a grande ambição de um publicitário é ser um campeão de vendas, não importando os meios para se buscar tal êxito. A tampinha de Pepsi tem bordas pontiagudas, agressivas, abordando o consumidor de forma explícita, na agressividade de Wall Street, fazendo do dinheiro uma religião, formando o objetivo de liquidar a concorrência, como em uma disputa política entre candidatos rivais. A cor amarela em torno da tampinha é o ouro dos tesouros, a disputada carteira do consumidor. A mesma cor pode ser também um majestoso Sol de verão, quente, provocando o consumidor a se refrescar com uma sedutora Pepsi bem gelada. Aqui, o símbolo está imaculado, terrível perante a Coca-Cola. A tampinha tema s cores da bandeira da América, querendo comunicar que se trata de um produto patriota, digno dos americanos. Warhol foi um patriota, e a publicidade na América foi uma grande inspiração para este artista. A tampinha metálica é a personalidade bélica da concorrência mercadológica, numa guerra simplesmente sem um final previsto, mas com a finalidade de ouvir inúmeros barulhos de garrafas de Pepsi sendo abertas. O R de Marca Registrada é um aviso: não tente ludibriar o setor jurídico de um grande fabricante. O R é como em Rei, na ambição da Pepsi em controlar o mercado e dizimar a Coca-Cola, algo que provavelmente não acontecerá, pois a agressividade da Guerra das Colas durará. A tampinha é como um implacável tanque de guerra, passando por cima de tudo e todos com frieza, tudo para ganhar a guerra. E o mundo publicitário sabe disso. Como disse-me certa vez um psiquiatra muito pertinente, tens que ter agressividade, pois vives num mundo competitivo. Essa é a eterna inclinação humana contra a paz. Uma nação poderosa até pode querer a paz, mas irá à guerra se a mesma nação for provocada. Portanto, a competição é natural ao ser humano, desde os espermatozóides competindo pelo óvulo, como na escola, onde alunos competem para ver quem tira a nota maior; como no exame vestibular. Mas, como diz Tao, se você é único, ninguém poderá competir com você. A Guerra das Colas gira em torno da exclusividade e, nesta obra de Warhol, não há similares para Pepsi, quando que, na verdade, há sim uma similaridade. A Propaganda mente. Então o fabricante busca para conquistar diferenciais que vendam, como no preço, por exemplo, ou na propaganda em si, ou na embalagem. Dessa forma, os investimentos em Marketing são grandes, e até os artistas da Pop Art competiam uns com os outros, e Warhol provou ser único. Concorre-se para que não haja concorrência, numa divertida ironia.

Referência bibliográfica:
OSTERWOLD, Tilman. Pop Art. Köln: Taschen, 2007

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Artistas Populares da Pop Art (Parte 2)




            Falo sobre vários artistas da Pop Art. As análises semióticas a seguir são minhas e não do livro-base de Osterwold, minha referência bibliográfica.

            Acima, Elvis Presley n. 1, têmpera e tinta sobre papel de jornal, de Ray Johnson, 1955. Assim como Marilyn Monroe, Elvis é um dos maiores astros pop de todos os tempos, e é inevitável que The Pelvis exerça fascínio sobre artistas da Art Pop. Elvis marcou a aurora do Rock and Roll, num gênero que tem como fonte o Jazz, o Country e o Blues – os EUA são um caldeirão cultural, com muito a dever à cultura negra. O título da obra sugere essa posição de campeão de popularidade e vendas de LPs e, já ouvi dizer, Elvis foi à frente do seu próprio tempo, e só hoje o mundo o entende plenamente – ele queria revolucionar, brilhar, transgredir, fabricar uma identidade cultural americana. Podre de charmoso, enlouquecia as mulheres, as quais berravam histéricas tentando chamar a sua atenção. Neste trabalho de Ray Johnson, o contraste entre a foto em preto e branco com o vermelho vibrante, como era a energia do astro no palco, tendo no sangue a americanidade orgulhosa, muito sexy, com o cabelo de Elvis sendo imitado por rapazes em todo o mundo. Seu olho parece ter sido arrancado como o foram os olhos de Édipo na tragédia grega, proibindo-o de ver a própria mãe sedutora. Os quadrados rubros são os formatos de embalagens quadradas de LPs, numa monstruosidade mercadológica, significando muito dinheiro sendo gasto pelos fãs do astro. Aqui, Elvis parece estar cansado, quiçá dormente, como Marte curva-se perante Vênus (ou Jocasta) e adormece, submetendo a masculinidade aos cuidados da feminilidade. Elvis era uma bomba atômica de carisma, e suas delicadas feições faciais vendiam-no enlouquecidamente, na fabricação de um ídolo, um símbolo, uma lenda sem precedentes. Parece aqui que o vermelho luta para colorir e alegar a imagem monocromática, a qual é enfadonha e sisuda. Talvez o estrelato tenha suas vicissitudes, e aqui o astro parece estar cansado e querendo um pouco de paz e privacidade, algo difícil para as celebridades, as quais levam uma vida de prisioneiros, pois não podem fazer tudo o que uma pessoa comum faz, como frequentar certos lugares ou fazer coisas simples, como um piquenique no Central Park em um bela manhã de verão. Uma certa pop star já disse que, antes de ficar famosa, a pessoa não tem uma idéia completa de como será sua vida de notoriedade e fama. E a cor vermelha é o calor de Elvis, cujo suor no palco só o fazia mais charmoso, e seu cabelo desmanchava-se sensualmente enquanto cantava a fãs eloquentes. O vermelho é o sangue de Elvis, numa linhagem que é cultuada até hoje nos EUA, tendo na filha Lisa Marie Presley uma celebridade. Elvis está certamente no mesmo nível de um Michael Jackson, num apelo mágico, sedutor, irrefratável, mesmo para quem não faz parte de fãclubes. Elvis foi citado no excelente filme Celebridades de Woody Allen, e na película o Rei do Rock – como é chamado – é comparado aos Beatles e a Jesus Cristo, ícones de superfama. Neste trabalho de Johnson, Elvis está sutilmente curvando-se, aceitando a vida de astro, tendo consciência de que tudo tem seu ônus. Elvis parece estar concordando com um mundo que o assedia, como um Narciso embevecido com o próprio reflexo, prestes a se afogar na água narcisista. O narcisismo das celebridades é observável, e o ego sedutor acaba falando mais alto – ser o máximo, transando consigo mesmo. Não citarei nomes, mas há vários exemplos de celebridades narcisistas, em qualquer área, seja na Arte, seja na Política, seja no Esporte. O peso da coroa assoberba Elvis, como um Cristo crucificado, ardendo dolorosamente em um momento de sacrifício enorme – sacrifica-se a vida íntima em nome da vida pública, como um Getúlio Vargas, o qual matou-se por não conseguir imaginar uma vida sem o poder mundano. Convenhamos – Vargas era narcisista, pois uma pessoa feliz não se suicida. Será que Elvis está feliz neste quadro? Ele não sorri, e a vida de celebridade revela-se em toda a sua problemática. Só vemos um lado da face do Rei, lado o qual é a vida pública. Elvis esconde a outra face, querendo reserva, como uma Lady Diana, que amava brilhar midiaticamente mas que também odiava o assédio desrespeitoso, na contradição estelar: amo-me e odeio-me. Fazendo certa vez propaganda do Exército dos EUA, Elvis aparecia cantando em um vagão de trem militar, como se o serviço bélico fosse só festa e prazer. Considerado sexy demais, chegou a ser filmado só da cintura para cima, para evitar que os americanos puritanos vissem sua cintura tremular, num apelo de conotação sexual. Como eu já disse, a América ama as suas próprias contradições.

            Acima, Single Elvis, ou seja, Único Elvis ou Elvis Solteiro, serigrafia sobre acrílico sobre tela de 1964, de Andy Warhol, outro astro único. Aqui há um Elvis ator, participando de alguma película hollywoodiana. Ele está numa posição agressiva, tensa, em guarda, prestes a disparar contra o inimigo. Além do mais, ele ainda tem uma adaga presa na cintura, do modo como seu rebolado agredia certos conservadorismos – é o poder revolucionário da Arte. Altamente fotogênico, Elvis tinha ares de supermodelo. Suas pálpebras emolduravam olhos mulherengos, conquistadores. Esta serigrafia de Warhol, o qual foi metalinguisticamente o Elvis da Pop Art, é enorme, com mais de dois metros de altura, agigantando um astro que foi um colosso por si só. O registro em preto e branco é cru, masculino como um caubói de faroeste, um Clint Eastwood. Elvis brilhava de muitos modos: Música, Dança, Cinema, entendendo que um astro tem quer ser multimídia e explorar todas as suas potencialidades de expressão. Aqui, temos um Elvis vertical, esguio como uma garrafa de leite ou um tubo de algum produto, pronto para ser histericamente vendido, engordando os lucros de mercado de empresas que querem causar comoção financeira, como um filme cuja bilheteria arrecada mais do que o dobro do próprio orçamento. Sim, Elvis também significava dinheiro. Sua camisa semiaberta revela um charme digno de vender fragrâncias masculinas, conquistadoras como o astro – os homens querem um pouquinho deste mel, pois, já ouvi dizer, quando alguém torna-se um sucesso, todo mundo quer um pouco desse sucesso para si, e daí surgem inspirações e até imitações. Elvis segue sendo uma escola pop para quem quer ter carreira na área. Aqui, fica clara a necessidade de agressividade de mercado – há muitos astros maravilhosos competindo pela atenção das massas, como celebridades lançando fragrâncias sedutoras, uma mais maravilhosa do que a outra. E, nessa selva mercadológica, quem não tem competência não se estabelece. E Elvis tinha clara intenção de se destacar e de fazer coisas que pessoa alguma tinha feito até então – até hoje, Elvis é amplamente imitado por outros artistas. Nesta obra warholista, as pernas de Elvis estão separadas no formato da Torre Eiffel, o ponto turístico mais famoso do mundo, o qual gera sonhos em quem quer conhecê-lo. Elvis é o maior astro do século XX, e gera lendas, como a de que não morreu quando acham que ele morreu, e que o astro vive misteriosamente por aí, vagando enigmático, pois o brilho de uma estrela é indecifrável, não havendo explicações racionais para tamanho estouro de celebridade. Um dos seguidores de Elvis é Ricky Martin, o qual também seduziu meninas e tietes incontroláveis. A cultura pop fabrica ídolos que, apesar de aparentemente densos, são superficiais, na simples intenção de um fabricante de qualquer produto - vender. Nada mais natural do que Elvis ter sido americano, na nação mais capitalista do mundo. Elvis era tragado e consumido como um biscoito, e seu perfume de baunilha tinha apelo incontestável. Hoje, o mundo pop tem muito a dever a Elvis, um precursor, um visionário, um homem que significou o novo, o intangível, o grandioso, que tomou o mundo de assalto. Ninguém jamais previra que Elvis viria ao mundo. Presley conectou mentes em torno da Arte, a missão de qualquer artista – unir. Aqui, Elvis está como um James Bond, esbanjando charme e agressividade, atento ao que há em volta. E há uma grande ironia em torno de Warhol, pois, ao mesmo passo de que este artista trouxe-nos elementos da cultura pop, o próprio Andy tornou-se um popstar, numa metalinguagem – pop falando de pop.

            Acima, Love Rising, ou seja, O Amor Levanta-se, um acrílico sobre tela com quatro painéis, de Robert Indiana, de 1968. “O pop é amor, porque aceita tudo”, disse o próprio artista. A palavra está espelhada nas quatro direções da bússola. As letras são expressivas. Parece uma mandala, um relógio de ponteiro. As letras são transformadas em imagem, como se fosse uma folha dobrada em quatro partes. Ao fundo, a escuridão do universo, e a mensagem de que amor sobrepõe-se à escuridão e traz sentido e luz ao conjunto. Se a palavra Love fosse escrita em outras línguas, como japonês, perceber-se-ia apenas o registro de desenho, de figura, não o registro literário. É como um pequeno poema dizendo que o amor está nos quatro cantos do mundo, do Ocidente ao Oriente, do Pólo Norte ao Pólo Sul. É como uma galáxia, cujo centro esconde um segredo, a vagina genitora. É um alvo, esperando para ser alvejado, ferido, estuprado, deflorado com prazer e tesão. Se observássemos apenas as letras “o”, não perceberíamos que são letras; veríamos apenas um desenho simétrico. Aqui, a simetria é muito explícita, levada radicalmente, e não há um só indício que poderia abalar a harmonia simétrica, matemática e fria. A palavra-tema deste quadro é clonada horizontal e verticalmente, como uma explosão atômica, espalhando destruição em todos os sentidos. Esta é a metáfora deste quadro: desdobrar um assunto, um tema nas mais variadas formas, obtendo uma análise global e total. É como uma suástica, só que não fascista, mas amorosa, no clima de paz e amor da década de 1960 e da década posterior. É como um caleidoscópio mágico, colorido, etéreo, mostrando os segredos indecifráveis da vida espiritual pós-morte do corpo físico. É como um labirinto enigmático, e chegar a seu centro, ao seu âmago, é vital para entendermos o universo, a humanidade, a existência. Todo o quadro pulsa como uma estrela no céu noturno, gerando mais e mais brilho incessantemente, coruscando em seus segredos estelares. É uma fonte eterna de inspiração, fonte tão profunda que o ser humano mal pode entender, como a vastidão do universo em suas inúmeras galáxias e estrelas, com mais e mais vida inesgotável, um universo tão vasto e incerto que a Humanidade sequer nasceu para compreendê-lo. O amor é a única referência universal, pois espaço e tempo são tão, tão relativos – não há norte ou sul no universo, e as medidas de tempo da Terra são insignificantes frente ao que rodeia o ser humano. O relógio que marca o tempo é uma ilusão, que dá sensação (falsa) de organização aos humanos. O quadro é em preto e branco, cru, prateado como a Era de Ouro de Hollywood. E as pessoas vão às salas de cinema para apreciar estrelas amadas por esse público. Qual o segredo do carisma? O que faz uma pessoa ter carisma, popularidade? Talvez seja o amor, pois só quem ama o mundo é por este correspondido. O quadro é como uma bica de formiga, eternamente esfomeada, sempre ávida por mais e mais alimento, como o faminto monstro Laracna de O Senhor dos Anéis. A ambição pelo sucesso (em Hollywood) é inesgotável, como a cascata de informações no Facebook – nunca é o suficiente. E, quem ama a vida, ama trabalhar incessantemente, nunca parando de ter uma vida produtiva, pois o Espiritismo diz que, ao morrer, a pessoa renasce e segue trabalhando e estudando. E existe algo mais eterno e universal do que o amor? O amor é uma supernova explodindo de prazer, de plenitude, de bem estar. Este quadro é como uma cerca metálica com desenhos ornamentais, protegendo e, ainda assim, embelezando, pois há contraste e, ao mesmo tempo, harmonia, no enigma existencial: quem sou, de onde venho e para onde vou? A amor não tem prazo de validade, e não pode ser comprado nem vendido. O amor é um segredo que nunca é desvendado, pois Deus é o infinito.

            Acima, Love Wall, ou seja, Muro do Amor, colagem, pintura e construção de Peter Blake, de 1961. O coração é bem claro e expressivo, batendo no peito, gerando vida, pulso, fluidez. O grande retângulo em branco é um respiro minimalista em meio a tantos elementos gráficos neste quadro. É como uma bandeira que pede paz mundial, no clamor hippie por harmonia antiguerra. Um longo retângulo traz forte contraste cromático e chama a atenção como um importante sinal de trânsito, regendo a sociedade e impondo ordem, como na frase positivista na bandeira nacional brasileira Ordem e Progresso. Há a foto de uma mulher que parece ser Marilyn Monroe. Aliás há muitas, muitas imagens neste quadro de Blake. Ao redor do coração vermelho, cores pulsantes, na paixão da Pop Art pela cor, e, acima do coração, números que impõem a racionalidade fria matemática. A impressão que se tem é a de que Blake não fez o quadro sozinho, mas obteve a ajuda de várias pessoas, as quais cada uma colocou uma foto que quis colocar, sendo um mural coletivo, no qual cada um contribuiu, como numa arrecadação de imposto de renda ou numa arrecadação que um filme faz nas bilheterias. Abaixo, uma tábua de madeira, do modo como a Pop Art foi um só tronco com várias ramificação e artistas, e cada um destes deu seu tom ao movimento, sua contribuição. O conjunto é como se fosse a reunião dos momentos da vida de uma pessoa, um filme, uma clipagem de vários momentos importantes na vida de alguém pois, como diz o Espiritismo, a pessoa, ao morrer, assiste ao filme de sua própria vida, e daí vem a mágica metafórica da Sétima Arte. Nestas imagens de Blake, vemos muito: um bebê no berço vigiado pela mãe, um par romântico de Cinema, fotos antigas de namorados, cartões e Dia dos Namorados, um casal cavalgando. Tudo aqui remete ao amor, de várias formas. No canto esquerdo superior, um número 2, no sentido de que, numa história de amor, um é pouco, dois é bom e três é demais. O conjunto é meio mondriânico – adoro observar influências de Mondrian – com retângulos e quadrados, como prateleiras cheias de memórias e impressões, momentos marcantes na mente da pessoa. Aqui temos uma total assimetria, com linhas e ângulos predominantemente retos. Aqui é tudo muito doce e lúdico, porém complexo e um tanto carregado (propositalmente). O quadro todo tem vida própria, e pulsa como o coração rubro, acima do qual há escrita de forma discreta a palavra Love. É tudo muito romântico e carinhoso, na preservação de memórias e momentos importantes, doces, marcantes. É um desfile de memórias que pulsam e saem do quadro, como um trem em movimento, na passagem da vida nos trilhos da existência, existência na qual o amor é a grande lição. O grande retângulo branco é a consciência limpa e leve que o amor traz, pois a leveza da vida tem que ser aprendida. O que é amar? É ter elevação moral, e quem é honesto tem a mente limpa, com as mãos decentemente lavadas. Amor é o essencial, o válido.

            Acima, Rainbow, ou seja, Arco-Íris, um óleo sobre tela com vidro de 1961, por James Rosenquist. O incisivo garfo perfura e viola, perfumando. A tinta colorida escorrida é um sangue multicolorido, tal a paixão de Rosenquist pelas cores. As janelas abertas para o mundo arejam a casa e deixam o ar puro entrar, como o ar nos pulmões de um artista inspirado e engajado em produzir o novo. As linhas negras retilíneas são como raias numa piscina olímpica, com campeões concorrendo pelo pódio, assim como, no frigir dos ovos, os artistas da Pop Art (e de qualquer outro movimento artístico) competiram uns com os outros. As tintas escorrendo querem trazer mais alegria às sérias linhas em preto e branco abaixo da janela verde, a qual tem essa cor para mostrar a selva de inspiração da Pop Art, uma floresta cheia de mentes exóticas e inovadoras, libertando a arte da caretice e da pretensão deselegante. A janela abre-se para o cosmos, e deixa a sensual fluidez do universo entrar em toda sua sedução agradável. É como se fosse uma chuva escorrendo a partir de um arco-íris, espalhando seus vestígios festivos como num grande baile de carnaval. O quadro parece ser uma típica casa de classe média americana, e as cores querem trazer diversidade e vibração à seriedade incolor protestante da América. As janelas são como azeitonas verdes que, espremidas, geram o mais puro azeite extravirgem, o qual escorre em cores como em um jardim sortido. O arco-íris traz a bonança após o pesadelo da tempestade, prometendo dias melhores em meio aos segredos da Guerra Fria. As cores escorrendo, principalmente o amarelo, querem trazer o calor de um raio de Sol, o qual acalenta e acolhe, do mesmo modo como um artista quer ver pessoas em suas vernissages e quer ver seus próprios trabalhos sendo vendidos e reconhecidos; valorizados. As linhas retilíneas no quadro são como linhas em um caderno, prontas para ser preenchidas com palavras ou, como neste caso, por cores. James tem o sexy prazer de preencher espaços, num delicioso desbravamento artístico. Pois a vida é uma folha em branco, e a pessoa decide o que fazer com esta folha vaga. E o garfo finca fundo na mente do artista para este dar o mais original de si, contribuindo para a evolução da Humanidade por meio da Arte, pois esta tem muito poder sobre as mentes humanas. Nesta obra de JR, as tintas caem de forma vertical em contraste com as linhas negras horizontais, formando um xadrez, fazendo com que as linhas passem umas pelas outras, gerando familiarização entre vizinhos, pois uma vizinhança pacífica é o sonho dos sábios. “O que você quer?” é perguntado a Neo de Matrix, e Neo diz: “Paz”. Este quadro tem uma predominância do branco, e é como um lar protetor, agradável. O garfo diz que, na vida, é preciso ter um pouco de agressividade, pois um garfo sem extremidades pontiagudas não tem utilidade. As cores escorrendo parecem finos caules de árvores em uma floresta multicolorida, com biodiversidade. As linhas coloridas não são totalmente retas, mas um tanto curvilíneas, como ramificações de galhos ou o curso de rios sinuosos. É como veias e artérias que conduzem um sangue divertido, alegre, numa dinastia colorida, humana, calorosa. O garfo remete ao prazer da gula e de uma refeição após horas de jejum. O quadro é uma casa acolhedora, na qual há o prazer em viver, comer, dormir, urinar e defecar. A vida é repleta de prazeres simples, e Rosenquist aceita a humanidade do ser humano, aceitando este plenamente, pois quem se aceita é feliz.

Referência bibliográfica:
OSTERWOLD, Tilman. Pop Art. Köln: Taschen, 2007