quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Viva a beleza e a paz desta colônia!



            Caxiense que se preza é apaixonado pela Festa da Uva de Caxias do Sul. A festividade é uma verdadeira manifestação de cultura popular: vem do povo e com o povo fica. Minha tese de graduação foi sobre a festa. As mulheres que são eleitas rainhas e princesas passam o resto de suas vidas sendo lembradas por isso, e são cumprimentadas nas ruas e volta e meia dão entrevistas, como verdadeiras estrelas. São mulheres que não saem na rua se não estiverem muito bem arrumadas, pois sabem que sempre serão símbolos de uma festa comunitária. Uma ex soberana aparece várias vezes na crônica social, e quando algumas desse mulherio se reúnem, é um acontecimento badalado. Beleza é coadjuvante: uma soberana tem que ter, acima de tudo, classe, distinção e polidez, pois a virtude vem de dentro. Certa vez, quando conversei com Elizabeth Menetrier, a gloriosa rainha da Festa de 1969, época auge da moda da minissaia, Bete, como é conhecida, disse-me que a menina que é eleita rainha começa o reinado sendo (pós) adolescente e termina o reinado sendo mulher adulta, pois é uma experiência de vida que faz com que a pessoa amadureça muito, de forma inevitável. O “tao”, o aspecto psicológico da rainha, revela-se no amor que essa menina tem pela comunidade e pelo mundo. A bela coroa tem que estar sobre uma cabeça que tem o desejo de fazer o bem. E a rainha Bete, diga-se de passagem, é a soberana mais popular da história da festa caxiense, pois esta soberana soube representar todo um povo e uma tradição, entendendo a grandiosidade da celebração. Brava, Bete!
            Meu bisavô Joaquim Pedro Lisboa é o Pai da Festa da Uva, um homem visionário que foi muito respeitado em vida, tendo uma personalidade articulada, com iniciativa e espírito comunitário – ele fazia as coisas pelo prazer de contribuir, não buscando glórias pessoais, pois era um homem sem avidez pelo poder, e hoje há um busto em sua homenagem no Parque da Festa da Uva, além de uma homenagem em escrito na réplica da Estátua da Liberdade na praça Dante Alighieri, a central de Caxias. O vô Lisboa, como é chamado na família, reuniu um time de cavalheiros caxienses para articular uma discreta mostra das uvas produzidas em uma Caxias então muito agrária - isso no ano de 1931. A mostra foi prestigiada pelo povo e autoridades. No ano seguinte, em 1932, surge a idéia de se fazer um desfile alegórico, batizado na época de “Cortejo da Uva”. Os carros alegóricos eram enfeitados com uvas de verdade e eram puxados por juntas de bois, em uma Caxias ainda não pavimentada – foi a época heróica da Festa da Uva. No referido desfile, uma menina bonita desfilou dentro de um cesto, o que inspirou a comunidade a eleger, na edição seguinte, em 1933, uma rainha para ser uma embaixatriz da festa e da cidade. Infelizmente a identidade da precursora menina do desfile de 32 foi perdida. Mas sempre lembraremos dela! E fica também na História a presença de Getúlio Vargas na edição de 1954, meses antes do ditador se suicidar – esta grandiosa edição foi retratada em um ótimo filme à disposição no Youtube.
            A Festa da Uva de Caxias do Sul foi pioneira, sendo a musa inspiradora de todas as outras festas comunitárias que brotaram no Rio Grande do Sul e no Brasil. Como disse-me Zila Turra Pierucini, rainha da festa caxiense de 1958, na época era só esta festa que existia; não havia a diversidade de celebrações que existe hoje em dia, no século XXI. Hoje há festa de “tudo”: peixe, ameixa, maçã, kiwi, pinhão, chocolate, laranja, morango, doces, caqui, lã e vários outros produtos. A tradição caxiense de ter soberanas coroadas com vestidos de vindima serve de inspiração a todas essas “festas filhas”. Existe até o blog “Festas do Interior” do jornal Zero Hora, que trata das festividades pelo estado do Rio Grande do Sul.
Há meses atrás dei-me ao trabalho de fazer uma pesquisa sobre festas da uva e do vinho no Brasil e no mundo, e fiquei impressionado com a questão da universalidade do ser humano. Há vitivinifestas por “tudo”: EUA, Índia, Alemanha, Canadá, Chile, Argentina, Uruguai, China, Espanha, França, Japão, México, Portugal, Sérvia, Suíça, Ucrânia, África do Sul, Austrália e, muito principalmente, Itália – a nação da bota é o berço das vindimas, e muitas comunas pequeninas têm sua festa própria, sendo que, por alto, contabilizei, pasmem, 230 festas da vindima italianas - e devem haver mais. Existe toda uma sensualidade nas vindimas, pois são celebrações de fartura e abundância em meio ao sexy calor do verão. Vida. E são várias as festas que têm sua soberana, fazendo da feminilidade da rainha um motif de exuberância e cornucópia. Na Índia, por exemplo, é eleita a Wine Queen, ou seja, a rainha da vinho. Em minha pesquisa, pude observar que a maior festa da uva do planeta é a de Mendoza, na Argentina, um país de ampla enoprodução, também com festas de outros produtos nacionais. Dizem que a festividade da vindima argentina é de uma grandiosidade de se tirar o chapéu, com uma forte tradição de soberanas. Há várias festas da uva pelo Brasil; além das do estado do RS, há festas similares nos estados do ES, GO, MG, PR, PE, PI, RJ, SC e SP.
            Uma das maiores entusiastas da festa de Caxias é a pesquisadora Cleodes Maria Piazza Ribeiro, que em seu livro “Festa e Identidade” faz um rico apanhado das décadas de trajetória da celebração. Respeitada, nunca esquecer-me-ei de uma palestra que ela deu entre os anos de 1990 e 91 no colégio caxiense do Carmo, onde estudei na época. Cleodes subiu ao palco e disse:
            - Hoje chamar uma pessoa de “colona” é considerado uma ofensa!
            Cleodes tem razão – temos que ter muito orgulho de nossas origens. Eu mesmo sou trineto do imigrante italiano Felice Veronese, um homem simples que construiu um casarão de pedra no município de Flores da Cunha, uma estrutura que está sendo revitalizada pela prefeitura municipal de Flores, com o patrocínio dos móveis Florense. O casarão faz parte da história da Imigração Italiana no Brasil, e vê-lo recuperado enche-me de alegria. O filho de Felice, meu bisavô Luiz Veronese, um proeminente químico que fabricava produtos que auxiliavam na vinificação regional da época (numa firma centenária dirigida pela família até hoje), era grande amigo do célebre industrial caxiense Abramo Eberle. A filha de Abramo, Adélia Eberle, foi a primeira rainha da Festa da Uva, reinando na edição de 1933. Sensível, Adélia pintava, tendo retratado em óleo sobre tela a primeira estrutura, de madeira, que abrigou a empresa do pai, uma instituição que cresceu e se tornou um verdadeiro império de metalurgia. A história dos Eberle marca uma reviravolta na economia caxiense, pois, a partir do pós-guerra, Caxias tornou-se um grande pólo metalmecânico, só perdendo no Brasil para o parque industrial de São Paulo. Há muito tempo a cidade da Festa da Uva deixou de ser grande produtora de uva. Na aurora do século XXI, Flores da Cunha é o município brasileiro com maior número de vinícolas, com sua Fenavindima; Bento Gonçalves, com o já célebre Vale dos Vinhedos, é também grande pólo enoturístico, com sua Fenavinho; Garibaldi é a capital nacional do espumante, com sua Fenachamp; Farroupilha tem o seu Festival do Moscatel.
            Tenho comigo uma relíquia de família, uma panela de puro cobre que minha tataravó Dommenica Sella Veronese, esposa de Felice, usava para fazer polenta. Estou pensando em doá-la para o museu da família Veronese, que fará parte do casarão restaurado. A Festa da Uva faz todo um resgate das raízes culturais da Imigração Italiana, sem esquecer de todas as outras etnias que delinearam o traço de pluralidade cultural da diversidade da “Babilônia” Caxias. Se eu viver até os cem anos de idade, participarei das comemorações do bicentenário da Imigração, no ano de 2075. Então contarei aos mais jovens sobre meus antepassados colonos. A identidade celebrada pela Festa da Uva também abrange o tradicionalismo gaúcho, e o vô Lisboa era grande entusiasta do folclore estadual, sendo fundador do Centro de Tradições Gaúchas Rincão da Lealdade – Caxias do Sul é a capital mundial dos CTGs. O vô gostava de assar galetos, um prato muito típico da culinária colonial italiana no RS – há primorosas galeterias em Caxias. Para quem não sabe, o galeto é um frango adolescente – não é nem pinto, nem adulto. É uma delícia, principalmente temperado com sálvia.
Caxias prepara-se para sua festa maior como uma cidade plácida, limpa e bem administrada, como você nunca viu. Um lugar onde impera a bondade. As maravilhas desta terra elevada esperam por você. Nossa imaculada Rainha receberá você, de braços abertos, em nosso lar, onde reina a harmonia. Uma fina melodia paira no ar puro. Doces uvas. Aqui há vida com trabalho, mas sem dor. Nós, caxienses e turistas, pertencemos a esta grande e única família!
O vídeo mais popular da festa no Youtube foi o do famoso choque que Lasier Martins levou no Parque, também conhecido como Pavilhões, enquanto entrevistava as soberanas e mostrava cachos de uva, sem saber, é claro, que ali no meio havia um fio desencapado. O choque foi tão grave que Lasier caiu e sofreu uma fratura de costela, o que lhe custou meses de noites mal dormidas. Por sorte nenhuma soberana sofreu o choque, e também por sorte Lasier caiu para trás, pois, se tivesse caído para frente, não teria soltado o fio e poderia ter morrido eletrocutado. Ossos do ofício.
Difícil falar de Festa da Uva de Caxias do Sul sem mencionar o ultrafamoso episódio das rainhas gêmeas idênticas. A rainha Fabiane Koch decidiu com sua irmã Karina que esta, em uma das edições do desfile alegórico da Festa de 2000, desfilaria no lugar da mana – na hora, ninguém notou. Quando, um tempo depois, a mãe das meninas revelou os bastidores do episódio em um programa de rádio da cidade, o negócio estourou como uma bomba atômica, com direito a cogumelo. O chão de Caxias tremeu. Os caxienses acabaram perdoando as gêmeas, mas é duro imaginar que, em algum dia, seja eleita novamente uma rainha que tiver uma gêmea idêntica. Hoje, o causo das Koch é uma história folclórica no município.
Na ilustração desta postagem, o Espírito Santo, que traduz a religiosidade do povo caxiense e também faz menção à paz mundial e à graça radiante da Rainha. Falando nisso, uma grande polêmica em Caxias é a proibição de se alimentar os pombos da praça Dante. As pessoas que descumprem a determinação alegam que os pombos são símbolo da Igreja Católica, pois festa e paz se complementam. Uma prova disso é que, com a II Guerra Mundial, a Festa da Uva foi momentaneamente abandonada, pois não havia clima para festejar. Só no ano de 1950 é que a festa voltou a ser celebrada, com o vô Lisboa indo à rádio da cidade em 1949 para conclamar os cidadãos para o que Cleodes chama de “Pacto de Reconstrução”. A Festa da Uva ressuscitou das cinzas, e o orgulho de ser ítalo descendente renasce depois da derrota sofrida por Mussolini e pelo nazifascismo. A Festa venceu!
Bem, com ou sem pombos, venha curtir a Festa da Uva 2016 de Caxias do Sul. Além das várias edições do desfile alegórico, aqui chamado de desfile cênico musical, grandiosos shows estão marcados: Anitta, Chitãozinho & Xororó, Victor & Léo, Sandy e Michel Teló, entre outros. Isso sem falar da rica exposição de grandes instituições caxienses no Parque da festa. O site é festanacionaldauva.com.br
Vale lembrar que ser rainha é um sonho de menina: cada moça que se inscreve no concurso de escolha da Rainha da Festa da Uva de Caxias é porque sonhou com isso por toda sua infância, brincando de desfilar. Salve, Regina! E esse sonho se mescla com o sonho do imigrante italiano que vinha para o Brasil começar uma vida nova, como os imigrantes africanos que têm vindo ultimamente para a cidade em busca de uma vida melhor. A Festa da Uva, como qualquer outra festa, é a beleza de um sonho, e todos são convidados a apreciá-lo. Caxias, a pérola de todas as belas colônias! O tema da edição de 2016 é “Imagens e Horizontes”, como o horizonte vislumbrado pelo colono com sua enxada no Monumento Nacional ao Imigrante em Caxias. A vitória da colonização!

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Não te mete com o Met



            Poucos lugares entraram na minha mente tão poderosamente como o Metropolitan Museum of Art de Nova York, o Met, o qual visitei no frio mês de fevereiro de 1998. Enorme, é impossível dar conta de tudo que tem ali – dois dias inteiros dentro dele são insuficientes. A célebre fachada ostenta sempre grandes banners, anunciando as atrações do momento no mostruário. São banners eficientes porque são sucintos – carregam apenas a informação essencial, pois, como diz o taoísmo, menos é mais, e quanto mais simples for uma mensagem, melhor esta será absorvida. O acesso frontal é por uma escadaria majestosa, que convida o visitante a uma experiência de elevação espiritual bem na Quinta Avenida, tendo a instituição tomando parte do terreno do Central Park, no lado leste do espaço verde. Os arredores são bairros chiques, tradicionais, onde morar sai bem caro. Mas, apesar disso, não é caro entrar no Met – alguns poucos dólares já pagam o ingresso, sendo que você tem o dia inteiro para curtir as galerias, podendo sair e entrar no museu quando bem entende durante o dia. Na bilheteria, você ganha um discreto broche com o “M” da logomarca do museu, uma peça que a cada dia muda de cor, para evitar espertinhos que queiram driblar o controle de fluxo de pessoas.
            O hall de entrada é muito espaçoso, com flores vistosas em grandes vasos, tão grande que parece uma estação de trem. As pessoas na chapelaria foram muito gentis comigo, principalmente um senhor negro sorridente. Ao entrar no espaço de exposições, uma senhora idosa muito bonita me deu as boas vindas. Logo me topei com o famoso Kouros de Nova York – uma peça grega de Atica de um rapaz, que representa toda a tradição grecolatina de harmonia estética. Mais adiante, perto de um enorme e sofisticado restaurante, logo na entrada de uma sala há um conjunto de bustos romanos, e eles estão virados para a entrada, pegando o visitante de surpresa. Cada um deles tem personalidade, e realmente parecem ter vida, desafiando o expectador a decifrá-los. A parte egípcia é a melhor, com inesquecíveis esculturas em granito de faraós, numa perfeição técnica impressionante, que dá uma idéia do clima de idolatria que os egípcios tinham por seus deuses e governantes, pois, na pirâmide social da tradição da nação do Nilo, apenas a divindade estava acima do faraó, tendo no rei uma figura de intermédio entre o mundo material e o mundo metafísico – daí vinha toda a dignidade faraônica. A parte pré colombiana da instituição novaiorquina traz obras em ouro puro. A parte africana é especialmente impactante, com objetos destinados a rituais de magia. A arte européia recebe especial atenção. A arte oriental tem particular charme, em espaços que convidam ao relaxamento sensual do Japão, China, Índia e outras civilizações. A loja de souvenires é tentadora – adquiri lá dois pôsteres. Os americanos são um povo mestre em vendas e marketing, aproveitando que o visitante está com a mente bombardeada com tanta informação museológica.
            O Met já passou pelas telonas. Em “Harry e Sally – Feitos um para o Outro” (When Harry Met Sally...), de 1989, os protagonistas estão na grande sala egípcia, com uma vidraçaria enorme de vista para o parque, com um conjunto arquitetônico cuidadosamente importado do Egito e remontado no museu. Em “Thomas Crown – A Arte do Crime” (The Thomas Crown Affair), de 1999, cujo pôster está na ilustração desta postagem, muito gira em torno do Met. O personagem de Pierce Brosnan é um milionário que freqüenta o Met e é apaixonado por arte, e, por pura diversão, decide burlar a rigorosa segurança do local e roubar uma obra impressionista carésima pintada por Claude Monet. O personagem de Rene Russo é uma policial bela e sofisticada que aparece no início no museu como uma neo Jacqueline Kennedy Onassis, com óculos escuros que remetem à primeira dama “Nefertiti” norteamericana – inclusive, o Met já fez uma mostra exclusiva sobre a ex-primeira dama depois desta morrer, e contou com a visita de uma certa popstar, cujo nome não mencionarei; também inclusive, o grande lago ao norte do Central Park leva o nome da icônica Jackie O., como é conhecida. Bem, os dois personagens centrais de “Thomas...” ingressam em um jogo de sedução e adivinhações, com a policial totalmente debruçada em recuperar a obra roubada. Um cena mais para o final mostra uma invasão de senhores com chapéu coco imitando pinturas da obra de René Magritte, num ato feito por Thomas Crown para despistar a polícia e, por fim, revelar a devolução da obra ludicamente roubada. No seriado televisivo “Will & Grace”, o personagem de Debra Messing está no Met com um colar à moda do Antigo Egito, fazendo referência ao próprio acervo do museu. No seriado Friends, a piada é quando Joey, um personagem não muito intelectual, acha que, quando ouve “Met”, querem dizer “Mets”, o famoso time americano de baseball. Joey quer impressionar uma namorada levando-a para o museu, e pede uma dica ao amigo Ross, bem mais erudito do que Joey, e aquele diz ao amigo que entre no museu e entre à direita, direto na parte egípcia. Então Joey decora mil e uma falas para impressionar a garota mas, na hora de entrar no museu, entra à esquerda, e coloca todo o plano por água abaixo!
           O programa Manhattan Connection, transmitido pela Globo News, tem um dos comentaristas Pedro Andrade, um rapaz que, inclusive, já publicou um guia para viajantes que passam pela ilha. Em um dos programas, Pedro falou sobre uma mostra no Met, confessando ser aquele museu o seu lugar favorito, de verdade, em toda a Manhattan. O interessante do Met é que este nunca está parado. É impossível ficar entediado nele. O Met é não só o maior museu dos EUA como também um dos maiores do mundo. O museu é um orgulho nacional, certamente o lugar mais fino dos EUA. Classe e estilo imperam no local. É chique visitá-lo. Um tsunami de cultura.
            O Met é completamente aproveitado em todos os seus espaços. Tem em seu subterrâneo o acervo que está fora de exibição. No terraço, a céu aberto, uma galeria de obras que podem ficar ao relento. A vista do local é deslumbrante, e Nova York mostra todo o seu charme, em uma cidade que respira cultura, em meio a esquilos rondando pelo Central Park, com a exótica China Town e lugares lendários como o Plaza Hotel, onde quem não é hóspede pode tomar café da manhã lá. Nova York serviu de cenário para tantos filmes que, mesmo quem nunca esteve na ilha, entra nesta e se vê em um espaço familiar.
            Originalmente, no lugar onde hoje está o Met, havia uma mansão. O espaço foi doado e, mais tarde, foi construída ao redor a estrutura de hoje, preservando o imóvel original. O museu é uma casa que acolhe, fazendo com que o expectador sinta-se privilegiado em estar em um lugar tão inteligente.
            Os museus em geral valorizam as cidades e enaltecem a produção de pensamento, no sentido de que, quando se visita uma cidade, os museus desta são parte do roteiro de visitação. A civilização gira em torno da preservação do pensamento resultante da arte e da ciência, como no Museu de História Natural de NY, o qual infelizmente não visitei, pois preferi visitar o Met por dois dias inteiros. Quem sabe um dia volto a visitar Nova York, preparando-me para ir ao Met novamente. É claro que NY tem múltiplas atrações. Pude apreciar o interior em caracol do Guggenheim, o qual inspirou o prédio da Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre, sendo este um belo museu com vista para o lago Guaíba. Outro lugar respeitável da Big Apple é o Museum of Modern Art, o MoMA, com peças de Salvador Dalí, entre muitas outras, com um convidativo pátio interno. O Museu de Arte Latino Americana em Buenos Aires também é um bom passeio. Em Caxias do Sul, o grande “museu” é a Igreja de São Pelegrino, com obras dos pintores italianos Aldo Locatelli e Emilio Sessa, em um deslumbrante conjunto de arte sacra envolvendo o Juízo Final e a Via Sacra. Em São Paulo, além do ótimo Museu de Arte de São Paulo, o MASP, com uma inesquecível escultura em mármore de uma deusa da Antiguidade, há o Museu do Ipiranga, inclusive neste com um painel de Locatelli e com a grande tela “Independência ou Morte” de Pedro Américo no Salão Nobre e, no exterior do museu, além de belos jardins, há um complexo estatuário com a chama da Independência sempre acesa. Em Salvador, em um antigo mosteiro, foi feito o Museu de Arte Sacra, com direito a uma capela com um altar todo feito em prata.
            Numa cidade diversificada como NY, num país rico como os EUA, não faltam doações de milionários para fortalecer a vocação artística da cidade da Estátua da Liberdade. O Met prima pela diversidade e oferece e dispõe seu acervo de forma claramente delineada, com bom gosto organizacional, com pertinência, abrangendo o tempo e o espaço. O lema do museu é: “Cinco mil anos de arte”. Você pode viajar ao redor do mundo sem sair do museu, num espaço que faz de NY uma cidade cosmopolita e arejada.
            Anualmente, na primavera, o museu tem um evento social beneficente, o Met Gala, num red carpet que traz simplesmente as maiores estrelas mundiais do momento, e cada edição do baile tem um tema – o de 2015 foi a China. As mulheres em especial esforçam-se para aparecer com o vestido mais luxuoso e hot, numa concorrência atroz e canibalesca pela atenção dos fotógrafos – é uma querendo brilhar mais do que a outra. A musa negra Beyoncé apareceu recentemente no gala em um vestido de ousadia indescritível – um jornalista fez um paralelo entre o red carpet do Met e o red carpet de uma premiação do cinema pornô, e chegou à conclusão de que as estrelas pornôs estavam vestidas de modo mais recatado do que as estrela não pornôs do Met Gala! Outra megaestrela que emprestou seu brilho ao evento do Met foi a bela fera Gisele Bündchen – um monstro, no bom sentido, é claro. O MG é a nata dos acontecimentos novaiorquinos, numa cidade efervescente com suas inúmeras galerias de arte espalhadas pela ilha. Certa vez a cantora Marisa Monte disse que Manhattan cheira a duas coisas: arte e dinheiro. Na minha viagem, entrei na Quinta Avenida numa esnobe loja de jóias e objetos feitos de metais preciosos e pedras preciosas, e as caras peças eram horríveis, de péssimo gosto – eis que o Met, com seu ingresso de poucos dólares, revelou-se muito, muuuito mais interessante, com seus bens de valor inestimável. Viva a civilização!
            Segundo a Wikipedia, o museuzão foi o segundo mais visitado no ano de 2012 no mundo, com mais de seis milhões de pessoas apreciando-o, creio que só perdendo para o Louvre. O site do Met também é competente, atualizando as mostras em fluxo, num endereço a ser revisitado inúmeras vezes, sem o risco de se ficar entediado, em um departamento de comunicação que sabe da importância de se estar na web em grande estilo, sempre alimentando o site com conteúdo: metmuseum.org

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

A babá que fazia o patrão babar



O seriado americano The Nanny, que iniciou em 1993, teve seis temporadas, sendo muito bem sucedido. A estrela e coprodutora Fran Drescher interpreta Fran Fine, uma judia gostosona, solteira e hilariamente vulgar do Queens e que está por Manhattan vendendo cosméticos de porta em porta depois de ter levado um pé na bunda do namorado e perder o emprego na loja de noivas do cara, na ironia de que Srta. Fine é louca para ser uma noiva, sofrendo nesse sentido pressões da mãe Silvia (a excelente Renée Taylor). Então, a vendedora está circulando pelo bairro nobre da ilha novaiorquina, o Upper East Side, batendo na porta da elegante residência do viúvo Maxwell Sheffield, o Max (Charles Shaughnessy), um inglês milionário bonitão de sangue azul produtor da Broadway. Coincidentemente Max, vencedor de um troféu Tonny, o Oscar do teatro, estava fazendo entrevistas para escolher uma babá para seus três filhos, e Fran é confundida com uma das candidatas, entrando na casa e sendo entrevistada. É claro que Max ficou deliciado com as roupas justas, a cintura fina, o cabelão entupido de laquê, a maquiagem para lá de carregada e a voz nasalada que Fine e Drescher têm naturalmente. Vale lembrar que, na TV americana, é muito comum o personagem levar o nome do ator ou atriz que o interpreta, numa espécie de metalinguística de sinergia – uma Fran trazendo a outra Fran. Só um lembrete: neste artigo, o uso do nome “Fran” refere-se sempre ao personagem, sendo a atriz chamada pelo sobrenome “Drescher”.
            A família de Fran é hilária, e a casa dos Fine é simples mas cheia de amor. Sua mãe gordinha Silvia fala alto pra cacilda e, glutona, está sempre beliscando algo para comer. Fran tem sua vó Yetta (Ann Morgan Guilbert), que é completamente esclerosada, e tem um dos melhores textos do seriado – a vovó nunca sabe direito onde está, por que está, como chegou lá e como vai sair. O pai da babá usa peruca e é pouco visto - o telespectador só o percebe quando Silvia grita com ele. A comadre de Fran é Val (Rachel Chagall), que não é lá muito inteligente e comunga com a amiga o sentimento de ser solteira.
Certa vez, Silvia disse a amigas que Fran era casada com Max e, ao ouvir uma objeção da ainda solteira babá, a mãe diz:
            - Você mora na casa dele; você cuida das crianças dele; você NÃO faz sexo com ele. Isso é casamento!
A trilha sonora é de um delicioso piano jazzístico, diferente do rock jovial do seriado Friends. Música ao estilo Broadway também é tocada no piano de cauda da sofisticada mansão. Durante as temporadas, muitas estrelas de TV e cinema passam pelo programa, como Liz Taylor que, ao ser percebida por Fran e Silvia, vê as duas judias curvando-se perante o mito Elizabeth. Em outro episódio, uma atriz interpreta Cher, que está repousando na casa de Max depois de uma cirurgia plástica, e a babá Fine faz de tudo para descobrir qual é a celebridade que está no quarto de hóspedes e, quando o segredo vaza para a imprensa, a casa de Max é cercada por fotógrafos e, para despistá-los, Fran precisa chamar seu próprio primo que faz imitações (medonhas) de Cher. Whoopi Goldberg também já passou pela casa dos Sheffield. Mas nenhum artista fascina a babá judia mais do que Barbra Streisand. Fran tem verdadeira devoção, tranquilamente endeusando a estrela nariguda e gostando do fato das duas terem voz nasalada. Fran Fine diz que, depois de Barbra, os judeus nunca mais precisaram ter o sentimento de “mea culpa”. Em um episódio, a irmã de Barbra está na sala de estar da casa cantando ao piano, e Fran entra em estado de choque, achando que o ídolo lá estava. Outra vez, dizem a Fran que Clinton visitaria a casa, mas a babá fica frustrada ao ver que se tratava de um irmão de Bill e não deste. E num episódio em que Fran, já casada com Max, está em uma estação de esqui, leva uma cantada de Bill, interpretado por um sósia, é claro, e Hillary, vivida por uma sósia também, dá um tapa no marido sacana. Até Barbra já apareceu no seriado via sósia.
            É bem claro de se observar que Fran Drescher inspira-se um tanto em Lucille Ball. As caras e bocas e o batom exagerado remetem à estrela de quando a TV era ainda em preto e branco. Inclusive, Fran faz uma declaração de amor ao imitar a cena em que Lucille está trabalhando em um fábrica de guloseimas e, sem conseguir acompanhar o passo da esteira dos doces, começa a comê-los. Lucille também tem uma comadre parecida com Val, algo como as comadres Mary e Rhoda do seriado Mary Tyler Moore, que teve sete temporadas ao longo dos anos 70. Os EUA têm uma tradição televisiva muito forte, que perdura até hoje, sedimentando-se como grande mercado e fábrica de estrelas.
Fran, de coração nobre, tem um estilo agressivamente feminino. Seu guarda roupa é ultracolorido, suas saias são ousadíssimas e sua presença quebra com qualquer clima de tristeza. No primeiro episódio da primeira temporada, ela entra em uma festa vestida de vermelho, causando impacto em uma residência tão paradona como era a casa dos Sheffield. CC Babcock (Lauren Lane), a sócia produtora de Max, fica louca de ciúmes, pois esta é apaixonada pelo sócio. CC é uma mulher fria que pouco afeto tem por Maggie (Nicholle Tom), Brighton (Benjamin Salisbury) e Grace (Madeline Zima), os filhos do produtor, e mal se lembra dos nomes dos infantes. CC, em relação a sensualidade e graça, está anos luz atrás de Fran. E a idade de Fran é segredo de estado - ninguém algum dia descobriu o dígito.
É impagável o texto do sagaz mordomo Niles (Daniel Davis), o qual, no início do seriado, tenta sacanear com Fran, dizendo a ela que o trabalho da babá era tirar o pó, passar o aspirador e fazer a limpeza da casa em geral. Fran dá um chega pra lá no mordomo e, depois, os dois acabam se tornando grandes amigos, fazendo com que Niles torcesse muito pelo casamento entre o patrão e a babá. Em outro momento, Mr. Sheffield diz a Niles:
- Eu gostaria que Brighton tivesse uma atividade para ele ficar mais homem, mais agressivo e durão.
Niles detecta a hipocrisia e diz:
- Que tal Brighton fazer teatro musical na Broadway?
            Certamente, dentre todos os aspectos cômicos do seriado, está em especial a relação para lá de vibrante entre Niles e CC, num ciclo de amor e ódio e tiradas ácidas. Eles estão sempre alfinetando um ao outro, com ela dizendo ao mordomo:
            - Você é apenas um servente que fica limpando privadas com terno e gravata.
            E Niles, vestindo luvas de borracha cheias de germes da patente, dá um sutil beliscão na bochecha de CC e diz:
            - Desta vez você ganhou!
            É claro que há um amor platônico entre Fran e Max. Só depois de muitas temporadas é que os dois finalmente se casam e viram marido e mulher. Há quem diga que o casamento tirou a graça do seriado, pois a comédia vinha exatamente dessa situação eternamente insolúvel de flerte sensual. Sheffield várias vezes disse a Fran que a amava, mas sempre voltava atrás e retirava o que dissera. Quando se casam, o navio da lua de mel afunda e eles vão parar numa ilha deserta. Antes do casamento, Fran quase mata Max quando este diz desejar fazer um acordo pré nupcial. A babá também encontra uma certa resistência da sua sogra, a mãe chique de Max, mas a babá e Max são opostos da mesma moeda. Love is beautiful.
            Outro ótimo episódio é com a participação da quentíssima Pamela Anderson, que faz uma babá que fica por pouco tempo na casa dos Sheffield. Brighton, então adolescente, ficou apaixonado pela nova babá e quase morreu quando ela foi embora.
            Muita graça está no senso comum dos judeus novaiorquinos versus a sofisticação britânica de Sheffield. Certa vez, quando Fran está preparando uma festa, Max dá a ela de presente o vinho mais chiquérrimo e carésimo de sua adega particular, e Fran pega o vinho e faz uma sangria com direito a adoçante dietético. Há também a vez em que Fran e CC ficam trancadas na adega da casa e têm de lidar uma com a outra. O clima na refinada residência da uptown de NY é o de convivência – todos ali têm de encontrar como de resolver as tensões e desentendimentos, como Silvia, que sempre chega à casa perguntando se Niles pode lhe preparar algo para a gulosa mãe judia comer.
            O fim do seriado foi meio melancólico, assim como o desfecho de Friends. Drescher tentou tocar o barco, fazendo um seriado no qual era esposa de um homem gay, mas não deu muito certo – a irreverência da babá ficou para trás. A atriz ainda emprestou o esqueleto do personagem Fran em 1997 ao filme “Um Conto Quase de Fadas”, cujo pôster está na ilustração desta postagem, película na qual Fran Drescher fazia uma esteticista que fora confundida com uma grande educadora e contratada para dar aulas aos filhos de um ditador em um pequeno país no meio da Europa Oriental, sendo o líder interpretado pelo ex-James Bond, Timothy Dalton. A babá é um personagem implacável, quebrando gelos e movimentando relações. O país para o qual ela viaja é regido com punho de ferro, em um estado opressor, que pouca liberdade dá ao povo. Inclusive, o genro do ditador é perseguido por este, por aquele discursar contra a esmagadora tirania estatal. O déspota, muito preocupado em ter uma imagem dura e inflexível, não quer ser respeitado; quer ser temido. Ele pergunta à esteticista:
- Eu não lhe meto medo?
E ela responde:
- Você está com uma costeleta um pouco maior do que a outra.
No fim da película, o empedernido tirano vê-se apaixonado e deixa a esteticista mudar a sua forma de ver o mundo – eis que a água mole fura a pedra dura. Essa fórmula feminino informal versus masculino sério, tipo razão versus loucura, foi amplamente desenvolvida por Fran Drescher, que deixará saudades e, quem sabe, voltará a brilhar na TV mundial. O problema do sucesso é que ele é um amante infiel – hoje está com você; amanhã, não se sabe. Um dos maiores exemplos disso é Kevin Costner, que já esteve no topo da cadeia alimentar hollywoodiana e há décadas está numa vala profunda de obscuridade. Reis, mendigos e plebeus, todos estão sujeitos aos altos e baixos, mesmo grandes homens como Winston Churchil, que teve que cair e se reerguer várias vezes na vida. O showbusiness também está cheio de história de pessoas que se frustraram e amargaram o sabor da desilusão e da imperfeição da vida. A babá é um personagem forte porque nunca se rende.
            Quando eu estava viajando por NY em 1998, comprei uma caneca promocional do seriado The Nanny. Infelizmente, a peça quebrou-se, mas isso não aniquilou minha vontade de falar sobre esse seriado que é um pouco parecido com a Noviça Rebelde – uma governanta que traz vida a uma casa meio morta. Fran Drescher é uma mulher cheia de energia, fazendo certa vez uma aparição no red carpet da premiação Globo de Ouro com um megapenteado cheio de flores multicoloridas. Bela! Perfumada! Desconcertante! Uma Carmen Miranda do Queens! Como uma deusa! Uma Ísis tropical! Quando alguém bate na campainha da residência Sheffield, Fran berra para todos no planeta Terra ouvirem:
            - Eu atendooo!