quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

A babá que fazia o patrão babar



O seriado americano The Nanny, que iniciou em 1993, teve seis temporadas, sendo muito bem sucedido. A estrela e coprodutora Fran Drescher interpreta Fran Fine, uma judia gostosona, solteira e hilariamente vulgar do Queens e que está por Manhattan vendendo cosméticos de porta em porta depois de ter levado um pé na bunda do namorado e perder o emprego na loja de noivas do cara, na ironia de que Srta. Fine é louca para ser uma noiva, sofrendo nesse sentido pressões da mãe Silvia (a excelente Renée Taylor). Então, a vendedora está circulando pelo bairro nobre da ilha novaiorquina, o Upper East Side, batendo na porta da elegante residência do viúvo Maxwell Sheffield, o Max (Charles Shaughnessy), um inglês milionário bonitão de sangue azul produtor da Broadway. Coincidentemente Max, vencedor de um troféu Tonny, o Oscar do teatro, estava fazendo entrevistas para escolher uma babá para seus três filhos, e Fran é confundida com uma das candidatas, entrando na casa e sendo entrevistada. É claro que Max ficou deliciado com as roupas justas, a cintura fina, o cabelão entupido de laquê, a maquiagem para lá de carregada e a voz nasalada que Fine e Drescher têm naturalmente. Vale lembrar que, na TV americana, é muito comum o personagem levar o nome do ator ou atriz que o interpreta, numa espécie de metalinguística de sinergia – uma Fran trazendo a outra Fran. Só um lembrete: neste artigo, o uso do nome “Fran” refere-se sempre ao personagem, sendo a atriz chamada pelo sobrenome “Drescher”.
            A família de Fran é hilária, e a casa dos Fine é simples mas cheia de amor. Sua mãe gordinha Silvia fala alto pra cacilda e, glutona, está sempre beliscando algo para comer. Fran tem sua vó Yetta (Ann Morgan Guilbert), que é completamente esclerosada, e tem um dos melhores textos do seriado – a vovó nunca sabe direito onde está, por que está, como chegou lá e como vai sair. O pai da babá usa peruca e é pouco visto - o telespectador só o percebe quando Silvia grita com ele. A comadre de Fran é Val (Rachel Chagall), que não é lá muito inteligente e comunga com a amiga o sentimento de ser solteira.
Certa vez, Silvia disse a amigas que Fran era casada com Max e, ao ouvir uma objeção da ainda solteira babá, a mãe diz:
            - Você mora na casa dele; você cuida das crianças dele; você NÃO faz sexo com ele. Isso é casamento!
A trilha sonora é de um delicioso piano jazzístico, diferente do rock jovial do seriado Friends. Música ao estilo Broadway também é tocada no piano de cauda da sofisticada mansão. Durante as temporadas, muitas estrelas de TV e cinema passam pelo programa, como Liz Taylor que, ao ser percebida por Fran e Silvia, vê as duas judias curvando-se perante o mito Elizabeth. Em outro episódio, uma atriz interpreta Cher, que está repousando na casa de Max depois de uma cirurgia plástica, e a babá Fine faz de tudo para descobrir qual é a celebridade que está no quarto de hóspedes e, quando o segredo vaza para a imprensa, a casa de Max é cercada por fotógrafos e, para despistá-los, Fran precisa chamar seu próprio primo que faz imitações (medonhas) de Cher. Whoopi Goldberg também já passou pela casa dos Sheffield. Mas nenhum artista fascina a babá judia mais do que Barbra Streisand. Fran tem verdadeira devoção, tranquilamente endeusando a estrela nariguda e gostando do fato das duas terem voz nasalada. Fran Fine diz que, depois de Barbra, os judeus nunca mais precisaram ter o sentimento de “mea culpa”. Em um episódio, a irmã de Barbra está na sala de estar da casa cantando ao piano, e Fran entra em estado de choque, achando que o ídolo lá estava. Outra vez, dizem a Fran que Clinton visitaria a casa, mas a babá fica frustrada ao ver que se tratava de um irmão de Bill e não deste. E num episódio em que Fran, já casada com Max, está em uma estação de esqui, leva uma cantada de Bill, interpretado por um sósia, é claro, e Hillary, vivida por uma sósia também, dá um tapa no marido sacana. Até Barbra já apareceu no seriado via sósia.
            É bem claro de se observar que Fran Drescher inspira-se um tanto em Lucille Ball. As caras e bocas e o batom exagerado remetem à estrela de quando a TV era ainda em preto e branco. Inclusive, Fran faz uma declaração de amor ao imitar a cena em que Lucille está trabalhando em um fábrica de guloseimas e, sem conseguir acompanhar o passo da esteira dos doces, começa a comê-los. Lucille também tem uma comadre parecida com Val, algo como as comadres Mary e Rhoda do seriado Mary Tyler Moore, que teve sete temporadas ao longo dos anos 70. Os EUA têm uma tradição televisiva muito forte, que perdura até hoje, sedimentando-se como grande mercado e fábrica de estrelas.
Fran, de coração nobre, tem um estilo agressivamente feminino. Seu guarda roupa é ultracolorido, suas saias são ousadíssimas e sua presença quebra com qualquer clima de tristeza. No primeiro episódio da primeira temporada, ela entra em uma festa vestida de vermelho, causando impacto em uma residência tão paradona como era a casa dos Sheffield. CC Babcock (Lauren Lane), a sócia produtora de Max, fica louca de ciúmes, pois esta é apaixonada pelo sócio. CC é uma mulher fria que pouco afeto tem por Maggie (Nicholle Tom), Brighton (Benjamin Salisbury) e Grace (Madeline Zima), os filhos do produtor, e mal se lembra dos nomes dos infantes. CC, em relação a sensualidade e graça, está anos luz atrás de Fran. E a idade de Fran é segredo de estado - ninguém algum dia descobriu o dígito.
É impagável o texto do sagaz mordomo Niles (Daniel Davis), o qual, no início do seriado, tenta sacanear com Fran, dizendo a ela que o trabalho da babá era tirar o pó, passar o aspirador e fazer a limpeza da casa em geral. Fran dá um chega pra lá no mordomo e, depois, os dois acabam se tornando grandes amigos, fazendo com que Niles torcesse muito pelo casamento entre o patrão e a babá. Em outro momento, Mr. Sheffield diz a Niles:
- Eu gostaria que Brighton tivesse uma atividade para ele ficar mais homem, mais agressivo e durão.
Niles detecta a hipocrisia e diz:
- Que tal Brighton fazer teatro musical na Broadway?
            Certamente, dentre todos os aspectos cômicos do seriado, está em especial a relação para lá de vibrante entre Niles e CC, num ciclo de amor e ódio e tiradas ácidas. Eles estão sempre alfinetando um ao outro, com ela dizendo ao mordomo:
            - Você é apenas um servente que fica limpando privadas com terno e gravata.
            E Niles, vestindo luvas de borracha cheias de germes da patente, dá um sutil beliscão na bochecha de CC e diz:
            - Desta vez você ganhou!
            É claro que há um amor platônico entre Fran e Max. Só depois de muitas temporadas é que os dois finalmente se casam e viram marido e mulher. Há quem diga que o casamento tirou a graça do seriado, pois a comédia vinha exatamente dessa situação eternamente insolúvel de flerte sensual. Sheffield várias vezes disse a Fran que a amava, mas sempre voltava atrás e retirava o que dissera. Quando se casam, o navio da lua de mel afunda e eles vão parar numa ilha deserta. Antes do casamento, Fran quase mata Max quando este diz desejar fazer um acordo pré nupcial. A babá também encontra uma certa resistência da sua sogra, a mãe chique de Max, mas a babá e Max são opostos da mesma moeda. Love is beautiful.
            Outro ótimo episódio é com a participação da quentíssima Pamela Anderson, que faz uma babá que fica por pouco tempo na casa dos Sheffield. Brighton, então adolescente, ficou apaixonado pela nova babá e quase morreu quando ela foi embora.
            Muita graça está no senso comum dos judeus novaiorquinos versus a sofisticação britânica de Sheffield. Certa vez, quando Fran está preparando uma festa, Max dá a ela de presente o vinho mais chiquérrimo e carésimo de sua adega particular, e Fran pega o vinho e faz uma sangria com direito a adoçante dietético. Há também a vez em que Fran e CC ficam trancadas na adega da casa e têm de lidar uma com a outra. O clima na refinada residência da uptown de NY é o de convivência – todos ali têm de encontrar como de resolver as tensões e desentendimentos, como Silvia, que sempre chega à casa perguntando se Niles pode lhe preparar algo para a gulosa mãe judia comer.
            O fim do seriado foi meio melancólico, assim como o desfecho de Friends. Drescher tentou tocar o barco, fazendo um seriado no qual era esposa de um homem gay, mas não deu muito certo – a irreverência da babá ficou para trás. A atriz ainda emprestou o esqueleto do personagem Fran em 1997 ao filme “Um Conto Quase de Fadas”, cujo pôster está na ilustração desta postagem, película na qual Fran Drescher fazia uma esteticista que fora confundida com uma grande educadora e contratada para dar aulas aos filhos de um ditador em um pequeno país no meio da Europa Oriental, sendo o líder interpretado pelo ex-James Bond, Timothy Dalton. A babá é um personagem implacável, quebrando gelos e movimentando relações. O país para o qual ela viaja é regido com punho de ferro, em um estado opressor, que pouca liberdade dá ao povo. Inclusive, o genro do ditador é perseguido por este, por aquele discursar contra a esmagadora tirania estatal. O déspota, muito preocupado em ter uma imagem dura e inflexível, não quer ser respeitado; quer ser temido. Ele pergunta à esteticista:
- Eu não lhe meto medo?
E ela responde:
- Você está com uma costeleta um pouco maior do que a outra.
No fim da película, o empedernido tirano vê-se apaixonado e deixa a esteticista mudar a sua forma de ver o mundo – eis que a água mole fura a pedra dura. Essa fórmula feminino informal versus masculino sério, tipo razão versus loucura, foi amplamente desenvolvida por Fran Drescher, que deixará saudades e, quem sabe, voltará a brilhar na TV mundial. O problema do sucesso é que ele é um amante infiel – hoje está com você; amanhã, não se sabe. Um dos maiores exemplos disso é Kevin Costner, que já esteve no topo da cadeia alimentar hollywoodiana e há décadas está numa vala profunda de obscuridade. Reis, mendigos e plebeus, todos estão sujeitos aos altos e baixos, mesmo grandes homens como Winston Churchil, que teve que cair e se reerguer várias vezes na vida. O showbusiness também está cheio de história de pessoas que se frustraram e amargaram o sabor da desilusão e da imperfeição da vida. A babá é um personagem forte porque nunca se rende.
            Quando eu estava viajando por NY em 1998, comprei uma caneca promocional do seriado The Nanny. Infelizmente, a peça quebrou-se, mas isso não aniquilou minha vontade de falar sobre esse seriado que é um pouco parecido com a Noviça Rebelde – uma governanta que traz vida a uma casa meio morta. Fran Drescher é uma mulher cheia de energia, fazendo certa vez uma aparição no red carpet da premiação Globo de Ouro com um megapenteado cheio de flores multicoloridas. Bela! Perfumada! Desconcertante! Uma Carmen Miranda do Queens! Como uma deusa! Uma Ísis tropical! Quando alguém bate na campainha da residência Sheffield, Fran berra para todos no planeta Terra ouvirem:
            - Eu atendooo!

Um comentário: