O seriado americano The Nanny, que iniciou em 1993, teve seis
temporadas, sendo muito bem sucedido. A estrela e coprodutora Fran Drescher
interpreta Fran Fine, uma judia gostosona, solteira e hilariamente vulgar do
Queens e que está por Manhattan vendendo cosméticos de porta em porta depois de
ter levado um pé na bunda do namorado e perder o emprego na loja de noivas do
cara, na ironia de que Srta. Fine é louca para ser uma noiva, sofrendo nesse
sentido pressões da mãe Silvia (a excelente Renée Taylor). Então, a vendedora
está circulando pelo bairro nobre da ilha novaiorquina, o Upper East Side,
batendo na porta da elegante residência do viúvo Maxwell Sheffield, o Max
(Charles Shaughnessy), um inglês milionário bonitão de sangue azul produtor da Broadway.
Coincidentemente Max, vencedor de um troféu Tonny, o Oscar do teatro, estava
fazendo entrevistas para escolher uma babá para seus três filhos, e Fran
é confundida com uma das candidatas, entrando na casa e sendo entrevistada. É
claro que Max ficou deliciado com as roupas justas, a cintura fina, o cabelão
entupido de laquê, a maquiagem para lá de carregada e a voz nasalada que Fine e
Drescher têm naturalmente. Vale lembrar que, na TV americana, é muito comum o
personagem levar o nome do ator ou atriz que o interpreta, numa espécie de
metalinguística de sinergia – uma Fran trazendo a outra Fran. Só um lembrete:
neste artigo, o uso do nome “Fran” refere-se sempre ao personagem, sendo a atriz
chamada pelo sobrenome “Drescher”.
A família de Fran é hilária, e a casa
dos Fine é simples mas cheia de amor. Sua mãe gordinha Silvia fala alto pra cacilda
e, glutona, está sempre beliscando algo para comer. Fran tem sua vó Yetta (Ann
Morgan Guilbert), que é completamente esclerosada, e tem um dos melhores textos
do seriado – a vovó nunca sabe direito onde está, por que está, como chegou lá
e como vai sair. O pai da babá usa peruca e é pouco visto - o telespectador só
o percebe quando Silvia grita com ele. A comadre de Fran é Val (Rachel Chagall),
que não é lá muito inteligente e comunga com a amiga o sentimento de ser
solteira.
Certa vez, Silvia disse a amigas que Fran era casada com
Max e, ao ouvir uma objeção da ainda solteira babá, a mãe diz:
- Você mora na casa dele; você cuida
das crianças dele; você NÃO faz sexo com ele. Isso é casamento!
A trilha sonora é de um delicioso piano jazzístico,
diferente do rock jovial do seriado Friends. Música ao estilo Broadway também é
tocada no piano de cauda da sofisticada mansão. Durante as temporadas, muitas
estrelas de TV e cinema passam pelo programa, como Liz Taylor que, ao ser
percebida por Fran e Silvia, vê as duas judias curvando-se perante o mito
Elizabeth. Em outro episódio, uma atriz interpreta Cher, que está repousando na
casa de Max depois de uma cirurgia plástica, e a babá Fine faz de tudo para
descobrir qual é a celebridade que está no quarto de hóspedes e, quando o
segredo vaza para a imprensa, a casa de Max é cercada por fotógrafos e, para
despistá-los, Fran precisa chamar seu próprio primo que faz imitações (medonhas)
de Cher. Whoopi Goldberg também já passou pela casa dos Sheffield. Mas nenhum
artista fascina a babá judia mais do que Barbra Streisand. Fran tem verdadeira
devoção, tranquilamente endeusando a estrela nariguda e gostando do fato das
duas terem voz nasalada. Fran Fine diz que, depois de Barbra, os judeus nunca
mais precisaram ter o sentimento de “mea culpa”. Em um episódio, a irmã de
Barbra está na sala de estar da casa cantando ao piano, e Fran entra em estado
de choque, achando que o ídolo lá estava. Outra vez, dizem a Fran que Clinton
visitaria a casa, mas a babá fica frustrada ao ver que se tratava de um irmão
de Bill e não deste. E num episódio em que Fran, já casada com Max, está em uma estação
de esqui, leva uma cantada de Bill, interpretado por um sósia, é claro, e Hillary,
vivida por uma sósia também, dá um tapa no marido sacana. Até Barbra já
apareceu no seriado via sósia.
É bem claro de se observar que Fran
Drescher inspira-se um tanto em Lucille Ball. As caras e bocas e o batom
exagerado remetem à estrela de quando a TV era ainda em preto e branco.
Inclusive, Fran faz uma declaração de amor ao imitar a cena em que Lucille está
trabalhando em um fábrica de guloseimas e, sem conseguir acompanhar o passo da
esteira dos doces, começa a comê-los. Lucille também tem uma comadre parecida
com Val, algo como as comadres Mary e Rhoda do seriado Mary Tyler Moore, que
teve sete temporadas ao longo dos anos 70. Os EUA têm uma tradição televisiva
muito forte, que perdura até hoje, sedimentando-se como grande mercado e
fábrica de estrelas.
Fran, de coração nobre, tem um estilo agressivamente
feminino. Seu guarda roupa é ultracolorido, suas saias são ousadíssimas e sua
presença quebra com qualquer clima de tristeza. No primeiro episódio da
primeira temporada, ela entra em uma festa vestida de vermelho, causando
impacto em uma residência tão paradona como era a casa dos Sheffield. CC
Babcock (Lauren Lane), a sócia produtora de Max, fica louca de ciúmes, pois
esta é apaixonada pelo sócio. CC é uma mulher fria que pouco afeto tem por
Maggie (Nicholle Tom), Brighton (Benjamin Salisbury) e Grace (Madeline Zima),
os filhos do produtor, e mal se lembra dos nomes dos infantes. CC, em relação a
sensualidade e graça, está anos luz atrás de Fran. E a idade de Fran é segredo
de estado - ninguém algum dia descobriu o dígito.
É impagável o texto do sagaz mordomo Niles (Daniel Davis),
o qual, no início do seriado, tenta sacanear com Fran, dizendo a ela que o
trabalho da babá era tirar o pó, passar o aspirador e fazer a limpeza da casa em geral. Fran dá um
chega pra lá no mordomo e, depois, os dois acabam se tornando grandes amigos,
fazendo com que Niles torcesse muito pelo casamento entre o patrão e a babá. Em
outro momento, Mr. Sheffield diz a Niles:
- Eu gostaria que Brighton tivesse uma atividade para ele
ficar mais homem, mais agressivo e durão.
Niles detecta a hipocrisia e diz:
- Que tal Brighton fazer teatro musical na Broadway?
Certamente, dentre todos os aspectos
cômicos do seriado, está em especial a relação para lá de vibrante entre Niles
e CC, num ciclo de amor e ódio e tiradas ácidas. Eles estão sempre alfinetando
um ao outro, com ela dizendo ao mordomo:
- Você é apenas um servente que fica
limpando privadas com terno e gravata.
E Niles, vestindo luvas de borracha
cheias de germes da patente, dá um sutil beliscão na bochecha de CC e diz:
- Desta vez você ganhou!
É claro que há um amor platônico
entre Fran e Max. Só depois de muitas temporadas é que os dois finalmente se
casam e viram marido e mulher. Há quem diga que o casamento tirou a graça do
seriado, pois a comédia vinha exatamente dessa situação eternamente insolúvel
de flerte sensual. Sheffield várias vezes disse a Fran que a amava, mas sempre
voltava atrás e retirava o que dissera. Quando se casam, o navio da lua de mel
afunda e eles vão parar numa ilha deserta. Antes do casamento, Fran quase mata
Max quando este diz desejar fazer um acordo pré nupcial. A babá também encontra
uma certa resistência da sua sogra, a mãe chique de Max, mas a babá e Max são
opostos da mesma moeda. Love is beautiful.
Outro ótimo episódio é com a participação
da quentíssima Pamela Anderson, que faz uma babá que fica por pouco tempo na
casa dos Sheffield. Brighton, então adolescente, ficou apaixonado pela nova babá
e quase morreu quando ela foi embora.
Muita graça está no senso comum dos
judeus novaiorquinos versus a sofisticação britânica de Sheffield. Certa vez,
quando Fran está preparando uma festa, Max dá a ela de presente o vinho mais chiquérrimo
e carésimo de sua adega particular, e Fran pega o vinho e faz uma sangria com
direito a adoçante dietético. Há também a vez em que Fran e CC ficam
trancadas na adega da casa e têm de lidar uma com a outra. O clima na refinada
residência da uptown de NY é o de convivência – todos ali têm de encontrar como
de resolver as tensões e desentendimentos, como Silvia, que sempre chega à casa
perguntando se Niles pode lhe preparar algo para a gulosa mãe judia comer.
O fim do seriado foi meio
melancólico, assim como o desfecho de Friends. Drescher tentou tocar o barco,
fazendo um seriado no qual era esposa de um homem gay, mas não deu muito certo
– a irreverência da babá ficou para trás. A atriz ainda emprestou o esqueleto
do personagem Fran em 1997 ao filme “Um Conto
Quase de Fadas”, cujo pôster está na ilustração desta postagem, película na
qual Fran Drescher fazia uma esteticista que fora confundida com uma grande educadora e
contratada para dar aulas aos filhos de um ditador em um pequeno país no meio
da Europa Oriental, sendo o líder interpretado pelo ex-James Bond, Timothy
Dalton. A babá é um personagem implacável, quebrando gelos e movimentando
relações. O país para o qual ela viaja é regido com punho de ferro, em um
estado opressor, que pouca liberdade dá ao povo. Inclusive, o genro do ditador
é perseguido por este, por aquele discursar contra a esmagadora tirania estatal.
O déspota, muito preocupado em ter uma imagem dura e inflexível, não quer ser
respeitado; quer ser temido. Ele pergunta à esteticista:
- Eu não lhe meto medo?
E ela responde:
- Você está com uma costeleta um pouco maior do que a
outra.
No fim da película, o empedernido tirano vê-se apaixonado e
deixa a esteticista mudar a sua forma de ver o mundo – eis que a água mole fura
a pedra dura. Essa fórmula feminino informal versus masculino sério, tipo razão
versus loucura, foi amplamente desenvolvida por Fran Drescher, que deixará
saudades e, quem sabe, voltará a brilhar na TV mundial. O problema do sucesso é
que ele é um amante infiel – hoje está com você; amanhã, não se sabe. Um dos
maiores exemplos disso é Kevin Costner, que já esteve no topo da cadeia
alimentar hollywoodiana e há décadas está numa vala profunda de obscuridade.
Reis, mendigos e plebeus, todos estão sujeitos aos altos e baixos, mesmo
grandes homens como Winston Churchil, que teve que cair e se reerguer várias
vezes na vida. O showbusiness também está cheio de história de pessoas que se
frustraram e amargaram o sabor da desilusão e da imperfeição da vida. A babá é
um personagem forte porque nunca se rende.
Quando eu estava viajando por NY em
1998, comprei uma caneca promocional do seriado The Nanny. Infelizmente, a peça
quebrou-se, mas isso não aniquilou minha vontade de falar sobre esse seriado
que é um pouco parecido com a Noviça Rebelde – uma governanta que traz vida a
uma casa meio morta. Fran Drescher é uma mulher cheia de energia,
fazendo certa vez uma aparição no red carpet da premiação Globo de Ouro com um megapenteado
cheio de flores multicoloridas. Bela! Perfumada! Desconcertante! Uma Carmen
Miranda do Queens! Como uma deusa! Uma Ísis tropical! Quando alguém bate na
campainha da residência Sheffield, Fran berra para todos no planeta Terra
ouvirem:
- Eu atendooo!
Eu adoro The Nanny
ResponderExcluirE também Happily Divorced que deveria voltar