quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Preto no Branco



AVISO: Antes de ler esta postagem, saiba que este blog, que é um cavalo purossangue cavalgando sempre à frente, está de férias e retornará efetivamente na segunda quinzena de fevereiro de 2019. Mesmo assim, posso estar postando antes disso, como agora. Mas o retorno definitivo é em fevereiro, ok?

Ironicamente, o sobrenome do artista negro americano Charles White quer dizer “branco” em inglês. Charles se empenhou em sua obra na causa afroamericana, num homem que tinha orgulho de ser descendente de escravos. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!


Acima, Black Sorrow. 1946. Como o título diz, há tristeza, talvez por um luto, uma perda, talvez na tristeza de um escravo açoitado, punido severamente por um delito leve, na incrível estupidez que é a Escravatura, expondo a perversidade do Ser Humano, com irmão maltratando irmão, como diz a letra de uma canção da cantora negra Tina Turner: Realmente não há diferença quando você olha embaixo da pele. Os EUA evoluíram, elegendo o negro Obama, mas o Mundo ainda tem muito o que evoluir. Aqui, há uma consolação, numa pessoa amparando a outra, num sentimento de reciprocidade, como um bom amigo fiel, que nos acompanha sempre, mesmo estando fisicamente longe, no poder do pensamento em acompanhar as pessoas de forma metafísica, num desapego, sem obsessões ou possessões. O quadro é assim mesmo, em preto e branco, como é descolorida a vida de uma pessoa deprimida, perdida, sem muita autoestima, numa pessoa que não se aceita, que não se acha “à fudê”, com o perdão do palavrão. Aqui, os braços se envolvem. A pessoa mais abaixo está de olhos fechados, talvez morta, talvez dormente, imaginando algo, querendo fechar os olhos para um Mundo tão cruel e duro, como um pobre coitado mendigo atirado numa calçada, esperando por uma moedinha para, quem sabe, comer um pãozinho no fim do dia. A pessoa de olhos fechados parece ser uma mulher; a de cima, um homem.Temos uma Pietà invertida, com o filho amparando a mãe, o Mar Primordial. Talvez sejam escravos vendo um terceiro escravo sendo açoitado, como na célebre lenda gauchesca do Negrinho do Pastoreio, em que um menino negro e pobre é cruelmente punido por seu senhor, sendo amarrado em um formigueiro, morrendo aos poucos, de forma excruciante e sofrida. Esta é a face política de Charles White, sempre querendo chamar a atenção sobre uma parcela desprivilegiada da população. Aqui, o homem parece estar querendo tapar os próprios olhos com a mão, sendo mais forte do que a mulher, a qual não quer ver a violência mundana de uma sociedade que sofre resquícios da Escravatura, moldando uma estrutura social como a da Bahia: ou você é preto e pobre trabalhando para um branco, ou você é branco e rico e tem negros pobres trabalhando para você. Este quadro mostra uma miséria social, numa América que, outrora, sequer imaginaria um negro presidente, pois as sociedades, que bom, vão evoluindo, no fato de que, na Dimensão Metafísica, os preconceitos todos caem por terra, numa relação de plena Igualdade, podendo, assim, haver Paz, inabalável Paz, muito, muito longe deste Mundo aguerrido. O homem cobre a própria testa, talvez para enxugar o suor de uma labuta muito dura, remetendo-me à célebre novela Sinhá Moça, da Rede Globo, numa novela que mostrava as crueldades da senzala, numa sociedade animalesca, insensível, estúpida. Talvez, no quadro, haja um momento de luto, talvez por uma criança que tenha nascido morta. É uma cena de lamentação, num CW embebido em uma veia política, fazendo da Arte um pertinente palanque de discussão sociopolítica, querendo despertar a América para discussões, lembrando as mãos absolutamente calejadas de escravos no sul dos EUA, nas vastas plantações de algodão, numa labuta que fere as impressões digitais dos dedos, no modo como numa sociedade desigualitária não há como um pobre ter sua identidade, nem como deixar uma marca no Mundo. Este quadro tem um certo movimento cíclico, nos ciclos da Vida, numa criança que nasceu, viveu e morreu dentro de uma senzala, o que nos leva ao questionamento: Por que o Mundo é tão duro? Porque a Vida não tem sentido sem vicissitudes, pois destas nasce o crescimento. Coragem!


Acima, J’Accuse #7. 1966. Uma carga, um peso, um cargo, numa pessoa que tem que trabalhar muito para receber alguma bonificação. Esta carga toda parece ser uma exuberante coroa na cabeça desta negra trabalhadora, talvez descendente de príncipes africanos, na universalidade da Realeza, com sangue azul até em tribos tidas como “primitivas”, fazendo com que o sangue azul faça metáfora com o nobre sangue metafísico que abrange absolutamente todos os seres humanos sobre a Terra. Mais acima no quadro, um adereço xamanístico, mágico, ritualístico, nos rituais de magia das tribos africanas, numa altivez exótica, na beleza da cultura negra primordial. Este adereço pode ser uma espécie de deus, com uma coroa altamente misteriosa, com vários “furos”, deixando o ar passar, fazendo metáfora com Tao, que é a Vida respirando, respirando sempre, fazendo com que o ar passe e nutra todos no Mundo, num conceito de leveza e harmonia. Estes furos imitam as grades de uma prisão, no negro africano que foi arrancado à força de seu lar e obrigado e deixar para trás todas as suas referências. Mas, mesmo assim, o escravo construiu uma cultura de resistência, como nas religiões afrobrasileiras, ou como no uso dos tambores, marcando para sempre o Samba e a Axé Music, fazendo do Brasil único em sua miscigenação cultural. Este monte de palhas parece ser uma extensão do cabelo da negra, numa exuberância, como na moda do cabelo black power, nos anos 70, num momento em que o negro abraçou sua própria identidade, não mais tendo vergonha do cabelo afro, como em mulheres lindas como a atriz negra brasileira Taís Araújo, Beyoncé e ou Naomi Campbell, num Mundo que começa a se abrir à pluralidade, em descendentes que passam a exibir orgulho racial, como no ano de 1988, em que se celebraram os Cem Anos da Abolição da Escravatura no Brasil, numa campanha publicitária que trazia atores negros erguendo a cabeça e dizendo repetidamente: “Negro!”. Esta mulher veste roupas majestosas, fartas, como uma rainha envolta em fartas vestes de veludo. A mulher fita o espectador, quase desafiando este. A mulher parece saber que, no fundo, é herdeira de um legado muito rico, muito intenso, como na arrebatadora seção africana do Met, com obras que remetem a poderosos rituais de magia, na universal tentativa humana em buscar entender o Mundo ao qual viemos como inocentes bebês. Esta é uma cena de altivez, e a mulher demonstra ter força para carregar tudo que carrega, como no peso que é uma coroa na cabeça de um herdeiro de monarca, na absoluta responsabilidade de herdar um trono outrora ocupado por monarcas tão dignos, tão heroicos, tão lendários. Mas esta mulher negra parece ter a força de um pilar de duro mármore, suportando o peso e mostrando ao Mundo ter orgulho de ocupar uma posição de tanto poder representativo. Este monte de palha é a fartura de cornucópia, numa cozinha rica, como na rica cultura gastronômica baiana. Este adereço ritualístico é um aviso: mantenha distância. Os furos quadriculados são como uma trama de tear, numa Divina Providência que tece os destinos humanos, havendo uma razão muito forte para uma pessoa nascer em uma posição social tão desprivilegiada, havendo na Humildade um degrau que, contraditoriamente, leva à Altivez. A negra e esta carga mágica formam um só organismo. Este rosto esculpido olha para bem longe, como um líder imaginando o destino do próprio povo, na virtude que cobre a pessoa visionária, que consegue enxergar além das mediocridades. Estes quadrados vazados são como casas de uma mesma tribo, com cada indivíduo tendo uma função, uma dignidade dentro do grupo. Sobre a fronte do rosto esculpido se debruça algo que parece ser uma cauda de cobra, no modo como várias culturas têm as serpente como símbolos de fertilidade liquidiscente, quando que, para outras culturas, como a católica, a serpente é símbolo da maldade e de vulgaridade humana, digna de ser esmagada pelos alvos pés de Nossa Senhora.


Acima, Love Letter II. 1977. A flor abaixo é a feminilidade, rubra, da cor do interior uterino, com cheiro de Chanel número cinco. A flor é a força da Natureza, desabrochando na época reprodutiva, sem esquecermos que a flor é o órgão genital da planta. É como as rosas no cenário do acústico de Cássia Eller na MTV, contrastando com a masculinidade e a agressividade catártica da intérprete, uma pessoa que subia no palco para “vomitar” e fascinar a plateia, num desabafo, talvez numa pessoa farta dos preconceitos do Mundo. É como as rosas que o professor Girafalez oferece à Dona Florinda, no seriado Chaves, num gesto de sedução, de romantismo, na delicadeza de um coração apaixonado. Acima, temos a figura de uma matriarca, uma mulher que, apesar de mulher e feminina, precisa desenvolver força para suportar os golpes da Vida, numa pessoa nascida em um contexto social de desigualdade, com bairros pobres que abrigam, em geral, pessoas negras, fazendo que ainda respiremos ecos da Escravatura. A mulher está muito séria, e não olha para o espectador, mas olha para o alto, num horizonte amplo, talvez sonhando com uma vida melhor para si ou para os seus, pensando como será a vida de seus filhos e netos, se estes vão ainda sofrer com as disparidades sociais. Seus lábios são fartos como a flor abaixo. A flor exala um perfume que faz com que nos esqueçamos momentaneamente dos problemas lá fora, no modo como é importante que a pessoa, ao entrar em casa, tenha que deixar o Yang lá fora, e curtir o Yin no aconchego do Lar. A flor desabrocha delicadamente, como no primoroso trailer do filme A Época da Inocência, numa trama de sedução em que um homem é tentado a largar tudo e todos por uma belíssima mulher. É o clima reprodutivo de Primavera, com a Vida explodindo como uma granada, espalhando-se pelos bosques e florestas, na força implacável da Vida, no modo como um artista busca ser isso, uma força natural, como um tsunami, mas um tsunami do Bem, inundando as percepções de outrem e abalando as bases de velhos preconceitos como o Racismo, num Charles White empenhado em trazer essa discussão a um país onde a Miscigenação é pouco difundida. Aqui, temos uma mulher de terceira idade, acumulando experiência de Vida, numa pessoa que viveu décadas experimentando um contexto social pouco belo, com pessoas que já nascem prisioneiras, numa criança que não chega a contestar uma realidade com a qual o negro se acostumou, havendo no negro uma cultura forte, de muita identidade, como as correntes musicais americanas – Blues e Jazz, por exemplo. Esta rosa é afável, sedutora, com uma gentileza que faz com que nos esqueçamos da dureza do Mundo lá fora, da dureza dos espinhos de uma bela roseira, como a beleza de pinheiros araucárias, repleto de espinhos em suas copas, na necessária e inevitável imperfeição da Dimensão Material. A seriedade e a austeridade da matrona negra se impõe no quadro, e ela olha para o Céu, talvez pensando nas tramas invisíveis da Divina Providência, perguntando-se: Por que nós negros sofremos tanto? Num espírito que decidiu encarnar em um contexto social complexo e difícil, fazendo dos obstáculos e vicissitudes um combustível para o aprimoramento espiritual. A mulher usa dois brincos, ou seja, não é uma mendiga, mas também não vive em pleno conforto. Os brincos são os dois elos que se ligam, jamais podendo ser separados, no modo como a carne está fortemente ligada ao espírito, só havendo o desligamento no momento determinado pela Justiça Divina. Seu cabelo é black power, assumindo a genética africana, num orgulho de fazer erguer a cabeça falicamente, na expressão chula, porém válida: “Colocar o pau na mesa”. Aqui, sua pele está suada, exausta depois de um dia de labor braçal, como limpar a casa do patrão. É uma pessoa que não sabe o que é participar de um baile glamoroso, cheio de joias, vestidos e música fina. Então, a dureza se justifica no passo do aprimoramento moral. E a Rosa Mística de Maria segue incólume, intocada, exalando seu perfume fino, no perfume espiritual das pessoas que agem sem obsessão material.


Acima, Love Letter III. 1977. A concha é a sedução do Mar, do cheiro de orla, como no final de O Senhor dos Anéis, em que uma barca mágica leva as pessoas a um lugar de orlas brancas, paradisíacas e agradáveis, no Mar nos chamando de volta para casa, num lugar cômodo e cheio de liberdade, num Lar confortável, onde estamos cercados de irmãos que nos amam. A concha é a beleza natural, com um ser mole dentro dela, reservado, escondido, um ser que sabe a importância de se manter a Discrição. A concha é o lar seguro, abrigando as pessoas num ambiente longe de ameaças, no modo como a criança, no fundo, gosta de receber limites, pois estes dão a sensação de invólucro, de proteção. Esta concha paira nas alturas, remetendo a uma urbe espiritual, uma sacra cidade onde há energia de trabalho e diversão, numa atribulada agenda social, cheia de Vida. A concha se sustenta por si mesma, sem precisar de apoio, pois não é feita de matéria, de calcário, mas é feita de pensamento, na vitória do cérebro sobre a bunda. O fundo azul do quadro é um Céu de Brigadeiro, perfeito, intocado, sem qualquer sinal de nuvem, de interferência, num lugar especial onde nunca há mau tempo, num lugar onde a temperatura é sempre amena. É um céu que nos remete à estética dos anos 80, pós moderno, numa alusão a uma cidade imaterial, como nos céus de Dalí, numa clareza incrível, num dia claro em que um artista se expressa com clareza, causando comoção estilística. A concha parece girar, com força própria, e está em pleno equilíbrio, combinando Yin com Yang. Abaixo temos um negro encapuzado, remetendo ao brutal assassinato de um rapaz negro nos EUA há anos atrás, um rapaz inocente morto por um homem que desconfiou pela vítima estava caminhando na Rua com um capuz sobre a cabeça, num caso de comoção mundial, com o próprio presidente Obama dizendo: “Se eu tivesse um filho, ele se parecia com este rapaz”, e assim podemos entender o empenho de Charles White e trazer à tona delicada questão racial nos EUA (e no Mundo, inclusive no Brasil). Este rapaz negro olha altivo para o espectador, como Marisa Monte em seu álbum de estreia, numa pose de certeza, numa pessoa que está segura de si mesma, desafiando o espectador. É o orgulho racial, numa pessoa que tem que construir uma identidade em cima da herança de seus antepassados, no modo como eu próprio já fui ridicularizado por ser descendente de colono italiano, no modo como o ex-governador gaúcho Ivo Sartori disse ser um orgulho de ter vindo da Colônia. Este rapaz, com seu capuz, parece um cavaleiro jedi, no poder do orgulho, da dignidade, lutando para se estabelecer num Mundo que ainda é tão duro em relação à aparência da pessoa. O capuz é a proteção, o resguardo, como óculos escuros protegendo do Sol, no modo como o orgulho é uma proteção psíquica, bloqueando-se contra atos maliciosos de desrespeito e frivolidade. O céu azul aqui é um oceano plácido, acolhedor e doce, longe das intempéries dos mares físicos, na luta de um pescador para trazer o peixe para casa, no modo como é uma luta a vida de qualquer pessoa que se cansou de ficar esperando por um príncipe encantado que jamais chegará. É a mortificação, a aniquilação de ilusões tolas, no modo como o Espiritismo prega que o espírito, para se elevar, tem que se mortificar. Este rapaz tem um semblante um pouco triste, sofrido, depois de um dia duro em um serviço subserviente, como cortar cocos ou empilhar lenha. A forma deste rapaz encapuzado é um pouco semelhante à concha, fazendo tudo virar uma coisa só neste quadro. É uma relação de continuidade, na sensualidade da integração cósmica, nos oceanos infinitos de energia que interliga a todos nós, em um continuum sexy de irmandade, de amor espiritual, como linhas telefônicas vastas, infinitas. A concha é um telefone por meio do qual podemos ouvir a energia cósmica fluir de forma intermitente. É o parafuso que nos liga e nos une ao Grande Plano Universal para conosco, num Ser Humano que ainda tem muito pela frente. Aliás, tem a Eternidade pela frente.


Acima, Sound of Silence. 1978. A concha é o coração pulsante da Mãe Primordial que nos colocou na Terra, a Iemanjá oceânica com suas sensuais curvas liquidiscentes, seus longos cabelos negros e sua estrela na fronte, a estrela dos mares, a suprema popstar que está sempre gerando, sempre criando, numa vida produtiva, positiva, interessante. É uma granada, mas uma granada do Bem, pulsando em cada um de nós, sendo o link que nos faz iguais, faz-nos irmãos. A concha tem o perfume do Mar, o perfume da saudável vida ao ar livre, na farta riqueza biológica deste ínfimo planetinha no qual vivemos. O homem negro aqui abre seu peito em um momento de perspectiva, de explosão catártica, na magia de uma mulher gerando a Vida, na magia de um ovo gerar um pintinho, no enigma supremo: o que gera, mantém e ceifa a Vida? É um gesto de abertura, de entrega, num artista que busca dar o melhor de si ao Mundo, sempre querendo interpelar o espectador, interpelar quem assiste e prestigia a obra de um artista, como num fãclube. As mãos do homem aqui são fortes, corpulentas e grandes, com mãos capazes de suportar muita pressão, como na triste história da diva Whitney Houston, a qual declarou ter sofrido gigantescas pressões depois de gravar um dos dez álbuns mais vendidos de todos os tempos, O Guardacostas. O cabelo black power é característico dos anos 70, numa época em que o ator brasileiro Tony Tornado, com o cabelo neste estilo, foi assaltado por outro negro no perigoso bairro novaiorquino do Harlem! É o cabelo usado por um Michael Jackson menino, num popstar que se tornou uma das figuras mais controversas na história do Pop, tornando-se um branco. O rapaz aqui fita diretamente o espectador, querendo falar algo, expressar algo, mas sentindo-se tolhido a abrir a boca, numa sociedade que no passado estava mergulhada no grande equívoco moral que foi a Escravidão. É um rapaz jovem, no início da Vida, e ele está sério, sem esboçar qualquer sorriso de alegria ou contentamento, numa vida dura, num Mundo em que uma pessoa negra, ainda, sofre preconceito, apesar da Humanidade já ter feito grandes progressos éticos. Atrás do rapaz, cores suaves, com um azul e um lilás brandos, talvez num Charles White querendo amenizar a vicissitudes de uma sociedade inigualitária. Aqui, temos um artista abrindo o próprio coração e “colocando a cara a tapa”. A concha, com uma abertura, é ao canal vaginal, a grande gruta sedutora e reúne segredos que desafiam a Masculinidade, no enigma da Sensibilidade: o que faz uma pessoa ser sensível à Arte? É um orifício misterioso, com mistérios prestes a serem desvendados pela luz do pensamento racional, iluminando o escuro, trazendo uma mensagem divina, pois algo de muito bom nos espera no Desencarne. Aqui, o interior da concha é escuro, e parece não haver iluminação lá dentro, no modo como um bebê, ao ser gerado no escuro da barriga da mãe, leva um choque ao vir ao Mundo, ao vir à luz, no primeiro grande trauma da pessoa – nascer. A concha tem o formato de um grande palácio, com arquitetura exótica, na depuradíssima arquitetura da Dimensão Metafísica, um lugar de Paz e Prosperidade, como no reinado de um monarca talentoso, que sabe interligar os próprios súditos. Aqui, o elemento protagonista é a concha, seguida do rosto sério do rapaz, um rapaz belo, que não precisa de cirurgias plásticas para ser bonito, pois nunca ouvimos dizer que beleza não se compra? As mãos dele são como portais que se abrem e trazem uma revelação, num intenso boom, numa onda fortíssima que quebra e afoga um surfista desavisado. O rapaz quer dizer alguma coisa, no modo como todo artista quer expressar algo, sendo um desafio ser entendido pelo público, no modo como é comum haver artistas malcompreendidos, no modo como Jesus Cristo foi malcompreendido ao ponto de morrer agonizando numa cruz. A Vida é dura. Portanto, a pessoa tem que se fazer forte. A concha é um presente dado ao espectador, e este fica agradecido aos artistas que têm a coragem de ousar e de marcar épocas.

Referências bibliográficas:

Charles White. Disponível em <www.artequeacontece.com.br>. Acesso 7 jan. 2019.

Charles White – A Retrospective. Disponível em <www.moma.org>. Acesso 7 jan. 2019.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

Brilho



AVISO: Antes de ler esta postagem, saiba que este blog, que é gostoso como um bom vinho fino, está de férias e retornará efetivamente na segunda quinzena de fevereiro de 2019. Mesmo assim, posso estar postando antes disso, como agora. Mas o retorno definitivo é em fevereiro, ok?

Sol LeWitt foi um dos maiores artistas da História dos EUA, e mergulhou no Minimalismo. Filho de judeus russos, nasce americano em 1928. Foi teórico de Arte e é conhecido por seus enormes murais, com cores e alegria, depois de uma juventude tendo testemunhado os horrores da II Guerra Mundial. Sol está representado em instituições honradas com o MOMA, o Guggenheim de NY e o Whitney Museum, entre outras. Falece em 2007 tendo tido em vida várias retrospectivas. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!


Acima, Bands of Color in Four Directions. Livros dispostos de vários modos em uma estante, numa biblioteca farta, fazendo metáfora com a cabeça da pessoa, numa mente que arquiva cultura e informações, fazendo do cérebro uma grande biblioteca. Sol experimenta as linhas em forma vertical, horizontal e diagonal, explorando possibilidades geométricas, como um estilista fazendo estampas, encantando as clientes com roupas ousadas e sofisticadas. Temos um Sol alegre e radiante, com um verdadeiro prisma multicolorido, encantando por meio das cores. A grande moldura dourada e a cornucópia mental dos artistas inspirados, fazendo da Arte um agente da Espiritualidade, fazendo da Arte uma questão de saúde mental, sendo a censura uma questão de doença mental, de estados opressores, estados estes que colocam o pobre cidadão em grandes incômodos, como proibir o uso de certas cores ou de certos cortes de cabelo, sendo a Liberdade uma questão de prazer e bem-estar – realmente, a Liberdade não é uma piada fútil nem uma invenção pueril. Há aqui quatro módulos, demarcados por limites negros, na cor da discrição, do luto, do respeito, na seriedade de um artista que tem que ter a disciplina para produzir, como num Moacyr Scliar, que dizia ter que ter disciplina para sentar e escrever, na parte séria de um trabalho, uma parte não muito provida de prazer, mas provida do realismo de que, se quero reconhecimento, tenho que fazer por merecer. Estas linhas alegres e multicoloridas são um verdadeiro arco-íris, fascinando por sua riqueza cromática, remetendo um pouco à rebeldia dos anos 60, uma época psicodélica e alegre, como no divertido clipe Groove is in the Heart da finada banda Deee-Lite, trazendo ao início dos anos 90 um pouco da psicodelia de décadas anteriores. Temos aqui um Sol explorando possibilidades, como veias em um organismo, correndo das mais diversas formas. É como um pincel que foi embebido com várias tintas, fazendo com que as pinceladas deixem o rastro de multiplicidade, de diversidade, inspirando-nos a celebrar a diversidade, a respeitar as diferenças, do modo como vejo, frequentemente na Rua, casais homossexuais de mãos dadas – estes contam com meu integral respeito, pois um regime ditatorial opressor não respeita o seu próprio cidadão, em regimes horríveis, de verdadeiros campos de concentração, num líder ambicioso e paranoico ao ponto de executar pessoas de sua própria família, num dos maiores crimes que existem, que é sangue matando sangue, pois não somos todos príncipes filhos do mesmo Rei? A Humanidade tem muito ainda por vir. Uma cor muito presente nesta obra é, de fato, o amarelo, na cor do ouro, da riqueza, na avidez humana por riqueza e poder, no modo como, há algum tempo, amigos meus foram vítimas de um horrível assalto, pois esses amigos tiveram sua casa invadida por bandidos, que amarraram meus amigos e levaram embora uma pequena fortuna em joias de pedras e metais preciosos. E isto me remete ao que Tao diz: Se você não comprar tesouros, ninguém vai querer roubá-los. Ou seja, a Vida é boa quando é simples. Temos algumas linhas em verde, na cor das majestosas roupas que as florestas vestem, no modo como, infelizmente, o Ser Humano valoriza os palácios mas não vê beleza nas riquezas naturais. Aqui é como uma complexa sala de espelhos, com quadros refletidos que confundem e encantam o espectador, numa verdadeira dança de formas e linhas, pois, como eu já disse aqui no blog, as Artes estão umas dentro das outras, na universalidade incrível que a Arte tem. As quatro direções são as estações do ano, com ventos que mudam de direção, varrendo por completo as sujeiras e trazendo a irresistível limpeza de Tao.


Acima, Irregular Horizontal Bands of Equal Width Starting at Bottom. Um muro que vai acompanhando um terreno íngreme, na necessidade de adaptação, no modo como a pessoa tem que se adaptar às condições de vida, como um camaleão, sempre cedendo, sempre adquirindo a cor do ambiente, reservando-se e tornando-se invisível, sem ser detectado por predadores nem por vítimas, jogando sua língua viscosa e garantindo a refeição do dia. A parte superior do quadro é o pacífico branco, buscando harmonia e concordância, primando pela Paz diplomática, fazendo o meio de campo entre nações rivais ou inimigas, na boa vontade dos agentes da Paz, como numa incessante guerra entre azuis e amarelos, na guerra em que o verde faz o intermédio, relacionando-se harmoniosamente com ambos os lados do campo de batalha, no modo como a Filosofia não muda o Mundo; só muda o modo de um indivíduo, em particular, pensar. Nesse modo, o verde é a promessa de um amanhã melhor. Aqui temos novamente um Sol alegre, banhando de luz todas esferas de um mesmo sistema. Temos aqui um pouco de tensão, com algumas quinas, algo truncado e difícil, como nos grandes esforços diplomáticos para a manutenção da Paz. É como uma onda truncada, solidificada, sem linhas arredondadas ou orgânicas, sem muita fluidez liquidiscente. Há quinas até um pouco cortantes, esperando para ser polidas e desprovidas de tanta agressividade, como no chamado “canto moeda” de mesas de vidro, com as quinas polidas para que o usuário não se fira. Aqui, é como a sedimentação geológica de um terreno, num processo que leva milhões de anos para se formar, fazendo com que cada camada geológica conte a história de uma formação natural, no modo como um artista vai construindo uma carreira e vai colocando várias camadas ao decorrer de décadas de trabalho, como num chocalho de cascavel, que, ao partir do comprimento, vai contando uma história, uma estrada, uma carreira, na inacreditável lentidão operada pela Natureza, no modo como blocos de mármore, apesar de ser aparentemente duros, são liquidiscentes, no fato de que tudo na Dimensão Material está danado ao processo intermitente de fluidez, no modo como, de fato, pedras preciosas não são eternas, pois só a vida espiritual dada por Tao é eterna, no patético modo como o Ser Humano persegue tolos sinais auspiciosos, sempre hipnotizado pela mentira de que dinheiro pode trazer Norte à vida de uma pessoa, como na infeliz história de um ganhador da Loteria, um indivíduo que passou a se cercar de amigos falsos, que na verdade não eram amigos, mas interesseiros – grana compra tudo, menos Amor. Aqui, é como uma faixa de pedestres colorida, fazendo metáfora com a travessia existencial, com vários momentos ao longo da Vida, no modo como cada passo é importante no caminho, pois uma etapa leva à próxima etapa, no sentido de que tudo é processo. Aqui, temos um vibrante anúncio em neon, piscando, chamando a atenção, tentando seduzir o indivíduo a fazer com que este se torne um verdadeiro escravo da Sociedade de Consumo, um escravo de futilidades, como vi certa vez, em um shopping, uma perua fazendo suas compras e, atrás da perua, a empregada carregando as sacolas. Sim, os shopping são, de certa forma, templos do Consumismo mas, apesar disso, são passeios agradáveis. Aqui é como um osso quebrado, na excruciante dor de uma fratura, no modo como as comoções artísticas são, de forma metafórica, porradas que quebram ossos em vários pedaços, assassinando paradigmas rançosos e assinalando pontos de renovação, como o Modernismo Brasileiro “assassinou” a tradicional Arte Acadêmica. Este é o dever da Arte – trazer renovação, refresco, numa espécie de fervo da Juventude, com novas ideias que limpem as teias de aranha.


Acima, Splotch #3. Um diálogo com a paisagem novaiorquina, fazendo com que as coloridas e alegres esculturas sejam uma versão positiva dos cinzentos e austeros arranhacéus da célebre ilha de Manhattan. Há uma metalinguagem – estrutura falando de estrutura. Esta mostra ocorreu, provavelmente, no terraço do Metropolitan Museum of Art, numa deslumbrante vista para uma das cidades mais fascinantes do Mundo. Aqui, Sol nos traz picos multicoloridos, como estruturas geológicas moldadas por milênios de erosão e de ação da Natureza, como no Grand Cânion, sugerindo que o lugar já abrigou caudalosos rios, no eterno processo de mudança da Natureza, num corpo dinâmico, onde tudo muda lentamente, como é a Arte, um corpo que está sempre se mexendo, nunca fabricando verdades absolutas e imóveis, nem definitivas. Estes picos de Sol são mais arredondados do que os prédios atrás, num diálogo entre Razão e Loucura, entre Masculino e Feminino, nos eternos arquétipos humanos de forças opostas que regem, juntas, o Universo. É como um saco de doces balas coloridas, encantando os olhos de uma criança, no modo como a Infância é simples e descomplicada, num Ser Humano que traz apagadas memórias de uma vida plena e maravilhosa, uma vida antes do Reencarne. Estes picos de Sol são fálicos, como o famoso Dedo de Deus, na Região Serrana do Rio de Janeiro. Mas são picos gentis, não muito cortantes, num falo gentil que, apesar de altivo, é amigável, não causando muita dor. A Arte é como o Central Park, numa área verde e agradável em meio a uma cidade em que tudo cheira a dinheiro e riqueza. A Arte traz um respiro, uma pausa em meio a um Mundo tão obcecado em sucesso, em provar a que se veio. Tenho as memórias de esquilos no parque, em plena selva de pedra. O artista é isso, sobrevivendo graciosamente a um Mundo tão duro, tão insensível em meio à sensibilidade artística, no grande desafio do artista: sensibilizar, como foi a comoção do megafilme Titanic. Estes picos de Sol são como castelinhos de areia úmida na beira da praia, numa arte que foi feita para ser destruída pelas ondas do Mar, como é a Gastronomia, uma arte que foi feita para ser destruída pelo consumidor. É como uma cidade carnavalesca, num lugar em que a alegria nunca morre, num eterno Carnaval de deslumbrantes salões. Os picos parecem estar sendo moldados e gastos pelo simples vento que corta a cidade, e parecem ser frágeis, vítimas de qualquer pequeno evento meteorológico. Os picos, e os arranhacéus atrás, parecem competir uns com os outros, numa guerra de espadas, numa luta de boxe, ou num concurso de beleza, em eventos de agressividade e alta competitividade, em que oponentes se enfrentam e tentam delinear quem é o melhor, o melhor tenista, o melhor corredor etc. É a inevitável competitividade do Mundo, nas palavras inesquecíveis de um psiquiatra a mim: é preciso se desenvolver agressividade, como em árvores numa floresta, competindo por um lugar ao Sol, no modo como todos temos que ter espírito olímpico, no modo como o Esporte ajuda a fazer com que a pessoa entenda o que é agressividade que não se afasta do cavalheirismo, numa competição entre dois homens civilizados e cordatos. A base branca, que abranda esse buffet colorido de doces irresistíveis, é o desejo do artista de querer Paz em meio a um Mundo assoberbador, um Mundo que está o tempo todo desafiando o indivíduo, pois o importante é manter a Paz interior nesse octógono de luta livre, no prazer de estar em casa tomando um chá ou um chimarrão, com os pés para cima, afastando-se da obsessão por sucesso e dinheiro. Os picos de Sol são como uma cidade infantil, doce, como na Cidade das Crianças, na Argentina, um lugar que inspirou Walt Disney a construir a Disneylândia, num lugar mágico, onde adultos voltam a ser crianças, no modo como o indivíduo, por mais maduro e ponderado que se torne, jamais deve perder uma pontinha de candura infantil. Estas cores trazem o prazer de viver, e o prazer de se fazer algo que dê preenchimento existencial, na dificuldade que a pessoa depressiva tem em encontrar algo para se dedicar com vontade e agressividade, como no significado literal do seriado americano Will and Grace: Vontade e Graça.


Acima, Wall Drawing #1136. Um diálogo entre linhas tortas e retas, remetendo ao ditado: Deus escreve certo por linhas tortas, no sentido de que pouco do futuro podemos prever, e pouco podemos saber como as coisas realmente acontecerão, no grande senso de humor de Tao, o piadista que fala sério. As linhas retas são barras de uma cela, de uma prisão, mas uma prisão alegre, numa pessoa que encontra prazer na Vida, sendo grato pelas graças alcançadas, encontrando contentamento nas pequenas coisas da Vida, como apreciar uma simples florzinha silvestre. Sol escolheu este lugar muito por causa dos sólidos pilares, que são a força, a sustentação do Yang, no modo como um homem sustenta uma mulher, tratando-a como uma rainha, como diz uma certa canção pop: Você precisa de uma mão grande e forte que erga você a um patamar mais alto, fazendo você se sentir uma rainha. É o jogo de sedução entre Masculino e Feminino, numa relação de troca, pois um casamento é uma sociedade, em que cada um faz uma parte do trabalho. Temos aqui o curso de um rio bem sinuoso, como o Rio Amazonas, serpenteando sensualmente entre a mata fechada, nos barulhos enigmáticos da selva, no modo como a água vai desbravando o próprio caminho, sempre buscando abrigo, sempre correndo como uma serpente da fertilidade, nos quadris largos de uma mulher formosa, encantando os homens enquanto passa pela Rua, numa autêntica Garota de Ipanema. São como canudos coloridos num portacanudos, oferecendo uma variedade de opções, como numa gama de cursos universitários, no modo como a pessoa se sente livre para escolher o curso que melhor lhe complementa. Temos aqui uma pista de autorama, em carros apressados, empenhados em vencer, no talento de um Ayrton Senna, um dos maiores mitos da História do Brasil, falecido como um ator falece em pleno palco. É o percurso de uma vida, com uma estrada cheia de curvas, cheia de imprevisibilidade, com uma surpresa a cada esquina, como topar em uma esquina com um ator famoso. É o desafio de um curso universitário, num estudante que tem que se submeter a um currículo, aceitando os desafios impostos pelos professores, fazendo os trabalhos exigidos e superando a si mesmo em esforço, mesmo não gostando de certas cadeiras, no fabuloso processo de coroação que é uma formatura universitária, coroando todo um processo de inúmeras manhãs acordando cedo para ir ao colégio. Aqui, o arredondado se sobrepõe ao retilíneo, numa subversão em que o liquidiscente vence, tornando-se a estrela da obra, fazendo do retilíneo um ator coadjuvante e, mesmo assim, um ator principal, na discrição dos coadjuvantes, que têm papel importante não quantitativamente, mas qualitativamente, pois nunca ouvimos que por trás de um grande homem há sempre uma grande mulher? Parece que Sol passou por aqui saltitante, divertindo-se com seu sinuoso rio, como uma pasta de dente saindo do tubo, como um cocô sendo expelido, sendo o cocô a coroação do processo digestivo, o fim de um processo, no modo como são saudáveis as catarses, que são cocôs psíquicos, as fezes espirituais que fazem um bem tremendo ao artista em catarse. É uma libertação, e todo artista quer se libertar, vendo na Censura um mal inomivável e abominável. Como deve ter sido dura a Ditadura Militar Brasileira para os artistas do Brasil! Aqui, é como uma echarpe tremulando ao vento, ou como uma altiva bandeira nacional, no modo como nada há de errado em ser patriota, havendo no patriotismo um exercício de orgulho e devoção. É o percurso de Chapeuzinho Vermelho faz pelo bosque, sempre correndo perigo, sempre vulnerável, havendo no caçador uma projeção, numa Chapeuzinho projetando seu próprio Yang em outrem. E quaisquer projeções são patéticas. Cada um precisa se encontrar consigo mesmo. Aqui, é uma dança do ventre, sempre tremulando como água pura e fresca. Arte é frescor, novidade.


Acima, Wavy Lines with Black Border. Um covil de cobras, numa orgia, com ondas se misturando, acariciando umas às outras. É como uma confusão de linhas telefônicas, causando caos e desinformação. É um momento de turbulência e confusão, num Sol catarseando um sentimento de indecisão e indefinição. É um momento de susto súbito, numa comoção, no modo como um artista sempre quer, no fundo, causar comoções artísticas, fazendo “o chão tremer”. É um momento de escandalização, de polemização, com várias pessoas tendo, ao mesmo tempo, sua própria opinião, colocando o artista numa espécie de “olho do furacão”, na capacidade (saudável) da Arte em contestar velho ranços, velhos preconceitos. Cada linha aqui tem uma opinião, num cenário de liberdade, em que o indivíduo se sente à vontade para tecer um ponto de vista, ao contrário de uma ditadura, em que o cidadão é colocado em uma posição incômoda, muito longe do prazer proporcionado pela Liberdade, pelo direito de ir e vir, pois a Liberdade é deliciosa, é um orgasmo libertador, aliviador, como uma refrescante tempestade de verão que alivia o calor de um dia abafado de verão carioca – a Arte é uma espécie de ar condicionado. Aqui, é um organismo complexo, com muitas veias e artérias, com sangue indo e vindo, numa demanda orgânica, e feliz do artista que se vê útil ao Mundo, à Sociedade, na eterna busca humana por um lugar no Mundo, por um papel nesta grande peça teatral que é a Vida. Aqui temos um sistema meteorológico complexo, com várias ondas de alta e baixa pressão, numa valsa, num baile em que as linhas influenciam umas às outras, com ondas de calor de frio duelando entre si, como se quisessem obter o controle do planeta. Esta base branca virginal está completamente tomada e desvirginada, marcada por várias canetas multicoloridas que passaram por aqui, com cada caneta deixando sua marca no Mundo, seu registro, sua personalidade, numa vasta gama de artistas em busca de reconhecimento, rezando para que o Mundo reconheça o talento, o dom, a iluminação. Aqui é um mar com várias correntes, ou um terreno com uma geologia complexa, com marcas erosivas complexas, esculpindo a rocha durante milhões de anos, no incessante processo de transformação da Natureza, no modo como nada é terno na Dimensão Material, estando tudo sujeito ao processo transformativo, assim como a linha existencial de cada pessoa é um processo intermitente. Aqui é como uma impressão digital, como uma máquina de gráfica, como uma xilogravura, como um carimbo, deixando uma marca, um registro de personalidade, uma assinatura inconfundível. É o registro das digitais de um eleitor, num Brasil que ainda respira vestígios de ditadura, obrigando o cidadão a votar e obrigando o cidadão homem a prestar serviço militar – como é tosca a ausência de Liberdade! Aqui temos a brincadeira infantil de pular corda, mas com várias cordas sendo batidas ao mesmo tempo, num jogo complexo que desafia ao máximo o jogador, como jogar xadrez com três tabuleiros ao mesmo tempo. Aqui é um chão gasto pelos passos de inúmeras pessoas, como uma estrada percorrida inúmeras vezes, deixando uma marca que conta uma história, como rugas ou cabelos brancos, que trazem a sabedoria de quem há muito deixou de ser criança – como é bom crescer! Não temos tensão aqui, pois as linhas parecem estar fazendo amor. Temos incessante liquidiscência numa fluidez, como uma xícara de café sendo mexida depois de levar uma colherada de açúcar. É como uma galáxia que deixou de ser espiral e encontra-se em um momento de reviravolta, de dúvida, de mudança, enfrentando um momento totalmente novo. É como alguém crescendo e mudando de opinião, trazendo a tranquilidade da Maturidade, podendo observar o Mundo de uma forma mais ponderada. As linhas multicoloridas são serpentinas num baile de Carnaval, atando tudo e todos num mesmo ritmo, num mesmo samba, na capacidade de um líder de unir o povo em torno da mesma fogueira, da mesma mesa, sempre nos lembramos que viemos da mesma “barriga”.

Referências bibliográficas:

Sol LeWitt. Disponível em <www.mundodasartes.com>. Acesso 19 dez. 2018.

Sol LeWitt Obras. Disponível em <www.google.com>. Acesso 19 dez. 2018.