No início dos anos 90, fui por duas vezes ao estado
americano da Flórida, uma vez no verão de lá, acompanhado pela família, e outra
no inverno de lá, acompanhado por amigos. No verão americano, os parques
temáticos da cidade de Orlando ficam apinhados de gente, principalmente turistas
americanos, que vêm de todos os cantos dos EUA para se divertir com a família.
O calor é senegalês, com pancadas de chuva passageiras – lembra muito o verão
de Porto Alegre entre os meses de outubro e março nesta. As filas para entrar
nos brinquedos são quilométricas, e a espera pode levar mais do que uma hora,
esperando em pé. No
inverno americano é mais tranquilo – o frio não é muito intenso e os parques
estão bem menos assoberbados. As filas dos brinquedos são praticamente nulas e
as filas nos restaurantes dos parques, também. Normalmente, os americanos são
um povo gentil e comunicativo, sabendo receber bem o visitante, sendo treinado
para fazê-lo. As famílias são discretas e educadas, e todos estão ali com o intuito
de se entreter. A gentileza se manifestou quando derrubei um copo inteiro de
Coca Cola em cima de mim mesmo, e nenhum americano ao redor deu risada. E é muito
comum encontrar brasileiros por lá, um povo sempre disposto a deixar muitos dólares
nos caixas dos americanos na Flórida. Os itens mais procurados são bichinhos de
pelúcia, principalmente de Mickey e Minnie. Mas a imaginação do departamento de
vendas é forte demais, e uma simples caneca temática de Alice no País das
Maravilhas torna-se praticamente irresistível, com um apelo à fantasia
referente ao legado de Walt Disney e pós Walt Disney. Em Orlando, nada morre -
nem a infância.
Esqueça o que você sabe sobre parques de diversão no Brasil.
Orlando tem opções que vão muito além dos padrões brasileiros de parques. Os sofisticados
brinquedos são cuidadosamente criados e dispostos. A magia faz com que adultos
sejam crianças novamente. E, como eu já disse, o apelo mercadológico é
pesadíssimo – o turista está o tempo todo sendo tentado ao consumo. Por
exemplo, existe um simulador de voo de Star Wars em um dos parques da Disney –
é perfeito, e a pessoa sente-se como se estivesse realmente viajando pelo
espaço. É um deleite, uma aventura, e o encantamento e a adrenalina dão um pulo
dentro do coração do expectador. Então, findada a simulação, o turista, ao sair
do brinquedo, entra direto em uma loja de souvenires de Star Wars e, no calor
do momento, acaba comprando coisas que, de cabeça fria, não compraria, como eu,
que adquiri um pôster. O apelo é tão forte que, ao entrar na loja, o turista é
brindado com a canção tema de Star Wars, tocada no volume máximo. É tudo
milimetricamente planejado para tentar o visitante a gastar dinheiro. Nada é
colocado a venda por menos de um dólar. E a criatividade dos gerentes de marketing
está o tempo todo matutando e bolando produtos que despertem a libido da
aquisição, que tem a ver com a autoestima – brindo a mim mesmo ao comprar algo.
Tempo é dinheiro, e o americano em geral está sempre fazendo negócios.
Ao ver o sucesso de seu próprio parque californiano, a
Disneyland, Walt Disney fez uma especulação imobiliária na Flórida e deu corpo
a um ambicioso projeto – a Disney World, que conta com vários parques
compondo-a. Walt estabeleceu a seguinte diretriz: todos os que trabalham em seu
parque, o fazem apenas por três horas por dia, para garantir que as pessoas ali
trabalhem de bom humor e sem fadiga. Realmente, o polido e caloroso atendimento
é um diferencial nos parques Disney. A presidente da rede brasileira de varejo Magazine
Luiza, Luiza Helena Trajano, por exemplo, tem a filosofia de que um cliente bem
atendido é um cliente grato que sempre volta à loja, no caso orlandense, aos
parques.
Infelizmente, Walt faleceu antes da conclusão das obras nos
seus parques na Flórida, mas o sucesso da Disney World foi tanto que Orlando
começou a aglutinar outros investimentos, e parques concorrentes estacionaram
no estado peninsular. O resultado foi a construção de um complexo turístico vibrante
em constante crescimento, servindo a uma demanda turística insaciável. O ramo
hoteleiro de lá, por exemplo, prospera há décadas. E o próprio comércio fora
dos parques tem sucesso também. No Brasil, claro que em escala menor, existe a
região de Gramado e Canela no RS, que cresce incessantemente e se
profissionaliza na questão de encantar o visitante: hotéis, restaurantes,
parques temáticos, congressos, cafés, chocolaterias, lojas de artigos diversos
como couros, móveis e souvenires, o Zoo, o Mini Mundo, o Natal Luz e o Festival
de Cinema: tudo seduz o expectador e inspira este a gastar dinheiro.
Em ambas minha idas à Flórida, contei com os mesmos agentes
de viagem, os quais viajaram com meus pais a outros lugares depois. Eram
grandes grupos, e o entrosamento entre os integrantes embala o clima de passeio
e diversão, como numa grande família, ocorrendo até um divertido amigo secreto.
Como eu já falei, a indiscutível vocação turística de
Orlando começou com o gênio Walt Disney, que dizia que queria construir lugares
onde pais e filhos pudessem se divertir juntos. Quando tudo começou com a californiana
Disneyland, o universo de personagens de Disney já estava havia tempo incorporado
ao imaginário pop mundial. Nos parques Disney na Flórida, há, por exemplo, o
Epcot Center, cuja sigla quer dizer algo como “Projeto Experimental do Amanhã”.
Em uma de suas partes, há os formidáveis, amplos e charmosos pavilhões dos países
ao ar livre, que contemplam cultural e arquitetonicamente nações como, por
exemplo, Japão, China, França, México e, é claro, com destaque, os EUA. Aliás,
é muito fácil sentir o patriotismo dos americanos, visto que o pavilhão
americano fica no centro do complexo de pavilhões. Muita coisa fabricada nestes
países é vendida ali – uma pessoa de minha excursão comprou um autêntico sombreiro
mexicano enorme! No pavilhão francês, almocei com meus pais uma comida típica
parisiense. O lindo artesanato chinês, a preços módicos, também marca presença.
Comprei um quimono no espaço japonês. Só que os parques em Orlando são tão
grandes, e caminha-se tanto por eles, que pelo fim do dia o visitante tem que
sentar em qualquer lugar para descansar. Mas é um cansaço grato.
Como o sucesso é um amante infiel, Walt revirou-se no
túmulo com a Eurodisney, um parque que foi construído nos arredores de Paris e
que, a princípio, fracassou retumbantemente. Saíram notícias na imprensa mundial
do parque jogado às moscas, absolutamente carente de fluxo de pessoas para
pagar o pesado investimento. Rendeu até uma boa piada na cerimônia do Oscar
apresentada por Whoopi Goldberg:
- E não podemos esquecer do grande blockbuster deste ano, o
“Jurassic Park”, que conta a história de um maravilhoso parque que é
construído, mas tudo nele dá errado. O nome original deste filme era
“Eurodisney”.
Ou seja, não sofra; faça piada. Mas, anos depois da derrota
em solo europeu, o Grupo Disney decidiu mudar o nome para “Disneyland Paris” e,
com uma nova filosofia de marketing, conseguiu salvar o parque do fechamento e
dar a volta por cima.
Ainda na Flórida, há o Cabo Canaveral, famosa plataforma de
lançamentos de missões espaciais americanas. Dentre os museus de naves
espaciais e os muitos itens de souvenires, pode-se adquirir o sorvete de
astronautas, que é sólido e seco mas, ao entrar na boca, derrete-se por
inteiro. É um pouco deste tino mercadológico que o Brasil precisa ter,
aproveitando, por exemplo, o potencial das praias do Nordeste.
Orlando também oferece o castelo Medieval Times, que é uma
arena que reproduz as lutas de cavaleiros da Idade Média. O jantar medieval é
um frango assado, comido com as mãos, como na época aludida. Nunca vou me
esquecer que, tomado pelo entusiasmo dos combates, comecei a bater com meu
caneco de ferro na mesa e, perto de mim, estavam sentados o rei e a rainha,
atores do Medieval Times, é claro. E o rei, ao ver minha algazarra, fez-me um sinal
de reprovação. Desculpai-me, majestade!
Nas atrações aquáticas, há o supercomplexo de piscinas e
tobogãs Typhoon Lagoon, que só pode ser desfrutado no verão, é claro. Ainda na
água, há o ótimo Sea World, com baleias e golfinhos que ameaçam encharcar quem
estiver muito próximo dos grandes tanques d’água.
Tudo para o povo americano é muito prático. Nos hotéis, há
lavanderias self service. Aconselho a quem nunca foi que, pelo menos da
primeira vez, vá acompanhado de um agente de viagem especializado em Orlando. Como é uma
cidade com muitas opções, o marinheiro de primeira viagem pode ser ver confuso
e assoberbado. Um bom agente sabe peneirar as melhores opções e sabe dar dicas
sobre onde fazer compras por bons preços.
No Brasil, o Beto Carrero World, em SC, tenta reproduzir
alguma coisa da grandiosidade dos parques orlandenses. Mas os investimentos em
um país pobre como o Brasil são tão tímidos que fica difícil compor um complexo
gigantesco, mesmo porque, nos EUA, o povo, em geral a classe média, é rico,
ficando mais fácil e viável a constituição de uma demanda turística consistente
e forte.
O filme “Walt nos Bastidores de Mary Poppins” mostra um
Walt Disney sonhador e visionário, vivido por Tom Hanks. Persistente, o
empresário adquire uma grande paciência para conquistar a confiança da
escritora australiana P.L. Travers, detentora dos direitos de uso da personagem
Poppins.
Como faz muito tempo que fui à Flórida, não pude apreciar o
parque temático da franquia Harry Potter. Para os fãs do bruxinho, deve ser um
deleite, com vendas de inúmeros artigos de souvenires e castelos construídos
para seduzir o visitante. Orlando não brinca em serviço, pois, como a
concorrência é atroz, competência é item obrigatório na hora de bolar atrações.
E os gerentes dos parques sabem que, se não renovarem o leque de opções de
tempos em tempos, perderão o público, que ficará entediado com atrações que não
se reciclam. Não é insuportável um artista que passa a carreira inteira sempre
cantando as mesmas músicas? Muito na vida tem prazo de validade. Os donos dos
parques têm que estar o tempo todo vislumbrando possibilidades de se fazer
negócio. Talentos medíocres não têm vez em Orlando.
Há cerca de vinte anos atrás, no festival de comunicação da
PUCRS, o Set Universitário, tive a oportunidade de vez uma palestra da agente
portoalegrense de viagem Tia Iara, que há várias décadas vem liderando o mercado
de turismo na capital gaúcha. Tia Iara sabe que Orlando preocupa-se em encantar
o cliente, e Iara, por sua vez, tem também que propagar esse encanto. O mercado
de viagens para a Flórida é movido por pessoas que sabem vender sonhos como,
por exemplo, no lindo desfile alegórico noturno no parque Magic Kingdom, da
Disney, com inúmeras minilâmpadas para a iluminação, algo que poderia servir de
referência aos desfiles da Festa da Uva de Caxias do Sul.
Recentemente, pessoas de minha família viajaram para a
Flórida, e o fizeram por conta, sem agentes de viagem. Mas, com o dólar nas
alturas, é melhor esperar o cenário ficar mais favorável ao turista brasileiro,
que, em cenário de crise, tem optado por destinos turísticos nacionais,
favorecendo assim o mercado doméstico. E vamos combinar que é um certo incômodo
ter que ir a um consulado ou embaixada pedir humildemente por um visto. Mas
Orlando merece, um lugar onde todos somos crianças! O apelo à memória afetiva é
tão grande que, por exemplo, nos vemos amando os Flintstones e os Jetsons
novamente. É impressionante a capacidade de tocar as mentes e corações das
pessoas com tudo aquilo que permeia uma eterna infância. Os corações mais
empedernidos se derretem, e o ceticismo vai por água abaixo. Conheço pessoas
que foram céticas e voltaram encantadas. Não subestime o sonho de Walt!
Na ilustração desta
postagem, uma silhueta que dispensa apresentações.
Orlando é uma cidade grande e sem violência. Passear por
suas ruas à noite é um programa ótimo que não custa um só centavo. Mas, como é
de costume nas redes hoteleiras americanas, não há café da manhã incluído – a
pessoa tem que ir a um mercado e adquirir produtos para a refeição matinal.
Orlando é programa para você ver como o capitalismo leva a sério o
empreendedorismo de Tio Sam. Uma pessoa que viajou comigo para lá, disse várias
vezes a seguinte palavra para definir aquilo tudo:
- Profissional!
Para resumir, Walt Disney ergueu um império que respira
plenamente até hoje, com tentáculos que abrangem muito entretenimento, seja na
forma de filmes, desenhos animados, gibis, música, canais de TV ou parques
temáticos. Trata-se de um universo único, que escolheu Orlando para se espraiar
em todo o seu esplendor que inspira outros empresários a seguir o deslumbrante e
fértil talento de Disney, um verdadeiro desbravador, assim como Freud o foi
para a Psicanálise. E Orlando é a terra da magia. Inesgotável.