quarta-feira, 30 de março de 2016

Orlando, a cidade imortal





No início dos anos 90, fui por duas vezes ao estado americano da Flórida, uma vez no verão de lá, acompanhado pela família, e outra no inverno de lá, acompanhado por amigos. No verão americano, os parques temáticos da cidade de Orlando ficam apinhados de gente, principalmente turistas americanos, que vêm de todos os cantos dos EUA para se divertir com a família. O calor é senegalês, com pancadas de chuva passageiras – lembra muito o verão de Porto Alegre entre os meses de outubro e março nesta. As filas para entrar nos brinquedos são quilométricas, e a espera pode levar mais do que uma hora, esperando em pé. No inverno americano é mais tranquilo – o frio não é muito intenso e os parques estão bem menos assoberbados. As filas dos brinquedos são praticamente nulas e as filas nos restaurantes dos parques, também. Normalmente, os americanos são um povo gentil e comunicativo, sabendo receber bem o visitante, sendo treinado para fazê-lo. As famílias são discretas e educadas, e todos estão ali com o intuito de se entreter. A gentileza se manifestou quando derrubei um copo inteiro de Coca Cola em cima de mim mesmo, e nenhum americano ao redor deu risada. E é muito comum encontrar brasileiros por lá, um povo sempre disposto a deixar muitos dólares nos caixas dos americanos na Flórida. Os itens mais procurados são bichinhos de pelúcia, principalmente de Mickey e Minnie. Mas a imaginação do departamento de vendas é forte demais, e uma simples caneca temática de Alice no País das Maravilhas torna-se praticamente irresistível, com um apelo à fantasia referente ao legado de Walt Disney e pós Walt Disney. Em Orlando, nada morre - nem a infância.

Esqueça o que você sabe sobre parques de diversão no Brasil. Orlando tem opções que vão muito além dos padrões brasileiros de parques. Os sofisticados brinquedos são cuidadosamente criados e dispostos. A magia faz com que adultos sejam crianças novamente. E, como eu já disse, o apelo mercadológico é pesadíssimo – o turista está o tempo todo sendo tentado ao consumo. Por exemplo, existe um simulador de voo de Star Wars em um dos parques da Disney – é perfeito, e a pessoa sente-se como se estivesse realmente viajando pelo espaço. É um deleite, uma aventura, e o encantamento e a adrenalina dão um pulo dentro do coração do expectador. Então, findada a simulação, o turista, ao sair do brinquedo, entra direto em uma loja de souvenires de Star Wars e, no calor do momento, acaba comprando coisas que, de cabeça fria, não compraria, como eu, que adquiri um pôster. O apelo é tão forte que, ao entrar na loja, o turista é brindado com a canção tema de Star Wars, tocada no volume máximo. É tudo milimetricamente planejado para tentar o visitante a gastar dinheiro. Nada é colocado a venda por menos de um dólar. E a criatividade dos gerentes de marketing está o tempo todo matutando e bolando produtos que despertem a libido da aquisição, que tem a ver com a autoestima – brindo a mim mesmo ao comprar algo. Tempo é dinheiro, e o americano em geral está sempre fazendo negócios.

Ao ver o sucesso de seu próprio parque californiano, a Disneyland, Walt Disney fez uma especulação imobiliária na Flórida e deu corpo a um ambicioso projeto – a Disney World, que conta com vários parques compondo-a. Walt estabeleceu a seguinte diretriz: todos os que trabalham em seu parque, o fazem apenas por três horas por dia, para garantir que as pessoas ali trabalhem de bom humor e sem fadiga. Realmente, o polido e caloroso atendimento é um diferencial nos parques Disney. A presidente da rede brasileira de varejo Magazine Luiza, Luiza Helena Trajano, por exemplo, tem a filosofia de que um cliente bem atendido é um cliente grato que sempre volta à loja, no caso orlandense, aos parques.

Infelizmente, Walt faleceu antes da conclusão das obras nos seus parques na Flórida, mas o sucesso da Disney World foi tanto que Orlando começou a aglutinar outros investimentos, e parques concorrentes estacionaram no estado peninsular. O resultado foi a construção de um complexo turístico vibrante em constante crescimento, servindo a uma demanda turística insaciável. O ramo hoteleiro de lá, por exemplo, prospera há décadas. E o próprio comércio fora dos parques tem sucesso também. No Brasil, claro que em escala menor, existe a região de Gramado e Canela no RS, que cresce incessantemente e se profissionaliza na questão de encantar o visitante: hotéis, restaurantes, parques temáticos, congressos, cafés, chocolaterias, lojas de artigos diversos como couros, móveis e souvenires, o Zoo, o Mini Mundo, o Natal Luz e o Festival de Cinema: tudo seduz o expectador e inspira este a gastar dinheiro.

Em ambas minha idas à Flórida, contei com os mesmos agentes de viagem, os quais viajaram com meus pais a outros lugares depois. Eram grandes grupos, e o entrosamento entre os integrantes embala o clima de passeio e diversão, como numa grande família, ocorrendo até um divertido amigo secreto.

Como eu já falei, a indiscutível vocação turística de Orlando começou com o gênio Walt Disney, que dizia que queria construir lugares onde pais e filhos pudessem se divertir juntos. Quando tudo começou com a californiana Disneyland, o universo de personagens de Disney já estava havia tempo incorporado ao imaginário pop mundial. Nos parques Disney na Flórida, há, por exemplo, o Epcot Center, cuja sigla quer dizer algo como “Projeto Experimental do Amanhã”. Em uma de suas partes, há os formidáveis, amplos e charmosos pavilhões dos países ao ar livre, que contemplam cultural e arquitetonicamente nações como, por exemplo, Japão, China, França, México e, é claro, com destaque, os EUA. Aliás, é muito fácil sentir o patriotismo dos americanos, visto que o pavilhão americano fica no centro do complexo de pavilhões. Muita coisa fabricada nestes países é vendida ali – uma pessoa de minha excursão comprou um autêntico sombreiro mexicano enorme! No pavilhão francês, almocei com meus pais uma comida típica parisiense. O lindo artesanato chinês, a preços módicos, também marca presença. Comprei um quimono no espaço japonês. Só que os parques em Orlando são tão grandes, e caminha-se tanto por eles, que pelo fim do dia o visitante tem que sentar em qualquer lugar para descansar. Mas é um cansaço grato.

Como o sucesso é um amante infiel, Walt revirou-se no túmulo com a Eurodisney, um parque que foi construído nos arredores de Paris e que, a princípio, fracassou retumbantemente. Saíram notícias na imprensa mundial do parque jogado às moscas, absolutamente carente de fluxo de pessoas para pagar o pesado investimento. Rendeu até uma boa piada na cerimônia do Oscar apresentada por Whoopi Goldberg:
- E não podemos esquecer do grande blockbuster deste ano, o “Jurassic Park”, que conta a história de um maravilhoso parque que é construído, mas tudo nele dá errado. O nome original deste filme era “Eurodisney”.
Ou seja, não sofra; faça piada. Mas, anos depois da derrota em solo europeu, o Grupo Disney decidiu mudar o nome para “Disneyland Paris” e, com uma nova filosofia de marketing, conseguiu salvar o parque do fechamento e dar a volta por cima.

Ainda na Flórida, há o Cabo Canaveral, famosa plataforma de lançamentos de missões espaciais americanas. Dentre os museus de naves espaciais e os muitos itens de souvenires, pode-se adquirir o sorvete de astronautas, que é sólido e seco mas, ao entrar na boca, derrete-se por inteiro. É um pouco deste tino mercadológico que o Brasil precisa ter, aproveitando, por exemplo, o potencial das praias do Nordeste.

Orlando também oferece o castelo Medieval Times, que é uma arena que reproduz as lutas de cavaleiros da Idade Média. O jantar medieval é um frango assado, comido com as mãos, como na época aludida. Nunca vou me esquecer que, tomado pelo entusiasmo dos combates, comecei a bater com meu caneco de ferro na mesa e, perto de mim, estavam sentados o rei e a rainha, atores do Medieval Times, é claro. E o rei, ao ver minha algazarra, fez-me um sinal de reprovação. Desculpai-me, majestade!

Nas atrações aquáticas, há o supercomplexo de piscinas e tobogãs Typhoon Lagoon, que só pode ser desfrutado no verão, é claro. Ainda na água, há o ótimo Sea World, com baleias e golfinhos que ameaçam encharcar quem estiver muito próximo dos grandes tanques d’água.

Tudo para o povo americano é muito prático. Nos hotéis, há lavanderias self service. Aconselho a quem nunca foi que, pelo menos da primeira vez, vá acompanhado de um agente de viagem especializado em Orlando. Como é uma cidade com muitas opções, o marinheiro de primeira viagem pode ser ver confuso e assoberbado. Um bom agente sabe peneirar as melhores opções e sabe dar dicas sobre onde fazer compras por bons preços.

No Brasil, o Beto Carrero World, em SC, tenta reproduzir alguma coisa da grandiosidade dos parques orlandenses. Mas os investimentos em um país pobre como o Brasil são tão tímidos que fica difícil compor um complexo gigantesco, mesmo porque, nos EUA, o povo, em geral a classe média, é rico, ficando mais fácil e viável a constituição de uma demanda turística consistente e forte.

O filme “Walt nos Bastidores de Mary Poppins” mostra um Walt Disney sonhador e visionário, vivido por Tom Hanks. Persistente, o empresário adquire uma grande paciência para conquistar a confiança da escritora australiana P.L. Travers, detentora dos direitos de uso da personagem Poppins.

Como faz muito tempo que fui à Flórida, não pude apreciar o parque temático da franquia Harry Potter. Para os fãs do bruxinho, deve ser um deleite, com vendas de inúmeros artigos de souvenires e castelos construídos para seduzir o visitante. Orlando não brinca em serviço, pois, como a concorrência é atroz, competência é item obrigatório na hora de bolar atrações. E os gerentes dos parques sabem que, se não renovarem o leque de opções de tempos em tempos, perderão o público, que ficará entediado com atrações que não se reciclam. Não é insuportável um artista que passa a carreira inteira sempre cantando as mesmas músicas? Muito na vida tem prazo de validade. Os donos dos parques têm que estar o tempo todo vislumbrando possibilidades de se fazer negócio. Talentos medíocres não têm vez em Orlando.

Há cerca de vinte anos atrás, no festival de comunicação da PUCRS, o Set Universitário, tive a oportunidade de vez uma palestra da agente portoalegrense de viagem Tia Iara, que há várias décadas vem liderando o mercado de turismo na capital gaúcha. Tia Iara sabe que Orlando preocupa-se em encantar o cliente, e Iara, por sua vez, tem também que propagar esse encanto. O mercado de viagens para a Flórida é movido por pessoas que sabem vender sonhos como, por exemplo, no lindo desfile alegórico noturno no parque Magic Kingdom, da Disney, com inúmeras minilâmpadas para a iluminação, algo que poderia servir de referência aos desfiles da Festa da Uva de Caxias do Sul.

Recentemente, pessoas de minha família viajaram para a Flórida, e o fizeram por conta, sem agentes de viagem. Mas, com o dólar nas alturas, é melhor esperar o cenário ficar mais favorável ao turista brasileiro, que, em cenário de crise, tem optado por destinos turísticos nacionais, favorecendo assim o mercado doméstico. E vamos combinar que é um certo incômodo ter que ir a um consulado ou embaixada pedir humildemente por um visto. Mas Orlando merece, um lugar onde todos somos crianças! O apelo à memória afetiva é tão grande que, por exemplo, nos vemos amando os Flintstones e os Jetsons novamente. É impressionante a capacidade de tocar as mentes e corações das pessoas com tudo aquilo que permeia uma eterna infância. Os corações mais empedernidos se derretem, e o ceticismo vai por água abaixo. Conheço pessoas que foram céticas e voltaram encantadas. Não subestime o sonho de Walt!

Na ilustração desta postagem, uma silhueta que dispensa apresentações.

Orlando é uma cidade grande e sem violência. Passear por suas ruas à noite é um programa ótimo que não custa um só centavo. Mas, como é de costume nas redes hoteleiras americanas, não há café da manhã incluído – a pessoa tem que ir a um mercado e adquirir produtos para a refeição matinal. Orlando é programa para você ver como o capitalismo leva a sério o empreendedorismo de Tio Sam. Uma pessoa que viajou comigo para lá, disse várias vezes a seguinte palavra para definir aquilo tudo:
- Profissional!

Para resumir, Walt Disney ergueu um império que respira plenamente até hoje, com tentáculos que abrangem muito entretenimento, seja na forma de filmes, desenhos animados, gibis, música, canais de TV ou parques temáticos. Trata-se de um universo único, que escolheu Orlando para se espraiar em todo o seu esplendor que inspira outros empresários a seguir o deslumbrante e fértil talento de Disney, um verdadeiro desbravador, assim como Freud o foi para a Psicanálise. E Orlando é a terra da magia. Inesgotável.

quarta-feira, 23 de março de 2016

Simplesmente Jô


         O maior entrevistador do Oiapoque ao Chuí, Jô Soares, infelizmente, anunciou recentemente sua aposentadoria de seu célebre talk show, que começou no SBT e parou na Globo. Quando iniciou o programa Jô Soares Onze e Meia, no fim dos anos 80, em agosto de 1988, no Sistema Brasileiro de Televisão, ninguém previu que o humorista tornar-se-ia um monstro entrevistador, surpreendendo, deslumbrando e entretendo gerações. Jô tem sensibilidade, inteligência e humor, uma trinca indispensável para qualquer um que queira ser host. Jô é um anfitrião, e seu programa é uma festa. Mas a festa acabou. Snif...
            O sobrenome Soares é dispensável:
- Você viu no Jô?
- Sabe quem o Jô entrevistou?
- Ontem assisti o Jô.
Inclusive, o nome do show não deveria ser “Programa do Jô”, mas apenas “Jô”. O slogan provocante, “Não vá para a cama sem ele”, é famoso, e traduz a veia cômica do carismático astro gordinho, pois, quem tem alma de humorista, sempre vai fazer piada, faça chuva, faça Sol. Jô dizia no SBT:
- Meu programa é Jô Soares Onze e Meia, às vezes 11:45, meia-noite...
Depois de se consolidar como entrevistador, Jô tirou mais uma carta da manga: tornou-se grande escritor de ficção, mais precisamente romancista policial. O best seller de estreia “O Xangô de Baker Street” até virou filme, com participação do próprio autor no elenco. A invejável carreira literária de Jô estende-se a mais três romances de mistério e assassinatos.
Tenho uma história engraçada para contar. Há muitos anos atrás, uma parente minha, que mora no Rio há décadas, estava caminhando na rua e, apressada, quase corria. E, bem na hora de virar numa esquina, deu de cara com o Jô e os dois acabaram se batendo um contra o outro, acidentalmente, é claro. Então minha parente pediu desculpas e Jô, conhecido por sua polidez impecável, perdoou-a gentilmente. Coisas das esquinas da vida.
Jô foi também “vítima” do ao mesmo tempo famoso e infame programa “Pânico na TV”, apresentado por radialistas da rádio paulista Jovem Pan 2. Na saída de um restaurante, provavelmente em São Paulo, a equipe do Pânico viu Jô saindo do estabelecimento e Jô, ao ver que seria impiedosamente assediado pelos “malas” do Pânico, conhecido por ser um programa de humor afiadíssimo, ácido e politicamente incorretíssimo, começou a correr desesperadamente para fugir das câmeras. Em ocasião posterior, Jô, que fazia uma sessão de autógrafos em uma bookstore, foi surpreendido e assediado pelo Pânico e, finalmente, deu-lhes uma rápida entrevista. Então os impiedosos piadistas deram para Jô calçar as famosas Sandálias da Humildade do Pânico, só que em tamanho GG. Jô entrou na brincadeira, calçou-as e bateu palmas. O humor fazendo piada do humor.
Em outra ocasião, a equipe do Pânico fez uma sátira e, um ator caracterizado como Jô, entrou num drive thru de fast food e pediu diversos sanduíches, devorando-os avidamente. O próprio Jô já declarou que é compulsivo em relação a comida, revelando a razão de seu sobrepeso. Jô disse que, quando se depara com uma torta, é incapaz de comer apenas uma fatia, e come o bolo inteiro. É claro que Jô se depara com vicissitudes da obesidade mórbida e, em sua casa, usa um elevador ao invés de escadas; no seu programa de TV, para se sentar na sua cadeira, ele precisa de uma ajuda de uma pessoa para lhe empurrar a cadeira e poder fazê-lo sentar. Mas Jô Soares tem uma cabeça tão arejada e sofisticada que lida muito bem com a obesidade e os problemas decorrentes desta. É a vitória do pensamento derrotando a matéria. Jô é um intelectual, afinal; e, como tal, dispensa frivolidades.
Se eu tivesse trabalhado na equipe do programa do Jô, faria algo que existe onde é gravado o programa da entrevistadora americana Ellen Degeneres – eu abriria uma gift shop ao lado do estúdio de gravação, recebendo as pessoas que vão ver ao vivo o programa, vendendo réplicas exatas da célebre caneca que Jô usa no talk show e comercializando produtos relacionados ao Jô, como livros escritos por ele e DVDs do Viva o Gordo. Ganhar um dinheirinho, visto que os americanos são os mestres do marketing.
Jô tem uma energia muito jovem e vibrante, sendo extremamente claro no que diz, e tem muita popularidade entre os jovens, que fazem questão de prestigiá-lo indo assistir ao show ao vivo. É claro que muitas de suas entrevistas descambam para a palhaçada. Que bom! Teve uma hilária, quando Jô entrevistava um apicultor, e este levou ao programa dois chapéus apicultores de tela, que protegem a pessoa das picadas dos insetos. Então Jô sugeriu:
- Vamos colocar esses chapéus? – e o apicultor concordou. Então imagine uma entrevista em que as duas pessoas estão usando chapéus de apicultor. Impagável. É claro que esta entrevista perdeu todo o caráter erudito e informativo, virando um número de circo regido pelo formidável gordo palhaço. Afinal, rir é ou não é o melhor remédio?
Jô encerra sua respeitável carreira de entrevistador com um saldo de muitas milhares de entrevistas feitas, deixando um legado televisivo e fazendo escola para quem quiser, no Brasil, ser um entrevistador de peso, ironicamente falando. É claro que não dá para dar conta nesta postagem da quantidade de gente entrevistava pelo querido gordo. É uma herança tão rica que não dá para dimensionar.
No programa “Calada Noite”, apresentado no canal pago GNT por Sarah Oliveira, Jô revelou ser um notívago, gostando de varar a madrugada para escrever e produzir, e reclamando do barulho que a cidade faz durante o dia, quando Jô está dormindo. Um vampiro do bem.
Uma das provas de sensibilidade de Jô foi quando entrevistou Thammy Miranda, a filha homossexual da cantora Gretchen que optou ser transexual e viver como homem. Durante a entrevista inteira, Jô teve a consideração de tratar Thammy sempre no masculino, sabendo que tudo o que um transexual quer é ser respeitado no gênero o qual escolheu. Em outra entrevista, Jô conversou com um travesti e, como este começou a desmunhecar, Jô entrou no baile também “desmunhecou”. Jô tem a sabedoria de entrar no ritmo. Jô é humilde; se não o fosse, não poderia ter construído o que construiu. O bom entrevistador é aquele que deixa o entrevistado fluir; é ser invisível. Não é insuportável o entrevistador que quer aparecer mais do que o entrevistado? Há uma pessoa, cujo nome não mencionarei, que tentou carreira como no ramo de entrevistas, mas não deu muito certo. Outra grande entrevistadora do Brasil é, sem dúvidas, Marília Gabriela, sempre com perguntas inteligentes.
Quando Adriane Galisteu estava no auge de sua primeira e maravilhosa Playboy, Jô a recebeu e, no meio da entrevista, ele virou a sua mesa e jogou o móvel no chão, só para ficar mais pertinho da então estrela estreante. Humor é isso – tem que ser soda, se não, perde a graça. Por falar nisso, Jô reclamou como, numa época em que emagreceu, as pessoas disseram:
- Emagreceu, perdeu a graça! – como um rei Momo perde a graça ao ser magro.
Quando entrevistou a supermodelo Naomi Campbell, ao introduzi-la, disse, em inglês:
- Ela era minha namorada, mas me chutou!
Outro momento ótimo foi a entrevista com a cantora Deborah Blando, cantora que estourara no início dos anos 90. Jô deitou e rolou com os palavrões em inglês e português que permearam a entrevista.
Durante toda a história do programa de entrevistas, uma banda jazzística excelente musicalizou o show, tendo, ao curso de sua história, várias constituições: conforme a época, era sexteto, quarteto ou quinteto, com o sempre bem humorado Bira e o não menos palhaço Derico. Em algumas ocasiões, Jô acompanhou a banda no vocal ou na percussão.
Quando entrevistou a então adolescente Angélica, ela estava lançando uma linha de bonecas. Então Jô, que aproveitou a deixa de que o programa que ela apresentava exibia seriados japoneses de super-heróis, pegou as bonecas e brincou com elas como se fossem os personagem voadores da TV nipônica. Angélica só ria. O que mais fazer em frente a tal gênio cômico? Relaxe e gargalhe.
Articulado e polilíngue, Jô vai deixar saudades como entrevistador, e também como excelente ator de comédia. O programa humorístico da Globo, o “Viva o Gordo”, trazia vários personagens em uma galeria única de tipos. Alguns deles:
- Alvarenga, com o bordão “Eu me odeio!”, dizendo que acreditara, por exemplo, no Plano Cruzado;
- O dentista tarado que assediava as pacientes, com o bordão “Bocão!”, ao examinar as mulheres;
- Uma senhora bem velhinha que bagunçava programas de TV;
- Um frei que se sentia tentado por mulheres belas, repetindo por quatro vezes a frase “Ai, meu Deus do Céu”;
- O Jornal do Gordo, para pessoas mais ou menos surdas, no qual Jô repetia as notícias aos berros e mímicas;
- No final de cada programa, um cara que esperava ver um striptease, mas que sempre acabava frustrado;
- Dalva Mascarenhas, uma mulher de bigode;
- O governador cujo nome era Trabalho;
- O injustiçado anão Atlas, com o lema “Só porque eu sou pequenininho”;
- O paquerador Décio, que dava em cima de ex-mulheres bem na frente dos atuais maridos, com o jargão “Não se deprecie, mulher”.
A abertura célebre do programa eram montagens que mostravam Jô interagindo com personalidades como Orestes Quércia, princesa Diana, José Sarney, Mário Covas, Diego Maradona, Margaret Thatcher, Ronald Reagan, Ulysses Guimarães e Mikail Gorbachev.
Quando Jô entrevistou o ator americano Patrick Swayze, este estava divulgando um filme no qual interpretava a drag queen Vida Boeme e, com muito bom humor, Patrick citou o personagem Capitão Gay de Jô no programa humorístico de TV – foi um encontro de atores.
Em outra entrevista lá pelo ano de 1992, veio à tona o assunto moda retrô, pois, na época, estava na moda um revival da moda anos 60 e 70. E Jô disse que estas décadas foram uma época tão estilisticamente horrenda que ele tinha um macacão com um coqueiro estampado, sendo que o tronco partia de uma das pernas da calça e a copa tomava conta de todo o peitoral.
A saída de Jô da Globo para o SBT foi espinhosa. Na ocasião, a Globo estudou proibir judicialmente Jô de usar o termo “Gordo”. No SBT, o programa chamava-se “Veja o Gordo” mas, algum tempo depois, o homem tratou de virar a mesa e consolidou-se como host de programa de entrevistas. Anos depois, Jô fez as pazes com a Globo e voltou à casa original, recebendo respeito e carta branca. É uma pena que este império todo tenha chegado ao fim. Difícil encontrar um host com tanta inteligência e desenvoltura. Uma era acaba. O que será de nós, agora que não vamos mais à cama sem ele?
Jô dizia que ser brasileiro é ser um palhaço, dadas as falcatruas nos bastidores do poder. No Jornal do Gordo, quando uma notícia trazia o termo “brasileiro”, Jô colocava um nariz de palhaço. Anos mais tarde, no talk show na Globo, um grupo de pessoas estava usando narizes de palhaço, e Jô disse:
- Estão fantasiados de brasileiros!
            Só você, Jô!
Felizmente, o Youtube tem muitos vídeos de entrevistas antológicas, postadas pelos fãs desse host inesquecível. A verdade é que Jô é deliciosamente imprevisível, como todo grande gênio. Único como toda pessoa virtuosa, que ganha a vida com seu trabalho e seu dom de tocar as mentes das pessoas. Um mágico.
Até as gêmeas caxienses Fabiana Koch e Karina Koch foram entrevistadas por Jô, pois na época estourara o escândalo da rainha da Festa da Uva que deixara a própria irmã desfilar em seu lugar, um fato só descoberto um tempo depois, numa revelação da mãe das meninas.
Artistas, empresários, modelos, artistas plásticos, jornalistas, intelectuais, escritores, diretores, estilistas, economistas, políticos, ministros, celebridades, atletas... Ih, muita gente passou pelo consagrado sofá do Jô, que é uma pessoa sem preconceitos, acolhendo pessoas das mais variadas, pois o bom entrevistador sabe que cada entrevista é uma história única.
Tem outra passagem ótima, envolvendo a socialite Narcisa Tamborindeguy. Jô estava tranquilamente lendo jornal à beira da piscina do luxuoso hotel carioca Copacabana Palace. A área de serviço do prédio Chopin, na residência de Narcisa, dava de frente para a piscina do hotel. Narcisa, ao ver Jô, começou a gritar desesperadamente:
- Jô! Sou eu, Narcisa. Jô! Olha eu aqui! – e Jô, discreto, fez que não viu nem ouviu. Sem desanimar, Narcisa pegou laranjas da sua fruteira na cozinha e começou a atirar as frutas na piscina, e Jô fingindo que nada acontecia. Descontente, Narcisa, ainda aos berros, começou a atirar laranjas no próprio Jô! Tudo para chamar a atenção de um dos homens mais amáveis do Brasil.

quarta-feira, 16 de março de 2016

Sentindo-se tão Tao



Eu estava em Nova York em fevereiro de 1998 e entrei em uma livraria bonita. Já era noite, e o vento frio cortante soprava na ilha de Manhattan, um lugar que respira arte e cultura, e também dinheiro para bancar essa arte toda. A Big Apple brilhava com suas luzes artificiais, e o incessante vaivém de novaiorquinos e carros assinalava o fim de mais uma jornada em uma vibrante metrópole. Vislumbrei os livros a venda e deparei-me com um que tinha na capa um lindo desenho oriental. Confesso que, de início, fui frívolo; comprei o livro com intenções decorativas, sem me importar com o conteúdo das letras dentro dele. Meses depois, já em casa, na minha querida e saudosa Porto Alegre, folheei e vi um texto em inglês, traduzindo uma doutrina que, no frigir dos ovos, mudou minha vida. A frase inicial – “O Tao sobre o qual pode-se falar não é o verdadeiro Tao” – já começa como um enigma, uma fina ironia arrebatadora. Na verdade, esse livro sagrado é imune a sociopatas arrogantes e insensíveis – é um texto que só pode ser compreendido de forma instintiva. Como o sociopata não tem sensibilidade nem humanidade, o Tao nada quer dizer para esse sociopata parasita. A própria construção do texto foi intuitiva, creditada a um homem chinês chamado Lao Tsé, mais de um milênio antes de Cristo. Como comprei o texto traduzido em inglês, a própria tradução teve que ser feita de forma intuitiva, e merece ainda mais intuição na hora de ser entendido em português. Mas Tao ultrapassa idiomas e nacionalidades.
Na minha faculdade, cursei a cadeira de Filosofia, que, na verdade, deveria chamar-se “Introdução à Filosofia Ocidental”, visto que os assuntos da aula não contemplavam todo um ramo oriental de filosofia, incluindo-se aí o taoismo e o budismo. A minha professora revelou-se particularmente exigente – foi a única cadeira na qual quase fui reprovado, passando com nota mínima para a aprovação. Tal dureza de experiência me tornou mais tarde muito grato a essa professora durona. Ela dividiu a classe em grupos e deu para cada um deles o nome de um filósofo ocidental – o meu grupo ficou com Santo Agostinho. Só anos depois fui entender completamente o pensamento do santo e, na prova de final de semestre, até hoje acho um milagre eu ter passado! Na prova, eu me vi em um beco sem saída, perdido no labirinto do Minotauro e pronto para ser devorado pelo mesmo. Então comecei a escrever sobre Tao que, na prática, é Deus. É próprio do ser humano crer em uma inteligência suprema, superior e perfeita, logo, a filosofia é algo bem humano. Ao me entregar a prova corrigida, a professora me escreveu: “Não sei o que quiseste dizer com essas palavras”. E a profe linha dura tornou-se uma amiga. Sou muito grato a experiências que nos fazem crescer. Essa professora filósofa queria que os alunos traduzissem, em suas próprias palavras, o pensamento de cada filósofo estudado – isso é a simplicidade da desconstrução. Simplifique. Atenha-se ao essencial, ao indecifrável e indefinível Tao, pois a riqueza Dele está em sua própria inesgotável e estranha indefinição – não tenha medo de ser estranho.
O tripé básico taoista é: humildade, compaixão e moderação. Ser humilde é absolutamente inviável para um sociopata, que ri como um idiota ao ver alguém falando sobre ser humilde, sobre um ser humano admitindo que não é Deus, pois o sociopata, no alto de sua antissociabilidade, acha que é Deus e que pode brincar com a vida das pessoas. O conceito de compaixão vai de encontro direto com Jesus Cristo – colocar-se no lugar do outro, do teu irmão, teu igual. Engatado nisso vem a simplicidade: todos somos da mesma família. E a noção de moderação é vital, pois qualquer excesso é pernicioso. Por exemplo, a religiosidade: o fanatismo é claramente uma desvirtude, pois não aceita as inevitáveis diferenças, pois, se cada um de nós é único, somos, inevitavelmente, diferentes, distintos. Moderar, ou “pegar leve”, como diz a gíria, estende-se a tudo: é a sabedoria de Tao.
Mas o que é Tao, afinal? É o Papai do Céu, só que chamado de outro nome. A palavra original significa caminho, estilo, modo, uma via ampla pela qual flui a vida. Disse Jesus:
- Eu sou o caminho, a verdade e a vida.
Lao diz:
- Eu não sei o nome Dele; então, chamo-o de Tao.
A verdade só pode ocorrer quando há um só universo, um só Tao. O que é a mentira? É a construção de uma realidade paralela, falsa, enganosa. Um só caminho, uma só fé. Como diz a rainha Elizabeth no início do filme homônimo de Shekhar Kapur:
- Meus senhores, todos acreditamos em Deus.
Requer humildade admitir que não sou Deus – sou filho Dele, um dos filhos Dele, em meio a uma infinidade de irmãos pois, como diz o Espiritismo, Deus está sempre criando. Tao é uma vida produtiva, cheia de significado e empolgação. O sociopata é infeliz porque não se vê cercado de irmãos, de amigos. E Tao é isso, um amigo. Não é dito que a arrogância precede a queda? Se não queres cair, baixa a crista. Comporte-se. Não fique se exibindo. Ninguém respeita em segredo o exibicionista, o ostentador. E não é essencial o respeito de irmão para irmão?
Por alguns anos trabalhei em uma agência de propaganda em Porto Alegre, e teve lá uma pessoa que me ensinou muito. Ela dizia que é preciso ter discrição, e que deveria escolher, na hora de desenhar anúncios, uma letra sem serifa, ou seja, sem frescuras, sucinta como uma fonte Arial, por exemplo. E como esta pessoa estava certa! Ela também me dizia que, para criar, eu tinha que ser humilde e, antes de criar, buscar referências, pois ninguém cria do nada. Realmente, esta é a técnica de criação publicitária. Por exemplo, se tenho que desenhar um anúncio para uma revendedora de carros, tenho que buscar inspiração no que está sendo feito no mundo em matéria de anúncios de carros e revendedoras. Sou uma besta; não sei tudo. Mea culpa, mea máxima culpa. Essa pessoa me dizia também:
- Gonçalo, cuidado para não te tornares uma coisa que é insuportável numa agência de propaganda: as estrelinhas, ou seja, pessoas arrogantes que se acham verdadeiros gênios insuperáveis e veneráveis.
Não é insuportável ter que lidar com egos gigantescos e vaidades egoístas? E não é maravilhoso deparar-se com gente pés no chão, humilde, que busca referências antes de criar algo?
Certa vez, tive um ótimo professor que dizia:
- Os pequenos obedecem os grandes.
O que quer dizer essa implicação hierárquica? Se você quiser ser grande, você tem que, antes de tudo, admitir que é pequeno. Isso é humildade taoista, que ensina que, para reinar, você tem que se curvar. Isso é o discernimento de Tao, que diz:
- Forte é fraco; fraco é forte.
O que essa “loucura” quer dizer? É esse o “nó”, no bom sentido, que Tao fez na minha cabeça. Aquele que se curva, não é arrancado pelo vento. A planta forte tem raízes profundas e resiste ao vento. É claro que o livro de Tao é cheio de metáforas, as quais não devem ser levadas ao pé da letra. Tao prega o vazio: o que faz um copo ser útil? É exatamente o seu vazio que o faz útil ao mundo. Por que uma janela é útil? Porque ela é vazia, invisível e, assim, cumpre sua função de mostrar as vistas. Se a janela bloqueasse a visão, não seria janela. O que significa ser vazio? Significa ser útil ao mundo, servindo-o. Curva-te e reinarás. É a humildade cristã, franciscana. Ninguém consegue balear a água ou o ar. Seja como ar, que não é visto, nem cheirado nem degustado, mas é essencial e indestrutível. Deus é assim: é uma via vazia pela qual o mundo trafega. É claro que, nesta pequena postagem neste mesmo blog, fica difícil resumir todas as lições sábias de Tao. Por isso, recomendo que, se você se interessou, busque pelo livro, o qual, muito provavelmente, deve estar à disposição na internet e, o melhor, em português.
É claro que ter um líder humilde é bom, mas não é o suficiente: cada pessoa tem que aprender por si a simplicidade de Tao e, desse modo, ser alguém simples, autodidata. Estamos encarnados para isso – para evoluirmos e tornarmo-nos mais simples, mais atentos ao básico. Por que o Papa Francisco está se tornando um fenômeno de popularidade? Porque ele segue o Tao. O egocentrismo tira o vazio do copo e o faz inútil. Esvazie-se dessas vaidades mundanas e venha para a água pura e limpa. O que é suave e liquidiscente supera o que é duro e inflexível. Seja flexível. Jogue o ego fora. Seja invisível como o vazio de uma janela e seja um canal que conecta as pessoas umas às outras. Carisma é isso; é unir as pessoas em torno de algo. E, juntas em torno de um mesmo líder, vivem em harmonia e paz intensas, confiando nessa liderança.
Confesso que não é fácil entender Tao de uma hora para a outra, mas vale o esforço. Tao vai matando os preconceitos e mostrando que, entra milênio e sai milênio, o ser humano continua o mesmo. É preciso abrir a própria mente para deixar Tao entrar. E Ele entra silenciosamente, invisível. Inflexíel é fraco e flexível é forte. Curva-te! Seja modesto. Você não é o centro do universo. Tao é. Por quê? Porque ele é infinitamente humilde, pés no chão. Tao nunca vai deixar de ser vazio e útil. Tao está sempre criando, uma fonte da qual tudo jorra. É uma cornucópia que nunca seca. Sinta a água fluir, sempre adaptando-se e curvando-se. Por que o camaleão sobrevive? Porque ele fica invisível, adaptando-se a tudo ao seu redor. Seja camuflado e sobreviverás. Há muito falatório e barulho por aí. É bem melhor ficar quieto, pois a pessoa sábia, que segue Tao, quer paz e quietude; quer harmonia. E, quem quer a paz, serve ao mundo. A raiva é menor do que a paz. Não tenha raiva, pois, quem a tem, sofre. E sofrimento não é Tao. Um sábio até pode morar em um palácio de ouro maciço cravejado de diamantes, mas o sábio não dá bola para isso, pois ele sabe que os campos e as florestas vestem roupas maravilhosas, muito mais majestosas do que qualquer construção feita pelo Homem.
Tao valoriza o que é natural. Quando algo precisa acontecer na vida de alguém, acontece naturalmente, com gentil fluidez. Imperceptível, Tao é percebido.
Há meses atrás, dei-me ao trabalho e ao desafio de traduzir o Tao para crianças entenderem. É uma tarefa árdua, pois as crianças têm dificuldade em entender metáforas adultas. Tao é bem abstrato, e as abstrações têm que ser entendidas de forma emocional. E, nas traduções e adaptações, muito pode ser perdido. Eu busquei termos e expressões que pudessem ser compreendidas pela criança, mas não dá. É muito complexo. Como, por exemplo, expressar para uma criança o que é ditadura e o que são opressão e terror? Como explicar o que é ser como água, sem cheiro, cor e gosto? Eu até tentei substituir o termo “Tao” por um termo mais acessível. É uma espécie de ensino religioso, universal.
O Tao de Lao Tsé é cheio de sabedoria, pois convida a contemplar o mundo de forma passiva. Quando você precisa ter uma atitude mais ativa, apenas faça o que é estritamente necessário. É o minimalismo de Tao, oriental, numa pureza só entendida por quem gosta de ser simples. Por exemplo: você está na estrada e se depara com vários anúncios em outdoors. Então há os painéis que trazem muitas informações e imagens e há os painéis mais simples, sucintos e essenciais. Os painéis simples são muito melhores e mais poderosos, e sua mensagem simples é absorvida e compreendida; os painéis com mais sobrecarga de informação não são compreendidos e são ignorados. Tao é isso: atenha-se ao essencial. Excesso é sujeira; minimalismo é limpo. Seja limpo! Limpe o mundo! O outdoor simples é “preguiçoso” – só traz o indispensável. A languidez de Tao revela-se então, como água jorra em sensual languidez, como uma pequena fonte que vi em uma loja de artigos chineses em Nova York, onde adquiri um par de dragões de porcelana.
Tao é contra os excessos de quaisquer ordens. Qualquer coisa em excesso é prejudicial. Relaxe e deixe Tao agir. Uma das metáforas de Tao é um rio que flui e desce até a foz. Por que a foz é tão poderosa e atrai o rio? Porque a foz se coloca em último lugar, na região inferior. Tao sempre se coloca por último, com modéstia, logo, tudo vai em direção a Ele. Compreender Tao exige que o leitor abra sua própria mente para os conceitos filosofais. Tao é pura filosofia, só que oriental. E não é um livro extremamente extenso. É sucinto e clean – sequer tem cem capítulos.
A minha experiência em Propaganda me ensinou que um anúncio forte é um anúncio simples. E isso se aplica a tudo. Um dos anúncios mais célebres da propaganda mundial é o deu um carro, cujo slogan era “Think small”, ou seja, pense pequeno. O anúncio era nada mais do que o carro ilustrado, de tamanho reduzido, ao centro da página. Por que é uma peça publicitária tão forte? Porque é simples.
O que significa o termo “frescura”? Significa o desnecessário, sujeira que, como sujeira, é dispensável e digna de ser eliminada em uma boa limpeza. Aquilo que brilha é aquilo que é limpo, básico. A simplicidade salta aos olhos, conquistando a fé das pessoas. O que é mais atraente: uma casa absolutamente cheia e abarrotada de uma infinidade de enfeites, quadros, cortinas, tapetes, enfeites e bibelôs ou uma casa na qual só existe o essencial? Tao é riqueza que vai contra o acúmulo. O invisível entra e preenche a vida. Entrai, Tao, o perfumado e limpo!
Tao é um assunto inesgotável. Na ilustração desta postagem, o ultrafamoso símbolo do Yin e Yang que, misturando-se um com o outro, formam Tao, o único, o uno, o eterno. Masculino e feminino são opostos da mesma corda; passado e futuro são opostos da mesma corda. O universo é um só. Você é um só. Você é único, indivisível e eterno - são as três leis espíritas. As guerras e as vaidades humanas perecem, apodrecem. Tao, desprovido de raiva, dura para sempre. Ele é clareza, enquanto a guerra é confusão, escuridão. Deixe a luz e o ar puro entrar na sua casa.
A verdade é que passaremos a eternidade inteira tentando decodificar Tao, e isso é um bom período de tempo, não? Tao é o nada e, ao mesmo tempo, tudo. Sem face, sem cor, sem forma. Sempre vivendo.
E Lao avisa:
- Poucos, muito poucos entendem o Tao; é o princípio de passividade.
Mortifique-se de ilusões e sinais auspiciosos. Dispa-se de expectativas, pois, sem expectativas, não há frustração. Tao vê tudo sem expectativas. Faça uso da razão – isso é Espiritismo. Quando há um só Deus, há liberdade, pois o universo é uma continuidade de si mesmo. Os submundos, os subuniversos, as realidades paralelas são prejudiciais porque aprisionam a mente da pessoa que por eles trafega. E sentir-se deprimido, perdido e preso não é Tao.