O maior entrevistador do Oiapoque ao
Chuí, Jô Soares, infelizmente, anunciou recentemente sua aposentadoria de seu
célebre talk show, que começou no SBT e parou na Globo. Quando iniciou o
programa Jô Soares Onze e Meia, no fim dos anos 80, em agosto de 1988, no
Sistema Brasileiro de Televisão, ninguém previu que o humorista tornar-se-ia um
monstro entrevistador, surpreendendo, deslumbrando e entretendo gerações. Jô
tem sensibilidade, inteligência e humor, uma trinca indispensável para qualquer
um que queira ser host. Jô é um anfitrião, e seu programa é uma festa. Mas a
festa acabou. Snif...
O sobrenome Soares é dispensável:
- Você viu no Jô?
- Sabe quem o Jô entrevistou?
- Ontem assisti o Jô.
Inclusive, o nome do show não deveria ser “Programa do Jô”,
mas apenas “Jô”. O slogan provocante, “Não vá para a cama sem ele”, é famoso, e
traduz a veia cômica do carismático astro gordinho, pois, quem tem alma de
humorista, sempre vai fazer piada, faça chuva, faça Sol. Jô dizia no SBT:
- Meu programa é Jô Soares Onze e Meia, às vezes 11:45,
meia-noite...
Depois de se consolidar como entrevistador, Jô tirou mais
uma carta da manga: tornou-se grande escritor de ficção, mais precisamente
romancista policial. O best seller de estreia “O Xangô de Baker Street” até virou
filme, com participação do próprio autor no elenco. A invejável carreira
literária de Jô estende-se a mais três romances de mistério e assassinatos.
Tenho uma história engraçada para contar. Há muitos anos
atrás, uma parente minha, que mora no Rio há décadas, estava caminhando na rua
e, apressada, quase corria. E, bem na hora de virar numa esquina, deu de cara
com o Jô e os dois acabaram se batendo um contra o outro, acidentalmente, é
claro. Então minha parente pediu desculpas e Jô, conhecido por sua polidez
impecável, perdoou-a gentilmente. Coisas das esquinas da vida.
Jô foi também “vítima” do ao mesmo tempo famoso e infame
programa “Pânico na TV”, apresentado por radialistas da rádio paulista Jovem
Pan 2. Na saída de um restaurante, provavelmente em São Paulo, a equipe do
Pânico viu Jô saindo do estabelecimento e Jô, ao ver que seria impiedosamente
assediado pelos “malas” do Pânico, conhecido por ser um programa de humor
afiadíssimo, ácido e politicamente incorretíssimo, começou a correr desesperadamente
para fugir das câmeras. Em ocasião posterior, Jô, que fazia uma sessão de
autógrafos em uma bookstore, foi surpreendido e assediado pelo Pânico e,
finalmente, deu-lhes uma rápida entrevista. Então os impiedosos piadistas deram
para Jô calçar as famosas Sandálias da Humildade do Pânico, só que em tamanho GG. Jô
entrou na brincadeira, calçou-as e bateu palmas. O humor fazendo piada do
humor.
Em outra ocasião, a equipe do Pânico fez uma sátira e, um
ator caracterizado como Jô, entrou num drive thru de fast food e pediu diversos
sanduíches, devorando-os avidamente. O próprio Jô já declarou que é compulsivo
em relação a comida, revelando a razão de seu sobrepeso. Jô disse que, quando
se depara com uma torta, é incapaz de comer apenas uma fatia, e come o bolo
inteiro. É claro que Jô se depara com vicissitudes da obesidade mórbida e, em
sua casa, usa um elevador ao invés de escadas; no seu programa de TV, para se
sentar na sua cadeira, ele precisa de uma ajuda de uma pessoa para lhe empurrar
a cadeira e poder fazê-lo sentar. Mas Jô Soares tem uma cabeça tão arejada e
sofisticada que lida muito bem com a obesidade e os problemas decorrentes
desta. É a vitória do pensamento derrotando a matéria. Jô é um intelectual,
afinal; e, como tal, dispensa frivolidades.
Se eu tivesse trabalhado na equipe do programa do Jô, faria
algo que existe onde é gravado o programa da entrevistadora americana Ellen
Degeneres – eu abriria uma gift shop ao lado do estúdio de gravação, recebendo
as pessoas que vão ver ao vivo o programa, vendendo réplicas exatas da célebre
caneca que Jô usa no talk show e comercializando produtos relacionados ao Jô,
como livros escritos por ele e DVDs do Viva o Gordo. Ganhar um dinheirinho,
visto que os americanos são os mestres do marketing.
Jô tem uma energia muito jovem e vibrante, sendo
extremamente claro no que diz, e tem muita popularidade entre os jovens, que
fazem questão de prestigiá-lo indo assistir ao show ao vivo. É claro que muitas
de suas entrevistas descambam para a palhaçada. Que bom! Teve uma hilária,
quando Jô entrevistava um apicultor, e este levou ao programa dois chapéus
apicultores de tela, que protegem a pessoa das picadas dos insetos. Então Jô
sugeriu:
- Vamos colocar esses chapéus? – e o apicultor concordou.
Então imagine uma entrevista em que as duas pessoas estão usando chapéus de
apicultor. Impagável. É claro que esta entrevista perdeu todo o caráter erudito
e informativo, virando um número de circo regido pelo formidável gordo palhaço.
Afinal, rir é ou não é o melhor remédio?
Jô encerra sua respeitável carreira de entrevistador com um
saldo de muitas milhares de entrevistas feitas, deixando um legado televisivo e
fazendo escola para quem quiser, no Brasil, ser um entrevistador de peso,
ironicamente falando. É claro que não dá para dar conta nesta postagem da
quantidade de gente entrevistava pelo querido gordo. É uma herança tão rica que
não dá para dimensionar.
No programa “Calada Noite”, apresentado no canal pago GNT
por Sarah Oliveira, Jô revelou ser um notívago, gostando de varar a madrugada
para escrever e produzir, e reclamando do barulho que a cidade faz durante o
dia, quando Jô está dormindo. Um vampiro do bem.
Uma das provas de sensibilidade de Jô foi quando
entrevistou Thammy Miranda, a filha homossexual da cantora Gretchen que optou
ser transexual e viver como homem. Durante a entrevista inteira, Jô teve a
consideração de tratar Thammy sempre no masculino, sabendo que tudo o que um
transexual quer é ser respeitado no gênero o qual escolheu. Em outra
entrevista, Jô conversou com um travesti e, como este começou a desmunhecar, Jô
entrou no baile também “desmunhecou”. Jô tem a sabedoria de entrar no ritmo. Jô
é humilde; se não o fosse, não poderia ter construído o que construiu. O bom
entrevistador é aquele que deixa o entrevistado fluir; é ser invisível. Não é
insuportável o entrevistador que quer aparecer mais do que o entrevistado? Há
uma pessoa, cujo nome não mencionarei, que tentou carreira como no ramo de
entrevistas, mas não deu muito certo. Outra grande entrevistadora do Brasil é,
sem dúvidas, Marília Gabriela, sempre com perguntas inteligentes.
Quando Adriane Galisteu estava no auge de sua primeira e
maravilhosa Playboy, Jô a recebeu e, no meio da entrevista, ele virou a sua
mesa e jogou o móvel no chão, só para ficar mais pertinho da então estrela
estreante. Humor é isso – tem que ser soda, se não, perde a graça. Por falar
nisso, Jô reclamou como, numa época em que emagreceu, as pessoas disseram:
- Emagreceu, perdeu a graça! – como um rei Momo perde a
graça ao ser magro.
Quando entrevistou a supermodelo Naomi Campbell, ao introduzi-la,
disse, em inglês:
- Ela era minha namorada, mas me chutou!
Outro momento ótimo foi a entrevista com a cantora Deborah Blando,
cantora que estourara no início dos anos 90. Jô deitou e rolou com os palavrões
em inglês e português que permearam a entrevista.
Durante toda a história do programa de entrevistas, uma
banda jazzística excelente musicalizou o show, tendo, ao curso de sua história,
várias constituições: conforme a época, era sexteto, quarteto ou quinteto, com
o sempre bem humorado Bira e o não menos palhaço Derico. Em algumas ocasiões,
Jô acompanhou a banda no vocal ou na percussão.
Quando entrevistou a então adolescente Angélica, ela estava
lançando uma linha de bonecas. Então Jô, que aproveitou a deixa de que o
programa que ela apresentava exibia seriados japoneses de super-heróis, pegou
as bonecas e brincou com elas como se fossem os personagem voadores da TV
nipônica. Angélica só ria. O que mais fazer em frente a tal gênio cômico?
Relaxe e gargalhe.
Articulado e polilíngue, Jô vai deixar saudades como
entrevistador, e também como excelente ator de comédia. O programa humorístico
da Globo, o “Viva o Gordo”, trazia vários personagens em uma galeria única de
tipos. Alguns deles:
- Alvarenga, com o bordão “Eu me odeio!”, dizendo que
acreditara, por exemplo, no Plano Cruzado;
- O dentista tarado que assediava as pacientes, com o
bordão “Bocão!”, ao examinar as mulheres;
- Uma senhora bem velhinha que bagunçava programas de TV;
- Um frei que se sentia tentado por mulheres belas,
repetindo por quatro vezes a frase “Ai, meu Deus do Céu”;
- O Jornal do Gordo, para pessoas mais ou menos surdas, no
qual Jô repetia as notícias aos berros e mímicas;
- No final de cada programa, um cara que esperava ver um
striptease, mas que sempre acabava frustrado;
- Dalva Mascarenhas, uma mulher de bigode;
- O governador cujo nome era Trabalho;
- O injustiçado anão Atlas, com o lema “Só porque eu sou
pequenininho”;
- O paquerador Décio, que dava em cima de ex-mulheres bem
na frente dos atuais maridos, com o jargão “Não se deprecie, mulher”.
A abertura célebre do programa eram montagens que mostravam
Jô interagindo com personalidades como Orestes Quércia, princesa Diana, José
Sarney, Mário Covas, Diego Maradona, Margaret Thatcher, Ronald Reagan, Ulysses
Guimarães e Mikail Gorbachev.
Quando Jô entrevistou o ator americano Patrick Swayze, este
estava divulgando um filme no qual interpretava a drag queen Vida Boeme e, com
muito bom humor, Patrick citou o personagem Capitão Gay de Jô no programa
humorístico de TV – foi um encontro de atores.
Em outra entrevista lá pelo ano de 1992, veio à tona o
assunto moda retrô, pois, na época, estava na moda um revival da moda anos 60 e
70. E Jô disse que estas décadas foram uma época tão estilisticamente horrenda
que ele tinha um macacão com um coqueiro estampado, sendo que o tronco partia
de uma das pernas da calça e a copa tomava conta de todo o peitoral.
A saída de Jô da Globo para o SBT foi espinhosa. Na
ocasião, a Globo estudou proibir judicialmente Jô de usar o termo “Gordo”. No
SBT, o programa chamava-se “Veja o Gordo” mas, algum tempo depois, o homem
tratou de virar a mesa e consolidou-se como host de programa de entrevistas.
Anos depois, Jô fez as pazes com a Globo e voltou à casa original, recebendo respeito
e carta branca. É uma pena que este império todo tenha chegado ao fim. Difícil
encontrar um host com tanta inteligência e desenvoltura. Uma era acaba. O que
será de nós, agora que não vamos mais à cama sem ele?
Jô dizia que ser brasileiro é ser um palhaço, dadas as
falcatruas nos bastidores do poder. No Jornal do Gordo, quando uma notícia
trazia o termo “brasileiro”, Jô colocava um nariz de palhaço. Anos mais tarde,
no talk show na Globo, um grupo de pessoas estava usando narizes de palhaço, e
Jô disse:
- Estão fantasiados de brasileiros!
Só você, Jô!
Felizmente, o Youtube tem muitos vídeos de entrevistas
antológicas, postadas pelos fãs desse host inesquecível. A verdade é que Jô é
deliciosamente imprevisível, como todo grande gênio. Único como toda pessoa
virtuosa, que ganha a vida com seu trabalho e seu dom de tocar as mentes das
pessoas. Um mágico.
Até as gêmeas caxienses Fabiana Koch e Karina Koch foram
entrevistadas por Jô, pois na época estourara o escândalo da rainha da Festa da
Uva que deixara a própria irmã desfilar em seu lugar, um fato só descoberto um
tempo depois, numa revelação da mãe das meninas.
Artistas, empresários, modelos, artistas plásticos, jornalistas,
intelectuais, escritores, diretores, estilistas, economistas, políticos, ministros,
celebridades, atletas... Ih, muita gente passou pelo consagrado sofá do Jô, que
é uma pessoa sem preconceitos, acolhendo pessoas das mais variadas, pois o bom
entrevistador sabe que cada entrevista é uma história única.
Tem outra passagem ótima, envolvendo a socialite Narcisa
Tamborindeguy. Jô estava tranquilamente lendo jornal à beira da piscina do luxuoso
hotel carioca Copacabana Palace. A área de serviço do prédio Chopin, na residência
de Narcisa, dava de frente para a piscina do hotel. Narcisa, ao ver Jô, começou
a gritar desesperadamente:
- Jô! Sou eu, Narcisa. Jô! Olha eu aqui! – e Jô, discreto,
fez que não viu nem ouviu. Sem desanimar, Narcisa pegou laranjas da sua
fruteira na cozinha e começou a atirar as frutas na piscina, e Jô fingindo que
nada acontecia. Descontente, Narcisa, ainda aos berros, começou a atirar
laranjas no próprio Jô! Tudo para chamar a atenção de um dos homens mais
amáveis do Brasil.
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