quarta-feira, 30 de março de 2016

Orlando, a cidade imortal





No início dos anos 90, fui por duas vezes ao estado americano da Flórida, uma vez no verão de lá, acompanhado pela família, e outra no inverno de lá, acompanhado por amigos. No verão americano, os parques temáticos da cidade de Orlando ficam apinhados de gente, principalmente turistas americanos, que vêm de todos os cantos dos EUA para se divertir com a família. O calor é senegalês, com pancadas de chuva passageiras – lembra muito o verão de Porto Alegre entre os meses de outubro e março nesta. As filas para entrar nos brinquedos são quilométricas, e a espera pode levar mais do que uma hora, esperando em pé. No inverno americano é mais tranquilo – o frio não é muito intenso e os parques estão bem menos assoberbados. As filas dos brinquedos são praticamente nulas e as filas nos restaurantes dos parques, também. Normalmente, os americanos são um povo gentil e comunicativo, sabendo receber bem o visitante, sendo treinado para fazê-lo. As famílias são discretas e educadas, e todos estão ali com o intuito de se entreter. A gentileza se manifestou quando derrubei um copo inteiro de Coca Cola em cima de mim mesmo, e nenhum americano ao redor deu risada. E é muito comum encontrar brasileiros por lá, um povo sempre disposto a deixar muitos dólares nos caixas dos americanos na Flórida. Os itens mais procurados são bichinhos de pelúcia, principalmente de Mickey e Minnie. Mas a imaginação do departamento de vendas é forte demais, e uma simples caneca temática de Alice no País das Maravilhas torna-se praticamente irresistível, com um apelo à fantasia referente ao legado de Walt Disney e pós Walt Disney. Em Orlando, nada morre - nem a infância.

Esqueça o que você sabe sobre parques de diversão no Brasil. Orlando tem opções que vão muito além dos padrões brasileiros de parques. Os sofisticados brinquedos são cuidadosamente criados e dispostos. A magia faz com que adultos sejam crianças novamente. E, como eu já disse, o apelo mercadológico é pesadíssimo – o turista está o tempo todo sendo tentado ao consumo. Por exemplo, existe um simulador de voo de Star Wars em um dos parques da Disney – é perfeito, e a pessoa sente-se como se estivesse realmente viajando pelo espaço. É um deleite, uma aventura, e o encantamento e a adrenalina dão um pulo dentro do coração do expectador. Então, findada a simulação, o turista, ao sair do brinquedo, entra direto em uma loja de souvenires de Star Wars e, no calor do momento, acaba comprando coisas que, de cabeça fria, não compraria, como eu, que adquiri um pôster. O apelo é tão forte que, ao entrar na loja, o turista é brindado com a canção tema de Star Wars, tocada no volume máximo. É tudo milimetricamente planejado para tentar o visitante a gastar dinheiro. Nada é colocado a venda por menos de um dólar. E a criatividade dos gerentes de marketing está o tempo todo matutando e bolando produtos que despertem a libido da aquisição, que tem a ver com a autoestima – brindo a mim mesmo ao comprar algo. Tempo é dinheiro, e o americano em geral está sempre fazendo negócios.

Ao ver o sucesso de seu próprio parque californiano, a Disneyland, Walt Disney fez uma especulação imobiliária na Flórida e deu corpo a um ambicioso projeto – a Disney World, que conta com vários parques compondo-a. Walt estabeleceu a seguinte diretriz: todos os que trabalham em seu parque, o fazem apenas por três horas por dia, para garantir que as pessoas ali trabalhem de bom humor e sem fadiga. Realmente, o polido e caloroso atendimento é um diferencial nos parques Disney. A presidente da rede brasileira de varejo Magazine Luiza, Luiza Helena Trajano, por exemplo, tem a filosofia de que um cliente bem atendido é um cliente grato que sempre volta à loja, no caso orlandense, aos parques.

Infelizmente, Walt faleceu antes da conclusão das obras nos seus parques na Flórida, mas o sucesso da Disney World foi tanto que Orlando começou a aglutinar outros investimentos, e parques concorrentes estacionaram no estado peninsular. O resultado foi a construção de um complexo turístico vibrante em constante crescimento, servindo a uma demanda turística insaciável. O ramo hoteleiro de lá, por exemplo, prospera há décadas. E o próprio comércio fora dos parques tem sucesso também. No Brasil, claro que em escala menor, existe a região de Gramado e Canela no RS, que cresce incessantemente e se profissionaliza na questão de encantar o visitante: hotéis, restaurantes, parques temáticos, congressos, cafés, chocolaterias, lojas de artigos diversos como couros, móveis e souvenires, o Zoo, o Mini Mundo, o Natal Luz e o Festival de Cinema: tudo seduz o expectador e inspira este a gastar dinheiro.

Em ambas minha idas à Flórida, contei com os mesmos agentes de viagem, os quais viajaram com meus pais a outros lugares depois. Eram grandes grupos, e o entrosamento entre os integrantes embala o clima de passeio e diversão, como numa grande família, ocorrendo até um divertido amigo secreto.

Como eu já falei, a indiscutível vocação turística de Orlando começou com o gênio Walt Disney, que dizia que queria construir lugares onde pais e filhos pudessem se divertir juntos. Quando tudo começou com a californiana Disneyland, o universo de personagens de Disney já estava havia tempo incorporado ao imaginário pop mundial. Nos parques Disney na Flórida, há, por exemplo, o Epcot Center, cuja sigla quer dizer algo como “Projeto Experimental do Amanhã”. Em uma de suas partes, há os formidáveis, amplos e charmosos pavilhões dos países ao ar livre, que contemplam cultural e arquitetonicamente nações como, por exemplo, Japão, China, França, México e, é claro, com destaque, os EUA. Aliás, é muito fácil sentir o patriotismo dos americanos, visto que o pavilhão americano fica no centro do complexo de pavilhões. Muita coisa fabricada nestes países é vendida ali – uma pessoa de minha excursão comprou um autêntico sombreiro mexicano enorme! No pavilhão francês, almocei com meus pais uma comida típica parisiense. O lindo artesanato chinês, a preços módicos, também marca presença. Comprei um quimono no espaço japonês. Só que os parques em Orlando são tão grandes, e caminha-se tanto por eles, que pelo fim do dia o visitante tem que sentar em qualquer lugar para descansar. Mas é um cansaço grato.

Como o sucesso é um amante infiel, Walt revirou-se no túmulo com a Eurodisney, um parque que foi construído nos arredores de Paris e que, a princípio, fracassou retumbantemente. Saíram notícias na imprensa mundial do parque jogado às moscas, absolutamente carente de fluxo de pessoas para pagar o pesado investimento. Rendeu até uma boa piada na cerimônia do Oscar apresentada por Whoopi Goldberg:
- E não podemos esquecer do grande blockbuster deste ano, o “Jurassic Park”, que conta a história de um maravilhoso parque que é construído, mas tudo nele dá errado. O nome original deste filme era “Eurodisney”.
Ou seja, não sofra; faça piada. Mas, anos depois da derrota em solo europeu, o Grupo Disney decidiu mudar o nome para “Disneyland Paris” e, com uma nova filosofia de marketing, conseguiu salvar o parque do fechamento e dar a volta por cima.

Ainda na Flórida, há o Cabo Canaveral, famosa plataforma de lançamentos de missões espaciais americanas. Dentre os museus de naves espaciais e os muitos itens de souvenires, pode-se adquirir o sorvete de astronautas, que é sólido e seco mas, ao entrar na boca, derrete-se por inteiro. É um pouco deste tino mercadológico que o Brasil precisa ter, aproveitando, por exemplo, o potencial das praias do Nordeste.

Orlando também oferece o castelo Medieval Times, que é uma arena que reproduz as lutas de cavaleiros da Idade Média. O jantar medieval é um frango assado, comido com as mãos, como na época aludida. Nunca vou me esquecer que, tomado pelo entusiasmo dos combates, comecei a bater com meu caneco de ferro na mesa e, perto de mim, estavam sentados o rei e a rainha, atores do Medieval Times, é claro. E o rei, ao ver minha algazarra, fez-me um sinal de reprovação. Desculpai-me, majestade!

Nas atrações aquáticas, há o supercomplexo de piscinas e tobogãs Typhoon Lagoon, que só pode ser desfrutado no verão, é claro. Ainda na água, há o ótimo Sea World, com baleias e golfinhos que ameaçam encharcar quem estiver muito próximo dos grandes tanques d’água.

Tudo para o povo americano é muito prático. Nos hotéis, há lavanderias self service. Aconselho a quem nunca foi que, pelo menos da primeira vez, vá acompanhado de um agente de viagem especializado em Orlando. Como é uma cidade com muitas opções, o marinheiro de primeira viagem pode ser ver confuso e assoberbado. Um bom agente sabe peneirar as melhores opções e sabe dar dicas sobre onde fazer compras por bons preços.

No Brasil, o Beto Carrero World, em SC, tenta reproduzir alguma coisa da grandiosidade dos parques orlandenses. Mas os investimentos em um país pobre como o Brasil são tão tímidos que fica difícil compor um complexo gigantesco, mesmo porque, nos EUA, o povo, em geral a classe média, é rico, ficando mais fácil e viável a constituição de uma demanda turística consistente e forte.

O filme “Walt nos Bastidores de Mary Poppins” mostra um Walt Disney sonhador e visionário, vivido por Tom Hanks. Persistente, o empresário adquire uma grande paciência para conquistar a confiança da escritora australiana P.L. Travers, detentora dos direitos de uso da personagem Poppins.

Como faz muito tempo que fui à Flórida, não pude apreciar o parque temático da franquia Harry Potter. Para os fãs do bruxinho, deve ser um deleite, com vendas de inúmeros artigos de souvenires e castelos construídos para seduzir o visitante. Orlando não brinca em serviço, pois, como a concorrência é atroz, competência é item obrigatório na hora de bolar atrações. E os gerentes dos parques sabem que, se não renovarem o leque de opções de tempos em tempos, perderão o público, que ficará entediado com atrações que não se reciclam. Não é insuportável um artista que passa a carreira inteira sempre cantando as mesmas músicas? Muito na vida tem prazo de validade. Os donos dos parques têm que estar o tempo todo vislumbrando possibilidades de se fazer negócio. Talentos medíocres não têm vez em Orlando.

Há cerca de vinte anos atrás, no festival de comunicação da PUCRS, o Set Universitário, tive a oportunidade de vez uma palestra da agente portoalegrense de viagem Tia Iara, que há várias décadas vem liderando o mercado de turismo na capital gaúcha. Tia Iara sabe que Orlando preocupa-se em encantar o cliente, e Iara, por sua vez, tem também que propagar esse encanto. O mercado de viagens para a Flórida é movido por pessoas que sabem vender sonhos como, por exemplo, no lindo desfile alegórico noturno no parque Magic Kingdom, da Disney, com inúmeras minilâmpadas para a iluminação, algo que poderia servir de referência aos desfiles da Festa da Uva de Caxias do Sul.

Recentemente, pessoas de minha família viajaram para a Flórida, e o fizeram por conta, sem agentes de viagem. Mas, com o dólar nas alturas, é melhor esperar o cenário ficar mais favorável ao turista brasileiro, que, em cenário de crise, tem optado por destinos turísticos nacionais, favorecendo assim o mercado doméstico. E vamos combinar que é um certo incômodo ter que ir a um consulado ou embaixada pedir humildemente por um visto. Mas Orlando merece, um lugar onde todos somos crianças! O apelo à memória afetiva é tão grande que, por exemplo, nos vemos amando os Flintstones e os Jetsons novamente. É impressionante a capacidade de tocar as mentes e corações das pessoas com tudo aquilo que permeia uma eterna infância. Os corações mais empedernidos se derretem, e o ceticismo vai por água abaixo. Conheço pessoas que foram céticas e voltaram encantadas. Não subestime o sonho de Walt!

Na ilustração desta postagem, uma silhueta que dispensa apresentações.

Orlando é uma cidade grande e sem violência. Passear por suas ruas à noite é um programa ótimo que não custa um só centavo. Mas, como é de costume nas redes hoteleiras americanas, não há café da manhã incluído – a pessoa tem que ir a um mercado e adquirir produtos para a refeição matinal. Orlando é programa para você ver como o capitalismo leva a sério o empreendedorismo de Tio Sam. Uma pessoa que viajou comigo para lá, disse várias vezes a seguinte palavra para definir aquilo tudo:
- Profissional!

Para resumir, Walt Disney ergueu um império que respira plenamente até hoje, com tentáculos que abrangem muito entretenimento, seja na forma de filmes, desenhos animados, gibis, música, canais de TV ou parques temáticos. Trata-se de um universo único, que escolheu Orlando para se espraiar em todo o seu esplendor que inspira outros empresários a seguir o deslumbrante e fértil talento de Disney, um verdadeiro desbravador, assim como Freud o foi para a Psicanálise. E Orlando é a terra da magia. Inesgotável.

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