Eu sei que Porto Alegre é uma cidade como qualquer outra, e
que a vida é difícil em qualquer lugar, visto que o ser humano é universal. Mas
POA, como é conhecida abreviadamente, do mesmo modo como morei nela, ela mora
em mim, apesar de eu estar há mais de década novamente radicado em Caxias do
Sul. Às vezes passeio por Portinho, e bato perna por tudo com tênis, gostando
de curtir a cidade a pé mesmo. Morei lá de 1996, quando ingressei no curso de
Publicidade e Propaganda na PUCRS, e fui embora em meados de 2002. É
impressionante como Porto radicou-se em mim, apesar de eu não morrer de amores
pelo calor senegalês do verão portoalegrense. Mas tudo isso é parte do pacote.
Como uma grande amiga minha psicóloga disse-me:
- No meio do prazer, sempre haverá algo de que não
gostaremos.
Eu fui membro do que o sempre irônico Luis Fernando Verissimo
chama de SAPA – a Sociedade dos Amigos de Porto Alegre, uma “instituição” que
define quem não faz enorme questão de sair da cidade para o litoral na
temporada de praia. Os membros da SAPA enfrentam menos filas em cinema,
supermercados, shoppings e estacionamentos e encaram menos engarrafamentos
pelas vias da cidade. Tenho parentes que moram em POA e, sempre que posso,
visito-os aproveitando para passear pela urbe, de preferência, como já disse, a
pé, pois, já ouvi falar, não se conhece um lugar só andando de carro por este.
Ainda falando em Verissimo, avistei-o recentemente passeando pelo shopping
Moinhos de Vento, com pessoas pedindo para tirar uma selfie com ele, o qual nem
desconfia que tenho um parentesco longínquo com ele. Já topei no mesmo lugar
com a hilária e famosa comunicadora Tânia Carvalho. Falando em lugares, todo o
entorno do bairro Moinhos de Vento é muito agradável. A rua Padre Chagas abriga
cafés chiques e escritórios sofisticados, e a via é conhecida como “Calçada da
Fama”, dado o grau de elegância de quem passa pela Padre. Ainda no bairro, tem
o enorme Parcão, com rodas de chimarrão no gramado nos fins de semana. O bairro
chama-se assim por ter tido moinhos trazidos por famílias de açorianos que ali
se estabeleceram e plantaram e moeram trigo. Hoje é um endereço elegante, muito
bem iluminado à noite. Muito caminhei pelo Parcão, com seus patinhos,
tartarugas e pombas. Inclusive há um vídeo no Youtube de uma tartaruga do
Parcão devorando uma pomba! Ponto obrigatório para levar a cachorrada para
passear, num entorno residencial plácido e privilegiado – o Central Park gaúcho.
Os portoalegrenses vivem muito bem. Até a top Gisele Bündchen foi flagrada por
um fotógrafo amador passeando pelo parque, disfarçada com peruca, chapéu e
óculos escuros. Porto Alegre é top!
O Brique da Redenção oferece aos domingos no enorme parque
no coração do Bom Fim, tradicional bairro da cidade, uma feira de artesanato e
antiguidades. Inclusive, um dos personagens da Escolinha do Professor Raimundo,
ainda apresentada por Chico Anysio, era o Magro do Bonfa. É claro que nem todos
entendiam que “magro” fazia alusão ao termo gaúcho “magrão”, que quer dizer
“rapaz jovem”, e muitos não compreendiam que “Bonfa” é o apelido carinhoso dado
ao bairro do Bom Fim. Falar nesse bairro, dê-lhe eu no Ocidente, o tradicional
ponto de boemia portoalegrense que, ao meio dia, serve comida vegana. O som no
Ocidente é diferenciado, e quase todas as tribos urbanas passam por lá.
Pertinho tem o point dos punks. Durante a semana, a casa tem shows ao vivo e
saraus - o Oci nunca para.
A Cidade Baixa tem o especial cinema Guion, que apresenta
títulos os quais são difíceis de ver em outras salas da cidade. Aliás, Porto
Alegre é boêmia, com inúmeros barzinhos, seja na despojada Cidade Baixa, seja
no sofisticado Moinhos de Vento.
Eu sei que o Centrão de POA está para lá de decadente, mas
eu gosto. Você não conhece Porto Alegre enquanto não andar pelas ruas sujas e
lotadas centrais, num vaivém frenético de cidadãos cuidando de suas vidas. Uma
vez aconteceu algo muito engraçado. Era meio dia e eu estava num restaurante no
Shopping da Rua da Praia. Na última mesa bem ao fundo, sentados de costas para
o resto do restaurante, estavam um senhor idoso e uma menina bem jovem mestiça aos
beijos e chupões – claro que se tratava de um programa, pois ele oferecia a
refeição e ela, em troca, oferecia beijos – e de língua. Coisas da vida. Noutra
vez, numa bela manhã de Sol, estavam sentados em bancos da Praça da Alfândega
um travesti e um senhor aposentado. O senhor aposentado estava totalmente
escandalizado com a simples presença do travesti, o qual, por sua vez, não
estava “rodando a bolsinha”, mas estava tranquilamente lagarteando no Sol, um
cidadão como qualquer outro. E o travesti mal se importava com o olhar chocado
do senhor aposentado. Noutra ocasião, pertinho dali, fui abordado por uma
cigana, que leu minha sorte. Eu disse a ela que eu não tinha muito dinheiro, e
mostrei que eu tinha apenas cinco reais guardados. Então ela disse-me:
- Tens um bom coração.
Que fofa! Compadeço-me com os ciganos, pois são um povo que
sofre muito preconceito. As mães não dizem aos filhos que, se não se
comportarem, “a cigana” os levará embora?
Assistir a uma boa peça teatral no Theatro São Pedro é uma
experiência única, como “O Burguês Ridículo”, com Marco Nanini, “O Grande
Mentecapto”, com Diogo Vilela, ou “Masterclass”, com Marília Pêra, ou ainda ao
clássico do teatro gaúcho “Bailei na Curva”, sem esquecer da hilária “Cinco Vezes
Comédia”, com parte do dreamteam de comediantes do excelente programa TV Pirata.
Há um fino foyer no segundo andar da irresistível casa de espetáculos. Uma
figura emblemática é a respeitadíssima dona Eva Sopher, uma espécie de guardiã
do teatro, com seu famoso molho de chaves na mão, cumprimentando os cidadãos
que prestigiam as encenações. Aliás, por falar em dona, em uma conversa que
tive com Tânia Carvalho, ela disse-me:
- Não chame as mulheres de “dona” nem de “senhora”, pois
elas odeiam, sentindo-se irremediavelmente velhas.
Lição aprendida, Tânia!
Minha família por parte de mãe é toda de POA, tendo eu
memórias antigas, como as ruas majestosamente arborizadas e os cantos dos
bem-te-vis. Até o gosto da água da torneira me marcou a memória. Por falar
nisso, há um lugar belo na rua 24 de Outubro, que é o prédio antigo, mas bem
conservado, da Estação de Tratamento de Água, a Hidráulica Moinhos de Vento.
Ainda pelas vizinhanças, comi várias vezes em um restaurante que creio que não
existe mais, o Sushi Express, um lugar em que eu tinha a certeza de que o peixe
era bem fresquinho, item indispensável para se fazer um bom sushi, sashimi ou
temaki. Falar em peixe, tem o diversificado Mercado Público da cidade, com o excelente
restaurante de frutos do mar Gambrinus, no qual vi certa vez a bela jornalista
Cristina Ranzolin. Há poucos anos o Mercado sofreu um incêndio que o destruiu
parcialmente. Mas, com a energia de POA, o Mercadão renasceu. Eu lembro de quando
eu estava passando em frente ao Mercado, tinha um pregador discursando, que
disse:
- Deus ajuda, mas é preciso que a pessoa tenha vontade! – e
as pessoas em volta aplaudiram.
Porto Alegre fica colorida em época de Bienal de Artes
Plásticas. Falando em arte, é passeio obrigatório a Fundação Iberê Camargo, com
o design arrebatador do arquiteto português Álvaro Siza Vieira. A vista para o rio
Guaíba, o qual também chamam de lago, é espetacular, com uma boa cafeteria para
se sentar e ver os barquinhos passando ao longe. O prédio inspirou-se
sutilmente no Guggenheim de Nova York, mas a Iberê tem um charme pessoal. Ainda
em museus, há a bela trinca no centro da cidade: o Museu de Arte do Rio Grande
do Sul (MARGS), o Santander Cultural e o Memorial do RS, espaços sempre
oferecendo opções culturais, um do ladinho do outro. Pertinho dali, há a Casa
de Cultura Mário Quintana, o antigo hotel Majestic, no qual morava o célebre poeta
que deu nome à casa. A cafeteria no topo também mostra o Guaibão. Aliás, o pôr
do Sol do Guaíba é símbolo e patrimônio imaterial da cidade, podendo ser
apreciado de vários pontos, como na Usina do Gasômetro que, com sua chaminé gigantesca,
serve hoje como casa de cultura, onde fui certa vez a uma festa rave. Inclusive,
Porto Alegre leva muito a sério disponibilizar ao público espaços culturais. Eu
mesmo fiz, lá pelo ano de 1999, uma exposição no Solar Palmeiro, um casarão
antigo restaurado da Praça da Matriz que foi transformado em casa de cultura.
Pertinho dali, tem o Solar dos Câmara, que serve da mesma forma. Existe o
desejo nos cidadãos de Porto Alegre de transformar em espaço de gastronomia e
cultura o porto do Cais Mauá, aos moldes do que ocorreu em Buenos Aires, no
Puerto Madero. Só que a captação de recursos é complicada. Mas ficaria
belíssimo, e tornar-se-ia um ponto turístico prestigiado.
Fiquei impressionado com o ciclone que castigou a cidade em
janeiro deste ano. Dizem que Porto Alegre ficou um cenário de guerra após a
passagem do fenômeno. Parentes meus que moram em prédios altos tiveram que
fazer muita ginástica nas escadas, visto que a energia elétrica sofreu colapso
com a forte chuva e ventos inclementes, impedindo elevadores, ares
condicionados e refrigeradores de funcionar, e muita comida teve que ser descartada.
O que ocorre é que POA tem árvores antigas e frágeis, como em ruas como a
Gonçalo de Carvalho, a qual dizem ser a rua mais bonita do mundo por causa de
seu farto túnel de arborização. Falando em árvores, Porto Alegre é um
espetáculo na primavera: os inúmeros ipês roxos ficam carregados de suas flores
púrpuras, e as calçadas ficam tomadas de cor – existe algo mais chique do que
uma calçada tomada de flores caídas, principalmente no bairro Moinhos? Porto
Alegre tem mais a ver com Buenos Aires do que com o Rio de Janeiro.
Outro porém de POA é o vandalismo. Como dizia o já falecido
professor Tatata Pimentel, Porto Alegre está pichada de cabo a rabo. Mas isso é
um defeito de todo grande centro urbano. Falando desse singular intelectual que
foi Tatata, que inclusive foi meu professor na PUCRS, tenho boas memórias do
campus da Católica, com sua biblioteca rica e suas cafeterias. O cheiro de
papel da biblioteca era sedutor. E Tatata foi um digno cidadão portoalegrense,
sendo presença obrigatória no programa de debates culturais Café TV COM, do
extinto canal televisivo do Grupo RBS.
Adoro a canção “Porto Alegre é Demais”. Se você não a
conhece, busque no Youtube. É de uma delicadeza e bom gosto, com um delicioso
piano. Alguns versos:
- Porto Alegre me dói, não diga a ninguém. Porto Alegre me
tem, não leve a mal. A saudade é demais. É lá que eu vivo em paz!
Na ilustração desta
postagem, a logomarca da Rede Pampa de televisão, que alude ao pôr do Sol do
Guaíba, tal a representatividade desse show da natureza na capital gaúcha,
numa cidade viva, com pessoas caminhando, tomando café e chope e fazendo
atividade física. Bah, que tri!
As cidades estão em permanente processo de mutação e
crescimento. Eu sou do tempo em que o supermercado Zaffari Higienópolis era o
máximo, com uma disputada lancheria no segundo piso. Há muitos anos, a abertura
do primeiro Mc Donald’s na cidade causou comoção. O outrora desértico entorno
do shopping Iguatemi transformou-se em um bairro pleno e movimentado. Por isso
é bom passear por POA, para observar as nuances das mudanças, numa cidade que
cresceu muito desde o ano de 1996, como na avenida Carlos Gomes, com seus
arranha céus executivos. Eu morei na rua Anita Garibaldi, no bairro Mont’
Serrat, que é muito gostoso de se curtir – eu era vizinho de bairro de Esther
Pillar Grossi e vizinho de quadra do cônsul do Japão. POA crescerá ainda mais,
tornando-se hoje rota de grandes shows nacionais e internacionais, tendo sido
também sede da Copa do Mundo 2014, quando a cidade foi invadida pela cor
laranja da torcida holandesa. A cidade é até às vezes citada na previsão
meteorológica do canal internacional de notícias CNN.
Fiz muitos amigos em POA, e levo-os comigo.
Porto Alegre é demais!!! Bela crônica sobre Porto Alegre Gonçalo. Um forte abraço
ResponderExcluirPorto Alegre é demais!!! Bela crônica sobre Porto Alegre Gonçalo. Um forte abraço
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