quarta-feira, 27 de abril de 2016

Os cones de Ciccone




            Tenho muita admiração por essas pessoas que vêm do nada e conquistam o mundo. Louise Ciccone, a mulher que as pessoas conhecem como Madonna, veio do nada e tinha tudo para se tornar uma simples dona de casa: nasceu em uma cidadezinha satélite de Detroit, esta sendo um lugar com uma cena cultural nula; nasceu filha de um engenheiro que não conseguia enxergar que a sua filha queria ser uma artista; foi para Nova York “sem lenço nem documento”, sem conhecer pessoas influentes que poderiam ajudá-la; ralou muito, por anos, como pessoa comum e anônima, sendo até faxineira. Não me admira o fato de Louise fazer questão de mostrar para todos aonde chegou e onde se mantém.

            O empreendedorismo dos Ciccone é genético: o pai de Louise, Silvio Ciccone, é dono de uma vinícola, a Ciccone Vineyard & Winery. Aspectos públicos mostram a relação de Louise com o rígido pai, um relacionamento meio complicado, apesar dos dois muito provavelmente se amarem. Louise disse que seu pai a trata normalmente, e ele nunca diz “Vi um dos teus vídeos na TV”. Louise perdeu a mãe muito cedo, aos cinco anos de idade. Primogênita, a pequena Louise acostumou-se a ser a “esposa” da casa, ajudando a criar os irmãos mais novos, algo que moldou na criança uma séria postura de responsabilidade e iniciativa. Quando ainda era adolescente, Louise, em um evento da própria escola, subiu num palco dançando só de biquíni, com flores desenhadas pelo seu corpo, influenciada pela moda “flower power” da época. Silvio, descontente, não percebeu que um artista quer sempre provocar, e impôs à filha um castigo que durou o verão inteiro. Que dureza, hein? No documentário sobre a turnê “Blond Ambition”, no início dos anos 90, Silvio aparece criticando a filha, dizendo que “algumas partes eram desnecessárias” no show, no qual há a famosa simulação de masturbação em “Like a Virgin”; no mesmo filme, em um show em Detroit, Louise convida o pai, que estava aniversariante, para subir ao palco para que ela lhe cantasse “Parabéns a Você”, o que a deixou emocionada; ainda no documentário, quando Louise convida o pai a ver o show, ele pergunta a ela se apareceria nua, ela diz um veemente “não” e ele diz “Ok” – um pai conhece seus filhos. Poucos anos depois, Louise escandalizaria o mundo peladonna com “Sex”, que nada mais é do que um livro de nu artístico, inclusive de muito bom gosto, no qual não há “sexo” de fato, mas só insinuações, sendo que os nus femininos não eram agressivos, só mostrando vulvas, e o único nu frontal masculino era de pênis flácido – o povo julgou “Sex” sequer folheando-o, achando que se tratava de um descarado material pornô barato, com Louise em situações absolutamente degradantes e vulgares. Um jornalista sacana chegou a perguntar a Louise se “Sex” tinha como objetivo excitar Silvio, e Louise disse que “Nem a pau!”. Em um documentário sobre uma turnê posterior, Silvio diz que sua filha estava crescendo no palco, e que o show em questão era o mais positivo em toda a sua carreira, diferente do estilo “circo gay” de turnês como “The Girlie Show”, na qual há uma baita suruba - de mentirinha, é claro. Louise é assim: reza mas não diz o santo, equilibrando-se em uma linha tênue, como só essa aranha sabe tecer. Apesar dos defeitos que todo ser humano tem, Louise é uma grande estrela, estabelecendo-se como implacável ponto de referência a quem quiser seguir carreira no showbusiness. O ícone Ciccone.

            A relação com o pai é nítida e se entremeia com outros aspectos da mente da cantora. Durante um momento de auge da carreira de Louise, veio um tapa na cara da sociedade patriarcal: em “Papa Don’t Preach”, Louise interpreta uma adolescente que engravidou e que implora para o pai não lhe dar sermão, mas lhe aconselhar. Na letra, a personagem dela decide que não abortará e que terá o filho, fazendo uso de uma prerrogativa que pisa nos calos da Igreja Católica, a qual condena o aborto – sei disso, pois estudei em escola católica. Polêmica na certa, mas por quê, se a personagem opta por não abortar? O que fedeu nessa questão de “Papa” foi a liberdade da mulher: uma fêmea sem estar subordinada a um macho é mal vista. E existe mulher mais independente do que Louise? Independência ou morte! Outra canção é bem autobiográfica: “Oh Father” tem uma letra que diz como uma filha sofreu com a rigidez do pai, em um clipe que mostra uma menininha brincando com as roupas e joias da falecida mãe, com um pai que, ao ver aquilo, pune severamente a filha, em um take inesquecível de um colar de pérolas sendo desmantelado em pérolas soltas, como os sentimentos despedaçados da menina. “Não foi tua intenção ser cruel. Alguém te machucou também” diz ela na canção, que, em outro pedaço, diz “Você nunca quis me machucar. Por que estou me afastando de você?” e também “Sinto-me bem, como nunca me senti antes”. No clipe de “Deeper and Deeper” uma figura paterna tolhe os sonhos de Louise, para a qual tudo é muito instintivo, inconsciente. No clipe de “Bad Girl”, uma figura masculina mais velha é um anjo da guarda. Como Louise tem a atitude corajosa de não censurar a si mesma, a expressividade é inevitável. Louise tem duas bolas entre as pernas, e é uma americana, ou seja, entende a importância da liberdade de pensamento. Brava!

            Outro aspecto da vida de LC é o áspero relacionamento com a imprensa. Parece que uma não quer falar muito bem da outra, apesar de uma precisar da outra. Há a infame entrevista cedida a Marília Gabriela – a entrevistadora não se sentiu muito respeitada nem muito confortável ao entrevistar Louise. Gabi disse ter se deparado com uma pessoa com muita esperteza mas pouca inteligência, nunca a star aproveitando as perguntas para desenvolver respostas capciosas. Outro brasileiro que entrevistou a cantora foi Zeca Camargo, na época do lançamento do desastroso e opaco filme “Sobrou para Você” – durante toda a entrevista, uma assessora de Louise, atrás desta, seguindo instruções prévias da artista, fazia mímicas a Zeca para este não perguntar sobre o bebê, visto que Louise estava grávida, esperando o segundo filho. Geniosa a diva. Como os jornalistas são pessoas inteligentes, nada mais natural do que não irem muito com a cara de Louise. Uma pena. Em outro episódio, jornalistas ficaram esperando por horas numa ante sala para entrevistar a mulher, sendo que um destes, que narrou a situação, disse ironicamente:
- Se Nossa Senhora Mãe de Deus demorou tanto para aparecer em Fátima e Lourdes, Madonna também tem que se dar ao luxo de ser esperada.
Você percebe que vem a César o que é de César? Não tenha pena, pois quem tem pena é pato, que não entrou para a seleção. Louise merece ser tratada assim pela imprensa. É uma coroa de espinhos.

            A trajetória de Louise sofreu uma reviravolta positiva com o álbum “Ray of Light”, premiado com um Grammy, com canções muito originais, em um trabalho inusitado, que entrou em contraste com o que as pessoas esperavam inconscientemente de L. Ciccone. Na mesma época, a mulher tem uma filha, e a imprensa trata Louise como se fosse a primeira celebridade do mundo a ter uma criança. Também na época, a filha de Silvio abocanha um Globo de Ouro por interpretar a não menos polêmica Evita Perón – sequer é indicada a um Oscar, uma injustiça, num fato que mostra como a Academia não morre de amores por Luísa.

            “Eu sei que não sou a melhor cantora. Eu sei que não sou a melhor dançarina. Mas você não quer ser uma estrela? Come on!” diz a diva pós moderna. Lou Lou, na sua esperteza, sabe que, se parar, virará peça de museu. Daqui a pouco tempo, ela completa 60 anos de idade. Se até Mick Jagger continua na ativa, difícil ver uma Louise idosa em casa fazendo tricô. Louise sabe que a vida é luta renhida. “Ela é guerreira. Ela é uma deusa. Ela é mulher de verdade” diz a letra de uma canção de Chorão, a qual pode ser tranquilamente associada a Louise. De luta, L. entende, até chorando, mas nunca se entregando.

            Normalmente, Louise se dá mal no cinema, atuando ou dirigindo. É um carma. Um dos filmes que dirigiu até foi indicado ao Oscar de Figurino. Mas parou por aí. “Evita” de Alan Parker foi exceção. Louise já é costumeiramente indicada ao prêmio deboche Framboesa de Ouro – nada mais natural, pois Louise é uma artista para lá de debochada. Portanto, não reclame, Louise! Leve na esportiva. Bolas, digo, bola para frente.

            Tenho amigos que são grandes, gigantescos fãs de Louise. É claro que eu continuo acompanhando a carreira dela, e que nunca deixarei de comprar os seus álbuns, mas já não a adoro com aquele ardor de adolescência. Hoje aprecio também jazz. É claro que o olhar do fã é um olhar idealizado, livre de julgamentos – o ídolo solta um pum e o fã acha o máximo; o admirador acha que sente cheiro de Chanel n. 5. Louise é uma desbravadora, e sabe que trabalhar é sempre bom. Ela se acostumou com o nível de vida milionário e, para bancar este, precisa estar “o tempo todo” em turnê. Nunca ficou na sombra de homem algum, apesar de ser heterossexual – as várias vezes em que já foi vista, filmada e fotografada beijando mulheres de língua são só para provocar. Louise gosta mesmo é de um belo homem. Só que ela teve um relacionamento que a decepcionou muito – não citarei nome algum aqui, mas foi uma história que ensinou muito a Thelma, digo, Louise.

            O mercado fonográfico está sempre em busca de renovação, de novos nomes, daquilo que está enlouquecendo a juventude. Há muitas divas fantásticas concorrendo pela atenção do público global: lindas, audaciosas, maravilhosas. Uma diva tem que ser completamente competente; se não, sai do mapa. Existe uma pessoa, cujo nome não mencionarei, que tem a coragem de injetar no mercado clipes medíocres, sem proposta nem indagação. Claro que Louise não está sempre com nota dez no boletim, mas se esforça, sabendo que, na cultura pop, uma boa imagem casa com uma boa canção, como o inesquecível Michael Jackson. Louise sabe o que é mercado. É uma wonder woman, digo, uma business woman, a qual nunca precisou cursar uma caríssima escola de business para obter sucesso, sendo isso um coice nas pretensões elitistas de outrem. Um banho de água gelada, com direito a cubinhos de gelo boiando.

            Rainha da catarse, Lou dançou em “Like a Prayer” em meio a cruzes incendiando para protestar contra o preconceito racial. Louise faz do limão uma limonada e usa a arte para curar feridas internas. Acusada de ser marqueteira, Louise sabe que trabalha no setor de cultura de massa, e que há todo um mercado esperando para ser domado e dominado. Daí vem a agressividade dessa mulher, que diz na letra de “Rescue Me”:
            - Você me faz ajoelhar enquanto coço as costas de um mundo que quero conquistar.
            Por exemplo, quando Louise fez uma apresentação no intervalo do grande torneio de basquete nos EUA. Com alma de cheer leader, a líder de torcida, Louise integrou, na época do colégio, o grupo de torcedoras da escola. Mas, na verdade, Louise quer mesmo é estar ali na quadra, fazendo cesta. Isso é feminismo ou o quê?

            Imagine o seu irmão, que vem do mesmo lar do que o seu, lançar um livro falando o tempo inteiro mal de você. É o que fez Christopher Ciccone, o irmão de Louise. Não sei como está a situação entre os dois, mas deve ser difícil. Imagine no Natal, com a família reunida. A fama pode ser bem complicada. Você gostaria de ver a sua família numa situação como essa? Que dor.

            Na ilustração desta postagem, os famosos cones de Louise desenhados por Jean-Paul Gaultier, por si só com um desenho agressivo mas feminino, como tudo relacionado a Madame Ciccone, uma mulher com alma européia. Ulalá!

            Fica sempre a pergunta sobre a imprevisível show girl: o que será que ela vai aprontar dessa vez? Ela sabe que, para sobreviver à voraz e canibalesca máquina que é o showbusiness, tem que sempre trazer algo novo. O lançamento de uma fragrância de Louise fez menos sucesso do que poderia. Por quê? Porque traz elementos e referências a momentos já passados da carreira de Louise, algo que dificilmente conquistaria a meninada que está vindo aí. A fragrância em questão deveria ter vendido como água benta. Os altos e baixos, na valsa volúvel da vida, são inevitáveis. É a metáfora do livro “As Horas” de Michael Jackson, digo, Cunningham: boa ou ruim, essa hora passará. Louise tem álbuns que venderam mais; outros, menos.

            Louise, como todo artista, é uma interpretadora de personagens: ela no palco, em um clipe ou no estúdio gravando, é sempre uma artista fazendo um personagem. E seus fãs sabem que um artista quer sempre interpretar personagens, mas o resto do povo não acha isso, e acha que Louise é sempre aquilo que, na verdade, apenas interpreta. A excepcional menina de Detroit é um ícone antipreconceitos, e sua imposição em um mundo tão fútil e preconceituoso sempre faz bem. É o poder da arte. Frágil mulher de baixa estatura, Louise é um colosso, numa deliciosa contradição. O simples fato dela ser fêmea já é um soco no estômago de muita gente. Papai está brabo?

quarta-feira, 20 de abril de 2016

Desvirginando Elizabeth I




            Tudo o que falo a seguir é baseado em filmes, programas de TV e textos na internet que abordam a dinastia Tudor da Inglaterra. Não sou historiador. Sou admirador desse período. Até fui um bom aluno de História no colégio, ao contrário de Matemática.

            Antes de falar de Bess, apelido da rainha Elizabeth I, tipo Di para Diana, é preciso falar do pai daquela, o rei Henrique VIII, um homem corajoso. Na era deste rei, a Igreja Católica Apostólica Romana estava emergindo de um contexto medieval, no qual a Igreja e o Vaticano eram absolutamente tudo na Europa, a qual começara a ficar dividida por essa questão religiosa de católicos versus protestantes. Nem a então toda poderosa Espanha ousava contradizer o Papa, e a Era das Navegações começava competitivamente – a Europa ambicionava a América. Os protestantes eram perseguidos e executados, acusados da mais alta heresia. Era inaceitável para o catolicismo a crença protestante de não ter a Virgem Maria, numa “faxina” religiosa parecida com a de Aquenáton no Antigo Egito, amaldiçoado rei também acusado de heresia. Henrique, ou Henry, estava descontente com seu primeiro casamento com uma mulher católica, união da qual nasceu Mary Tudor. Querendo casar de novo, sempre com a obsessão de colocar no mundo um herdeiro do sexo masculino, Henry deparou-se com a negativa do Vaticano em matéria de divórcio. Sem se deixar intimidar, Fernando Henrique, digo, Henrique VIII “mostra para o Papa o dedo do meio” e funda a Igreja Anglicana, autoproclamando-se líder da nova fé inglesa – o rei, que foi o primeiro anglicano, rompe com o trono de São Pedro. Foi um escândalo na Europa. O rei fez valer a independência da própria coroa: era tudo ou nada – quem não gostasse da autonomia do rei, que se ferrasse.

            O rei, então, casa-se de novo, com Ana Bolena, e da união nasce Elizabeth, numa época em que a mortalidade infantil era alta e a expectativa de vida era baixa, explicação para Henry ter tido só três filhos que chegaram à idade adulta. “The king” foi frio quando viu que não era um menino que nascera de Ana, e sua relação com esta desgastou-se ao máximo: Bolena acaba sendo julgada e condenada por adultério e traição, e é executada oficialmente, sendo que até hoje os historiadores não sabem se foi uma condenação justa. Ao todo, Henry teve seis esposas, uma de cada vez, sempre fazendo uso da prerrogativa de anulação de casamento, impensável na Igreja Católica, a qual diz que o que Deus une, o homem não separa. Com uma de suas esposas, o rei tem o tão desejado herdeiro homem, Eduardo, o qual assume o trono com a morte do pai mas morre pouco tempo depois, deixando o trono vago para Mary Tudor, que se revelou uma católica cruel e estabeleceu:
- Só há uma fé verdadeira. O resto é heresia.
Foi uma “contra faxina”. Mary faltou com o respeito à liberdade de pensamento e à tolerância pela diversidade. Uma medíocre.Uma ditadora.

Desculpe-me pelo termo que vou usar aqui, mas Mary, a sanguinolenta, foi uma sacana: buscou restaurar o catolicismo na Inglaterra, quase botando a perder todo o legado do pai, o qual lutou a vida inteira pela soberania inglesa. Mary estabeleceu que todos os ingleses que não eram católicos teriam que ser exemplarmente executados, muitas vezes queimados vivos em uma fogueira, numa crueldade que até começou a corroer a popularidade de Mary. Nessa febre em prol do Vaticano, Mary chegou a mandar prender a irmã Elizabeth, a qual era suspeita de, dentro de si mesma, não seguir a religião católica e desprezar a coroa. Bess, apesar de frequentar missas católicas, ficou três meses presa na terrível Torre, desconfortabilíssimo presídio de Londres.

O casamento de Mary com o rei da Espanha foi arranjado, numa política que fazia da Inglaterra um mero quintal subordinado à tão rica e militarmente temida nação espanhola. O casal nunca se deitou junto, e Mary surtou: teve uma gravidez psicológica e, como era católica fervorosa, achou que se tratava de uma imaculada conceição. Na verdade, era um tumor no abdome. Mary também sofria de homéricas crises de enxaqueca, numa época em que não existia uma aspirinazinha. Apesar da pressão em nome da execução de Elizabeth, Mary resistiu à ideia até o fim, nunca tendo coragem de assinar a pena de morte da própria meia-irmã. À sofrida morte de Mary pelo câncer, o rei da Espanha até propôs anular o casamento não consumado e quis casar-se com Bess, mas esta negou, pois isso daria continuidade à política estatal da meia irmã católica. Inclusive, Elizabeth, durante toda sua vida, foi uma feminista, não aceitando a possibilidade de ficar na sombra de qualquer homem, tendo no máximo amantes – a altivez da soberana entrou em harmonia com a soberania inglesa. A rainha torna-se símbolo de algo grande, fundindo-se com Nossa Senhora e Ísis no imaginário popular arquetípico. É uma personagem sobrenatural, centro da História da Inglaterra. A vogue da época era o Renascimento italiano, a moda suprema na Europa. O mundo despedia-se na Idade Média. Elizabeth percebeu os arautos renascentistas de renovação – era moderno, inédito e atual. E Itália, Espanha, Portugal e França estavam no auge – era conotação chique ser latino, visto que Bess falava francês fluentemente.

Elizabeth Tudor não nasceu favorita, e por algum tempo foi considerada filha bastarda do rei – parecia que jamais tornar-se-ia alguma coisa importante. A predileção do rei era, claro, o filho homem, sendo que Mary, então, era o resto. Seguindo a lógica, Bess era o resto do resto, e tornou-se tudo o que se tornou – esta foi subestimada. E só aquele que é subestimado pode surpreender – isso é o que o taoísmo fala, numa doutrina que ensina como governar, sempre primando pela harmonia e só recorrendo à guerra quando os caminhos diplomáticos estão completamente sem efeitos. Disse Henrique VIII:
- O mundo precisa saber que somos uma nação pacífica mas que iremos à guerra se formos provocados.
A era elizabetana foi, em geral, uma época de paz, com um povo que passara a confiar profundamente em sua regente mulher. A prosperidade tomou conta do reino. O inglês creu em si mesmo. Uma nação unida na luz de uma sábia.

Bess incentivou a dramaturgia e estimulou a produção teatral, sendo contemporânea do seu súdito William Shakespeare – o teatro inglês respira até hoje os ares dessa época, com um dos autores mais conhecidos e encenados do mundo – quiçá o maior de todos. A rainha também encorajou a produção de pensamento, fundando universidades, os colleges, os quais visitava periodicamente com empolgação – é claro que, naquele tempo, as instituições de ensino eram exclusivas aos homens, assim como nos palcos teatrais, sendo que atores faziam os papéis femininos, algo muito bem mostrado no filme “Shakespeare Apaixonado”, no qual a personagem de Gwyneth Paltrow tem que disfarçar os próprios seios para pisar no palco. Só séculos depois, com Margaret Thatcher, a Inglaterra viu uma mulher quebrar a hegemonia masculina, em um ambiente só de homens no poder do país, diferente da rainha Vitória, que não era infiltrada no “Clube do Bolinha”. E, inclusive, a tradição dos colleges ingleses serviu de inspiração na criação do universo do personagem bruxinho Harry Potter.
- Os americanos não sabem o valor da tradição – diz a conservadora personagem inglesa de Maggie Smith na série de TV “Downton Abbey”.
- Oh, sim, sabemos o valor. Mas não somos escravos da tradição – respondeu a personagem americana de Shirley MacLaine.

Quando ascendeu ao trono, Bess encontrou uma Inglaterra financeiramente falida, sem exército nem poder de mando na Europa – os ingleses eram uma espécie de Terceiro Mundo. Quando morreu, a Inglaterra era a nação mais rica e poderosa do continente: o mundo passa a respeitar profundamente a terra do rio Tâmisa. Um marco de seu reinado foi a vitória sobre a assim chamada “Invencível Armada Espanhola”, símbolo do poder e da arrogância da supernação que era a Espanha, seguida de Portugal, as duas grandes potências navegadoras da época. Ao encorajar o próprio exército antes do conflito, a rainha discursou:
- Eu posso ser uma mulher, mas tenho a coragem e o estômago de um rei!
Uma espécie de Joana D’Arc. Será que Elizabeth Arden, digo, Tudor tornar-se-ia santa se fosse católica?

Bess sobreviveu a várias conspirações contra sua vida, tecidas por pessoas ávidas por seu trono, como na Espanha ou no Vaticano, que chamavam-na de “a prostituta bastarda herege que ocupa desmerecidamente o trono” – Bess enfrentou impopularidade entre seus rivais, é claro. Uma dessas conspirações foi de sua própria prima, Mary Stuart, a rainha católica da Escócia. A conspiração foi comprovada e Mary Stuart presa. Esse foi o momento mais duro da vida de Elizabeth: Stuart não foi poupada da complicada execução. A prima escocesa mostrou-se orgulhosa e irredutível, e decidiu que queria ser executada para virar mártir da Igreja Católica. Elizabeth viu-se obrigada a assinar o documento de execução, mas só foi notificada da decapitação após a machadada capital. Liz ficou possessa pela execução não ter-lhe sido informada antes, a ela, a rainha da Inglaterra, e chegou a prender o responsável pela insubordinação. Imagine você ter que matar o seu próprio primo: não acontece em qualquer família. Como são infelizes esses jogos de tronos, na obsessão humana por poder. A simplicidade de Jesus Cristo flutua acima do mundanismo. Aquele que não quer trono, reina.

A figura de Elizabeth Windsor, digo, Tudor rendeu vários filmes, interpretada por grandes atrizes como Bette Davis, Judi Dench, Cate Blanchett e Helen Mirren, entre outras. Bess realmente foi excepcional, e navegou acima de mediocridades. Não deve ser fácil ser herdeiro do trono da Inglaterra. O povo inglês e o mundo ficam com a expectativa de vir uma nova Era de Ouro elizabetana. Sentar no mesmo trono de Bess pode ser “overwealming”, termo em inglês que quer dizer “assoberbante”. Não é a todo momento que grandes talentos estadistas são revelados. Mas, como a verdade é filha do tempo, só anos depois da morte da rainha é que o mundo deu-se conta da total importância da regente, do mesmo modo como demorou ser reconhecida a divindade de Jesus. O reinado de Elizabeth segue emblematicamente entranhado na tradição inglesa. Até hoje este país alimenta-se da dignidade elizabetana, fascinando o mundo de forma incessante durante os séculos – todas as nações do mundo querem ter em suas respectivas histórias uma semelhança com o brilho dessa era.

Os colonizadores ingleses, ao pisarem na América, batizaram um estado de “Virginia”, em homenagem à rainha. É claro que este título de intocabilidade sexual partiu do povo – Elizabeth não impôs decreto algum obrigando os cidadãos a chamarem-na de “rainha virgem”. Mas, o que tinha de carismática, tinha de autoritária, um ícone do absolutismo, tendo que se colocar em mundo tão sexista, no qual uma mulher, para ser considerada uma dama, tem que ser absolutamente passiva, algo impossível para o feminismo. Elizabeth venceu percalços e fez a Inglaterra superar dificuldades também. Foi uma vida de dedicação, com décadas de reinado, uma aula de bom uso do poder. Uma construção tijolo a tijolo. Uma digna estadista.

A altivez de Thatcher na Guerra das Malvinas assemelhou-se com a de Elizabeth na guerra contra a Invencível Armada. Em um momento do filme “A Dama de Ferro”, Margaret, interpretada por Meryl Streep, usa uma blusa com uma gola de claro estilo de Isabel, equivalente latino para o nome “Elizabeth”, a qual respeitou o próprio pai e consolidou a igreja inglesa. Disse Moisés:
- Honrarás pai e mãe.

É claro que é um baita cartão de visitas ser herdeiro do fulano, mas o herdeiro tem que provar ter “autonomia de voo” e conquistar, por si, o respeito de outrem. A cantora Maria Rita, por exemplo: não é fácil ser comparada com Elis Rainha, digo, Regina. Maria Tudor, digo, Stuart, digo, Rita teve que se mostrar competente no que faz. Certamente, ser filha do rei Arthur, digo, Henrique VIII ajudou e atrapalhou Liz, numa natural contradição. E o peso de uma coroa sobre a cabeça pode ser espinhoso. Feliz e lúcido o rei que não se importa com o luxo à sua volta.

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Pessoas que conheci



            Acredito muito que exista uma Divina Providência, que tece as vidas das pessoas e as faz passar umas pelas vidas das outras, com lições sendo ensinadas e aprendidas. É claro que estou usando nomes fictícios, pois minha intenção não é expor pessoa alguma. São histórias de pessoas que enfrentaram episódios difíceis em suas vidas, seja por drogas, seja por doenças não relacionadas a drogas, sendo que estas estão entranhadas na questão da segurança pública.

Ângela era alcoólatra, e era também uma pessoa sensível – escrevia poesia, tendo até sido vencedora em um concurso literário de poesia na cidade. Ela acordava cedo e ia sozinha para a cozinha tomar café e escrever – claro que junto com o café ela colocava alguma bebida alcoólica, provavelmente graspa, pois o alcoólatra precisa beber logo que acorda para se sentir estável, para “firmar o pulso”. Seu marido não era muito gentil, pois, ao interná-la, perguntou na recepção da clínica:
- Tem vaga para uma bêbada?
A família de Ângela foi marcada por uma tragédia. Sua neta, de apenas três anos de idade, morreu em um acidente. A menina foi brincar de se esconder e foi para trás da roda traseira do caminhão do genro de Ângela, o qual, sem saber, ligou o motor, deu a ré e matou a menina. Lembro-me de Ângela falando com muito carinho da neta, de como a menininha gostava de se arrumar. A família de Ângela até tolerou alguns meses de luto, e deixou Ângela beber à vontade. Mas tudo tem limite.
Ângela sempre carregava consigo seu caderno de poesias, e até fez um poema para mim, no qual me chamou de “anjo crescido”. Pessoa de bom coração, prestava solidariedade para pessoas que também passavam por momentos duros.
Anos depois vi Ângela em uma reportagem no jornal, que mostrava todos os cadernos de poesia dela. Em outra ocasião, vi-a na TV. Nunca vou me esquecer que ela me beijou o rosto. Meu anjo amigo! Sempre terei dela.
Ângela sofre um pouco com o estigma do alcoólatra. Antigamente, o alcoolismo era tido como um desvio de conduta:
- O fulano é um safado, que fica bebendo.
Hoje em dia, o alcoolismo começa a ser visto como uma doença, inclusive genética. E, como doença, precisa de tratamento. Tem uma pessoa, que já faleceu, que foi da minha família. Ele era alcoólatra, mas na época em que isso era visto como defeito moral.
Sempre há desculpa para um alcoólatra beber:
- Hoje estou feliz. Então, vou beber!
- Hoje estou triste. Então, vou beber.
Há o samba enredo que diz:
- Hoje eu vou tomar um porre. Não me socorre que eu estou feliz.
Uma psiquiatra me disse que tomar um ou dois copos, para confraternizar e brindar, não tem problema. O problema vem com as doses a seguir. Uma pessoa embriagada é patética. Como a moderação é um dos pilares do taoismo, diz o slogan de propaganda de cerveja:
- Beba com moderação.
Mas o “pegar leve” aplica-se a tudo. Em política, por exemplo, não compreendo as alas “xiitas” dos partidos. Acredito em diálogo, em elegância, em harmonia. E é esse equilíbrio que falta na vida do alcoólatra, pois a bebida apodera-se da pessoa. Escravidão.

Breno era um rapaz alto e bonito, com um sorriso luminoso. Nunca vou esquecer do “bom dia” que ele me deu sorrindo. Ele disse que seu problema era com crack, mas, como eu era ignorante, eu não sabia na época o que era crack nem tinha consciência dos poderes devastadores dessa droga, que é um subproduto da cocaína. Meses depois de conhecer Breno deparo-me com a manchete no jornal: “Jovem viciado morre ao fugir de casa”. Aconteceu que Breno era mantido como prisioneiro dentro da própria casa, a única alternativa que a família encontrou para evitar que o rapaz recaísse no crack. Inclusive, no seu quarto, que ficava no segundo ou terceiro andar da residência, não havia lençóis, só um edredom, para evitar que Breno fizesse uma corda com os lençóis e fugisse. Inclusive a família até estava pensando em se mudar de bairro, para que Breno pudesse começar uma vida nova.
Mas o desejo por mais uma dose de crack, ânsia que pode ser despertada com uma simples fumaça de ônibus, é tão implacável que, numa noite, absolutamente obcecado em “fumar pedra” - termo informal para o uso do crack -, Breno desparafusou uma das portas de seu armário e, com a porta, teve a intenção fazer uma ponte entre a janela de seu quarto e o muro ao lado. Mas, quando já estava em cima da ponte improvisada, a peça se desequilibrou e Breno veio ao chão, fraturando a cabeça e morrendo com o impacto. A família estava sofrendo tanto com a dependência química que o pai de Breno chegou a declarar ao repórter do jornal que tinha sido um alívio o filho ter morrido. Segundo o Espiritismo, os dependentes químicos, quando morrem, vão a uma dimensão de sofrimento, pois não querem se desapegar do vício. Tudo o que espero é que Breno esteja encaminhado, aprendendo que as drogas são um mal nefasto. A verdade é que o crack é um pé na cova. Tenho pavor de drogas. Malditas sejam. Breno, tenha força, pois os fortes sofrem menos. Tenha paz!

Outro doce de pessoa que conheci foi Josie. Ela tinha problema com drogas, mas tinha uma personalidade meio infantil, zombando dos psiquiatras que queriam ajudá-la. Josie gostava de uma conversa descontraída e, certa vez, via-a tomando um suco de mamão. E disse a ela:
- Deve ser bem gostoso esse suco, não? – e ela disse que sim. Então, afastou-se e ficou fora da sala por alguns minutos. Depois ela voltou com um copo cheio de suco de mamão e me deu a bebida! Isso só pode ser feito por uma pessoa de bom coração. Mas só coração não adianta, Josie: tens que te tratar da dependência química. Tens que sair dessa, amiga! Use a cabeça!

Peter era um gurizão de 19 anos de idade que estava com Parkinson por causa do abuso de cocaína. Quando a crise estourou, Peter sequer conseguia conversar normalmente. A sequela também o deixou com a audição consideravelmente debilitada. Ele estava com incontinência urinária. Estava péssimo. Mas, depois de alguns dias tomando a medicação apropriada, Peter mudou da água para o vinho – a incontinência parou e ele conseguia conversar e raciocinar. Quando começou a voltar à lucidez, decidiu que, findada a internação psiquiátrica, queria ir trabalhar com o próprio pai, que era dono de um negócio. Sempre amigo e receptivo, Peter conseguiu dar a volta por cima e superar o descaminho. Gente fina o cara.

João é um senhor absolutamente sequelado pela cocaína. Ele simplesmente tem que morar numa clínica psiquiátrica, ficando impedido de sair e de viver sua vida no mundo lá fora. Por muitas vezes, ele recebeu alta do hospital e, no mesmo dia, partia em busca da droga. Fazia coisas inacreditáveis para sustentar o vício, como, por exemplo, pedir dinheiro para pessoas as quais, com pena, davam-lhe recursos sem saber que o valor era para consumir droga. Nunca vou me esquecer de João, um exemplo de como a droga pode ser imperativamente destrutiva. Se bem que ele está tão sequelado que creio não tem plena consciência de que é um prisioneiro de si mesmo. Maldito pó.

A história de Beatriz nada tem a ver com drogas. Beatriz era uma menina linda, uma Barbie. Tinha olhos azuis e cabelo cacheado, uma boneca. Só que era anoréxica bulímica. Ela chegara a um ponto em que os pais dela não tiveram outra alternativa se não interná-la imediatamente – Beatriz não estava comendo coisa alguma havia dias e chegou ao ponto nem de tomar água, porque achava que a água a engordava com retenção de líquidos. Ou Beatriz seria internada ou morreria. Beatriz sequer tomava um chazinho sem açúcar, e tudo para ela era ruim. Ela ia ao telefone e dizia incessantemente:
- Mãe, vem me buscar. Vem me buscar.
É claro que a mãe dela devia dizer algo como:
- Eu quero que tu te trates, te recuperes, fiques bem e aí tu vais voltar para casa.
Beatriz provavelmente teve que receber soro na veia para não morrer. O problema são os cruéis padrões de beleza da sociedade machista de consumo, no qual uma mulher, para se sentir atraente, tem que submeter ao doloroso processo de enxertos de silicone no tórax. E a indústria da moda prega o padrão de beleza esquálido como sinônimo de sensualidade. As meninas são afetadas por tudo isso, e a autoestima da mulher fica metralhada. É só observar as vitrines do varejo – manequins com proporções fetais, com meninas que, para trabalhar como modelo, precisam ser subnutridas. É um horror. As mulheres precisam reagir a tudo isso, e Beatriz precisa saber que é uma menina linda, que não precisa demonizar os alimentos essenciais à vida. A ditadura da magreza quase fez de Beatriz uma vítima.

Rubem estava viciado em loló. A droga já estava começando a comprometer o seu controle neurológico. Infelizmente Rubem era rebelde, e não tomava o remédio prescrito pelo médico. Quando tomava o remédio direitinho, era outra pessoa: calmo e reservado. Só que com a ausência do remédio, o desejo pela droga ficou grande e incontrolável. Não sei como Rubem está hoje, ou se ainda está vivo. Só sei que a crise de abstinência pode ser excruciante, seja por álcool ou drogas.

Paulo tinha problema com cocaína. Antes de baixar no hospital, foi a um centro espírita, e lá disseram-lhe que ele deveria se internar. Sua família estava em dificuldades financeiras, e Paulo só podia ser atendido pelo SUS. A família de Paulo era respeitada na cidade, mas a ruína financeira ficou inevitável. Inclusive o pai dele faleceu enquanto Paulo estava internado, e este recebeu permissão para ir ao funeral. Paulo explicou-me que a abstinência de cocaína é bem complicada - a pessoa fica com a sensação de que não dorme há dias.

Alexandre ficava o tempo todo em seu quarto, e fazia as refeições ali mesmo, isolado, sem interagir com as outras pessoas que o cercavam. Suas unhas estavam enormes, pois sua autoestima estava em baixa, desanimando-o a se cuidar e se gostar. Mas começou a evoluir passou a fazer as refeições com as outras pessoas. Cortou as unhas. Alexandre recuperou-se e voltou para casa.

Tem uma pessoa que vive pelas ruas como um mendigo, o Jefferson, mas ele não é indigente qualquer: tem nome, sobrenome, casa e família. Teve educação em colégio, mas ainda jovem conheceu a maconha, e hoje não sei se consome outras drogas. Jefferson simplesmente quer, com todas as suas forças, viver na rua. Ele já foi internado inúmeras vezes, mas sempre volta às ruas como um mendigo. Não sei qual é o problema dele. É certo dizer que ele virou mendigo por não gostar de seguir regras, pois, em casas de acolhimento, há regras e horários para tudo: hora para o banho (obrigatório), hora para dormir, hora para acordar, hora para as refeições, e tem que cortar unhas e cabelos e fazer a barba. Jefferson se tornou refratário. A família não sabe mais o que fazer.

            Oscar, outra pessoa que conheci, é alcoólatra e narcodependente de maconha e cocaína. Ia à boca na qual adquiria o pó, e me descreveu que, ao lado da mesa na qual a traficante colocava os papelotes prontos para a venda, havia uma criança pequena que via tudo. Um tempo depois, Oscar voltou à boca e a traficante tinha sido presa, e a criança provavelmente fora levada ao Conselho Tutelar. Não sei como Oscar está hoje, se está limpo, se está bem. Nem sei se tem consciência de que as drogas são miragens e de que elas anuviam o pensamento.

As vicissitudes fazem com que a pessoa cresça. Nenhuma dor é em vão. A vida nos oferece diariamente lições a serem aprendidas. Nós somos pessoas muito melhores do que éramos há anos atrás. É para frente que se anda. Tive uma terapeuta que me disse que as crises são positivas. Sim, a crise assinala um ponto de renovação na vida da pessoa. Só que a crise não é superada se a pessoa acha que a culpa é dos outros, que a culpa é do mundo. A pessoa tem que SER, independente de onde ESTÁ. Sendo assim, o indivíduo passa a fazer as pazes com o mundo. O problema é que os sinais auspiciosos iludem e ludibriam, e há pessoas que caem nessa teia. Essa inclinação às drogas é do espírito em particular. A pessoa nasce assim, com todo um cronograma espiritual de obstáculos a serem superados com elegância olímpica. Antes de encarnar, a pessoa sabe o que vai enfrentar. Pois, sem dificuldades, não há crescimento. A dor é necessária. Mas o sofrimento por essa dor é desnecessário. No sentido de que a pessoa não precisa ter pena de si mesma. Avante, amigo! Coloque os pés no chão e faça como o Espiritismo diz:
- Mortifique-se contra ilusões. Desvencilhe-se de bobagens. Faça uso da razão.

As drogas e o álcool são tentadoras rotas de fuga. Fugir do quê? Da inevitável dureza da vida. Esse “canto da sereia” seduz e agrilhoa almas. O espírito tem que aprender a se desiludir, desprezando as drogas. Uma pessoa me disse:
- Depois da noite mais escura, vem o dia mais lindo.

Vai passar! Não se esqueça de que você tem um anjo da guarda, alguém totalmente debruçado sobre você. Tenha garra, pois, como dizia minha amada avó, a vida é luta renhida. A própria Dercy Gonçalo, digo, Gonçalves em uma entrevista:
- Dercy, o que é a vida? – perguntou o repórter.
- A vida é luta – disse a estrela.

            Não existe momento algum na vida em que você poderá achar que alcançou a perfeição e que não mais precisa tocar a vida para a frente, como se houvesse um “piloto automático”. “You keep moving on”, como diz o clássico da Broadway “Move On”: mantenha-se caminhando*. Não pare. A vida é luta igual para todos, e não é diferente com você. Como diz o slogan do uísque:
- *Keep walking.
E repito: beba com moderação.

A pessoa em dificuldade tem que ter humildade para admitir ser ajudada. Ninguém consegue tudo sozinho. A arrogância leva ao isolamento.