quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Quem ama Kusama



AVISO: Antes de ler esta postagem, saiba que o blog entrará em férias e retornará na segunda quinzena de fevereiro de 2019. Nesse meio tempo, pode acontecer, porém, de eu postar alguma(s) vez(es). Se isso acontecer, pode deixar que eu divulgo no Face. Mas o retorno definitivo é em fevereiro, ok?

Longeva, a japonesa de nascença Yayoi Kusama conheceu um Japão patriarcalista e opressor, no pós II Guerra Mundial. Por isso, ficou por uns tempos nos EUA, onde trabalhou e ficou amiga de estrelas como Andy Warhol. Kusama é conhecida por suas obras frequentemente ilustradas com bolas e círculos. Voluntariamente, ela mora em uma clínica psiquiátrica no Japão. Kusama é um dos raros exemplos de artistas que enriqueceram com seu trabalho. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!


Acima, Flor. 1952. Este quadro tem um quê de xilogravura, com impressões binárias entre claro e escuro, no glamour binário das fotos em preto e branco, fotografando grandes estrelas do Cinema, fazendo metáfora com a beleza perfeita dos espíritos depurados, verdadeiras estrelas que convidam a Humanidade ao apuro moral, ao aprimoramento, à mortificação que rechaça tolos sinais auspiciosos. É a lição da Dignidade, numa Kusama em busca de si mesma, lutando contra um transtorno psiquiátrico, tentando se expressar ao Mundo, como uma pessoa esquizofrênica, que busca contornar esse distúrbio e se expressar com clareza ao Mundo. A clínica psiquiátrica deve dar a Kusama uma sensação de lar e acolhimento. Aqui, temos umas borrifadas, como de spray, em amarelo e vermelho, como o Sol ardente da bandeira nacional do Japão, numa Kusama que, depois de morar nos EUA, retorna triunfante ao lar, num globo sempre ávido por novidades artísticas. O círculo amarelo é o infame Anel maligno de Tolkien, seduzindo eternamente o Ser Humano, fazendo este se comportar da forma mais imoral possível, numa visão sombria do Ser Humano – Tolkien não idealiza o Mundo, e não tece personagens perfeitos como indefectíveis heróis de filmes de Disney, sendo estes filmes para crianças, infantes que ainda não entendem a Malícia do Mundo. A grande moldura negra traz um silêncio de luto, numa dimensão negra, como numa pessoa em pleno momento de depressão. Será que Kusama tem ideia do quanto ela própria é importante, reconhecida e valorizada? Como perguntou o apresentador Ratinho ao mestre cômico Chespirito: “O senhor tem ideia de como o senhor é importante no Brasil?”. Tudo o que um artista faz, é de forma inocente e pura, colocando a cara a tapa. Temos aqui listras que remetem a uma prisão, no enclausuramento em uma clínica psiquiátrica, num ambiente controlado, em que pacientes agitados são contidos e amarrados, numa amarga metáfora com a Encarnação, a qual não passa de uma sentença de cárcere, mas uma prisão que, além de não durar para sempre, causa crescimento no indivíduo. Temos aqui várias bolinhas negras, como frutos em uma árvore, numa mente fértil e criativa, numa mesa farta, como numa ceia de Natal, o momento de cornucópia que procura fazer com que o Ser Humano entenda a vida vibrante após o Desencarne. São como gotas negras de uma tempestade sombria, na sensação amarga de uma pessoa que é internada psiquiatricamente, num momento de ruptura, em que o indivíduo é forçado a encarar a prisão que é a Vida e encarar a incompreensão do Mundo. Estas listras são sensuais venezianas em uma cálida tarde de Verão à beira de uma piscina, no momento de prazer em estar entre amigos, no modo como, imagino, Kusama deve ser amiga de todos os pacientes, médicos e enfermeiros da clínica. As bolinhas negras são os comprimidos de medicação psiquiátrica, na disciplina hospitalar: tal hora é hora de tomar o remedinho, e ai de quem não quiser tomar! São frutas podres caindo de uma árvore num desperdício, com frutas que não serviram de alimento, e pereceram, no modo como perece existencialmente a pessoa que não coloca a sua própria inteligência a serviço do Mundo. Gotas de uma chuva negra, como no sombrio momento de surto, numa crise que faz parecer horrível o mais belo dia de Sol. Essas manchas de “spray” são como atos de vandalismo, numa vontade artística de deixar uma marca, tendo num vândalo uma pessoa que, no fundo, quer fazer Arte, mas definitivamente não o faz na prática. É um capim selvagem nascendo, na beleza das flores silvestres, que não tiveram de ser plantadas pelo Homem para florescer.


Acima, Sala da Infinitude Espelhada – Hino da Vida. 2015. Bolas de futebol, na comoção que toma o Brasil em época de Copa do Mundo, com nações concorrendo em uma espécie de guerra benéfica, num espetáculo de Diplomacia. Os espelhos dão a noção de infinitude, numa mágica sala de espelhos, na tentativa humana de compreender aquilo que não tem término, no sentido de que o poder de Tao reside nesse vazio, nessa falta de término, no modo como passaremos a eternidade querendo compreender o que é Tao – a Eternidade é o maior presente que pode ser dado, pois, sem Eternidade, a existência não tem sentido algum. Vemos uma Kusama sedenta de cor, de alegria, com bolas que parecem um jardim mágico, como se fosse uma luxuosa sala de estar ao ar livre, no perfume saudável da vida ao aberto, ao campo, no sentido de que a riqueza de um reino não está nos palácios, mas nos campos, que são os palácios naturais que vestem roupas majestosas, havendo no monarca um papel representativo, no modo como um artista quer, por si só, representar a Arte, tornando-se uma espécie de embaixador, num artista representando todos os outros artistas, formando uma categoria, uma classe. Essas bolas estão livres, leves e soltas, gozando da deliciosa sensação de Liberdade, como um anfitrião cortês, que faz com que o convidado se sinta confortável e servido como um rei, no talento de anfitrião que algumas pessoas têm. Aqui, teto e chão são negros, como se fosse uma sala banhada por uma luz suave, que não fere as vistas, na infinidade negra do Universo, num Ser Humano que não sabe, não faz ideia do que existe além da escuridão das profundezas do Cosmos, como galáxias que estão tão longe que sua luz sequer chegou até hoje à Terra – o Universo é eterno? Como pode ser algo infinito? O Cosmos sobre o qual pode-se falar não é o verdadeiro Cosmos. Aqui, são como balões que ascendem ao Céu, como uma alma desencarnada que retorna ao lar espiritual, ao ventre de Tao, o grande Lar que a todos acolhe, sem exceção. São como lâmpadas de decoração oriental, como um prisma, fabricando várias cores, enchendo de alegria uma paisagem com um arco-íris, na sedução de uma rica paleta de cores. Nestas bolas, há várias manchinhas negras, como em cães dálmatas, na noção de fertilidade de uma numerosa ninhada, cheia de filhotinhos dálmatas, no enigma uterino – o que pode fabricar a Vida? É como um mar de anjinhos barrocos aos pés de Nossa Senhora, o Grande Lar que rejeita o Mundanismo e abraça a Virtude, na riqueza do comportamento moral, na elevação do não-querer taoista, o conceito que faz com que o espírito perca o interesse por luxos e riquezas e abrace o simples e o limpo, o essencial. Essas pintinhas negras são uma interferência em uma estação de rádio, nas inevitáveis imperfeições negras da Vida, com manchinhas que nos lembram de que estamos encarnados, ou seja, estamos numa situação de prisioneiros, uma sensação que pode (e deve) ser abrandada por meio do desprendimento, pelo não-ambicionar, pelo não-ter expectativas, pois a expectativa é a mãe da frustração. E como se frustra o Ser Humano! Essas bolas parecem tocar umas nas outras, num momento de interação social, numa luxuosa e simples sala de estar, um lugar onde uma boa conversa traz muito prazer, nas enormes, limpas e suntuosas salas de estar metafísicas, salas cheias de pessoas bonitas e finas, na dimensão onde a patetice das ambições perece completamente. Podemos ouvir o som de sinos, no som das bolas tocando umas às outras, fazendo metáfora com a interação social, com pessoas se tocando, conhecendo-se e construindo amizades, pontes. Temos uma Kusama que gosta de interação, como imagino que ela interaja com os pacientes da clínica onde mora. Aqui, espectador é trazido para interagir num momento mágico, olhando-se nos espelhos e conhecendo a si mesmo, sob vários ângulos.


Acima, Sala de Espelhos da Infinitude. 1965. Um jardim de doces, de caramelos, de pirulitos, na sedutora casa da bruxa que aprisionou João e Maria. Como o Espiritismo diz que, na Dimensão Metafísica, há deliciosos doces para serem comidos, mas doces que não engordam e que não dão algum outro malefício, doces leves, que nunca pesam no estômago. É o saudável pecado da Gula, numa Kusama deliciosa. Nesta foto, a artista está no meio da obra, e a obra, cheia de espelhos, dá a sensação de uma sala enorme, até onde os olhos podem enxergar, numa sala extremamente confortável, informal, que nos convida a deitar, dormir e conversar. Aqui, vemos uma Kusama de vermelho, no sangue japonês que lhe pulsa nas veias, na cor da sensualidade, da feminilidade, da Vida. É como algo que me fascinava quando criança, nos sorteios do programa infantil matutino Balão Mágico, em que uma gigantesca montanha de cartas mostrava telespectadores do Brasil inteiro, crianças sonhando em ser sorteadas e presenteadas pelos carismáticos apresentadores mirins. Lembra-me da sala de leitura de um colégio que frequentei, um cômodo com fartas almofadas e livros para que os alunos lessem, num momento informal, simples, de entrega, no mergulho em um lugar tão acolhedor, que me deixa tão confortável. É um lugar para dormir tranquilamente, no saudável pecado da Preguiça, como na canção de Bruno Mars: “Hoje nada farei. Só quero deitar em minha cama. Hoje nada farei. Nada mesmo”. Como na canção Lazy Afternoon, ou seja, Tarde Preguiçosa, cantada por Barbra Streisand, na própria cantora dizendo que, na maior parte do tempo, só deseja se deitar embaixo de uma árvore e nada mais fazer. Resta saber porque Kusama prefere morar numa clínica. Provavelmente, na clínica a artista se sinta segura, cuidada e acolhida. É uma espécie de floresta de almofadas, numa floresta em forma de sala, numa sala que, porém, não é uma floresta em si, mas uma espécie de floresta “fabricada”, artificial, uma floresta metafísica. É o encanto de uma casa limpa, sem qualquer resquício de poeira ou sujeira. As pintinhas vermelhas são como manchas de catapora ou alguma outra doença, numa Kusama que consegue transformar Doença em Arte. São como os belos e tóxicos cogumelos vermelhos com pintinhas brancas, numa floresta perigosa, que exige que nunca baixemos a guarda completamente, na constante vigília dos encarnados – se você está na “prisão”, não é bom agir como se não estivesse nesta. É como um mar de serpentes, num ambiente familiar, onde a pessoa se sente acolhida e pertencente a um organismo, a um grupo, identificando-se. Aqui, Kusama está com os braços para cima, como se estivesse se espreguiçando depois de um trabalho tão árduo de confecção desta obra de Arte. São como bolinhas de plástico bolha, no prazer agressivo de violação que é estourar as bolinhas de ar do plástico, no prazer do “estupro”. Kusama está séria, como se soubesse de sua própria importância – será que ela sabe? É como um campo de guerra tomado de sangue de combatentes mortos, num dia novo e rubro que nasce após o guerreiro tombar, no descanso de uma pessoa que batalhou muito na Vida, numa espécie de recreio, de refúgio, no mundo onde a juventude dourada vive em Paz e Produtividade, algo que o Ser Humano tem dificuldade em entender, pois as Guerras não são História; são interrupção de História. A História reside precisamente na Paz e na Prosperidade, valores que só estão inabalavelmente garantidos na Dimensão Metafísica – a Terra é para ser imperfeita, pois a Vida não tem sentido sem vicissitudes. É como um salão de baile após o Carnaval, com um mar de confetes e serpentinas, num oceano espumoso, repleto de Vida. É um covil de cobras, confortáveis umas com as outras, como num clã. Podemos ouvir o sutil farfalhar dessas almofadas, num momento de silêncio, num lar. Kusama nos convida a pular dentro dessa sedutora piscina, numa vastidão incrível.


Acima, Jardim de Narcisos. 1966. A sensação gloriosa de se deitar em um lugar acolhedor, confortável, numa plena sensação de liberdade. É como a brincadeira infantil da piscina de bolinhas, numa Kusama doce e inocente, de candura infantil, uma candura que o Ser Humano jamais poderia perder, combatendo o embrutecimento de pessoas empedernidas. Kusama nos convida a boiar com ela, numa sala de estar tão confortável, tão digna de um grande anfitrião, no talento de bem receber. As bolinhas prateadas são como gotas de chuva congeladas, mas nunca agredindo com o frio, e sim numa temperatura amena, digna das noites da Dimensão Metafísica. É um momento de entrega e rendição, numa pessoa que decide descansar e simplesmente esquecer do Mundo lá fora, desligando-se, como no hábito de se desligar o telefone, sem atender a ligações, nem que seja uma ligação do Papa Francisco. Estas bolinhas são metálicas, fabricadas, e a cor prateada, de espelhos, é a cor da reflexão, num momento de introspecção no qual a pessoa olha para si mesma, num saudável momento solitário, momento de solitude o qual é necessário a quaisquer pessoas. É como uma fábrica de bolinhas, na magia da produtividade, da fabricação, do fornecimento, numa vida produtiva, com mercadorias sendo produzidas e vendidas, numa Kusama que soube se vender extremamente bem, como Warhol, conquistando o status de grande artista. As bolinhas são como frutos que caíram do pé, num desperdício, como frutos que simplesmente apodrecem sem ser consumidos. É a magia da fertilidade, da Vida, no mistério reprodutivo, fazendo metáfora com a mente criativa, numa Imaculada Conceição, numa Kusama que nasceu e viveu num Japão tão cinzento e sisudo, talvez um país um tanto insensível a Arte em geral, algo que fez com que Kusama abraçasse o Mundo Ocidental. Aqui, temos novamente uma Kusama vestida de vermelho, fazendo um contraste com esta tarde prateada e cinzenta, num dia de Inverno, que convida à reclusão do Lar. É como a menininha de vermelho de A Lista de Schindler, contrastando com um filme todo em preto e branco, na dura e descolorida realidade dos campos de concentração, mostrando a menininha executada, sendo jogada numa vala com muitos outros cadáveres, como se abatem animais, sem o direito de uma sepultura digna de respeito. Talvez haja em Kusama uma perplexidade em relação aos horrores bélicos, tentando curar o Mundo por meio da Arte, do convite à reflexão, ao questionamento, no papel do artista em fazer com que o Mundo “acorde” de certo modo – a politização artística é inevitável, desprovendo de alienação o artista, no modo como devia e deve ser difícil para um artista viver em meio a governos ditatoriais opressores, sendo estes os autênticos inimigos da Arte. Aqui, temos um momento de prazer, como fazer um cocô muito bem feito – por favor, não vamos transformar em tabu o assunto “fluxo intestinal”. Como me disse uma professora que se tornou minha amiga: fazer xixi é um prazer; dormir é um prazer etc. Kusama está com a cor do fluxo intestinal, do interior uterino, submetida às cólicas mensais, buscando na Arte um bálsamo, no modo como deve ser difícil ser mulher e um Mundo tão hostil a liberdades, em patriarcas que castram mulheres. São vários olhos que são os olhos de inúmeros espectadores, nas comoções públicas que acompanham o trabalho de Kusama, com inúmeros olhos que veem o que a artista traz de dentro de si, no modo como um artista dá à luz bebês, que são suas obras, no modo metafísico de se imitar a Maternidade Física, em metáfora. É como um gigantesco colar de pérolas desmantelado, desconstruído, analisado em partes, no modo humano de dividir o Corpo Humano em parte e estabelecer especialidade médicas. É uma deliciosa banheira cheia de espuma, no prazer de um banho sendo tomado sem pressa, no prazer proporcionado pela limpeza.


Acima, Abóbora. 1981. Esta obra me faz lembrar do trabalho da artista plástica Beatriz Dagnese, a qual desenha quadros com uma minuciosidade enorme. A abóbora é o produto da Natureza; o mistério da Vida sendo gerada, nos mistérios criacionais de Tao, o Grande Arquiteto, no sentido de que Tao tem uma vida produtiva, pois está sempre criando, inspirando o Ser Humano a ter também uma vida produtiva, sem o veneno do ócio – todos temos que trabalhar e estudar, havendo no Umbral todo o sofrimento de almas improdutivas. Esta fruta é cheia de microbolinhas, como uma estampa, como um camaleão se esgueirando discretamente, enganando os olhos de vítimas ou predadores, como a Matéria Escura, o enigmático elemento invisível que permeia o Universo, no modo como este é translúcido. Assim é Tao – invisível. Essas bolinhas da abóbora são como pintinhas na pele, como o charme de pessoas sardentas, ou como a estampa de peixes, ou de outros seres vivos. Cada bolinha é uma estrela no Céu, em uma infinidade de estrelas, como uma doce branca neve caindo e se depositando. Aqui, há uma hierarquia, com bolinhas de vários tamanhos, e as maiores regem as menores, como numa família, em que os filhos mais velhos ajudam a criar e orientar os mais novos, como na rígida hierarquia militar, a qual é uma cópia tosca da hierarquia espiritual, pois esta é irresistível, pois está embasada na questão da depuração moral, havendo nos psicopatas a classe mais inferior, mais tosca, mais atrasada moralmente. Esta abóbora está prestes a explodir, pois abriga tanta vida, e traz dentro de si as sementes, que são a garantia de preservação da espécie, na luta pela Vida, numa cadeia alimentar, cadeia na qual os seres têm fome de têm vontade de fazer sexo, como na explosão hormonal da Adolescência, no modo como disse Marta Suplicy em uma palestra para adolescentes em Caxias do Sul: “A adolescência é uma época em que se masturbar dez vezes por dia é perfeitamente normal”, numa Marta causando perplexidade no salão da palestra. As sementes são a magia da reprodução vital, como ovos de chocolate de Páscoa, na força da cornucópia que traz fartura e prosperidade a um reino, como diz Tao : “Nas guerras, todos sofrem, e todos acabam com fome”. É uma abóbora dourada, nobre, como um tesouro no túmulo de um faraó, fazendo da Arte a preciosidade do Pensamento Humano, civilizatório, depurado, como o apuro civilizado de uma escultura grega. O fundo desta obra parece uma vidraça toda rachada, pronta para se quebrar e se acabar, na comoção da Arte, comoção que tem a função quebrar velhos rótulos rançosos, como o Modernismo Brasileiro nasceu para transgredir a tradicional Arte Acadêmica. É uma espécie de estupro, mas um estupro do Bem, inofensivo, no modo como as sociedades evoluem em meio à transgressão de alguns de seus indivíduos, como Lady Diana, cujas transgressões faziam com que o Povo e o Mundo a amasse ainda mais. Emoldurando o quadro, estruturas que parecem bordados de pano de prato, na expressão do Artesanato, na questão da feminilidade que rege o Lar, condenando a Mulher ao “trabalho escravo” de dona de casa, havendo em certas mulheres a força transgressora para perverter esse rótulo machista. E Kusama mostrou ser, à Sociedade Patriarcal, uma mulher de brilho próprio. Na porção superior da abóbora, um caule cortado, nas inevitáveis rupturas da Vida, com fases sendo deixadas para traz e novas fases sendo encaradas, como num jovem que saiu de casa para estudar em outra cidade, alienando-se do carinho do Lar, carinho com o qual o jovem cresceu acostumado. É como o passarinho bebê ensaiando os primeiros voos para, enfim, deixar o ninho e trilhar sua própria vida. O corte deste talo é uma ruptura, no trabalho árduo de colheita, no rumo inevitável da Vida, que é nascer, viver e morrer. No Desencarne, este talo cortado volta à Árvore Primordial, numa reentrância, num retorno, como o filho pródigo, que volta ao Lar em trajes de mendigo, num filho desejando voltar ao velho e bom Lar.

Referências bibliográficas:

JANSEN, Roberta. Yayoi Kusama e o Transtorno Artístico Compulsivo. Disponível em <www.oglobo.globo.com/cultura>. Acesso 12 dez. 2018.

Yayoi Kusama. Disponível em <www.modernamuseet.se>. Acesso 12 dez. 2018.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

Valente



O respeitado artista autodidata Rubem Valentim nasceu em 1922 em Salvador e faleceu em 1991 em São Paulo. Rubem, antes de abraçar a carreira artística, chegou a se formar em Odontologia, e a frieza científica acabou influenciando em sua obra, com formas nítidas, simples e exatas. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!


Acima, Composição 12. Óleo sobre tela. 1962. 100 x 70 cm. RV tem algo de africano, de indígena, com composições xamanísticas, mágicas, como utensílios de um feiticeiro de uma tribo, como brasões imponentes, mágicos, que carregam toda uma conotação de contato com o Divino. São como as tapeçarias que decoram o claustrofóbico hotel mal assombrado de O Iluminado, num contexto de claustro em que a face doentia do Ser Humano se revela, num quadro psicótico, de loucura, num pai furioso, num lar onde há uma hierarquia clara. Este quadro não é completamente simétrico, pois há detalhes que mostram a assimetria, mas é um quadro com muito equilíbrio, apesar de não ser um equilíbrio tão explícito. É como a planta baixa de um templo, de um lugar de magia, numa espécie de labirinto, num lugar fechado, de onde não há como se escapar. O maior elemento do quadro é uma grande bacia, um receptáculo, virado para cima, recebendo as graças, no posicionamento correto num centro espírita para se receber o passe: mãos viradas para cima, numa atitude de resignação, num Ser Humano eternamente se perguntando porque a Vida é assim, tão truncada, num mundo onde a pessoa, definitivamente, não pode fazer absolutamente tudo o que quer fazer, numa dimensão de limitação, de realidade dura, com sonhos nascendo e morrendo todos os dias ao redor da Terra, nas inevitáveis construções de expectativas; nas inevitáveis frustrações. As Artes Africana e Indígena são classificadas como primitivas frente à sofisticada Arte Europeia, só que as Africana e Indígena carregam toda uma simplicidade futurista, na frieza apolínea de cálculos matemáticos. Temos neste quadro um fundo de dourado profundo, queimado, numa majestosa aurora, a deusa que traz a luz em meio a uma noite tão escura e desoladora, num sinal de esperança, nas intenções nobres de diplomatas em estabelecer pontes e buscar o entendimento entre os povos, buscando avidamente o fato de que o Ser Humano é universal, logo, a Paz também deveria sê-lo – vivemos num mundo primitivo, em que a Guerra é regra e não exceção. Vemos aqui uma esfera vermelha quebrada ao meio, como na divisão de um campo de futebol, no cenário de competitividade da Vida em Sociedade, um lugar em que o glamour desaparece e a extrema humildade tem que ser assumida: sou apenas um número impessoal em meio a muitos outros números impessoais, como indistintos espermatozoides. É uma dura lição de Humildade, no modo como a Arrogância e a Soberba fabricam vilões de Disney, personagens narcisistas, que se acham Deus. Temos aqui várias formas como setas, numa regulamentação de trânsito, numa tentativa de impor ordem e estabelecer a harmonia em meio às patetices do Ser Humano ao volante. Estas setas são falos, como poderosos monarcas viris que assustam o povo com leis duras, leis que visam a preservação do comportamento moral, no fato de que, na Dimensão Metafísica, não há grades nem portas chaveadas, pois não há algo para ser roubado, pois é uma dimensão em que os objetos nada significam, como num seguro condomínio fechado, em que reina a harmonia e a confiança mútua entre vizinhos, como numa família onde todos são iguais em dignidade. Aqui são como hieróglifos ou outra linguagem enigmática, no fato evolutivo de que o Saber tem que ser acessível ao todos, e não a uma elite privilegiada, como nos discursos antielite. As elites existem, mas de uma forma imaterial, pois os mais moralmente depurados reinam, numa hierarquia gostosa, irresistível. A cor vermelha é o sangue que se junta à seiva e à terra, numa pessoa contente em estar onde está, no privilégio que se deita sobre o humilde contentado – não há lugar perfeito sobre a face da Terra.


Acima, Emblema 15. Acrílica sobre tela. 1973. 70 x 50 cm. Um castelo, altamente simétrico, com torres fálicas que trazem toda a autoridade de um rei, na eterna sede humana por Poder. O que um homem poderoso quer? Mais poder. Como num Getúlio Vargas, apegado ao Poder ao ponto de não poder vislumbrar a Vida sem Poder, suicidando-se, indo a um setor do Umbral chamado Vale dos Suicidas, onde almas se arrastam como mendigos imundos por terras inóspitas, sem noção de Tempo ou Espaço. É a patetice dos orgulhos humanos. Como pode alguém, que acumulou tanto Poder na Terra, acabar assim, como uma ameba insignificante? Como diz o Espiritismo: você não faz ideia a que estado ficam espiritualmente reduzidos aqueles que são considerados felizes na Terra. Estas setas se impõem sem recato ou vergonha, como um Código de Hamurabi, como obeliscos fálicos apontando para o Céu, numa alusão à dimensão onde todos os reinados só trazem Paz e Prosperidade, sem as interrupções brutais da Guerra. O rei convida o povo à elevação, mas aumenta impostos, num rei ganancioso que, no fundo, não é muito respeitado pelos próprios súditos. A seta tem forma peniana, na piada que é o Sexo, num senso de humor; num senso de diversão. As torres reguladoras têm a intenção de assustar o cidadão comum, ameaçando este de Morte: comporte-se e nada de ruim acontecerá com você. É como na Ditadura Militar Brasileira, numa época em que, aquele que não “cutucava o tigre com a vara curta”, não se incomodava com as autoridades, só adquirindo problemas aqueles que faziam questão de lutar contra a forte e suprema máquina governamental. O fundo verde é a cor dos gramados de estádios e arenas, cenários de competitividade, num plano em que a Sociedade exige do homem o desenvolvimento da agressividade, nunca exigindo o mesmo da mulher, nos parâmetros universais de patriarcalismo: se a mulher se nega a desenvolver agressividade, tudo bem. O Esporte é a inevitável competitividade, fazendo do Esporte um sinônimo de Masculinidade, no instinto animalesco do macho alfa, conquistando troféus para cortejar as fêmeas e perpetuar a genética deste mesmo macho alfa – é a submissão do Ser Humanos às leis selvagem naturais, num Ser Humano inconsciente, que não analisa nem critica, aceitando submissamente as leis de um sistema opressor ditatorial, num cidadão sem mente, sem cabeça, sem pensamento, sem alma. A cor rubra deste castelo é a cor de sangue de Marte, o deus da Guerra, na estupidez de um irmão derramando o sangue de outro irmão, na predominância da Raiva, da ausência de sofisticação diplomática, num Ser humano animalesco que só sabe agredir e não sabe pensar. Temos alguns elementos em azul, no modo como os domínios de um monarca estendem-se além da terra firme, abrangendo mares, como na euforia da Era das Navegações, em nações concorrendo pela soberania (e pelas pedras e metais preciosos) das terras selvagens americanas, num rei que nunca está satisfeito; num rei que não está contente com os próprios domínios; num Ser Humano insaciável, pois ambicionar é não ter Paz. Vemos aqui várias formas circulares e arredondadas, como uma pedra polida, numa tábua lixada e polida, no modo como é imprescindível ao regente ter delicadeza para os assuntos internos e externos, num rei que nunca deve se opor às intenções de vilarejo do cidadão comum, nunca interferindo no dia a dia dos homens pacatos e comuns. São bolhas de sabão subindo aos Céus, como se estivessem cumprindo as ordens de elevação, pois o dever do líder é elevar o Povo em torno de um ideal comum, que é a Harmonia, fazendo do rei um verdadeiro mensageiro da dimensão acima, que é a Metafísica, um lugar feito de pensamento; um lugar onde as ambições perecem e a mortificação espiritual traz a tão desejada Paz. Há aqui uma certa candura infantil, no joguinho de montar prédios e castelos com pecinhas de madeira. Na porção inferior, vemos uma borboleta dourada, que é a graciosidade de um regente que governa com delicadeza, como se soubesse que qualquer coisinha pode abalar a Paz.


Acima, Emblema 32. Acrílica sobre tela. 1973. 50 x 35 cm. Nesta obra há um quê de Egito Antigo, no modo como o monoteísmo atonista de Aquenáton inspirou o monoteísmo contemporâneo, na imagem de Deus como um disco solar que abençoa a Terra com luz e calor, numa intenção de simplicidade centralizadora. Aqui, é como um utensílio de rituais de magia, com a autoridade de um mago dentro de uma tribo ou sociedade. A esfera rubra é como a da Bandeira Nacional Japonesa, no grande astro se erguendo e trazendo esclarecimento a uma noite tão escura e desesperançosa, na vitória do Bem contra a Mal, no modo como o Ser Humano concilia dentro de si os pensamentos morais e imorais, numa eterna batalha sendo travada entre Mente e Corpo. O fundo do quadro é da cor dos vencedores olímpicos, na magia em torno da vitória, num Ser Humano ávido por se libertar e acordar na Terra da Estrela da Manhã. Na parte superior do quadro, uma forma branca que é uma flor, no modo como as belezas naturais de um reino inspiram os elementos de representação da Realeza, como o flor de lótus no Antigo Egito e a flor de lis na Fraca Monárquica. Aqui, a flor é um coroamento de um organismo social, na sensação de Ordem e Paz em torno do regente, como nas leis que regem o Trânsito, na sensação de estabilidade em torno de uma coroa, fazendo metáfora com o fato do cérebro ser uma espécie de coroa dentro da própria pessoa, exigindo o uso da Razão para gerar ações sábias e ponderadas, no papel monárquico de ser o cérebro de um reino, tendo em cada cidadão uma posição útil e digna dentro desse mesmo organismo, numa sensação de pertencimento, deixando o súdito feliz por este ter um papel importante junto ao fluxo regencial. Temos aqui um totem, um objeto religioso, e o sol ardente é respaldado por um chifre de vaca, num animal sagrado para certas religiões, na tentativa humana em estabelecer relações entre a Natureza e o Divino, tendo no rei um papel sacro, de representante de Tao na Terra, mas só representa Tao. O regente tem que governar com clemência, sempre se colocando nos sapatos do cidadão comum. Infelizmente, o Ser Humano é o suprassumo do egoísmo e da crueldade, na base do raciocínio “se eu estou bem, o resto que se ferre”. Na porção mais abaixo do quadro, um arco, um semicírculo, num receptáculo semelhante ao Congresso em Brasília, a “Ilha da Fantasia” onde privilégios reinam e a desonestidade é regra, nos eternos caminhos sombrios humanos em busca de Poder, de mais e mais Poder. É a vulgaridade da Dimensão Material, sempre medíocre, sempre previsível, sempre rechaçando Tao, numa grande injustiça, pois, no início, era Tao, sendo que, para os bagaceiros, no início, era a Dimensão Material, a Natureza. Este círculo rubro parece ter se destacado do receptáculo, num artista escapando da mediocridade e empenhando-se em criar com ineditismo. O círculo rubro é a centralização, numa mente centrada em busca de equilíbrio, de uma vida centrada e produtiva, no ponto, no objetivo, no claro objetivo futebolístico de marcar gols, muitos gols, na humilhação do infame sete a um que o Brasil sofreu. É um furo de um túnel infindável, no poderoso enigma da Eternidade: não é muito poder o fato de que estaremos sempre vivendo? É o presente que Tao dá aos filhos, fazendo da Finitude uma ilusão; fazendo da Eternidade o caminho lógico, matemático, racional. Podemos ouvir aqui alguns sons ritualísticos, como sinos, num momento de silêncio sagrado dentro de um templo, no momento em que o fiel busca um pouco de introspecção. Do modo como o Tao sobre o qual podemos falar não é o verdadeiro Tao, e são infindáveis as tentativas humanas de definir e ilustrar Deus. Passaremos eternamente a imaginar como é Tao. A Vida não teria sentido sem a Eternidade, pois seria como colocar no lixo coisas valiosas, na metáfora de desprendimento no final de Titanic, em que a idosa Rose joga ao Mar uma joia preciosíssima, rechaçando as vaidades humanas e abraçando o tranquilo desencarne, encontrando-se com seus amigos em uma navio que jamais afundará.


Acima, Emblema. Acrílica sobre tela. 1978. 100 x 73 cm. Há algo hierárquico em emblemas, como flechas fálicas em uma placa de trânsito, regendo o fluxo nas cidades e estradas, impondo regras que, para o Bem geral, têm que ser obedecidas, no desafio do líder em conquistar o respeito do próprio povo, como uma Elizabeth I, que recebeu nas mãos o enorme desafio de ser uma regente digna de ser filha de Henrique VIII, num grande depósito de expectativas por parte do povo, do mesmo modo como Elizabeth II recebeu a incumbência de fazer outro reinado de marcar a História. Aqui, mais uma vez, vemos um RV amante da Simetria, com flechas apontando para vários lados, na oferta de muitas opções ao cidadão, sendo este livre para escolher para onde ruma, na Liberdade que permeia os reinados saudáveis, num povo que se sente à vontade para gostar de um determinado rei, pois o bom líder é um representante de Tao na Terra, e, como Tao, deve reinar com clemência, cautela e sabedoria, nunca interferindo no dia a dia do pacato cidadão, pois um pacato líder é visto, amado e respeitado. Os emblemas de RV têm algo fashion, estiloso, como uma exótica bijuteria, um adorno misterioso, questionador, que mexe com as percepções, num emblema nobre, místico como as cores do arco-íris. É o emblema de um reinado, de um marco, ganhando a confiança do Povo, guiando este por caminhos nobres de tranquilidade. Podemos ouvir sons ritualísticos de sinos batendo, num momento de respeitoso de silêncio dentro de um templo, na infinita magia de Tao, o enigma deslumbrante, pois não há livro ou faculdade que ensine a pessoa a brilhar – o indivíduo tem que ser autodidata, num enorme desafio existencial, no termo em Inglês “prove yourself”, ou seja, prove que você pode brilhar. É uma tapeçaria de uma casa nobre, onde o regente convive com suas crianças, num Antigo Egito uno, onde o faraó, o máximo topo da pirâmide social, era venerado, dando a ideia de que os reinos e reinados são sagrados, ou seja, são embebidos em Direito Divino, na necessidade do Ser Humano em tocar o Metafísico aqui, na Dimensão Material, numa grande prova de Fé, pois o indivíduo não sabe de fato se há o Desencarne, mas tem Fé, e os de muita Fé regem o resto, na regência do Sábio, no modo como toda forma de grupo social humano tem um líder, um cacique, muitas vezes em sintonia com o inevitavelmente universal Patriarcado, na imagem que temos de Deus – a imagem de um patriarca. Nascido no Mundo, o Ser Humano, desde sempre, tem que entender o Mundo onde vive, construindo intermináveis ritualizações em torno de gênero, “organizando” a Humanidade entre homens e mulheres, punindo severamente aquele que não se encaixa nesta simples separação, neste discernimento. Na base deste quadro, uma faixa preta de Luto, no modo como é cheio de respeito o Luto, na cor da discrição, do pesar, no modo como minha bisavó, após meu bisavô falecer, só usou preto para o resto da Vida. No topo deste emblema xamanístico, uma forma que parece ser um livro aberto, como na logomarca da Feira do Livro de Porto Alegre, no modo como a Letra foi o que tirou o Ser Humano da Pré-História. Um bom livro é mágico, e transporta o leitor, no sentido de que tudo o que o escritor tem a fazer é provar ter Inteligência e Amor, tecendo textos claros, sem pretensões preciosistas. O fundo rubro é o sangue que une todos em uma só tribo, sociedades isoladas do resto do Mundo, sociedades com seus próprios valores e conceitos, na ilusão das diferenças culturais – somos universais. Atitude e senso de Estilo são isso, um emblema misterioso, e somos tocados pelo emblema sem sabermos ao certo o que este emblema representa, no poder de criadores de Moda que se tornam o centro de ambições de Consumo, causando comoções estilísticas e marcando época. É o poder do Charme, e podemos sentir o perfume limpo de RV. As flechas pontiagudas exigem que tomemos distância respeitosa, pois não é ineficaz o líder que é motivo de chacota por parte seu próprio povo?


Acima, Emblema. Acrílica sobre tela. 1989. 40 x 30 cm. Aqui, temos um quê de Maçonaria, com rígidos rituais, numa espécie de Clube do Bolinha, onde menina não entra. Felizmente, a Arte é unissex. A pontuda pirâmide rasga os Céus, agredindo, sempre numa sede pr mais e mais altura, na queda da Torre de Babel, desafiando velhas leis e levando o Ser Humano ao Espaço, numa prova de Poder e Tecnologia, nuns EUA ostentando Poder, no modo como Conhecimento e Dinheiro estão aliados. Temos aqui um enigmático hieróglifo, no grande desafio que foi traduzir os hieróglifos para o Mundo Moderno. Vemos um disco, um olho onisciente, um olho de furacão, na comoção causada pelas grandes catarses. É o desejo de conquistar o Mundo. Na porção inferior do quadro, vemos uma espécie de pedestal, no modo como certas obras de Arte tornam-se sagradas, como a Monalisa ou o busto de Nefertiti, objetos de valor inestimável, atraindo bilhões de visitantes, na capacidade da grande obra em angariar humanos em torno desta mesma obra. É um pedestal ritualístico, como um altar, ou uma mesa de sacrifícios, no momento em que o Ser Humano escolhe para se ligar ao Divino, saindo da mesmice do dia a dia, num momento especial, como num jantar de noite de Natal. Esta pirâmide hierárquica tem um topo claro, como uma pontinha do iceberg que derrubou o Titanic, no fato de que a pessoa só pode fazer uma pontinha daquilo tudo que deseja fazer, no modo como os lançamentos de filmes, de filmes que valem a pena ser assistidos, são apenas uma pontinha do iceberg, e, abaixo do nível d’água, há um universo de filmes medíocres – a Vida é assim mesmo, com inevitáveis frustrações. Mas é possível sobreviver às frustrações a partir do momento em que a pessoa não fique tecendo expectativas. Esta obra é como o Idioma Japonês para ocidentais, com letras absolutamente enigmáticas e exóticas. Este Sol frio nasce, azul como na superfície de Marte, e é o ávido olho do espectador, um espectador sempre sedento por novidades, por filmões, por obras de Arte avassaladoras. Temos figuras enigmáticas em tom de vinho, no modo como o vinho tem poder religioso, seja no paganismo dionisíaco, seja no altar cristão, na universalidade do trago: vinho, saquê, rum, tequila, cerveja, vodka etc. Acima das pirâmides vemos duas grandes faixas azuis quase se encontrando, quase se tocando, talvez de tocando além do quadro, mas não podemos ver, no modo como a pessoa jamais pode antever tudo o que lhe acontecerá; ou, se antever, é com uma espécie de miopia. É um azul nobre, de dois grandes rios, como o Tigre e Eufrates, como um Nilo irrigando e alimentando um reino, na forma como o grande espectador é sedento por mais e mais Arte, fazendo metáfora com a pipoca sendo consumida nas salas de Cinema – é uma fome por elevação, por obras que transcendam. Vemos em certas partes, aqui, tons de amarelo pastel, nas cores do deserto, na inevitável solidão existencial, no resguardo de um Ser Humano que tem que ter um pouco de momentos a sós. E no vazio sensual desértico há uma força gravitacional, ma magia do vazio, no estilo de uma casa sem mais e mais adornos, pois, como diz Tao, menos é mais, e a sensualidade reside, enfim, nos espaços vazios, no vazio de um copo, um copo que é Tao, servindo ao Mundo, matando a sede por Espiritualidade. O fundo do quadro tem um tom pardo, numa cor discreta, como um casaco de chuva que tenho. É a magia dos tons mistos, trazendo em si uma conciliação entre dois tons matriciais, que são o amarelo e o preto. É a ancestral sede humana por ouro, projetando em um mero metal, em um mero pedaço de matéria, a plenitude da Dimensão Metafísica, no tesouro psíquico que nos espera no Desencarne, no retorno ao Lar, bendito Lar. Este forte pilar sustenta a pirâmide, como na Catedral de Caxias do Sul, erguida sobre uma sólida rocha, como Tao desaconselha a erguermos algo “sobre a areia”, na metáfora das casas fracas e da casa forte em Os Três Porquinhos. O Ser Humano precisa de uma base muito forte para sustentar sua Fé, projetando no sólido e imóvel solo da Terra a segurança infalível do Jardim do Pensamento.

Referência bibliográfica:
Rubem Valentim. Disponível em <www.bolsadearte.com>. Acesso 5 dez. 2018.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Um Chá com o meu Xará



O carioca Gonçalo Ivo é filho do escritor Lêdo Ivo e estudou Arte no MAM-Rio, onde também lecionou. É formado em Arquitetura e foi ilustrador e programador visual. Em 2000, concebeu o cenário do programa Metrópolis, da TV Cultura. No mesmo ano, montou um atelier em Paris. Frequentou o atelier de Iberê Camargo e tem obras pertencentes ao MAC-SP, à Pinacoteca SP e ao Museu de Belas Artes do Rio. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!


Acima, Arte da Fuga 2º Livro. Óleo sobre lona. 2014. 140 x 140 cm. Uma autêntica colcha de retalhos, num modo para se aproveitar pequenos pedaços de pano, sobras, restos, algo concebido de forma simples, como foi o fondue de queijo, o qual, hoje, é considerado fino, mas nasceu numa forma dos camponeses suíços para aproveitar os restos de diferentes queijos. O artista é um costureiro de colchas de retalho, associando coisas dissociadas e criando algo novo. Aqui, são como pixels em uma imagem digitalizada, num zoom profundo, exibindo as unidades mínimas que são os pixels, como átomos formando células e células formando tecidos, na eterna intenção humana de encontrar as partículas mínimas da matéria, mas uma intenção que nunca terá sucesso, pois tudo o que Tao faz é eterno, ou seja, não existe a “Partícula de Deus”. São ladrilhos em uma parede, ou paralelepípedos, colocados cuidadosa e pacientemente, com ruas pavimentadas, deixando para trás a rudeza das estradas de terra e trazendo urbanização a uma comunidade anteriormente agrária, como na pavimentação de Caxias do Sul. É uma festa de cores, num tecido que pode cair muito bem, cromaticamente, com roupas em tom de rosa. É um jogo de xadrez alegre, sem a sobriedade cinzenta, sendo esta resultante do preto com o branco. É uma parede de tijolos constituída de forma aleatória, sem uma regra em especial, na desordenação festiva de confetes quadriculados caindo sobre uma pista de dança, no modo como a tecnologia digital acontece de forma dura, truncada, na construção técnica do espírito, na frieza racional, rechaçando emoções que fazem com que a pessoa muito emotiva sofra. É uma frieza do Bem; uma frieza necessária para que a pessoa sofra o menos possível. Este quadro tem um sabor de tuttifrutti, e podemos sentir o perfume em tons de magenta, como uma linda Barbie perfumada. Podemos ouvir o samba em salões de baile cariocas, numa cidade que entra em comoção carnavalesca. É um arquiteto montando os tijolinhos, do modo como Tao está sempre criando, sempre elocubrando, sempre colocando sua própria inteligência a serviço do Universo, pois, já ouvi dizer, tudo o que precisamos mostrar é nossa inteligência. É uma sociedade colorida, diversificada, e há aqui muito respeito às diferenças. A Sociedade é um muro com tijolos tão diferentes uns dos outros, na nefasta tentativa ditatorial em equalizar o inequalizável. Este quadro me lembra de um cartaz da Campanha da Fraternidade – estudei em colégio de freiras – nos anos 80, em que uma imagem do rosto de Jesus estava composta por pixels, de modo que só era possível observar o rosto mantendo certa distância do cartaz. Era o início da Era Digital, uma onda que veio para ficar, pois a digitalização racional e fria faz metáfora com a construção técnica de cada alma humana, no modo como cada pessoa tem que desbravar instintivamente o seu próprio caminho, não existindo livro que ensine a viver. São como múltiplas janelinhas na fachada de um prédio muito populoso, e cada apartamento exibe um tipo de cor, ou apartamentos de luz apagada, com pessoas em momentos diferentes do dia ou da noite, no modo como o notívago odeia os barulhos diurnos da Vida em Sociedade. É como na cena final do filme Uma Secretária de Futuro, em que a câmera vai se afastando da janela de um escritório e vai mostrando uma infinidade de outros escritórios, com várias vidas sendo vividas e várias histórias sendo contadas. O mais irônico neste quadro é o fato de que, enquanto imagem digitalizada – é a foto do quadro e não o quadro em si –, há múltiplos pixelzinhos que formam tal imagem digital, ou seja, há uma ironia metalinguística: pixel falando de pixel.


Acima, Fête Africaine. Óleo sobre tela. 1999. 97 x 129 cm. Células epiteliais que formam um conjunto, uma totalidade, um organismo social, como numa colmeia, onde cada ser tem sua função, sua dignidade, na metáfora de Matrix: Aquilo que não tem função é deletado, ou seja, quem não produz e não mostra sua própria inteligência ao Mundo, pois, já ouvi dizer, tudo o que Fulaninho precisa mostrar é a própria inteligência. Aqui, temos um vitral de igreja muito rico, na fartura cromática de uma cornucópia, na infinidade do pensamento bondoso, em oposição à mediocridade, à mesquinharia e à burrice do pensamento mau, sendo este deletado, como a serpente esmagada pelos alvos pés de Nossa Senhora, como a serpente do Éden, no ponto em que um espírito encarna e depara-se com um Mundo tão duro, tão difícil, com percalços que acabam por ocasionar um enorme crescimento ao indivíduo encarnado, como uma já falecida política gaúcha, que foi prostituta, presidiária e venceu as vicissitudes da Vida, tornando-se bem votada política – esta senhora venceu a dificuldade e desencarnou, voltando para casa. Esta derme é divertida e diversificada, num artista que mostra desejar um pouquinho de alegria em meio a um Mundo tão sisudo, tão cinzento, na dúvida existencial que mistura o negro com a luz, como no Castelo de Grayskull, um lugar de disputa entre o Bem e o Mal. São quadras altamente irregulares de uma cidade labiríntica, numa urbe sem prévio planejamento, num crescimento aleatório e desordenado, no modo como as crises existenciais são verdadeiros labirintos, exigindo do indivíduo perdido uma enorme paciência e um titânico esforço para que, por fim, a pessoa perdida dê para si mesma um norte existencial – é o grande desafio da Vida, com centros espíritas lotados de pessoas em busca de uma luz, de um auxílio, de uma orientação, havendo nesses centros muito carinho, pois ao espírita resta a crença de que somos todos iguais e irmãos. É como um prisma absolutamente estilhaçado e destruído, numa pessoa que vê a própria Vida se quebrar em inúmeros pedacinhos, restando varrer os cacos, colocar estes no lixo seco e partir em busca de um novo prisma – é o poder da renovação, como uma cobra trocando de pele, na estratégia de Marketing de produtos de beleza, em estratégias de Mercado que visam vender o conceito de Vida nova, havendo aqui uma cópia grotesca do Desencarne, pois a pessoa tem que cumprir uma missão espiritual antes de retornar ao Lar, ao ventre de Nossa Senhora, a Mãe Virgem que nos concebeu de forma estritamente espiritual. São linhas complexas, entrando em harmonia com uma tendência atual de Design, na qual há pontos ligados por linhas tensas e oblíquas, fazendo metáfora com a Internet, a rede que nos liga no planeta inteiro, na eterna tentativa humana em imitar a Grande Internet Cósmica sensual que une o Cosmos, na fluidez eterna que mergulha tudo e todos no mesmo líquido amniótico mental. São confetes quadriculados e pontiagudos, numa espécie de carnaval duro, juntando os opostos contraditórios, que são fluidez e pensamento racional, no modo como cada pessoa tem dois olhos – um Yin e outro Yang, como na junção entre tradicional e moderno, na junção de opostos que se encaixam perfeitamente. Visto bem de longe, este quadro traz pixels inúmeros, tensos, os quais, à distância, trazem fluidez. É uma cortina de banho, nos inevitáveis rituais diários de higiene e limpeza, na tentativa carnal em entender a eterna e inabalável limpeza da Dimensão Metafísica, o lugar onde estamos todos sempre limpos, cheirosos e bem dispostos, no modo como, já ouvi dizer, a juventude feliz é uma invenção de velhos, pois cada passo da Encarnação tem suas dificuldades truncadas. É como uma calçada de rua, com pedras encaixadas instintivamente, só que uma calçada bem alegre, em um lugar onde stress e tristeza não entram. E, nesta igreja, não há exclusão nem excomunhão, mas um abraço fraterno de um lugar onde sobrenomes e dinastias mundanas caem completamente por terra. E esta cidade rica e vibrante se torna um lar, com um habitante que não desejar morar em qualquer outro lugar.


Acima, Oratório - A janela. Óleo sobre lona. 2010. 50 x 50 cm. Uma janela que traz luz e esclarecimento, na magia dos oratórios, ricos em imagens, ídolos, no inevitável paganismo que permeia as religiões monoteístas. No extremo alto do quadro, vemos linhas delgadas coloridas, que são como uma interferência televisiva, numa invasão, uma interrupção temporária, como num abalo sísmico, como Jesus Cristo, homem que dividiu a História em duas, nos marcos na vida amorosa de uma pessoa, num(a) namorado(a) que se torna referência indestrutível, dividindo em duas a vida da pessoa. São interferências que surgem como inevitáveis defeitos, no modo como a Vida não é para ser perfeita, mas cheia de ciladas e alçapões, como num videogame, com várias fases, havendo vicissitudes em cada fase – não seria insuportavelmente monótono um videogame que não possui qualquer dificuldade? Então, a pessoa tem que ser forte e entender que a vicissitudes são o tempero da Vida, e que cada dificuldade tem sabor e propósito, no modo como até o chef mais saudável sabe que não pode inexistir uma pitada de sal. Pobre daquele que crê que a Vida tem que ser desprovida de dificuldades. A Vida exige espírito olímpico, elegante, vitorioso, aguerrido. Aqui, temos retângulos uns dentro dos outros, como bonecas russas, como uma avó, uma mãe e uma filha, no ambiente de família, como uma Ripley da franquia Alien, quando a protagonista se joga em meio a um ninho de extraterrestres, sua família, ambiente em que o indivíduo se sente à vontade, confortável, acolhido e compreendido. O principal retângulo é o menor, o dourado, numa placa de ouro, digna de máscara mortuária de faraó egípcio, na obsessão humana por coisas preciosas, num Ser Humano ávido, que não entende que o Pensamento gravita acima e além da Matéria. É o prêmio dourado de um campeão, como uma miss voltando à sua cidade, trazendo ao lar uma conquista, um título, na eterna necessidade humana de vitória, de volta por cima, com histórias de sucesso que empolgam e inspiram. Logo após, vem um retângulo alaranjado, na cor cítrica, numa laranja doce, deliciosa, num pé criado com muito cuidado, na inspiração que Tao teve para criar tantas frutas deliciosas sobre a face da Terra, como a manga, a rainha das frutas. Logo após, linhas em azul, num retângulo vazado, tímido, que deixa transparecer o que há atrás de si, na atitude desprendida e virtuosa da pessoa que se desapega de orgulhos e ambições, tornando-se leve a arejada, nunca pesando, nunca se impondo narcisisticamente, deixando a pessoa respirar livre, fazendo a pessoa sentir a deliciosa sensação de libertação, como chegar à praia, tirar os tênis e calçar simples chinelos – a Vida é boa quando é simples, como na infância, época sem as amarguras adultas. Depois, um grande retângulo rubro, na cor interior do útero, no perfume Chanel Número Cinco de Marylin Monroe, um dos maiores símbolos estelares de Feminilidade de toda a História da Humanidade, na cor do doloroso sangramento menstrual, como tenho a memória de uma colega de colégio, estando esta tomando medicação para amenizar a cólica. É a cor do deus da Guerra, Marte, em campos ensanguentados, na feiúra da Raiva, do Ódio, no modo como é o Plano Físico, o dos encarnados, que agem com a soberba da vaidade, do ridículo orgulho pétreo, numa sociedade patriarcal, como os Dez Mandamentos, leis que visam o apuro moral da Humanidade; parâmetros civilizatórios para trazer a Paz e a Fé, havendo no fiel um espírito mais nobre, ao contrário daqueles que não veem além da Matéria. Por último, vemos uma grande linha cinzenta, na cor da poluição das indústrias inglesas, no surgimento da Sociedade Industrial, um momento em que o Ser Humano, como sempre, passa a desejar mais e mais, nunca se contentando, quando que, o segredo para se ser feliz, é se contentar com o que já existe: Se o que você tem você acha que não é o suficiente, então você nunca vai ter o suficiente. E um singelo pinheirinho de Natal prova ter força titânica, como na passagem evangélica da mulher pobre doando moedas no templo.


Acima, Pano da Costa. Óleo sobre tela. 1990. 110 x 36,5 cm. Temos aqui um kilt, um Mondrian festivo, com um jogo de irregularidades entre quadrados e retângulos. As linhas vão se cruzando e estabelecendo cores híbridas, no modo como as pessoas passam umas pelas vidas das outras, com amizades sendo feitas e relacionamentos sendo (re)construídos. É uma obra vertical, como um arranhacéu, um obelisco fálico enfeitando uma Buenos Aires pujante e rica. Os arranhacéus são símbolos de poder e dinheiro, enfeitando grandes cidades ricas, ostentando poder, como um dedo do meio sendo mostrado, na agressividade dos homens obcecados em produzir cada vez mais riqueza, a qualquer custo, sendo a Ambição a inimiga da Paz, pois se Joãozinho não está o tempo todo querendo, Joãozinho pode estar tranquilo, gozando das coisas mais simples da Vida, como olhar para um Céu de Brigadeiro. Aqui, os tons de azul são muito presentes, sendo azul da cor do Céu, ou seja, da cor de uma promessa, de uma dimensão celestial, depurada, limpa e organizada, na qual a pessoa se sente muito segura e produtiva, como numa farta obra de um artista, fazendo do atelier uma verdadeira fábrica, sentindo-se útil ao Mundo, sendo respeitado por este. Circundando o quadro, vemos retângulos bem delgados, fininhos, discretos, na virtude de uma pessoa que não quer simplesmente aparecer na Mídia, mas se tornar útil. Há também vários tons de rosa, a cor do Amor, do Romantismo, com rosas sendo entregues à namorada, esquecendo que, para uma pessoa ser respeitada, rosas não bastam – é preciso que a Cabeça entre na relação, no sentido de que lençóis de cetim são muito românticos, mas o que acontece quando você não está na cama? Fins de semana em Gramado são muito românticos, mas a Vida não é só fim de semana; a Vida não é só Gramado. A mortificação exaltada pelo Espiritismo é necessária para que a pessoa se desintoxique de sinais auspiciosos e atenha-se ao que importa, que é o apuro moral. Esperar coisas da Vida é nocivo, pois Tao age assim, sem expectativas, numa saudável frieza, só que uma frieza amorosa. Então, as linhas horizontais e verticais se cruzam, traçando relacionamentos, na diversidade de espíritos, pois Tao nunca faz uma alma igual à outra, e a prova disso é a Arte – o artista é bem singular. Temos aqui um belo tapete, vendido pelos olhos da cara em uma loja chique, num consumidor seduzido e iludido ao ponto de acreditar que este mesmo consumidor só pode ser feliz se continuar consumindo infinitamente, fazendo da Ambição um mal. Temos aqui uma dança perpendicular, num quadro que parece se movimentar, nas grades de uma prisão, uma prisão luxuosa, bela e glamorosa, uma cópia da Dimensão da Liberdade, uma cópia grotesca, pois o Ser Humano sabe, no fundo, que tesouros trazem tudo, menos Amor, num filme que vi certa vez, num homem que, assistido por um gênio da lâmpada, cobriu a mulher amada de presentes caros e luxuosos, e, este homem, ao pedir ao gênio que esta mulher amasse este mesmo homem, o gênio diz: “Não posso atender a este pedido”. Aqui, temos um jogo truncado, sem córregos sinuosos, num colorido perfumado, como uma bandeja de frascos coloridos de perfumes deliciosos, como o comportamento virtuoso exala uma espécie de perfume, só que um perfume mental, psíquico, como o de Chico Xavier, fazendo dos perfumes físicos uma mera cópia dos perfumes metafísicos. É uma sólida parede de tijolos graciosos, num palácio suntuoso, só que um palácio que é apenas uma cópia das moradas do Céu, sendo estas mansões deslumbrantes e, apesar de não haver um documento que prove que certo espírito possua aquela mansão metafísica, este mesmo espírito tem esta mansão, com escadarias deslumbrantes, num local sempre limpo e organizado, no modo como o artista tenta se organizar dentro de si mesmo, buscando ter uma vida produtiva e positiva, fazendo algo do tempo que lhe é dado na Terra.


Acima, Santo Antônio. Têmpera sobre tela. 1996. 25 x 25 cm. Fitinhas coloridas de Nosso Senhor (ou Nossa Senhora) do Bonfim, tremulando ao vento agradável que varre a cidade de Salvador, conquistando a fé das pessoas, pregando uma dimensão onde só entram os ricos em fé, deixando perecer os fracos em fé. Aqui, temos uma cinzenta e insossa parede de concreto ou cimento, em paisagens impessoais de cidades tristes e feinhas, havendo no artista a intenção de trazer cor e consolação aos encarnados, trazendo cores para um concreto tão sem graça, tão deprimidinho. Aqui, a base é azul marinho, na cor das vestes de Iemanjá, na cor dos oceanos furiosos que engoliram o Titanic, no Ser Humano se deparando com as titânicas forças naturais, buscando ter um pouco de estabilidade em uma esfera tão instável, como nas interrupções dos terremotos e tsumanis, como um formigueiro sendo destruído, cabendo às laboriosas formigas o serviço de reconstrução, pois o Ser Humano não é sobre-humano ao ponto de reger a Natureza, de reger a Dimensão Física. Esta obra tem uma textura de pedra, com pequenas crateras que parecem ser as crateras lunares, na comoção do ano de 1969, quando o Ser Humano coloca os pés no satélite natural, numa prova de poder por parte dos EUA, fincando agressivamente em solo lunar a bandeira do Tio Sam – vivemos em um mundo competitivo, e uma das provas disso foi a Guerra Fria. Neste quadro, no centro vemos um quadrado mais cinzento, não muito alegre, na sobriedade sisuda, como um discreto executivo em um traje cinza, na dúvida existencial dos dias cinzentos – será que vai nascer um novo dia? Acima e abaixo do quadrado central, vemos doze retângulos multicoloridos, trazendo uma euforia carnavalesca a um mundo que parece nunca sair da Quarta-Feira de Cinzas, como diz o sambinha: “Tristeza não tem fim; felicidade, sim”. Há uma tira bem branca, na pálida face do povo londrino, na palidez fantasmagórica, na cor da ONU, organização que visa a Paz, tentando dar unidade a um mundo tão longe de ser uno. Há uma tira de pálido cinza, como numa cidade suja pela fuligem, na inevitável sujeira, a qual tem que ser ritualisticamente removida, para que o Mundo se parece o máximo possível com a Eternidade. Podemos ouvir o som de Axé Music. Vemos uma tira bem vermelha, sangrando, dolorida, no sangue derramado por escravos negros, na estupidez humana que é a Escravatura. Parece aquele artesanato brasileiro de garrafas de vidro transparente, preenchido por areias multicoloridas, moldando figuras como paisagens praianas, na riqueza singular o Artesanato Brasileiro. Vemos uma tira rosada, cândida, como a perfeitinha pele de bebê, fazendo-nos ouvir os intermitentes choros de bebê, tirando o sono da madrugada de pais. Podemos ver três tiras em tons diferentes de azul, nas diferentes faixas cromáticas ao observarmos uma praia da beira até altomar, no tom de azul discreto que o Google Earth mostra quando observamos o Mar, no modo como, vista do espaço, bem de longe, a Terra é uma linda estrela azulada. Vemos uma tira verde, na cor dos gramados de Futebol, o plano em que é gritante a competitividade do Ser Humano, em times motivados pela força de liderança do treinador, uma pessoa cuja obrigação é unir o time em torno do “Goal”, ou seja, do inglês, o Objetivo, no modo como o artista, no fundo, tem um objetivo muito claro: Vencer na Vida. Aliás, o objetivo de todo Ser Humano. E o sedutor vazio da goleira é a força gravitacional de Tao, trazendo tudo e todos consigo, no prazer de violação e “estupro” que é um gol sendo marcado, na sensação de êxito que reside no fato de que ao time vencedor resta a alegria; ao perdedor, a tristeza. Vemos tiras cromaticamente quentes, como laranja e amarelo, na cor de uma taça de campeonato, na ambição do ouro olímpico, com atletas se preparando intensamente, e podemos ouvir o célebre som da musiquinha das vitórias de Ayrton Senna, com um locutor enlouquecido e deslumbrado, vibrando junto a um país inteiro. No fundo, um artista quer ser um Senna, abalando estruturas paradigmáticas, fazendo uma fina transgressão sem violência.


Referências bibliográficas:
Gonçalo Ivo. Disponível em <www.bolsadearte.com>. Acesso 28 nov. 2018.
Gonçalo Ivo. Disponível em <www.enciclopedia.itaucultural.org.br>. Acesso 28 nov. 2018.
Gonçalo Ivo. Disponível em <www.pt.wikipedia.org>. Acesso 28 nov. 2018.