quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Artistas Populares da Pop Art (Parte 12)




            Falo sobre vários artistas da Pop Art. As análises semióticas a seguir são minhas e não do livro-base de Osterwold, minha referência bibliográfica.

Acima, Artist’s Studio, ou seja, Atelier do Artista, um óleo sobre tela de Patrick Caulfield, de 1964. Há traços que lembram o mestre Miró. A simplicidade das formas traz uma certa placidez, como numa sesta ou siesta, no preguiçoso prazer do descanso à tarde, após o almoço, deixando que o organismo encarregue-se da digestão, da assimilação do alimento, nas demandas orgânicas do corpo humano, pois existe em Portugal um folclore de piadas que colocam o brasileiro como preguiçoso, e dentro do Brasil são contadas piadas de como os nordestinos são preguiçosos. A preguiça é um pecado capital e, ainda assim, deliciosa, no prazer da transgressão, da violação, da rebeldia. Aqui, parecemos estar da Espanha. O intenso amarelo esquenta a cena, só sendo desafiado por uma delgada faixa roxa na parte superior, num quadro com quase três metros de comprimento, longo como uma boa sesta. Um vaso de porcelana está com ricos desenhos vegetais, com galhos, ramos, folhas e flores dançando em um ritmo sedutor de languidez, como na canção Lazy Afternoon, ou seja, Tarde Preguiçosa, cantada pro Barbra Streisand, a qual disse em público que, na maior parte do tempo, deseja ficar sob uma árvore e simplesmente nada fazer, no dolce far niente italiano, ou seja, um doce em nada fazer, na canção de Rita Lee na qual esta chama o amante para um banho de banheira sem nada mais a fazer se não falar bobagem. O vaso é elegante e vazio, assim como o prazer vazio do nada, de Tao. O vaso lembra uma cerâmica antiga grega, no Sol sedutor da Grécia, numa tarde ociosa. Ao lado esquerdo do vaso, três prédios retratados com minimalismo, com ligeiros traços que delineiam seus formatos e suas janelas, pincelados por traços brancos de paz e placidez, com outros ligeiros traços de outras cores, sendo que, abaixo dos prédios, vemos uma rua de paralelepípedos, com algumas de suas pedras sendo mostradas em pinceladinhas retangulares, num artista que diz muito com pouco a mostrar. No lado direito do vaso, um grande círculo vermelho que, com um pequeno “cabo” inferior, mostra o formato de um estômago em chamas, com intensa queimação em suas paredes internas, de quem exagerou na pimenta, ingrediente básico na culinária mexicana, sendo que este quadro todo também lembra o México. O “estômago” arde desesperadamente, como arde o coração de uma pessoa que está fazendo uma bela catarse, limpando-se por dentro e adquirindo paz interna com tamanha limpeza psíquica. A lado do estômago, dois traços pretos ondulares iguais, como nas calçadas à beiramar de Ipanema, como ondas do mar em lindas praias europeias no verão, na sedução mediterrânea de águas azuis, ou nas casas brancas na Grécia, na sensualidade banhada pelo mar Mediterrâneo. Junto às “ondas” negras, vemos três pontos pretos ovalares, no poder da vida que nasce de um ovo, no mistério que o ser humano jamais resolverá, pois Tao é mistério eterno. Os pontos são como trigêmeos, e servem para construir referências, dando noções espaciais em um mapa. São como reticências que foram desmembradas umas das outras, buscando novamente reencontrar-se e restaurar a ordem do universo. Os pontos são como cabeças decapitadas na Revolução Francesa, como cabeças são arremessadas por catapultas no livro O Senhor dos Anéis. Quase toda a cena aqui é cruzada por um retângulo negro de linhas delgadas, restringindo o estômago e estabelecendo limites entre os terrenos de dois cidadãos, no respeito à propriedade privada. No lado direito desta tela, formas retangulares como cartões de juiz de futebol, tendo um “cartão” negro, assinalando o humor fúnebre e o período de luto, tendo dois cartões de tons diferentes de roxo e tendo um pequeno cartão amarelo pastel, da mesma cor do fundo do vaso de cerâmica, na candura discreta dos tons pastéis. No extremo inferior direito da tela, uma linha tênue curvilínea que parece ser uma apressada assinatura, como uma minhoca contorcendo-se abaixo de um tórrido Sol mexicano. Seria a assinatura de Caulfield? Esta “minhoca” é modesta, e ocupa uma pequena parcela da tela. Comedida.

Acima, Flag on Orange Field, ou seja, Bandeira em Campo Laranja, uma encáustica sobre tela de Jasper Johns, de 1957. Johns ama trabalhar com a bandeira americana, e este trabalho é um dos muitos do autor com esta bandeira, num chauvinismo catarteado. O field citado parece uma plantação de trigo que, com um suave vento, balança sensualmente em suspiros e murmúrios indecifráveis, porém, agradáveis, como nas plantações que amanhecem com misteriosas marcas geométricas entranhadas nos vegetais, atiçando a imaginação dos que creem em alienígenas, como no seriado Arquivo X. O campo parece uma superfície de madeira que sofreu muitas lesões e danos, como cicatrizes, revelando uma história e uma trajetória, como dizem que um homem com barriga proeminente é um homem com história, com uma carreira. Teria um OVNI pousado no campo e entalhado, como deboche, a bandeira dos EUA? Vasto, o país estadounidense é uma colcha de retalhos cultural, e cada canto do país tem sua própria cultura popular, sotaque e características, como ocorre em um país de medidas continentais como o Brasil. Os campos de Jaspion, digo, Jasper são majestosamente dourados, como cabelos loiros de uma rainha na colheita, na fartura de um país de terras tão fartas como os EUA. O campo plácido convida a darmos um cochilo em suas confortáveis fibras, e, assim, desligamo-nos do mundo ao redor e mergulhamos nas agradáveis garras do cochilo, anestesiando-nos, varrendo a dor e o stress para longe. Aqui, a bandeira tem elementos em branco, o que dá um aspecto limpo, como há pessoas que creem que uma pessoa vestida de branco é o melhor aspecto que pode existir, numa cor que simboliza a saúde, os médicos, os enfermeiros, como plácidas nuvens de algodão desfilando lentamente pelo céu. As listras são como pistas de corrida, na competitividade que permeia o mundo capitalista, no pensamento liberal, no qual o homem pertence a si mesmo e não a um estado. Nestas raias de piscina de natação, os concorrentes mergulham n’água exatamente no mesmo momento e, no desenrolar da prova, podemos ver com clareza que é o melhor, numa evidência em um mundo que premia os campeões, dando-lhes metais nobres como prêmio. As listras vermelhas são o sangue de americanos que se tornaram heróis de guerra, num país bélico, no qual é prioridade a construção e manutenção de um exército forte, agressivo e temível, na arrogância das grandes potências, que jogam pesado no jogo global em busca de controle sobre o globo, como no popular jogo de tabuleiro War, ou seja, Guerra, no qual os participantes competem por pontos de controle em um mapa mundi, na ilusão de que o mundo pode ser possuído pela força e pelas pontas de facas. Aqui, o mapa está traçado sem se preocupar com exatidão de linhas e formas, e a bandeira é hesitante e incerta, num momento de insegurança, e o fundo azul sob as estrelas tem pinceladas apressadas, dando um charme ao conjunto, como calças jeans desbotadas e rasgadas – quem diria que roupas com aspecto usado seriam moda? As estrelas estão praticamente iguais umas às outras, e sua ordenação dá a ilusão de ordem em meio ao caos do mundo e da existência – o ser humano gosta de ter a sensação de ordem, algo levado a cabo por regimes ditatoriais, nos quais a paz e a quietude são obtidas por meios artificiais, como opressão e terror, com terroristas que querem simplesmente amedrontar o globo inteiro, na inevitável inesquecibilidade do Onze de Setembro. A bandeira aqui parece que foi lavada com um bom sabão em pó, transmitindo a sensação de limpeza e perfume, no prazer de se vestir uma roupa limpinha ou de se deitar em uma cama com lençóis suavemente perfumados, como no início do livro espírita Violetas na Janela, no qual a protagonista Patrícia desperta desencarnada em um confortável cama, uma cama convidando ao sono e ao sossego. As estrelas ordenadinhas são a esperança dos astrônomos de um dia poderem catalogar, registrar e batizar todas as inúmeras galáxias ao redor do universo, as quais, por suas vezes, possuem inúmeras estrelas compondo essas galáxias. Afinal, como diz o Espiritismo, Deus é o infinito.

Acima, Quote, ou seja, Citação, um óleo e serigrafia sobre tela de Robert Rauschenberg, de 1964. JFK exercendo eterno fascínio na América. A imagem do político está virada, horizontalizada, sem a hierarquia vertical, e sua gravata negra senta com seus cabelos, e com poucos traços podemos identificar esta pessoa pública, muito pública, uma das pessoas mais notórias da História Contemporânea do Mundo. Ao lado do presidente, um círculo verde, como um sinal que diz siga, na aprovação que os americanos tinham para com Kennedy. O círculo é como um planeta Terra coberto de vegetação, sem oceanos nem desertos, num mundo farto, paradisíaco, perfeito, onde as vicissitudes da vida não entram nem se expressam. É como um tatu que se recolheu no seu formato de bola, na reclusão de que as pessoas públicas necessitam, pois ninguém consegue ser público o tempo todo, necessitando de momentos de privacidade com a família e amigos próximos. Ao lado do ponto verdejante, como um limão esperando para ser cortado ao meio e utilizado em uma receita cítrica, vemos uma nuvem bem negra, fechada, talvez selando o violento destino da morte deste homem público, numa nuvem negra que traz uma tormenta incrível, fortíssima, como nas nuvens negras que fecharam no céu durante a crucificação de Jesus Cristo. A nuvem negra é como uma fumaça de caminhão, numa nuvem de óleo diesel sufocante, poluída, carregada, envenenando quem se atrever a inalá-la. É como o céu negro da horrível terra de Mordor de O Senhor dos Anéis, uma terra que lembra o termo murder, ou seja, assassinato, como na premonição de assassinato em O Iluminado. Vemos dois paraquedistas, gerados pelo mesmo clichê, quiçá xilogravura, saltando de um avião de guerra e pousando em terras inimigas, arriscando-se a virar prisioneiros de guerra. Parecem dois astronautas saídos de uma nave redonda, explorando o espaço na paranoia competitiva da Guerra Fria, quando Capitalismo e Comunismo brincavam de competir pelo poder global – no fundo, ambos os lados gostavam de guerrear, no deleite bélico das personalidades agressivas, das pontas de faca. Os paraquedistas parecem ter nascido de um grande ovo, e são de uma cor bordô, de um vermelho escuro, num embriagante vinho. Entre eles, um desenho cúbico, geométrico, matemático, na frieza metódica com a qual os cientistas fazem avanços, talvez cientistas a serviço de forças governamentais obcecadas em vencer uma guerra, com essas mesmas forças fazendo de tudo para surpreender o inimigo e capturá-lo em uma emboscada. Abaixo do cubo, manchas negras, como sujeira ou petróleo, com forças difíceis de se identificar, parecendo fachadas de prédios ou algo parecido, numa estranheza recorrente em obras da Pop Art, pois as experiências estranhas acabam revelando-se as mais marcantes e interessantes, visto que os artistas odeiam o óbvio. No canto inferior esquerdo, placas de trânsito, e uma delas diz pare, como se fosse um apelo em nome da paz universal dizendo para que a Humanidade pare com tantos horrores, sofrimentos e destruições, pois disse Barrack Obama que um homem é lembrado pelo que construiu; não pelo que destruiu. Outra placa aponta o caminho de um asilo público, no recanto das almas solitárias e paupérrimas, cujas vidas estão cheias de vazio existencial, sem norte, sem sentido, sem vida. As setas dão o sentido, a direção, e ajudam o indivíduo a evitar a depressão e o desânimo. Ainda outra placa aponta uma via pela qual só pode se transitar em um sentido, pois Tao não é o melhor caminho; é o único caminho. Os dizeres one way rechaçam vias ilusórias secundárias, guiando o indivíduo pela grande avenida una da existência, na qual outras vias são mentiras e enganações. Acima das placas, borrões em bordô que mal podem ser identificados ou classificados, obtendo o simples aspecto de borrão randômico, aleatório, como se estivéssemos observando nuvens no céu, e cada pessoa enxerga aquilo que quiser enxergar, na liberdade de pensamento.

Acima, Europe I, ou seja, Europa I, um óleo sobre tela de Larry Rivers, de 1956. Uma tela complexa, cheia de elementos mesclados uns com os outros, com borrões incertos. As pinceladas brancas estão presentes aqui, assim como pinceladas amareladas. Só que fica difícil identificar com exatidão o que são estes desenhos tão enigmáticos. No lado esquerdo, algo parecido com uma TV ou um forno de microondas, ou então um armário, um criadomudo, num elemento que carrega discretamente o título deste trabalho. Um pouco acima, algo parecido com um astronauta com um capacete redondo, coletando informações e enviando-as à Terra por rádio, talvez assediado por uma nave extraterrestre, nos infindáveis mistérios do Cosmos, uma vastidão absolutamente além da compreensão humana. O que nos cerca? Quem somos? Para onde vamos e de onde viemos? Ao lado do astronauta, dois senhores de longas barbas brancas, como um Charles Darwin, coletando inacabáveis informações sobre todas as formas de vida sobre a Terra, e talvez um dia catalogando formas de vida alienígena. Os senhores parecem ser o mesmo, ou gêmeos, lembrando a carismática figura de Papai Noel, com o apelo típico desta época do ano em todo o Mundo Ocidental, quiçá em outras partes. O senhor da esquerda veste um elegante terno marrom, vestido para uma grande ocasião, talvez numa cerimônia de entrega do Prêmio Nobel. Os senhores são como o personagem velhinho do filme Esqueceram de Mim, no qual o idoso estabelece um relacionamento como o protagonista Kevin, lembrando que o Natal é época de paz e (re)conciliação. Uma tarja branca repousa sobre a testa do senhor da direita, como uma bandeira da paz, nos auspícios da virada do ano, na euforia do Feliz Ano Novo. Acima dos senhores está um homem de bigode com uma gravata borboleta, ou algo parecido, e ele está com um olhar tenso e fixo, talvez observando algo que não o agrada. O homem parece estar ofendido, enfurecido, indignado, assim como fica o artista malcompreendido. Acima do astronauta há uma mulher totalmente alva, como uma Virgem Maria intocada pelo mundano, dando a mensagem de esperança de que algo de melhor nos espera após uma encarnação na Terra – um lar nos espera; uma vida sem dor nos espera. A mulher pálida esta olhando para o lado, distraída, interessando-se por algo que não é mostrado na tela. Seu vestido, também branco como o de uma noiva, tem um recatado decote, revelando apenas o pescoço, e a mulher veste sobre os ombros uma pele de animal, na crueldade predatória, tão fora de moda hoje em dia, na era do pensamento ecológico. Mas o animal aqui não parece estar morto, e parece que fareja o astronauta, no salto evolutivo que fez de neandertais seres civilizados, intelectuais, numa sociedade permeada pelo pensamento, pela filosofia civilizatória. Ao lado da mulher vemos uma face apagada, e sua boca é sequer mostrada, com olhos discretos, de alguém que não sabe que está sendo retratado em uma tela da Pop Art. Abaixo dele há uma forma em vermelho, com uma gota de sangue escorrendo, sujando o quadro com os horrores da guerra, da selvageria da Idade da Pedra. Até quando o Ser Humano continuará debatendo-se entre paz e guerra? Na parte inferior da tela, vemos os sapatos do senhor da esquerda ou da direita, num ambiguidade atroz, como se fossem siameses compartilhando do mesmo corpo, num inevitável convívio, pois da vida em sociedade é convívio, como no seriado Chaves, no qual os personagens têm de aturar as presenças uns dos outros, na comédia das falhas que existem na vida em sociedade. O astronauta olha para o céu; já, os senhores olham para fora da tela, analisando o espectador. Aos pés dos senhores, folhas negras caídas de uma árvore no outono, como na famosa canção California Dreaming, na qual o personagem, em um dia invernal com céus cinzentos e folhas escuras, sonha em estar na Califórnia, num lugar ensolarado e agradável. Será que todos os personagens neste trabalho de Larry Rivers querem estar em outro lugar?

Acima, Friendship of America and France (Kennedy and de Gaulle), ou seja, Amizade entre a América e a França (Kennedy e de Gaulle), um óleo sobre tela de Larry Rivers, de 1961-62. Vemos setorizações, como em compartimentos mondriânicos. Na parte superior, os dois políticos mencionados no título desta tela, numa amizade, numa harmonia, numa concordância diplomática, primando pela paz e pelo entendimento entre as partes – dois cavalheiros cordatos, civilizados. Duas grandes nações unidas, mesmo que separadas por um vasto oceano. Por algum motivo desconhecido, este quadro tem a reprodução de várias carteiras de cigarro, de marcas famosas, como Marlboro e Camel, na sólida indústria que é a tabagista, sendo americanos e franceses, unidos pelo vício, dois povos que fumam muito, alimentando um mercado sempre próspero, um mercado que não se importa com os danos à saúde do tabagista, apesar dos EUA serem o país que concebeu as restrições públicas ao consumo de cigarro, como em prédios nos quais é simplesmente proibido fumar, forçando os fumantes a buscar outros lugares para o hábito, no sentido de que, talvez, chegará o dia em que o fumante americano só poderá fumar dentro de sua própria casa, algo contrastante com épocas em que fumar era considerado chique, sexy, interessante, divertido e saudável, como nas estrelas hollywoodianas dos anos 30 e 40. Aqui, as carteiras de cigarro estão dispostas umas ao lado das outras, como numa gôndola de supermercado, facilitando o acesso a uma droga que, apesar de lícita como o álcool, tem lá seus pontos negativos. Mas os fumantes não parecem se importar, mesmo que nas carteiras de cigarro haja hoje advertências cada vez mais incisivas. Em quatro carteiras aqui, o capacete do deus Mercúrio na sua liberdade alada, no sentido de que só fuma quem quer, assumindo para si as consequências, no livre arbítrio espírita. O capacete vende uma ideia enganosa de liberdade, pois fumar é ser um prisioneiro, e todo mundo sabe que o cigarro vicia, tornando-se irresistível ao indivíduo viciado. O capacete dá a ideia de proteção, mas o cigarro não protege, bem pelo contrário, expõe as pessoas a doenças consequentes. O capacete dá a ideia de blindagem, mas o fumante não está blindado, e sim em perigo. O camelo, animal montado e convertido às vontades humanas, dá a falsa sensação de controle, pois o fumante está fora de controle. O camelo está pedindo para ser montado e domado, trazendo um apelo mercadológico marcante, numa das marcas de cigarro mais famosas do mundo. Vemos uma carteira da marca Lucky Strike, título que remete à palavra sortudo, quando na verdade o fumante não está com sorte, bem pelo contrário, está no azar do ciclo vicioso. O aristocrático brasão da marca Marlboro passa a ideia de sofisticação, bom gosto, classe e sangue azul, como se o fumante estivesse entrando para um seleto clube, um clube muito fino e diferenciado, mas na verdade o clube dos fumantes é um grupo de pessoas dependentes. Uma das carteiras de cigarro traz a palavra end, ou seja, fim, na pertinente mensagem de que o cigarro torna-se o fim, a finalidade do fumante e, também, torna-se a finitude, a ruína. Este quadro todo é bem colorido e alegre, no esforço mercadológico para vender cigarro. Seria uma crítica de Larry Rivers à indústria, aos apelos publicitários? O cigarro Camel é inspirado nas tradições turcas, nas quais o tabagismo é milenar, remetendo a um animal do deserto e simbolizando o hábito turco, no qual o cigarro é normal e corriqueiro. Seria aqui o cigarro um elo de união entre duas nações ou entre várias nações? Em uma das carteiras, na extrema esquerda inferior, vemos uma silhueta de mulher de salto alto em meio a tortuosas fumaças, na associação do tabagismo e charme e sedução – não é Charm o nome de uma marca famosa de cigarro? Nesta tela há uma variedade de cigarros à disposição, num mercado desenvolto e abundante, apresentando opções e seduzindo que já está viciado. Acima do rosto do presidente francês, duas estrelas, como as da bandeira americana, e essa dupla pode simbolizar a amizade entre duas estrelas políticas, em duas nações que compreendem o que é Democracia, apesar de não haver liberdade no ato de fumar. Rivers traz-nos um paradoxo.

Referência bibliográfica:
OSTERWOLD, Tilman. Pop Art. Köln: Taschen, 2007

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Artistas Populares da Pop Art (Parte 11)




            Falo sobre vários artistas da Pop Art. As análises semióticas a seguir são minhas e não do livro base de Osterwold, minha referência bibliográfica.

Acima, Custom Painting, ou seja, Pintura Customizada, um óleo sobre tela de Peter Phillips, de 1965. Com três metros de comprimento, o quadro traz as sensuais pernas rosas de uma mulher extrapolando divertidamente os limites do quadro, trazendo uma subversão, do mesmo modo como vemos um pé de um diabo extrapolando o enquadramento da cena no Juízo Final de Aldo Locatelli, em Caxias do Sul. Phillips traz aqui sua paixão pelas cores, na alegria da Pop Art. O fundo é de um amarelo solar, embasando uma desordem proposital, uma bagunça gostosa, como numa festa. A mulher, em preto e branco, contrastando com a meia calça colorida, está com um seio nu, numa beleza de seio exposto. Sua pele é perfeita e sequer tem um poro. Ela usa uma faixa branca sobre os cabelos, que estão desarrumados, esvoaçando. Ela olha para o espectador, desafiando-o, encarando-o, provocando-o. Vemos um tabuleiro similar a um de xadrez, mas aqui não há a intercalação entre quadrados brancos e pretos do jogo, mas uma igualdade gráfica entre cada quadrado, como num frio piso de cerâmica ou azulejos num banheiro. A ausência cromática une-se à mulher, e sua cintura é fina, perfeita, invejável. A mulher está no auge de sua forma. Acima dela, agressivas engrenagens industriais, num sistema complexo, também em preto e branco, que tem uma missão, um objetivo, um norte, uma razão para viver. As engrenagens parecem de fato estar mexendo-se, ameaçando ferir a mulher e absorvê-la, sugá-la para dentro das entranhas industriais que tanto fascinam a Pop Art, como na Revolução Industrial. Há faixas azuis tensas e oblíquas, ocultando um pouco a mulher e as engrenagens. As linhas azuis parecem ser o padrão estético dos anos 80, década que rejeitou as formas arredondadas dos anos 70 e que adotou linhas que lembram um choque, um raio de tempestade, numa agressividade geométrica, na gíria chocante da época. Mas este quadro de Phillips traz um pouco do colorido dos anos 80, uma década muito jovial. Vemos um octógono alaranjado, como uma laranja quadriculada, como num ringue de algum tipo de arte marcial, num artista que sabe que, para vencer, este mesmo artista precisa ser bom, competente. O octógono parece o enigmático hexágono luminoso no pólo norte de Saturno, desafiando os cientistas nos mistérios que formaram a Terra e a Humanidade. Vemos uma espécie de arcoíris bicolor, só com faixas verdes e vermelhas, contorcendo-se sensualmente em linhas arredondadas, cruzando o quadro de ponta aponta, como uma pista de autorama, com carros concorrendo para ver quem é o melhor, na competitividade inevitável do mundo. O arcoíris é como um til, acentuando palavras, no complexo tom anasalado da Língua Portuguesa. Vemos a parte de um belo carro retrô chegando, estacionando no quadro, querendo seduzir a mulher, atraindo-a com luxo e dinheiro. É um jogo de sedução. As engrenagens revelam as entranhas do funcionamento do carro, numa potência industrial, pujante como um parque industrial próspero. Na placa do carro vemos a palavra special, ou seja, especial, do modo como o homem, para seduzir a mulher, tem que tratá-la como se ela fosse especial como uma princesa, uma rainha, respaldando-a, sustentando-a, no machismo da prostituição. E vemos também um elemento muito estranho e indecifrável, uma forma fálica com desenhos geométricos estranhos, como linhas pontilhadas. Seria uma peça que compõe o carro? Qual seu propósito e sua utilidade? Qual o seu papel nesta obra de Phillips? Por que o artista traz-nos algo tão difícil de compreender? As obras de Arte estranhas acabam por se revelar interessantes e apaixonantes, rechaçando o óbvio, a monotonia. Neste quadro tudo dança em um só ritmo. A mulher calça sapatos de salto altíssimo, como se estivesse batendo perna de salto alto, num sacrifício doloroso em nome da beleza e da elegância, numa privação facultativa. O salto a sustenta em um patamar elevado, sendo este representado pelo carro.

            Acima, Perfect Match, ou seja, Parceira Perfeita, um óleo sobre tela em três partes de Allen Jones, de 1966-67. Uma voluptuosa mulher revela-se em um quadro de predominância rubra, na cor do desejo e do sexo. Ela é alta, com quase três metros de altura. Seus seios estão no auge, praticamente mirando para o céu. São seios perfeitos, imunes a críticas ou rejeições. Sua cintura é afunilada, mostrando glúteos deliciosos, na medida certa. Ela usa uma saia insinuante como a famosa saia branca esvoaçante de Marilyn Monroe, sendo esta uma espécie de musa da Pop Art – artista inspirando artista. A saia da mulher é bem justa, bem acima dos joelhos, e tem uma certa e perturbadora transparência, revelando a silhueta das coxas. Suas pernas foram pintadas para dar a impressão de movimento, de caminhada – vemos aqui mais de duas pernas nessa ilusão de ótica. A mulher equilibra-se sobre dois frágeis pés de bailarina, e parece estar usando sapatilhas. É como se estivesse usando um salto invisível, muito alto e desconfortável, na dor da beleza. Este óleo sobre tela de Allen Jones é bem colorido, pois, além do vermelho, vemos laranja, amarelo e verde. Uma das pernas da mulher é escura, destacando-se com uma meia calça, mostrando que, para aparecer, é preciso desaparecer, na contradição filosófica taoista – menos é mais. O corpo da mulher é delineado por finos traços pretos, definindo um corpo tentador, digno de ser exposto e admirado pois, já ouvi dizer, é natural a pessoa sarada querer mostrar o próprio corpo, mostrar o empenho de seu esforço e de sua privação espartana de exercícios e dieta. Esta mulher é uma garota de Ipanema, digna de render inspiração poética de um poeta introvertido e tímido. A boca da mulher está discreta, quase fundindo-se com a cor do restante do rosto. O pescoço é de um tom levemente mais escuro do que o tom da face, mostrando um pescoço discreto, com um leve sombreamento à direita. E por que o artista não nos revela o rosto dela totalmente? Seria uma intenção de striptease, na qual esconder é excitar? A parceira perfeita é uma mulher sem defeitos, idealizada, muito distante dos inevitáveis defeitos das pessoas. O poeta tem uma paixão platônica em relação à garota de Ipanema, e observa-a à distância, sem de fato conhecê-la ou relacionar-se com ela. Existe aqui um fascínio pelo distanciamento, do mesmo modo que um gramado de campo de futebol parece ser perfeito e imaculado se observado de longe. O cabelo da mulher é negro como a asa da graúna, e está perfeitamente modelado, sem um fio fora do lugar, em formas arredondadas livres de arestas ou defeitos, sem vicissitudes para serem observadas e vencidas pela luta da vida. A mulher é um ser fabricado, como na clássica comédia dos anos 80 Uma Mulher Nota Mil, na qual uma mulher perfeita é criada por dois rapazes adolescentes. Aqui, a mulher é fabricada, na idealização ao redor da indígena Iracema, com hálito de baunilha, na sensualidade da marca Victoria´s Secret, que vende artigos sofisticados e sensuais às clientes, como lingeries tentadoramente frágeis. O cabelo da parceira ideal de Jones tem discretas mechas roxas, e por quê? Uma parte da coxa também puxa para o roxo. O roxo é uma cor sensual, limpa e perfumada. Aqui, podemos sentir um perfume feminino no ar. Os bicos dos seios são pequenos, minimalistas, como se o corpo da mulher tivesse sido esculpido em pedra, fazendo com que o artista tirasse da pedra tudo o que não fosse uma linda mulher. Na metade inferior do quadro, uma explosão solar de dourado, iluminando as pernas da mulher, trazendo riqueza e prosperidade, como um homem decidido a cobrir a mulher de joias e presentes caros, mimando-a, seduzindo-a com dinheiro. Na extremidade inferior, vemos verde, da cor de palmeiras que farfalham calmamente em uma brisa amena, trazendo serenidade e prazer de calmaria. Existe algo melhor do que fazer as coisas com calma? Este quadro é bem retangular e elegante, alto, esguio, acompanhando quase toda a estatura da modelo, na elegância de um prédio bem alto, imponente e majestoso. A metade superior do rosto permanece um mistério, como houvesse receio em expor a mulher por completo, como em uma crise de ciúmes e de sentimento de possessão. A mulher é indomável e pertence a si própria.

           Acima, Something Like Sisters, ou seja, Algo Parecido com Irmãs, um óleo sobre tela de Allen Jones, de 1962. As aludidas duas irmãs aqui estão desenhadas com traços elementares, premeditadamente infantis – não parece que a tela foi feita por um adulto. Na parte superior, há três sóis, como no cinturão de Órion, como em um sistema solar complexo, estranho, alienígena. Mas os sóis são um tanto diferentes uns dos outros: um é só amarelo, o outro tem dois círculos e o outro tem um só círculo emoldurado por um sobrecírculo cinzento, e aqui os sóis são como irmãs que, apesar de terem o mesmo pai e a mesma mãe, são diferentes uns dos outros, na busca por identidade e individualidade. A cor branca, de lacuna cromática, tem um certo destaque aqui, como em um dia encoberto, com luz difusa, onde o Sol não tem um papel muito marcante; tem um papel sutil. As duas figuras humanas que remetem às irmãs têm traços bem incertos, e quase não dá para ver que se tratam de figuras humanas. A da esquerda parece ter calvície, com um espaço entre as mechas de cabelo, parecendo vestir um pé de meia sobre o corpo. Sua boca está fechada, com um marcante batom vermelho. Sua pele alaranjada mistura-se ao plano de fundo, num laranja muito presente na tela toda, como numa colorida aurora, anunciando com beleza e majestade um novo dia. Seus olhos são dois traços borrados, com um discreto padrão de listras. O que são as listras? São barras de ferro de uma prisão? A irmã aqui sente-se presa a algo ou alguém? Não se sabe. E sua calvície é como um aeroporto, útil exatamente por ser vazio, como uma pessoa produtiva, que produz algo, na sensação de dignidade que acomete os dignos. Em seu pescoço, mais listras, e a cor verde é bem presente na tela toda, como mato brotando espontaneamente, fortemente entre fissuras no asfalto e no concreto, na inevitabilidade da vida, da força da vital que preenche o ser vivo. Uma de suas listras é negra, como se estivesse de luto por alguém da família, talvez por uma terceira irmã, que não está presente na tela. Na tela há várias linhas retas, em contraste com as formas sugestivas e borradas do restante do trabalho. Curvas versus retas, numa dualidade charmosa. Já, a irmã da direita parece ter um gorro na cabeça, e seu cabelo ruivo é um tom mais escuro do que a irmã. A da direita está com a boca entreaberta, como se estivesse falando algo. Seu batom também é vermelho. Acima de seus olhos, várias estrelinhas, de vários tamanhos, como numa paisagem espacial, em constelações ricas em diversidade. As estrelas revelam uma personagem sonhadora, eternamente buscando beleza no caos da existência. As estrelas são mágicas, como de uma fada cintilante, brilhando como o sapatinho de cristal de Cinderela. O gorro é verde como na fertilidade de um gramado bem regado. Ela usa uma echarpe listrada e, por cima, um casaco negro, como o céu noturno em uma noite encoberta, sonegando o brilho das estrelas sonhadoras, idealizadoras, como ideias a serviço da criatividade artística – todo artista sonha. Ao redor da irmã da direita há borrões de várias cores: laranja, amarelo escuro, azul cinzento e verde escuro. Na parte inferior do quadro, as linhas retas formam uma espécie de avenida, pela qual não há tráfego; há paz. É uma cidade tranquila, com a quietude de uma cidadezinha de interior. Aqui, Allen Jones traz-nos paz, e as irmãs estão em concordância uma com a outra, apesar das inevitáveis diferenças, visto que cada ser humano é dotado de individualidade, cada pessoa sendo única – somos iguais e somos diferentes. A avenida está vazia, mas pronta para receber qualquer tráfego, abrigando a vida em sociedade e as necessidades diárias de qualquer lugar. A irmã da direita tem algo parecido com uma mão, que parece abrigar quarteirões de uma cidade, e quase podemos ler algo aqui, neste subconjunto, nessa realidade parcial. E as ruas e avenidas revelam-se em sua dignidade, abrigando o vaivém frenético da vida cotidiana.

            Acima, The Last of the Idols, ou seja, O Último dos Ídolos, um alumínio e pintura a óleo de Eduardo Paolozzi, de 1963. A estrutura parece um totem, na veneração fetichista do produto na gôndola do supermercado. É como um Empire State Building, escalado pelo imperialista rei King Kong, lutando contra aviões, que frente ao monstro são apenas moscas. O formato é como uma agressiva seringa, pronta para perfurar e violar uma nádega virginal. É um design futurista, ousado, estranho e vibrante. Há quatro quadrados amarelos que parecem as janelas deste prédio, emanando a reconfortante luz solar, que rega a vida na Terra. Na parte inferior, uma roda responsável por manter tudo funcionando e girando, na demanda industrial que tanto fascina a Pop Art. Aqui, as cores são primárias: azul, verde, vermelho e amarelo, numa candura infantil, como se o objeto fosse uma espécie de brinquedo embrulhado como presente de Natal. Parece um soldadinho de chumbo, em guarda, atento, guardando um castelo solitariamente. A extremidade superior parece a futurista residência do desenho Os Jetsons, que nos mostra como é a vida no futuro da Humanidade. Logo abaixo, círculos concêntricos, como uma gota caindo n’água, perturbando a paz da quietude. Os círculos são como faixas de música em um disco de vinil, e cada faixa tem um sabor próprio e uma cor característica, num LP de um artista que quer fazer diversas coisas. O centro é de um plácido azul, nas cores de Iemanjá, a Mãe das Águas, abençoando os navegantes e dando-lhes fartura nas redes de pesca, com muitos peixes debatendo quando estes entram em contato com o ar, como no milagre de Jesus Cristo na multiplicação dos pães e dos peixes, trazendo fartura na cornucópia da ceia de Natal, pois Tao é isto – uma mesa farta, como nas fartas galeterias, com a comida sendo reposta na mesa até que o cliente diga chega. A estrutura toda deste totem parece funcionar de alguma forma, com um objetivo desconhecido, tentando produzir algo para ser vendido em uma estratégia de Marketing. A imaginação de Paolozzi toma corpo aqui, e tudo tem um tom divertido, recreativo, com muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo, entretendo as crianças e fazendo-as crescer em suas percepções emocionais e instintivas. Os círculos concêntricos são a energia solar emanando como ondas de rádio, espalhando um sinal de música, esporte e notícia para quem possui um aparelho de rádio. E as ondas de rádio extrapolam o planeta Terra e suas repercussões viajam pelo cosmos, talvez com nossas canções sendo ouvidas por civilizações alienígenas. Uau! O topo do totem é uma antena de Rádio ou TV, espraiando mensagens que provam como o ser humano evoluiu desde a Idade da Pedra. O totem é um cândido pirulito, com cores divertidas e deliciosas, tornando-se objeto de desejo entre os infantes. A sisuda base negra é o único elemento que destoa um tanto do restante, do conjunto. Logo acima, duas “fatias” de pão redondo que encarregam-se de dar o suporte secundário, sendo que essas fatias, sim, entram no tom geral deste trabalho tão inusitado e original. Como será que esta obra é pelo lado de trás? Será que foi feita para ser apreciada em todos os ângulos? Será qual surpresa nos espera se formos ver o que há atrás? É como um Davi de Michelangelo, só podendo ser apreciado de frente, assim como a Pietà do mesmo autor. O topo do totem parece os antigos microfones na era áurea do Rádio, o que hoje é considerado um charme retrô. Abaixo das “janelas” amarelas, estruturas em vermelho que lembram colunas de algum suntuoso templo antigo, sendo egípcio, grego ou algo que o valha. A roda na parte inferior tem o formato de estrela, com cinco pontas, como uma estrela do mar, fascinando biólogos. A estrela é Paolozzi, que brilha como um dos grandes da Pop Art. A pessoa brilhante fascina o mundo, e é tida como fenômeno, pois, diz o Espiritismo, quando menos ambições e pretensões uma pessoa tiver, mais a mesma pessoa vai brilhar. É o enigma da existência, o qual cada pessoa tem que desvendar por si mesma. O ídolo aqui aludido é a magia do totem cultuado pelos indígenas, cultuando as forças da natureza. E ele é o último, como os indígenas foram dizimados.

            Acima, A-Z a Contributive Picture, ou seja, A-Z um Quadro Composto, uma construção em madeira pintada de Joe Tilson, de 1963. É como numa pré-escola, onde as crianças familiarizam-se com as letras do alfabeto. Tilson dá uma de marceneiro, e pega martelo e madeira para trazer essa espécie de prateleira cheia de objetos e memórias. Na parte de cima da obra, as letras garrafais que delineiam os extremos do alfabeto, em uma bipolaridade, numa latência, mostrando o melhor e o pior, trazendo um titânico contraste. As duas letras estão envoltas em uma forma que parece ser uma explosão, como na explosão ilustrativa das embalagens do sabão em pó Omo, numa mãe atenciosa que deixa tudo impecável dentro de casa, deixando a roupa limpa e perfumada, como na atenciosa professora de pré-escola, a qual lança mão de muita paciência para despertar nos alunos o interesse pela alfabetização. As letras A e Z explodem furtivamente, dando às crianças a noção de que há o bom e de que há o não tão bom, estimulando o senso crítico e o discernimento entre certo e errado. As prateleiras lembram o estilo inconfundível do célebre mestre Piet Mondrian, e a simetria aqui é descartada, pois há desalinho entre prateleiras grandes e pequenas; quadradas e retangulares. As letras das prateleiras foram cuidadosamente esculpidas, fazendo com que o espectador volte à própria infância e sinta novamente o gosto de ser uma inocente criança, recém começando a aprender as lições da escola e da vida, pois a criança é muito espontânea. Como em várias obras de arte da Pop Art, aqui há uma certa estranheza, e nem tudo podemos ver explicitamente, em mistérios herméticos, num artista que se permite ousar na estranheza. Acima da letra P, um picolé de laranja mordido, irresistível em um dia de verão; acima da letra Q, um ponto de interrogação, na questão sendo perguntada, não havendo aqui uma resposta; acima da letra S, uma forma que parece ser um tubo, um cano, como um túnel que liga extremidades; as letras N e O estão praticamente desaparecidas, envoltas em profundo negror, como num luto profundo ou numa depressão inescapável; acima da letra Z, uma pirâmide multicolorida, com cores divertidas, parecendo peças montadas por uma criança, numa noção de hierarquia piramidal egípcia, onde uns estão abaixo e outros estão acima, como na hierarquia militar; acima da letra D, uma mulher de perfil, com cabelos vermelhos e azuis e seio das mesmas cores, estando imóvel e envolta por traços que formam um semicírculo, talvez como em horas em um relógio, marcando o tempo na linha da existência; acima da letra T, um enorme T vermelho, como num entroncamento entre grandes avenidas, na demanda frenética de uma grande cidade; acima das letras G, U e V, nada, apenas espaços em branco, algo muito bom e pertinente em uma obra tão complexa e cheia de detalhes, fazendo das alvas lacunas um intervalo, um alívio, uma minimalização, entrando em harmonia com a cor clara das letras A e Z na parte superior da obra; acima da letra E, uma roda de carroça, na grande invenção revolucionária da Humanidade que foi a roda, quando o ser humano parou de sofrer tanto para locomover cargas; acima da letra L, algo que parece ser uma banana podre, imprópria para o consumo, trazendo feiura, morte e pestilência, virando uma espécie de patinho feio em meio às outras letras; a letra J é privilegiada, pois tem acima de si quatro quadros, sendo que dois deles trazem enforcadoras e sufocantes gravatas envoltas em pescoços tensos, um terceiro quadro traz pintas vermelhas em meio ao amarelo, como numa doença como sarampo ou como pintas numa onça, e o quarto quadro traz forma estranhas, que parecem ser peças de marceneiro; a letra X está bem discreta acima do Y, e a letra W também está “camuflada”, tendo acima de si misteriosos quadros negros; acima da letra H, o verso de uma tela de pintura, mostrando os bastidores, o que acontece por trás das cortinas, revelando a feiura e lembrando uma ratoeira aberta, esperando pacienciosamente por um rato que caia na armadilha, como um ator quer “capturar” o público. Esta obra de Tilson convida a uma apreciação longa e demorada, sempre revelando algo novo.

Referência bibliográfica:
OSTERWOLD, Tilman. Pop Art. Köln: Taschen, 2007

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Artistas Populares da Pop Art (Parte 10)




            Falo sobre vários artistas da Pop Art. As análises semióticas a seguir são minhas e não do livro base de Osterwold, minha referência bibliográfica.

            Acima, Two Men in a Shower, ou seja, Dois Homens numa Ducha, um óleo sobre tela de David Hockney, de 1963. Aqui, o homoerotismo é inegável. A cortina de banho translúcida revela as cores do oceano, e a silhueta de um homem é sugerida, nunca declarada. Quase vemos o corpo totalmente nu de um homem que está prestes a entrar atrás da cortina. Ele é calvo e tem um bigode. Já, o homem atrás da cortina mal pode ser delineado ou revelado. Ao redor do quadro, um tom neutro de areia toma conta da cena, como na sensual beira do mar, no cheiro de mar, a mãe de toda a vida na Terra. A cortina de banho revela flores alvas e alaranjadas, que parecem ser pássaros voando em liberdade pelas orlas eternas dos mares terrenos. Os dois homens estão prestes a ter contato físico, mas tudo aqui é sugerido, nunca declarado. A careca do homem é a nudez sensual do tom de pele declarado pelas cores ao redor do box de banho. A sensualidade desta tela está sempre na sugestão, e nunca na declaração. David Hockney tem uma grande paixão pela água, pela sensual liquidiscência, e o banho torna-se um momento sensual de entrega e de erotização. O homem oculto pela cortina não está completamente oculto, e podemos ver a ponta de seu joelho escapar ligeiramente à cortina, trazendo uma nudez erótica, nunca revelando tudo por completo. Este é o fascínio de Hockney – sempre sugerir; nunca entregar completamente. Aqui, não há o sexual; só há o sensual, no poder da sugestão. Este é o bom gosto de Hockney, nunca entregando algo por completo, sempre apenas sugerindo. Aqui, não temos a declaração completa do físico, do sexual; temos a subjetividade. Hockney revela-se um mestre no processo de erotização, compreendendo que sexy é nunca entregar o jogo por completo. A cortina tremula sensualmente ao vento, e a água cai em seu fascínio liquidiscente, prazeroso, erótico, nunca sexual. A cortina sensual aqui pouco revela e muito sugere. São como ondas à beiramar, respirando entre altos e baixos, em toda a sugestão do mistério que é a vida. Aqui, viver é respirar. A cor arenosa predominante é a beiramar, e os pés pisam na areia deixando marcas por onde passam, tirando a intocabilidade das areia virginais. O vaivém das ondas lavam a areia e restauram a virgindade, fazendo com que as marcas dos pés desapareçam para sempre. A estampa da cortina são como gaivotas à beiramar, voando livres em seu voos eróticos de liberdade e realização. Aqui, a cortina tem um papel dúbio e contraditório, pois a cortina vem para revelar e ocultar, num jogo capcioso entre entrega e ocultação. O homem careca entra pela traseira do homem oculto, e temos aqui um coito sugerido, nunca explicitamente declarado. Emoldurando o homem careca, tempos um fundo branco, alvo, virginal e puro, num princípio de luz que vem a emoldurar o princípio erótico, marcando um momento d encontro e entrega. A cortina dança ao sabor da brisa, e o encontro sexual de Hockney nunca é completamente desvelado, e é dessa indefinição que vem o sabor sugestivo do artista. O homem ocultado pela cortina é disforme, e é impossível dizer como ele realmente é.É um corpo sem forma, em entrega a um momento de prazer. E as gaivotas brancas dançam ao sabor do vento da beiramar, e o prazer emana exatamente desta liberdade conferida ao cidadão americano. Podemos sentir o barulho da água caindo e do perfume do sabonete, e temos aqui um momento de entrega, de intimidade, e há um poder voyeur que nos permite enxergar através deste momento de intimidade e privacidade. Hockney entrega-nos um momento de prazer estuprador, invadindo um momento com o qual nada temos a ver. O homem oculto ergue um de seus joelhos, equilibrando-se em uma só perna, numa fragilidade erótica pronta para ser desestabilizada por qualquer vento à beiramar. Uma pontilha do homem oculto foge à cortina, como um Pão de Açúcar em sua monumentabilidade. Tudo nesta tela flui para o destino das águas de um rio. O homem quase revelado é careca, na sensualidade vazia da orla, uma folha em branco pronta para ser desvirginada e preenchida.

            Acima, First Tooth Paste Painting, ou seja, Primeira Pintura de Creme Dental, um óleo sobre tela de Derek Boshier, de 1962. A sociedade de consumo pensa nas necessidades das pessoas, e tanto a pasta de dente quanto a escova estão facilmente à disposição em uma farmácia ou um supermercado. Aqui, o azul predomina, como na água do banheiro. O creme dental sofre pressão e sai do tubo colorido, divertido, incentivando as crianças a cuidar dos dentes. A pasta parece um pirulito cândido, e tem uma forma espiral, anunciando algo. O branco e o vermelho fundem-se, resultando no quadro geral em um vermelho pastel, como um crepúsculo californiano cor de rosa, no mundo hollywoodesco da Pop Art. As cerdas da escova são pontiagudas, desenhadas para a higiene bucal, entrando em suave atrito com os dentes na sua missão abrasiva de limpeza e polimento. O consumo baseia-se aqui na necessidade de higiene, facilitando a missão de convencer as pessoas a adquirir este produto com perfume mentolado. Temos o momento de limpeza na intimidade do banheiro, e a umidade toma conta do lugar. A base das cerdas da escova é verde, como um vistoso gramado, vestindo vastos campos com roupas maravilhosas, majestosas, na beleza da vida ao ar livre. O tubo parece ser translúcido, e vemos duas figuras humanas dentro, sendo esmagadas: uma é branca com contorno negro, no poder de limpeza dos produtos de higiene; a outra, transparente, também com contorno negro. Por que eles estão sendo oprimidos e esmagados? Será porque a sociedade de consumo esmaga quem não tem dinheiro? Temos aqui um verdadeiro sacrifício humano, e as figuras humanas estão servindo de matéria prima para a fabricação do creme dental. Canibalismo. Na extremidade de saída do tubo, temos um afunilamento, uma opressão, um esguelamento, servindo de pressurização para a saída do produto. O furo do tubo é o centro de uma galáxia, em seu mistério esmagadoramente gravitacional. O que tem ali? Por que ali há tanto poder de atração? O furo é o ânus, expelindo as fezes e limpando o interior do corpo, das tripas. O furo é como uma estrela coruscante, absoluta em si, enigmática em sua beleza provedora. O tubo tem um formato de gravata, enforcando o homem no dia a dia espartano de trabalho no escritório, havendo após um momento de descontração no happy hour, quando a gravata é afrouxada e o pescoço vê-se livre das inevitáveis pressões do dia a dia. O azul anil traz um céu com nuvens mal intencionadas, anunciando que, dentro em breve, virá chuva. Este quadro revela umidade, no líquido essencial à vida que é a água. Sem água, não há higiene bucal. As figuras humanas remetem ao célebre desenho de Leonardo da Vinci do homem, no antropocentrismo que coloca o homem no centro do universo. Seria aqui uma homenagem a Leonardo? As cerdas da escova são como heróicos arranhacéus, desafiando as alturas e ampliando as ambições do ser humano capitalista, havendo uma concorrência: um prédio quer ser mais alto e fálico do que o outro, do modo como plantas lutam entre si numa floresta por um lugar ao Sol. E a base verde ecológica embasa os prédios, numa cidade sustentável, metafísica. As figuras humanas estão agitadas, dançando loucamente, abaladas pela pressão que sofrem dentro do tubo. O tubo é o canal da vida pelo qual todos nascemos e para o qual retornaremos um dia, retornado à fonte. É o canal natal, e Maria dá à luz o Salvador. As figuras humanas parecem estar em plena queda em um precipício, sem previsão de que um dia tocarão o chão, a base, a referência existencial de identidade. Aqui, o ser humano serve de escravo em um sistema excludente, na dureza da vida. As cerdas são como dentes enfileirados impecavelmente higienizados, em dentes que precisam durar por toda a vida da pessoa. Será que as figuras humanas são a mesma pessoa, só que desfocada em confusa miopia? A prostituta vê-se como um produto em uma gôndola de supermercado, à disposição por dinheiro. A ironia é a de que Boshier lembra brush, que é escova em inglês; e que Derek lembra dente. Os elementos aqui estão em harmonia uns com os outros, e quadro fotografa um breve momento de rotina de higiene.

            Acima, Kennst Du das Land, ou seja, Conheces este País, um óleo sobre tela de R. B. Kitaj, de 1962. Os traços são trêmulos, incertos e minimalistas, na pureza de um desenho de criança, como de Basquiat. Dois círculos amarelos como o Sol entram na cena, como Aton, o deus uno egípcio do disco solar. A impressão que se tem é de que se trata de um terreno nevado, na prazerosa brincadeira de andar pela neve e brincar de guerra de bolas de neve, como o personagem central de Cidadão Kane, nas doces memórias de infância brincando em um trenó na neve. Pois a infância é tão simples e tão feliz. Mas aqui há guerra, pois as figuras humanas estão manejando grandes armas de fogo, preparando-se para atirar, ou talvez estejam numa inocente brincadeira de Paint Ball. Mais ou menos ao centro deste óleo sobre tela, uma cereja esmagada, talvez oprimida pelos terríveis episódios bélicos, os quais carecem de beleza e de paz, é claro. Os homens estão concentrados em sua missão bélica, e não dão atenção a nada que não for relativo ao conflito – há um belo terreno nevado ao redor, mas os homens não estão com humor para brincadeiras. Inferno astral é isso; é ter tudo de bom ao redor mas não conseguir desfrutar. Ao lado de um dos círculos amarelos, que parecem moedas de ouro (de tolo), um distintivo, um escudo de identidade, talvez relativo a forças armadas de algum país, e no escudo podemos ver a linha do oceano azul marinho e um céu azul acima; vemos uma base vermelha como o sangue derramado nos conflitos; vemos o que parece ser uma garrafa de vinho, derramando o vinho tinto como o sangue de Jesus. Vemos também o contorno de dois carros, talvez de propriedade dos homens, que estacionaram na neve e se dirigiram às armas do conflito. Os carros têm um design antigo, e são delineados por poucas linhas delgadas, como no trabalho célebre de Oscar Niemayer em Brasília, nos traço genial que crê que há força na simplicidade. Está sangrando a mão de um dos homens que maneja a arma de fogo, do modo como quem mata um irmão nada mais faz do que ensanguentar as próprias mãos. É como no conflito entre Caim e Abel, ou no momento em que a rainha inglesa Mary Tudor nega-se a assinar a sentença de morte de sua irmã Elizabeth. Nesta tela, há um subconjunto, um retângulo na parte superior. Neste retângulo, vemos duas formas incertas amareladas, abrigando desenhos escuros que parecem óculos escuros de Sol, ou uma máscara de carnaval, ou olhos de alienígenas prontos para abduzir alguém; vemos um fino desenho de uma figura feminina, uma mulher erguendo a saia e revelando uma bela perna, talvez querendo seduzir alguém, ou pedindo uma carona na beira da estrada, num desenho com traços delgados que remetem aos desenhos célebres de Leonardo da Vinci. Por que a mulher está se desnudando? Estará ela preparando-se para banhar-se? Aqui, os poucos traços dão conta do recado, e o talento revela-se na simplicidade, na clareza de transmissão de uma mensagem. Na extrema direita – fascismo ou nazismo? –, uma forma que parece os olhos de um alienígena, em meio a uma forma azul que parece um vale fecundo, com um rio que nutre represas e hidrata as pessoas. Acima do “vale”, formas que parecem ser frutas em uma fruteira, expostas na calçada ou dispostas na casa do consumidor, trazendo aconchego a um lar com frutas prontas para serem deliciadas, multicoloridas, frescas e saudáveis. Na extrema esquerda – comunismo? –, uma linha sinuosa muito delgada e discreta, lembrando a forma de uma serpente, caminhando sensualmente pelas areias do deserto, sobrevivendo a condições extremas de radiação solar e de baixa umidade relativa do ar. A serpente, símbolo de fertilidade na Antiguidade, está aqui com qual função? E por que tão discreta, quase invisível? Estariam os homens querendo caçá-la? A serpente caminha pelo quadro absolutamente alheia a tudo que aparece no mesmo quadro, cuidando de sua própria existência, transitando sem se importar com os limites e os elementos essenciais desta tela. A natureza segue seu fluxo instintivo. E a serpente anda pela neve divertindo-se, muito mais feliz do que os homens que manejam armas letais, violentas e sanguinárias. A beleza do inverno revela-se, e a neve parece ser deliciosa como um merengue, um chantilly ou uma cobertura de açúcar. De todos os homens, há apenas um com a cara pintada, talvez uma exceção no grupo, talvez alguém que, no fundo, não gosta de guerras.

            Acima, Good News for Incunabulists, ou seja, Boas Notícias para Incunabulistas, um óleo sobre tela de R. B. Kitaj, de 1962. No centro do quadro, um senhor idoso de cor amarela, como se estivesse doente. Ele observa algo bem atentamente, mas o quê? Um cigarro repousa atrás de sua orelha, escravizando-o no ciclo vicioso, causando uma lamentável dependência química, da qual é muito difícil se safar. O senhor parece contemplar uma orla, com pedras embasadas por areia e um céu azul abrigando a cena. Ao lado da face do senhor, um elemento que parece um cachimbo, ou uma concha, ou um sarcófago egípcio com a múmia curvando-se sobre si mesma. As ondas beijam violentamente as pedras, e podemos ouvir o som do mar à beira. Acima do céu azul, uma mão com o dedo indicador dizendo “não”, talvez negando o prazer de se curtir a beiramar, havendo uma abstinência, uma privação, uma culpa católica em relação aos prazeres dos sete pecados capitais. Atrás da mão, uma figura facial de uma mulher alaranjada, com um chapéu sobre a cabeça, e sobre ele uma flor violeta, ornamental, feminina, elegante. Acima do senhor, uma estrutura arquitetônica que remete intensamente a Oscar Niemayer, na pureza de traços que conferem leveza ao conjunto, com prédios de espaços grandiosos pois, já ouvi dizer, Brasília é demasiadamente grandiosa. Na base deste prédio, curvas que parecem o Pão de Açúcar do Rio de Janeiro, na sensualidade geológica das grandes paisagens naturais cariocas, com curvas femininas voluptuosas como a Garota de Ipanema. Na parte superior do quadro predomina o escuro, como uma cidade que dorme à noite, com um céu negro misterioso, embalando o sono de quem dorme à noite. Só que, aqui, o céu noturno carece da Lua e das estrelas, como se estivesse encoberto pelas roupas do céu nebuloso. O senhor veste um elegante traje branco, como um malandro carioca, e sua camisa é também branca; sua gravata, roxa ou lilás. Abaixo do senhor uma máquina de escrever, algo tido como antiguidade pelas gerações mais jovens de hoje. Na máquina, o aparelho está ocioso, e a folha está em virginal branco, esperando para ser maculada pelas teclas. Por todo o quadro, há linhas retas e oblíquas, mas nunca curvilíneas. As linhas estão soltas como peixes em um açude. Há um acúmulo destas linhas na parte mais inferior do quadro, e as linhas são de diversas cores. Por que tantas linhas soltas viajando pelo quadro? Seriam elas uma tentativa de geometrizar e matematicar as incertezas da existência do senhor amarelo? As linhas, quando aglomeradas, lembram a antiga escrita cuneiforme, num código hermético, só podendo ser desvendado por grandes mentes pesquisadoras. A espuma branca do mar e a máquina de escrever entram em harmonia cromática com o terno do senhor e com o cigarro deste; outros pontos, tendem para tons de azul e cinza. As linhas retas querem impor limites e ordem, opondo-se radicalmente ao caos natural das revoltosas ondas à beiramar, como no filme Interiores de Woody Allen, no qual uma personagem entra em um mar revolto para cometer suicídio. A mente do suicida está em caos e desordem, e as linhas retas são o pensamento lógico e racional tentando fazer a imposição de ordem ao caos suicida. Abaixo do mar, uma figura confusa que parece ser a de duas pessoas abraçando-se, no poder divino da concórdia, do amor e da amizade. A parte inferior do quadro é como uma grande mesa de trabalho na qual o senhor labora escrevendo, produzindo, dando asas à própria imaginação. No prédio niemayeresco, fortes colunas sustentam a estrutura, do mesmo modo como o senhor sustenta pensamentos na folha de papel.

            Acima, Lions versus Eagle, ou seja, Leões versus Águia, um óleo sobre tela de Peter Phillips, de 1962. Símbolo dos EUA, a águia revela-se invencível, fazendo um voo com a potência de um grande Airbus, como o avião Air Force One presidencial. A águia é séria e tem um objetivo muito definido. A águia sabe o que quer e para onde vai, e sua mente está objetivada, quase obcecada. Suas grandes asas abrem-se, e uma majestosa beleza viril é revelada. Ao lado da águia há um círculo com a face de dois leões idênticos, como no leão símbolo dos estúdios de cinema MGM, na agressividade do rei da selva, uma face que remete a um Sol esfuziante, forte, que inunda de majestade terras inteiras. É a cor do ouro, o metal da riqueza de um país. E por que dois leões e não apenas um? Os leões, como diz o título deste óleo sobre tela de Phillips, estão em conflito com a águia, talvez competindo pela supremacia da selva ou da América. Ao fundo dos animais, um fundo verde acinzentado, um tom sofisticado, incomum, no popularmente chamado “cor de burro quando foge”. Os leões são emoldurados por um fundo rosa pastel, na candura de um sorvete de morango. Na parte inferior do quadro, duas estrelas que abrigam uma informação óbvia, ou seja, a palavra estrela. As estrelas são irmãs, e o firmamento do céu da América exibe várias estrelas em uma bandeira, pois a Pop Art adora o apaixonado nacionalismo norteamericano. Ambas as estrelas estão emolduradas por um fundo branco, que traz respiro a um quadro tão saturado cromaticamente. As estrelas são delineadas por uma fina linha negra. A estrela da esquerda é amarela como a juba do leão regente, emoldurada por uma grossa linha azul como um céu de brigadeiro; a estrela da direita, do mesmo tom verde acinzentado mencionado acima, tem uma moldura escarlate, que chama a atenção, como uma placa de trânsito ou um semáforo alertando para que o motorista freie, impondo ordem e limites na regência do corpo social. O grande contorno ao redor das estrelas é amarelo, uma cor bem presente neste óleo. Já, na parte superior do quadro, formas geométricas que lembram holofotes iluminando os céus de uma Los Angeles em uma noite de gala na première de um filme qualquer. O amarelo aqui beija o vermelho em uma combinação vibrante e corajosa. Abaixo dos “holofotes”, uma faixa branca horizontal de bordas arredondadas que abriga dois picos piramidais brancos, como nas grandes pirâmides faraônicas, símbolos de inimaginável poder e influência, servindo de alerta a quem subestima a extensão de poder de um faraó. Cada pico abriga dois discos, muito parecidos com CD, com um sensual vazio no meio, adquirindo utilidade, e cada disco abriga ilustrações difíceis de serem definidas – parecem peças mecânicas com parafusos, num enigma do autor, numa estranheza própria de artistas que trazem indagações e não respostas. Quem é que sabe tudo? Nesta tela, Phillips traz constante dualidade, bipolaridade, e, com exceção da águia, temos tudo em pares aqui: as estrelas, os leões, os picos, os “CDs”. Do modo como as dualidades na vida e no mundo são inevitáveis, como os olhos, as narinas, os mamilos, os pulmões, os rins et cetera. E os holofotes rasgam os céus com seu formato fálico retilíneo, racional, direto e honesto, dando evidência a um evento, na ilusão de que existe perfeição e plenitude em um mundo tão duro e dolorido. A cultura de massa abraça esse perfume hollywoodesco, e a Pop Art não se cansa de declarar seu amor a esses monstros sagrados de alto calibre midiático. Abaixo da águia, uma tênue linha azul bebê, na inocência de uma criança ou adolescente que tem os seus ídolos midiáticos, seus deuses de veneração cultural. A faixa azul bebê é um rio retilíneo que corta um vale profundo, veiculando a água da chuva que cai pelas montanhas que cercam o vale. As penas da águia são cuidadosamente delineadas, claras, definidas, num artista preocupado em transmitir uma mensagem clara. As garras da águia são agressivas, prontas para caçar um rato ou uma cobra, no hierárquico topo da cadeia alimentar, na agressividade dos grandes produtores e profissionais de Cinema de Hollywood. As garras são pontiagudas como uma pirâmide, como os espetos agressivos na roupa do personagem Panthro, do popular desenho animado dos anos 80 Thundercats.

Referência bibliográfica:
OSTERWOLD, Tilman. Pop Art. Köln: Taschen, 2007