Falo sobre vários artistas da Pop
Art. As análises semióticas a seguir são minhas e não do livro base de
Osterwold, minha referência bibliográfica.
Acima, Two Men in a Shower, ou seja, Dois
Homens numa Ducha, um óleo sobre tela de David Hockney, de 1963. Aqui, o
homoerotismo é inegável. A cortina de banho translúcida revela as cores do
oceano, e a silhueta de um homem é sugerida, nunca declarada. Quase vemos o
corpo totalmente nu de um homem que está prestes a entrar atrás da cortina. Ele
é calvo e tem um bigode. Já, o homem atrás da cortina mal pode ser delineado ou
revelado. Ao redor do quadro, um tom neutro de areia toma conta da cena, como
na sensual beira do mar, no cheiro de mar, a mãe de toda a vida na Terra. A
cortina de banho revela flores alvas e alaranjadas, que parecem ser pássaros
voando em liberdade pelas orlas eternas dos mares terrenos. Os dois homens
estão prestes a ter contato físico, mas tudo aqui é sugerido, nunca declarado.
A careca do homem é a nudez sensual do tom de pele declarado pelas cores ao
redor do box de banho. A sensualidade desta tela está sempre na sugestão, e
nunca na declaração. David Hockney tem uma grande paixão pela água, pela
sensual liquidiscência, e o banho torna-se um momento sensual de entrega e de
erotização. O homem oculto pela cortina não está completamente oculto, e
podemos ver a ponta de seu joelho escapar ligeiramente à cortina, trazendo uma
nudez erótica, nunca revelando tudo por completo. Este é o fascínio de Hockney
– sempre sugerir; nunca entregar completamente. Aqui, não há o sexual; só há o
sensual, no poder da sugestão. Este é o bom gosto de Hockney, nunca entregando
algo por completo, sempre apenas sugerindo. Aqui, não temos a declaração
completa do físico, do sexual; temos a subjetividade. Hockney revela-se um
mestre no processo de erotização, compreendendo que sexy é nunca entregar o
jogo por completo. A cortina tremula sensualmente ao vento, e a água cai em seu
fascínio liquidiscente, prazeroso, erótico, nunca sexual. A cortina sensual
aqui pouco revela e muito sugere. São como ondas à beiramar, respirando entre
altos e baixos, em toda a sugestão do mistério que é a vida. Aqui, viver é
respirar. A cor arenosa predominante é a beiramar, e os pés pisam na areia deixando
marcas por onde passam, tirando a intocabilidade das areia virginais. O vaivém
das ondas lavam a areia e restauram a virgindade, fazendo com que as marcas dos
pés desapareçam para sempre. A estampa da cortina são como gaivotas à beiramar,
voando livres em seu voos eróticos de liberdade e realização. Aqui, a cortina
tem um papel dúbio e contraditório, pois a cortina vem para revelar e ocultar,
num jogo capcioso entre entrega e ocultação. O homem careca entra pela traseira
do homem oculto, e temos aqui um coito sugerido, nunca explicitamente
declarado. Emoldurando o homem careca, tempos um fundo branco, alvo, virginal e
puro, num princípio de luz que vem a emoldurar o princípio erótico, marcando um
momento d encontro e entrega. A cortina dança ao sabor da brisa, e o encontro
sexual de Hockney nunca é completamente desvelado, e é dessa indefinição que
vem o sabor sugestivo do artista. O homem ocultado pela cortina é disforme, e é
impossível dizer como ele realmente é.É um corpo sem forma, em entrega a um
momento de prazer. E as gaivotas brancas dançam ao sabor do vento da beiramar,
e o prazer emana exatamente desta liberdade conferida ao cidadão americano.
Podemos sentir o barulho da água caindo e do perfume do sabonete, e temos aqui
um momento de entrega, de intimidade, e há um poder voyeur que nos permite
enxergar através deste momento de intimidade e privacidade. Hockney entrega-nos
um momento de prazer estuprador, invadindo um momento com o qual nada temos a
ver. O homem oculto ergue um de seus joelhos, equilibrando-se em uma só perna,
numa fragilidade erótica pronta para ser desestabilizada por qualquer vento à
beiramar. Uma pontilha do homem oculto foge à cortina, como um Pão de Açúcar em
sua monumentabilidade. Tudo nesta tela flui para o destino das águas de um rio.
O homem quase revelado é careca, na sensualidade vazia da orla, uma folha em
branco pronta para ser desvirginada e preenchida.
Acima, First Tooth Paste Painting, ou seja, Primeira Pintura de Creme Dental, um óleo sobre tela de Derek Boshier,
de 1962. A
sociedade de consumo pensa nas necessidades das pessoas, e tanto a pasta de
dente quanto a escova estão facilmente à disposição em uma farmácia ou um
supermercado. Aqui, o azul predomina, como na água do banheiro. O creme dental
sofre pressão e sai do tubo colorido, divertido, incentivando as crianças a
cuidar dos dentes. A pasta parece um pirulito cândido, e tem uma forma espiral,
anunciando algo. O branco e o vermelho fundem-se, resultando no quadro geral em
um vermelho pastel, como um crepúsculo californiano cor de rosa, no mundo
hollywoodesco da Pop Art. As cerdas da escova são pontiagudas, desenhadas para
a higiene bucal, entrando em suave atrito com os dentes na sua missão abrasiva
de limpeza e polimento. O consumo baseia-se aqui na necessidade de higiene,
facilitando a missão de convencer as pessoas a adquirir este produto com
perfume mentolado. Temos o momento de limpeza na intimidade do banheiro, e a
umidade toma conta do lugar. A base das cerdas da escova é verde, como um
vistoso gramado, vestindo vastos campos com roupas maravilhosas, majestosas, na
beleza da vida ao ar livre. O tubo parece ser translúcido, e vemos duas figuras
humanas dentro, sendo esmagadas: uma é branca com contorno negro, no poder de
limpeza dos produtos de higiene; a outra, transparente, também com contorno
negro. Por que eles estão sendo oprimidos e esmagados? Será porque a sociedade
de consumo esmaga quem não tem dinheiro? Temos aqui um verdadeiro sacrifício
humano, e as figuras humanas estão servindo de matéria prima para a fabricação
do creme dental. Canibalismo. Na extremidade de saída do tubo, temos um
afunilamento, uma opressão, um esguelamento, servindo de pressurização para a
saída do produto. O furo do tubo é o centro de uma galáxia, em seu mistério esmagadoramente
gravitacional. O que tem ali? Por que ali há tanto poder de atração? O furo é o
ânus, expelindo as fezes e limpando o interior do corpo, das tripas. O furo é
como uma estrela coruscante, absoluta em si, enigmática em sua beleza
provedora. O tubo tem um formato de gravata, enforcando o homem no dia a dia
espartano de trabalho no escritório, havendo após um momento de descontração no
happy hour, quando a gravata é afrouxada e o pescoço vê-se livre das
inevitáveis pressões do dia a dia. O azul anil traz um céu com nuvens mal intencionadas,
anunciando que, dentro em breve, virá chuva. Este quadro revela umidade, no
líquido essencial à vida que é a água. Sem água, não há higiene bucal. As
figuras humanas remetem ao célebre desenho de Leonardo da Vinci do homem, no
antropocentrismo que coloca o homem no centro do universo. Seria aqui uma
homenagem a Leonardo? As cerdas da escova são como heróicos arranhacéus,
desafiando as alturas e ampliando as ambições do ser humano capitalista,
havendo uma concorrência: um prédio quer ser mais alto e fálico do que o outro,
do modo como plantas lutam entre si numa floresta por um lugar ao Sol. E a base
verde ecológica embasa os prédios, numa cidade sustentável, metafísica. As
figuras humanas estão agitadas, dançando loucamente, abaladas pela pressão que
sofrem dentro do tubo. O tubo é o canal da vida pelo qual todos nascemos e para
o qual retornaremos um dia, retornado à fonte. É o canal natal, e Maria dá à
luz o Salvador. As figuras humanas parecem estar em plena queda em um
precipício, sem previsão de que um dia tocarão o chão, a base, a referência
existencial de identidade. Aqui, o ser humano serve de escravo em um sistema
excludente, na dureza da vida. As cerdas são como dentes enfileirados
impecavelmente higienizados, em dentes que precisam durar por toda a vida da
pessoa. Será que as figuras humanas são a mesma pessoa, só que desfocada em confusa
miopia? A prostituta vê-se como um produto em uma gôndola de supermercado, à
disposição por dinheiro. A ironia é a de que Boshier lembra brush, que é escova em inglês; e que Derek lembra dente. Os elementos aqui estão em harmonia uns com os outros, e
quadro fotografa um breve momento de rotina de higiene.
Acima, Kennst Du das Land, ou seja, Conheces
este País, um óleo sobre tela de R. B. Kitaj, de 1962. Os traços são
trêmulos, incertos e minimalistas, na pureza de um desenho de criança, como de Basquiat.
Dois círculos amarelos como o Sol entram na cena, como Aton, o deus uno egípcio
do disco solar. A impressão que se tem é de que se trata de um terreno nevado,
na prazerosa brincadeira de andar pela neve e brincar de guerra de bolas de
neve, como o personagem central de Cidadão
Kane, nas doces memórias de infância brincando em um trenó na neve. Pois a
infância é tão simples e tão feliz. Mas aqui há guerra, pois as figuras humanas
estão manejando grandes armas de fogo, preparando-se para atirar, ou talvez estejam
numa inocente brincadeira de Paint Ball. Mais ou menos ao centro deste óleo
sobre tela, uma cereja esmagada, talvez oprimida pelos terríveis episódios
bélicos, os quais carecem de beleza e de paz, é claro. Os homens estão
concentrados em sua missão bélica, e não dão atenção a nada que não for
relativo ao conflito – há um belo terreno nevado ao redor, mas os homens não estão
com humor para brincadeiras. Inferno astral é isso; é ter tudo de bom ao redor
mas não conseguir desfrutar. Ao lado de um dos círculos amarelos, que parecem
moedas de ouro (de tolo), um distintivo, um escudo de identidade, talvez
relativo a forças armadas de algum país, e no escudo podemos ver a linha do
oceano azul marinho e um céu azul acima; vemos uma base vermelha como o sangue
derramado nos conflitos; vemos o que parece ser uma garrafa de vinho,
derramando o vinho tinto como o sangue de Jesus. Vemos também o contorno de
dois carros, talvez de propriedade dos homens, que estacionaram na neve e se
dirigiram às armas do conflito. Os carros têm um design antigo, e são
delineados por poucas linhas delgadas, como no trabalho célebre de Oscar
Niemayer em Brasília, nos traço genial que crê que há força na simplicidade.
Está sangrando a mão de um dos homens que maneja a arma de fogo, do modo como
quem mata um irmão nada mais faz do que ensanguentar as próprias mãos. É como
no conflito entre Caim e Abel, ou no momento em que a rainha inglesa Mary Tudor
nega-se a assinar a sentença de morte de sua irmã Elizabeth. Nesta tela, há um
subconjunto, um retângulo na parte superior. Neste retângulo, vemos duas formas
incertas amareladas, abrigando desenhos escuros que parecem óculos escuros de
Sol, ou uma máscara de carnaval, ou olhos de alienígenas prontos para abduzir
alguém; vemos um fino desenho de uma figura feminina, uma mulher erguendo a
saia e revelando uma bela perna, talvez querendo seduzir alguém, ou pedindo uma
carona na beira da estrada, num desenho com traços delgados que remetem aos
desenhos célebres de Leonardo da Vinci. Por que a mulher está se desnudando?
Estará ela preparando-se para banhar-se? Aqui, os poucos traços dão conta do
recado, e o talento revela-se na simplicidade, na clareza de transmissão de uma
mensagem. Na extrema direita – fascismo ou nazismo? –, uma forma que parece os
olhos de um alienígena, em meio a uma forma azul que parece um vale fecundo,
com um rio que nutre represas e hidrata as pessoas. Acima do “vale”, formas que
parecem ser frutas em uma fruteira, expostas na calçada ou dispostas na casa do
consumidor, trazendo aconchego a um lar com frutas prontas para serem
deliciadas, multicoloridas, frescas e saudáveis. Na extrema esquerda –
comunismo? –, uma linha sinuosa muito delgada e discreta, lembrando a forma de
uma serpente, caminhando sensualmente pelas areias do deserto, sobrevivendo a
condições extremas de radiação solar e de baixa umidade relativa do ar. A
serpente, símbolo de fertilidade na Antiguidade, está aqui com qual função? E
por que tão discreta, quase invisível? Estariam os homens querendo caçá-la? A
serpente caminha pelo quadro absolutamente alheia a tudo que aparece no mesmo quadro,
cuidando de sua própria existência, transitando sem se importar com os limites
e os elementos essenciais desta tela. A natureza segue seu fluxo instintivo. E
a serpente anda pela neve divertindo-se, muito mais feliz do que os homens que
manejam armas letais, violentas e sanguinárias. A beleza do inverno revela-se,
e a neve parece ser deliciosa como um merengue, um chantilly ou uma cobertura
de açúcar. De todos os homens, há apenas um com a cara pintada, talvez uma
exceção no grupo, talvez alguém que, no fundo, não gosta de guerras.
Acima, Good News for Incunabulists, ou seja, Boas Notícias para Incunabulistas, um óleo sobre tela de R. B.
Kitaj, de 1962. No centro do quadro, um senhor idoso de cor amarela, como se
estivesse doente. Ele observa algo bem atentamente, mas o quê? Um cigarro repousa
atrás de sua orelha, escravizando-o no ciclo vicioso, causando uma lamentável
dependência química, da qual é muito difícil se safar. O senhor parece
contemplar uma orla, com pedras embasadas por areia e um céu azul abrigando a
cena. Ao lado da face do senhor, um elemento que parece um cachimbo, ou uma
concha, ou um sarcófago egípcio com a múmia curvando-se sobre si mesma. As
ondas beijam violentamente as pedras, e podemos ouvir o som do mar à beira.
Acima do céu azul, uma mão com o dedo indicador dizendo “não”, talvez negando o
prazer de se curtir a beiramar, havendo uma abstinência, uma privação, uma
culpa católica em relação aos prazeres dos sete pecados capitais. Atrás da mão,
uma figura facial de uma mulher alaranjada, com um chapéu sobre a cabeça, e sobre
ele uma flor violeta, ornamental, feminina, elegante. Acima do senhor, uma
estrutura arquitetônica que remete intensamente a Oscar Niemayer, na pureza de
traços que conferem leveza ao conjunto, com prédios de espaços grandiosos pois,
já ouvi dizer, Brasília é demasiadamente grandiosa. Na base deste prédio,
curvas que parecem o Pão de Açúcar do Rio de Janeiro, na sensualidade geológica
das grandes paisagens naturais cariocas, com curvas femininas voluptuosas como
a Garota de Ipanema. Na parte superior do quadro predomina o escuro, como uma
cidade que dorme à noite, com um céu negro misterioso, embalando o sono de quem
dorme à noite. Só que, aqui, o céu noturno carece da Lua e das estrelas, como
se estivesse encoberto pelas roupas do céu nebuloso. O senhor veste um elegante
traje branco, como um malandro carioca, e sua camisa é também branca; sua
gravata, roxa ou lilás. Abaixo do senhor uma máquina de escrever, algo tido
como antiguidade pelas gerações mais jovens de hoje. Na máquina, o aparelho
está ocioso, e a folha está em virginal branco, esperando para ser maculada
pelas teclas. Por todo o quadro, há linhas retas e oblíquas, mas nunca
curvilíneas. As linhas estão soltas como peixes em um açude. Há um acúmulo
destas linhas na parte mais inferior do quadro, e as linhas são de diversas
cores. Por que tantas linhas soltas viajando pelo quadro? Seriam elas uma
tentativa de geometrizar e matematicar as incertezas da existência do senhor
amarelo? As linhas, quando aglomeradas, lembram a antiga escrita cuneiforme,
num código hermético, só podendo ser desvendado por grandes mentes
pesquisadoras. A espuma branca do mar e a máquina de escrever entram em
harmonia cromática com o terno do senhor e com o cigarro deste; outros pontos,
tendem para tons de azul e cinza. As linhas retas querem impor limites e ordem,
opondo-se radicalmente ao caos natural das revoltosas ondas à beiramar, como no
filme Interiores de Woody Allen, no
qual uma personagem entra em um mar revolto para cometer suicídio. A mente do
suicida está em caos e desordem, e as linhas retas são o pensamento lógico e
racional tentando fazer a imposição de ordem ao caos suicida. Abaixo do mar,
uma figura confusa que parece ser a de duas pessoas abraçando-se, no poder
divino da concórdia, do amor e da amizade. A parte inferior do quadro é como uma
grande mesa de trabalho na qual o senhor labora escrevendo, produzindo, dando
asas à própria imaginação. No prédio niemayeresco, fortes colunas sustentam a
estrutura, do mesmo modo como o senhor sustenta pensamentos na folha de papel.
Acima, Lions versus Eagle, ou seja, Leões
versus Águia, um óleo sobre tela de Peter Phillips, de 1962. Símbolo dos
EUA, a águia revela-se invencível, fazendo um voo com a potência de um grande Airbus,
como o avião Air Force One presidencial. A águia é séria e tem um objetivo
muito definido. A águia sabe o que quer e para onde vai, e sua mente está
objetivada, quase obcecada. Suas grandes asas abrem-se, e uma majestosa beleza
viril é revelada. Ao lado da águia há um círculo com a face de dois leões
idênticos, como no leão símbolo dos estúdios de cinema MGM, na agressividade do
rei da selva, uma face que remete a um Sol esfuziante, forte, que inunda de
majestade terras inteiras. É a cor do ouro, o metal da riqueza de um país. E
por que dois leões e não apenas um? Os leões, como diz o título deste óleo
sobre tela de Phillips, estão em conflito com a águia, talvez competindo pela
supremacia da selva ou da América. Ao fundo dos animais, um fundo verde
acinzentado, um tom sofisticado, incomum, no popularmente chamado “cor de burro
quando foge”. Os leões são emoldurados por um fundo rosa pastel, na candura de
um sorvete de morango. Na parte inferior do quadro, duas estrelas que abrigam
uma informação óbvia, ou seja, a palavra estrela.
As estrelas são irmãs, e o firmamento do céu da América exibe várias estrelas
em uma bandeira, pois a Pop Art adora o apaixonado nacionalismo norteamericano.
Ambas as estrelas estão emolduradas por um fundo branco, que traz respiro a um
quadro tão saturado cromaticamente. As estrelas são delineadas por uma fina
linha negra. A estrela da esquerda é amarela como a juba do leão regente,
emoldurada por uma grossa linha azul como um céu de brigadeiro; a estrela da
direita, do mesmo tom verde acinzentado mencionado acima, tem uma moldura
escarlate, que chama a atenção, como uma placa de trânsito ou um semáforo
alertando para que o motorista freie, impondo ordem e limites na regência do
corpo social. O grande contorno ao redor das estrelas é amarelo, uma cor bem
presente neste óleo. Já, na parte superior do quadro, formas geométricas que
lembram holofotes iluminando os céus de uma Los Angeles em uma noite de gala na
première de um filme qualquer. O amarelo aqui beija o vermelho em uma
combinação vibrante e corajosa. Abaixo dos “holofotes”, uma faixa branca
horizontal de bordas arredondadas que abriga dois picos piramidais brancos,
como nas grandes pirâmides faraônicas, símbolos de inimaginável poder e
influência, servindo de alerta a quem subestima a extensão de poder de um faraó.
Cada pico abriga dois discos, muito parecidos com CD, com um sensual vazio no
meio, adquirindo utilidade, e cada disco abriga ilustrações difíceis de serem
definidas – parecem peças mecânicas com parafusos, num enigma do autor, numa
estranheza própria de artistas que trazem indagações e não respostas. Quem é
que sabe tudo? Nesta tela, Phillips traz constante dualidade, bipolaridade, e,
com exceção da águia, temos tudo em pares aqui: as estrelas, os leões, os picos,
os “CDs”. Do modo como as dualidades na vida e no mundo são inevitáveis, como
os olhos, as narinas, os mamilos, os pulmões, os rins et cetera. E os holofotes
rasgam os céus com seu formato fálico retilíneo, racional, direto e honesto, dando
evidência a um evento, na ilusão de que existe perfeição e plenitude em um
mundo tão duro e dolorido. A cultura de massa abraça esse perfume
hollywoodesco, e a Pop Art não se cansa de declarar seu amor a esses monstros
sagrados de alto calibre midiático. Abaixo da águia, uma tênue linha azul bebê,
na inocência de uma criança ou adolescente que tem os seus ídolos midiáticos,
seus deuses de veneração cultural. A faixa azul bebê é um rio retilíneo que
corta um vale profundo, veiculando a água da chuva que cai pelas montanhas que
cercam o vale. As penas da águia são cuidadosamente delineadas, claras,
definidas, num artista preocupado em transmitir uma mensagem clara. As garras
da águia são agressivas, prontas para caçar um rato ou uma cobra, no
hierárquico topo da cadeia alimentar, na agressividade dos grandes produtores e
profissionais de Cinema de Hollywood. As garras são pontiagudas como uma
pirâmide, como os espetos agressivos na roupa do personagem Panthro, do popular
desenho animado dos anos 80 Thundercats.
Referência
bibliográfica:
OSTERWOLD,
Tilman. Pop Art. Köln: Taschen, 2007
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