quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Artistas Populares da Pop Art (Parte 10)




            Falo sobre vários artistas da Pop Art. As análises semióticas a seguir são minhas e não do livro base de Osterwold, minha referência bibliográfica.

            Acima, Two Men in a Shower, ou seja, Dois Homens numa Ducha, um óleo sobre tela de David Hockney, de 1963. Aqui, o homoerotismo é inegável. A cortina de banho translúcida revela as cores do oceano, e a silhueta de um homem é sugerida, nunca declarada. Quase vemos o corpo totalmente nu de um homem que está prestes a entrar atrás da cortina. Ele é calvo e tem um bigode. Já, o homem atrás da cortina mal pode ser delineado ou revelado. Ao redor do quadro, um tom neutro de areia toma conta da cena, como na sensual beira do mar, no cheiro de mar, a mãe de toda a vida na Terra. A cortina de banho revela flores alvas e alaranjadas, que parecem ser pássaros voando em liberdade pelas orlas eternas dos mares terrenos. Os dois homens estão prestes a ter contato físico, mas tudo aqui é sugerido, nunca declarado. A careca do homem é a nudez sensual do tom de pele declarado pelas cores ao redor do box de banho. A sensualidade desta tela está sempre na sugestão, e nunca na declaração. David Hockney tem uma grande paixão pela água, pela sensual liquidiscência, e o banho torna-se um momento sensual de entrega e de erotização. O homem oculto pela cortina não está completamente oculto, e podemos ver a ponta de seu joelho escapar ligeiramente à cortina, trazendo uma nudez erótica, nunca revelando tudo por completo. Este é o fascínio de Hockney – sempre sugerir; nunca entregar completamente. Aqui, não há o sexual; só há o sensual, no poder da sugestão. Este é o bom gosto de Hockney, nunca entregando algo por completo, sempre apenas sugerindo. Aqui, não temos a declaração completa do físico, do sexual; temos a subjetividade. Hockney revela-se um mestre no processo de erotização, compreendendo que sexy é nunca entregar o jogo por completo. A cortina tremula sensualmente ao vento, e a água cai em seu fascínio liquidiscente, prazeroso, erótico, nunca sexual. A cortina sensual aqui pouco revela e muito sugere. São como ondas à beiramar, respirando entre altos e baixos, em toda a sugestão do mistério que é a vida. Aqui, viver é respirar. A cor arenosa predominante é a beiramar, e os pés pisam na areia deixando marcas por onde passam, tirando a intocabilidade das areia virginais. O vaivém das ondas lavam a areia e restauram a virgindade, fazendo com que as marcas dos pés desapareçam para sempre. A estampa da cortina são como gaivotas à beiramar, voando livres em seu voos eróticos de liberdade e realização. Aqui, a cortina tem um papel dúbio e contraditório, pois a cortina vem para revelar e ocultar, num jogo capcioso entre entrega e ocultação. O homem careca entra pela traseira do homem oculto, e temos aqui um coito sugerido, nunca explicitamente declarado. Emoldurando o homem careca, tempos um fundo branco, alvo, virginal e puro, num princípio de luz que vem a emoldurar o princípio erótico, marcando um momento d encontro e entrega. A cortina dança ao sabor da brisa, e o encontro sexual de Hockney nunca é completamente desvelado, e é dessa indefinição que vem o sabor sugestivo do artista. O homem ocultado pela cortina é disforme, e é impossível dizer como ele realmente é.É um corpo sem forma, em entrega a um momento de prazer. E as gaivotas brancas dançam ao sabor do vento da beiramar, e o prazer emana exatamente desta liberdade conferida ao cidadão americano. Podemos sentir o barulho da água caindo e do perfume do sabonete, e temos aqui um momento de entrega, de intimidade, e há um poder voyeur que nos permite enxergar através deste momento de intimidade e privacidade. Hockney entrega-nos um momento de prazer estuprador, invadindo um momento com o qual nada temos a ver. O homem oculto ergue um de seus joelhos, equilibrando-se em uma só perna, numa fragilidade erótica pronta para ser desestabilizada por qualquer vento à beiramar. Uma pontilha do homem oculto foge à cortina, como um Pão de Açúcar em sua monumentabilidade. Tudo nesta tela flui para o destino das águas de um rio. O homem quase revelado é careca, na sensualidade vazia da orla, uma folha em branco pronta para ser desvirginada e preenchida.

            Acima, First Tooth Paste Painting, ou seja, Primeira Pintura de Creme Dental, um óleo sobre tela de Derek Boshier, de 1962. A sociedade de consumo pensa nas necessidades das pessoas, e tanto a pasta de dente quanto a escova estão facilmente à disposição em uma farmácia ou um supermercado. Aqui, o azul predomina, como na água do banheiro. O creme dental sofre pressão e sai do tubo colorido, divertido, incentivando as crianças a cuidar dos dentes. A pasta parece um pirulito cândido, e tem uma forma espiral, anunciando algo. O branco e o vermelho fundem-se, resultando no quadro geral em um vermelho pastel, como um crepúsculo californiano cor de rosa, no mundo hollywoodesco da Pop Art. As cerdas da escova são pontiagudas, desenhadas para a higiene bucal, entrando em suave atrito com os dentes na sua missão abrasiva de limpeza e polimento. O consumo baseia-se aqui na necessidade de higiene, facilitando a missão de convencer as pessoas a adquirir este produto com perfume mentolado. Temos o momento de limpeza na intimidade do banheiro, e a umidade toma conta do lugar. A base das cerdas da escova é verde, como um vistoso gramado, vestindo vastos campos com roupas maravilhosas, majestosas, na beleza da vida ao ar livre. O tubo parece ser translúcido, e vemos duas figuras humanas dentro, sendo esmagadas: uma é branca com contorno negro, no poder de limpeza dos produtos de higiene; a outra, transparente, também com contorno negro. Por que eles estão sendo oprimidos e esmagados? Será porque a sociedade de consumo esmaga quem não tem dinheiro? Temos aqui um verdadeiro sacrifício humano, e as figuras humanas estão servindo de matéria prima para a fabricação do creme dental. Canibalismo. Na extremidade de saída do tubo, temos um afunilamento, uma opressão, um esguelamento, servindo de pressurização para a saída do produto. O furo do tubo é o centro de uma galáxia, em seu mistério esmagadoramente gravitacional. O que tem ali? Por que ali há tanto poder de atração? O furo é o ânus, expelindo as fezes e limpando o interior do corpo, das tripas. O furo é como uma estrela coruscante, absoluta em si, enigmática em sua beleza provedora. O tubo tem um formato de gravata, enforcando o homem no dia a dia espartano de trabalho no escritório, havendo após um momento de descontração no happy hour, quando a gravata é afrouxada e o pescoço vê-se livre das inevitáveis pressões do dia a dia. O azul anil traz um céu com nuvens mal intencionadas, anunciando que, dentro em breve, virá chuva. Este quadro revela umidade, no líquido essencial à vida que é a água. Sem água, não há higiene bucal. As figuras humanas remetem ao célebre desenho de Leonardo da Vinci do homem, no antropocentrismo que coloca o homem no centro do universo. Seria aqui uma homenagem a Leonardo? As cerdas da escova são como heróicos arranhacéus, desafiando as alturas e ampliando as ambições do ser humano capitalista, havendo uma concorrência: um prédio quer ser mais alto e fálico do que o outro, do modo como plantas lutam entre si numa floresta por um lugar ao Sol. E a base verde ecológica embasa os prédios, numa cidade sustentável, metafísica. As figuras humanas estão agitadas, dançando loucamente, abaladas pela pressão que sofrem dentro do tubo. O tubo é o canal da vida pelo qual todos nascemos e para o qual retornaremos um dia, retornado à fonte. É o canal natal, e Maria dá à luz o Salvador. As figuras humanas parecem estar em plena queda em um precipício, sem previsão de que um dia tocarão o chão, a base, a referência existencial de identidade. Aqui, o ser humano serve de escravo em um sistema excludente, na dureza da vida. As cerdas são como dentes enfileirados impecavelmente higienizados, em dentes que precisam durar por toda a vida da pessoa. Será que as figuras humanas são a mesma pessoa, só que desfocada em confusa miopia? A prostituta vê-se como um produto em uma gôndola de supermercado, à disposição por dinheiro. A ironia é a de que Boshier lembra brush, que é escova em inglês; e que Derek lembra dente. Os elementos aqui estão em harmonia uns com os outros, e quadro fotografa um breve momento de rotina de higiene.

            Acima, Kennst Du das Land, ou seja, Conheces este País, um óleo sobre tela de R. B. Kitaj, de 1962. Os traços são trêmulos, incertos e minimalistas, na pureza de um desenho de criança, como de Basquiat. Dois círculos amarelos como o Sol entram na cena, como Aton, o deus uno egípcio do disco solar. A impressão que se tem é de que se trata de um terreno nevado, na prazerosa brincadeira de andar pela neve e brincar de guerra de bolas de neve, como o personagem central de Cidadão Kane, nas doces memórias de infância brincando em um trenó na neve. Pois a infância é tão simples e tão feliz. Mas aqui há guerra, pois as figuras humanas estão manejando grandes armas de fogo, preparando-se para atirar, ou talvez estejam numa inocente brincadeira de Paint Ball. Mais ou menos ao centro deste óleo sobre tela, uma cereja esmagada, talvez oprimida pelos terríveis episódios bélicos, os quais carecem de beleza e de paz, é claro. Os homens estão concentrados em sua missão bélica, e não dão atenção a nada que não for relativo ao conflito – há um belo terreno nevado ao redor, mas os homens não estão com humor para brincadeiras. Inferno astral é isso; é ter tudo de bom ao redor mas não conseguir desfrutar. Ao lado de um dos círculos amarelos, que parecem moedas de ouro (de tolo), um distintivo, um escudo de identidade, talvez relativo a forças armadas de algum país, e no escudo podemos ver a linha do oceano azul marinho e um céu azul acima; vemos uma base vermelha como o sangue derramado nos conflitos; vemos o que parece ser uma garrafa de vinho, derramando o vinho tinto como o sangue de Jesus. Vemos também o contorno de dois carros, talvez de propriedade dos homens, que estacionaram na neve e se dirigiram às armas do conflito. Os carros têm um design antigo, e são delineados por poucas linhas delgadas, como no trabalho célebre de Oscar Niemayer em Brasília, nos traço genial que crê que há força na simplicidade. Está sangrando a mão de um dos homens que maneja a arma de fogo, do modo como quem mata um irmão nada mais faz do que ensanguentar as próprias mãos. É como no conflito entre Caim e Abel, ou no momento em que a rainha inglesa Mary Tudor nega-se a assinar a sentença de morte de sua irmã Elizabeth. Nesta tela, há um subconjunto, um retângulo na parte superior. Neste retângulo, vemos duas formas incertas amareladas, abrigando desenhos escuros que parecem óculos escuros de Sol, ou uma máscara de carnaval, ou olhos de alienígenas prontos para abduzir alguém; vemos um fino desenho de uma figura feminina, uma mulher erguendo a saia e revelando uma bela perna, talvez querendo seduzir alguém, ou pedindo uma carona na beira da estrada, num desenho com traços delgados que remetem aos desenhos célebres de Leonardo da Vinci. Por que a mulher está se desnudando? Estará ela preparando-se para banhar-se? Aqui, os poucos traços dão conta do recado, e o talento revela-se na simplicidade, na clareza de transmissão de uma mensagem. Na extrema direita – fascismo ou nazismo? –, uma forma que parece os olhos de um alienígena, em meio a uma forma azul que parece um vale fecundo, com um rio que nutre represas e hidrata as pessoas. Acima do “vale”, formas que parecem ser frutas em uma fruteira, expostas na calçada ou dispostas na casa do consumidor, trazendo aconchego a um lar com frutas prontas para serem deliciadas, multicoloridas, frescas e saudáveis. Na extrema esquerda – comunismo? –, uma linha sinuosa muito delgada e discreta, lembrando a forma de uma serpente, caminhando sensualmente pelas areias do deserto, sobrevivendo a condições extremas de radiação solar e de baixa umidade relativa do ar. A serpente, símbolo de fertilidade na Antiguidade, está aqui com qual função? E por que tão discreta, quase invisível? Estariam os homens querendo caçá-la? A serpente caminha pelo quadro absolutamente alheia a tudo que aparece no mesmo quadro, cuidando de sua própria existência, transitando sem se importar com os limites e os elementos essenciais desta tela. A natureza segue seu fluxo instintivo. E a serpente anda pela neve divertindo-se, muito mais feliz do que os homens que manejam armas letais, violentas e sanguinárias. A beleza do inverno revela-se, e a neve parece ser deliciosa como um merengue, um chantilly ou uma cobertura de açúcar. De todos os homens, há apenas um com a cara pintada, talvez uma exceção no grupo, talvez alguém que, no fundo, não gosta de guerras.

            Acima, Good News for Incunabulists, ou seja, Boas Notícias para Incunabulistas, um óleo sobre tela de R. B. Kitaj, de 1962. No centro do quadro, um senhor idoso de cor amarela, como se estivesse doente. Ele observa algo bem atentamente, mas o quê? Um cigarro repousa atrás de sua orelha, escravizando-o no ciclo vicioso, causando uma lamentável dependência química, da qual é muito difícil se safar. O senhor parece contemplar uma orla, com pedras embasadas por areia e um céu azul abrigando a cena. Ao lado da face do senhor, um elemento que parece um cachimbo, ou uma concha, ou um sarcófago egípcio com a múmia curvando-se sobre si mesma. As ondas beijam violentamente as pedras, e podemos ouvir o som do mar à beira. Acima do céu azul, uma mão com o dedo indicador dizendo “não”, talvez negando o prazer de se curtir a beiramar, havendo uma abstinência, uma privação, uma culpa católica em relação aos prazeres dos sete pecados capitais. Atrás da mão, uma figura facial de uma mulher alaranjada, com um chapéu sobre a cabeça, e sobre ele uma flor violeta, ornamental, feminina, elegante. Acima do senhor, uma estrutura arquitetônica que remete intensamente a Oscar Niemayer, na pureza de traços que conferem leveza ao conjunto, com prédios de espaços grandiosos pois, já ouvi dizer, Brasília é demasiadamente grandiosa. Na base deste prédio, curvas que parecem o Pão de Açúcar do Rio de Janeiro, na sensualidade geológica das grandes paisagens naturais cariocas, com curvas femininas voluptuosas como a Garota de Ipanema. Na parte superior do quadro predomina o escuro, como uma cidade que dorme à noite, com um céu negro misterioso, embalando o sono de quem dorme à noite. Só que, aqui, o céu noturno carece da Lua e das estrelas, como se estivesse encoberto pelas roupas do céu nebuloso. O senhor veste um elegante traje branco, como um malandro carioca, e sua camisa é também branca; sua gravata, roxa ou lilás. Abaixo do senhor uma máquina de escrever, algo tido como antiguidade pelas gerações mais jovens de hoje. Na máquina, o aparelho está ocioso, e a folha está em virginal branco, esperando para ser maculada pelas teclas. Por todo o quadro, há linhas retas e oblíquas, mas nunca curvilíneas. As linhas estão soltas como peixes em um açude. Há um acúmulo destas linhas na parte mais inferior do quadro, e as linhas são de diversas cores. Por que tantas linhas soltas viajando pelo quadro? Seriam elas uma tentativa de geometrizar e matematicar as incertezas da existência do senhor amarelo? As linhas, quando aglomeradas, lembram a antiga escrita cuneiforme, num código hermético, só podendo ser desvendado por grandes mentes pesquisadoras. A espuma branca do mar e a máquina de escrever entram em harmonia cromática com o terno do senhor e com o cigarro deste; outros pontos, tendem para tons de azul e cinza. As linhas retas querem impor limites e ordem, opondo-se radicalmente ao caos natural das revoltosas ondas à beiramar, como no filme Interiores de Woody Allen, no qual uma personagem entra em um mar revolto para cometer suicídio. A mente do suicida está em caos e desordem, e as linhas retas são o pensamento lógico e racional tentando fazer a imposição de ordem ao caos suicida. Abaixo do mar, uma figura confusa que parece ser a de duas pessoas abraçando-se, no poder divino da concórdia, do amor e da amizade. A parte inferior do quadro é como uma grande mesa de trabalho na qual o senhor labora escrevendo, produzindo, dando asas à própria imaginação. No prédio niemayeresco, fortes colunas sustentam a estrutura, do mesmo modo como o senhor sustenta pensamentos na folha de papel.

            Acima, Lions versus Eagle, ou seja, Leões versus Águia, um óleo sobre tela de Peter Phillips, de 1962. Símbolo dos EUA, a águia revela-se invencível, fazendo um voo com a potência de um grande Airbus, como o avião Air Force One presidencial. A águia é séria e tem um objetivo muito definido. A águia sabe o que quer e para onde vai, e sua mente está objetivada, quase obcecada. Suas grandes asas abrem-se, e uma majestosa beleza viril é revelada. Ao lado da águia há um círculo com a face de dois leões idênticos, como no leão símbolo dos estúdios de cinema MGM, na agressividade do rei da selva, uma face que remete a um Sol esfuziante, forte, que inunda de majestade terras inteiras. É a cor do ouro, o metal da riqueza de um país. E por que dois leões e não apenas um? Os leões, como diz o título deste óleo sobre tela de Phillips, estão em conflito com a águia, talvez competindo pela supremacia da selva ou da América. Ao fundo dos animais, um fundo verde acinzentado, um tom sofisticado, incomum, no popularmente chamado “cor de burro quando foge”. Os leões são emoldurados por um fundo rosa pastel, na candura de um sorvete de morango. Na parte inferior do quadro, duas estrelas que abrigam uma informação óbvia, ou seja, a palavra estrela. As estrelas são irmãs, e o firmamento do céu da América exibe várias estrelas em uma bandeira, pois a Pop Art adora o apaixonado nacionalismo norteamericano. Ambas as estrelas estão emolduradas por um fundo branco, que traz respiro a um quadro tão saturado cromaticamente. As estrelas são delineadas por uma fina linha negra. A estrela da esquerda é amarela como a juba do leão regente, emoldurada por uma grossa linha azul como um céu de brigadeiro; a estrela da direita, do mesmo tom verde acinzentado mencionado acima, tem uma moldura escarlate, que chama a atenção, como uma placa de trânsito ou um semáforo alertando para que o motorista freie, impondo ordem e limites na regência do corpo social. O grande contorno ao redor das estrelas é amarelo, uma cor bem presente neste óleo. Já, na parte superior do quadro, formas geométricas que lembram holofotes iluminando os céus de uma Los Angeles em uma noite de gala na première de um filme qualquer. O amarelo aqui beija o vermelho em uma combinação vibrante e corajosa. Abaixo dos “holofotes”, uma faixa branca horizontal de bordas arredondadas que abriga dois picos piramidais brancos, como nas grandes pirâmides faraônicas, símbolos de inimaginável poder e influência, servindo de alerta a quem subestima a extensão de poder de um faraó. Cada pico abriga dois discos, muito parecidos com CD, com um sensual vazio no meio, adquirindo utilidade, e cada disco abriga ilustrações difíceis de serem definidas – parecem peças mecânicas com parafusos, num enigma do autor, numa estranheza própria de artistas que trazem indagações e não respostas. Quem é que sabe tudo? Nesta tela, Phillips traz constante dualidade, bipolaridade, e, com exceção da águia, temos tudo em pares aqui: as estrelas, os leões, os picos, os “CDs”. Do modo como as dualidades na vida e no mundo são inevitáveis, como os olhos, as narinas, os mamilos, os pulmões, os rins et cetera. E os holofotes rasgam os céus com seu formato fálico retilíneo, racional, direto e honesto, dando evidência a um evento, na ilusão de que existe perfeição e plenitude em um mundo tão duro e dolorido. A cultura de massa abraça esse perfume hollywoodesco, e a Pop Art não se cansa de declarar seu amor a esses monstros sagrados de alto calibre midiático. Abaixo da águia, uma tênue linha azul bebê, na inocência de uma criança ou adolescente que tem os seus ídolos midiáticos, seus deuses de veneração cultural. A faixa azul bebê é um rio retilíneo que corta um vale profundo, veiculando a água da chuva que cai pelas montanhas que cercam o vale. As penas da águia são cuidadosamente delineadas, claras, definidas, num artista preocupado em transmitir uma mensagem clara. As garras da águia são agressivas, prontas para caçar um rato ou uma cobra, no hierárquico topo da cadeia alimentar, na agressividade dos grandes produtores e profissionais de Cinema de Hollywood. As garras são pontiagudas como uma pirâmide, como os espetos agressivos na roupa do personagem Panthro, do popular desenho animado dos anos 80 Thundercats.

Referência bibliográfica:
OSTERWOLD, Tilman. Pop Art. Köln: Taschen, 2007

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