Falo sobre vários artistas da Pop
Art. As análises semióticas a seguir são minhas e não do livro base de
Osterwold, minha referência bibliográfica.
Acima, Custom
Painting, ou seja, Pintura
Customizada, um óleo sobre tela de Peter Phillips, de 1965. Com três metros
de comprimento, o quadro traz as sensuais pernas rosas de uma mulher
extrapolando divertidamente os limites do quadro, trazendo uma subversão, do
mesmo modo como vemos um pé de um diabo extrapolando o enquadramento da cena no
Juízo Final de Aldo Locatelli, em
Caxias do Sul. Phillips traz aqui sua paixão pelas cores, na alegria da Pop
Art. O fundo é de um amarelo solar, embasando uma desordem proposital, uma
bagunça gostosa, como numa festa. A mulher, em preto e branco, contrastando com
a meia calça colorida, está com um seio nu, numa beleza de seio exposto. Sua
pele é perfeita e sequer tem um poro. Ela usa uma faixa branca sobre os
cabelos, que estão desarrumados, esvoaçando. Ela olha para o espectador, desafiando-o,
encarando-o, provocando-o. Vemos um tabuleiro similar a um de xadrez, mas aqui
não há a intercalação entre quadrados brancos e pretos do jogo, mas uma
igualdade gráfica entre cada quadrado, como num frio piso de cerâmica ou
azulejos num banheiro. A ausência cromática une-se à mulher, e sua cintura é
fina, perfeita, invejável. A mulher está no auge de sua forma. Acima dela,
agressivas engrenagens industriais, num sistema complexo, também em preto e
branco, que tem uma missão, um objetivo, um norte, uma razão para viver. As
engrenagens parecem de fato estar mexendo-se, ameaçando ferir a mulher e
absorvê-la, sugá-la para dentro das entranhas industriais que tanto fascinam a
Pop Art, como na Revolução Industrial. Há faixas azuis tensas e oblíquas, ocultando
um pouco a mulher e as engrenagens. As linhas azuis parecem ser o padrão
estético dos anos 80, década que rejeitou as formas arredondadas dos anos 70 e
que adotou linhas que lembram um choque, um raio de tempestade, numa
agressividade geométrica, na gíria chocante
da época. Mas este quadro de Phillips traz um pouco do colorido dos anos 80,
uma década muito jovial. Vemos um octógono alaranjado, como uma laranja
quadriculada, como num ringue de algum tipo de arte marcial, num artista que
sabe que, para vencer, este mesmo artista precisa ser bom, competente. O
octógono parece o enigmático hexágono luminoso no pólo norte de Saturno,
desafiando os cientistas nos mistérios que formaram a Terra e a Humanidade.
Vemos uma espécie de arcoíris bicolor, só com faixas verdes e vermelhas,
contorcendo-se sensualmente em linhas arredondadas, cruzando o quadro de ponta
aponta, como uma pista de autorama, com carros concorrendo para ver quem é o
melhor, na competitividade inevitável do mundo. O arcoíris é como um til, acentuando
palavras, no complexo tom anasalado da Língua Portuguesa. Vemos a parte de um
belo carro retrô chegando, estacionando no quadro, querendo seduzir a mulher,
atraindo-a com luxo e dinheiro. É um jogo de sedução. As engrenagens revelam as
entranhas do funcionamento do carro, numa potência industrial, pujante como um
parque industrial próspero. Na placa do carro vemos a palavra special, ou seja, especial, do modo como o homem, para seduzir a mulher, tem que
tratá-la como se ela fosse especial como uma princesa, uma rainha,
respaldando-a, sustentando-a, no machismo da prostituição. E vemos também um
elemento muito estranho e indecifrável, uma forma fálica com desenhos
geométricos estranhos, como linhas pontilhadas. Seria uma peça que compõe o
carro? Qual seu propósito e sua utilidade? Qual o seu papel nesta obra de
Phillips? Por que o artista traz-nos algo tão difícil de compreender? As obras
de Arte estranhas acabam por se revelar interessantes e apaixonantes,
rechaçando o óbvio, a monotonia. Neste quadro tudo dança em um só ritmo. A
mulher calça sapatos de salto altíssimo, como se estivesse batendo perna de
salto alto, num sacrifício doloroso em nome da beleza e da elegância, numa
privação facultativa. O salto a sustenta em um patamar elevado, sendo este
representado pelo carro.
Acima, Perfect Match, ou seja, Parceira
Perfeita, um óleo sobre tela em três partes de Allen Jones, de 1966-67. Uma
voluptuosa mulher revela-se em um quadro de predominância rubra, na cor do
desejo e do sexo. Ela é alta, com quase três metros de altura. Seus seios estão
no auge, praticamente mirando para o céu. São seios perfeitos, imunes a
críticas ou rejeições. Sua cintura é afunilada, mostrando glúteos deliciosos,
na medida certa. Ela usa uma saia insinuante como a famosa saia branca
esvoaçante de Marilyn Monroe, sendo esta uma espécie de musa da Pop Art –
artista inspirando artista. A saia da mulher é bem justa, bem acima dos
joelhos, e tem uma certa e perturbadora transparência, revelando a silhueta das
coxas. Suas pernas foram pintadas para dar a impressão de movimento, de
caminhada – vemos aqui mais de duas pernas nessa ilusão de ótica. A mulher
equilibra-se sobre dois frágeis pés de bailarina, e parece estar usando
sapatilhas. É como se estivesse usando um salto invisível, muito alto e
desconfortável, na dor da beleza. Este óleo sobre tela de Allen Jones é bem
colorido, pois, além do vermelho, vemos laranja, amarelo e verde. Uma das
pernas da mulher é escura, destacando-se com uma meia calça, mostrando que,
para aparecer, é preciso desaparecer, na contradição filosófica taoista – menos
é mais. O corpo da mulher é delineado por finos traços pretos, definindo um
corpo tentador, digno de ser exposto e admirado pois, já ouvi dizer, é natural
a pessoa sarada querer mostrar o próprio corpo, mostrar o empenho de seu
esforço e de sua privação espartana de exercícios e dieta. Esta mulher é uma
garota de Ipanema, digna de render inspiração poética de um poeta introvertido
e tímido. A boca da mulher está discreta, quase fundindo-se com a cor do
restante do rosto. O pescoço é de um tom levemente mais escuro do que o tom da
face, mostrando um pescoço discreto, com um leve sombreamento à direita. E por
que o artista não nos revela o rosto dela totalmente? Seria uma intenção de
striptease, na qual esconder é excitar? A parceira perfeita é uma mulher sem
defeitos, idealizada, muito distante dos inevitáveis defeitos das pessoas. O
poeta tem uma paixão platônica em relação à garota de Ipanema, e observa-a à
distância, sem de fato conhecê-la ou relacionar-se com ela. Existe aqui um
fascínio pelo distanciamento, do mesmo modo que um gramado de campo de futebol
parece ser perfeito e imaculado se observado de longe. O cabelo da mulher é
negro como a asa da graúna, e está perfeitamente modelado, sem um fio fora do
lugar, em formas arredondadas livres de arestas ou defeitos, sem vicissitudes
para serem observadas e vencidas pela luta da vida. A mulher é um ser
fabricado, como na clássica comédia dos anos 80 Uma Mulher Nota Mil, na qual uma mulher perfeita é criada por dois
rapazes adolescentes. Aqui, a mulher é fabricada, na idealização ao redor da
indígena Iracema, com hálito de baunilha, na sensualidade da marca Victoria´s
Secret, que vende artigos sofisticados e sensuais às clientes, como lingeries
tentadoramente frágeis. O cabelo da parceira ideal de Jones tem discretas
mechas roxas, e por quê? Uma parte da coxa também puxa para o roxo. O roxo é
uma cor sensual, limpa e perfumada. Aqui, podemos sentir um perfume feminino no
ar. Os bicos dos seios são pequenos, minimalistas, como se o corpo da mulher
tivesse sido esculpido em pedra, fazendo com que o artista tirasse da pedra
tudo o que não fosse uma linda mulher. Na metade inferior do quadro, uma
explosão solar de dourado, iluminando as pernas da mulher, trazendo riqueza e
prosperidade, como um homem decidido a cobrir a mulher de joias e presentes
caros, mimando-a, seduzindo-a com dinheiro. Na extremidade inferior, vemos
verde, da cor de palmeiras que farfalham calmamente em uma brisa amena,
trazendo serenidade e prazer de calmaria. Existe algo melhor do que fazer as
coisas com calma? Este quadro é bem retangular e elegante, alto, esguio,
acompanhando quase toda a estatura da modelo, na elegância de um prédio bem
alto, imponente e majestoso. A metade superior do rosto permanece um mistério,
como houvesse receio em expor a mulher por completo, como em uma crise de
ciúmes e de sentimento de possessão. A mulher é indomável e pertence a si
própria.
Acima, Something Like Sisters, ou seja, Algo Parecido com Irmãs, um óleo sobre tela de Allen Jones, de
1962. As aludidas duas irmãs aqui estão desenhadas com traços elementares,
premeditadamente infantis – não parece que a tela foi feita por um adulto. Na
parte superior, há três sóis, como no cinturão de Órion, como em um sistema
solar complexo, estranho, alienígena. Mas os sóis são um tanto diferentes uns
dos outros: um é só amarelo, o outro tem dois círculos e o outro tem um só
círculo emoldurado por um sobrecírculo cinzento, e aqui os sóis são como irmãs
que, apesar de terem o mesmo pai e a mesma mãe, são diferentes uns dos outros,
na busca por identidade e individualidade. A cor branca, de lacuna cromática,
tem um certo destaque aqui, como em um dia encoberto, com luz difusa, onde o
Sol não tem um papel muito marcante; tem um papel sutil. As duas figuras
humanas que remetem às irmãs têm traços bem incertos, e quase não dá para ver
que se tratam de figuras humanas. A da esquerda parece ter calvície, com um
espaço entre as mechas de cabelo, parecendo vestir um pé de meia sobre o corpo.
Sua boca está fechada, com um marcante batom vermelho. Sua pele alaranjada
mistura-se ao plano de fundo, num laranja muito presente na tela toda, como
numa colorida aurora, anunciando com beleza e majestade um novo dia. Seus olhos
são dois traços borrados, com um discreto padrão de listras. O que são as
listras? São barras de ferro de uma prisão? A irmã aqui sente-se presa a algo
ou alguém? Não se sabe. E sua calvície é como um aeroporto, útil exatamente por
ser vazio, como uma pessoa produtiva, que produz algo, na sensação de dignidade
que acomete os dignos. Em seu pescoço, mais listras, e a cor verde é bem
presente na tela toda, como mato brotando espontaneamente, fortemente entre fissuras
no asfalto e no concreto, na inevitabilidade da vida, da força da vital que
preenche o ser vivo. Uma de suas listras é negra, como se estivesse de luto por
alguém da família, talvez por uma terceira irmã, que não está presente na tela.
Na tela há várias linhas retas, em contraste com as formas sugestivas e
borradas do restante do trabalho. Curvas versus retas, numa dualidade charmosa.
Já, a irmã da direita parece ter um gorro na cabeça, e seu cabelo ruivo é um
tom mais escuro do que a irmã. A da direita está com a boca entreaberta, como
se estivesse falando algo. Seu batom também é vermelho. Acima de seus olhos,
várias estrelinhas, de vários tamanhos, como numa paisagem espacial, em
constelações ricas em
diversidade. As estrelas revelam uma personagem sonhadora,
eternamente buscando beleza no caos da existência. As estrelas são mágicas,
como de uma fada cintilante, brilhando como o sapatinho de cristal de
Cinderela. O gorro é verde como na fertilidade de um gramado bem regado. Ela
usa uma echarpe listrada e, por cima, um casaco negro, como o céu noturno em
uma noite encoberta, sonegando o brilho das estrelas sonhadoras, idealizadoras,
como ideias a serviço da criatividade artística – todo artista sonha. Ao redor
da irmã da direita há borrões de várias cores: laranja, amarelo escuro, azul cinzento
e verde escuro. Na parte inferior do quadro, as linhas retas formam uma espécie
de avenida, pela qual não há tráfego; há paz. É uma cidade tranquila, com a
quietude de uma cidadezinha de interior. Aqui, Allen Jones traz-nos paz, e as
irmãs estão em concordância uma com a outra, apesar das inevitáveis diferenças,
visto que cada ser humano é dotado de individualidade, cada pessoa sendo única
– somos iguais e somos diferentes. A avenida está vazia, mas pronta para
receber qualquer tráfego, abrigando a vida em sociedade e as necessidades
diárias de qualquer lugar. A irmã da direita tem algo parecido com uma mão, que
parece abrigar quarteirões de uma cidade, e quase podemos ler algo aqui, neste
subconjunto, nessa realidade parcial. E as ruas e avenidas revelam-se em sua
dignidade, abrigando o vaivém frenético da vida cotidiana.
Acima, The Last of the Idols, ou seja, O
Último dos Ídolos, um alumínio e pintura a óleo de Eduardo Paolozzi, de 1963. A estrutura parece um
totem, na veneração fetichista do produto na gôndola do supermercado. É como um
Empire State Building, escalado pelo imperialista rei King Kong, lutando contra
aviões, que frente ao monstro são apenas moscas. O formato é como uma agressiva
seringa, pronta para perfurar e violar uma nádega virginal. É um design
futurista, ousado, estranho e vibrante. Há quatro quadrados amarelos que
parecem as janelas deste prédio, emanando a reconfortante luz solar, que rega a
vida na Terra. Na parte inferior, uma roda responsável por manter tudo
funcionando e girando, na demanda industrial que tanto fascina a Pop Art. Aqui,
as cores são primárias: azul, verde, vermelho e amarelo, numa candura infantil,
como se o objeto fosse uma espécie de brinquedo embrulhado como presente de
Natal. Parece um soldadinho de chumbo, em guarda, atento, guardando um castelo
solitariamente. A extremidade superior parece a futurista residência do desenho
Os Jetsons, que nos mostra como é a
vida no futuro da Humanidade. Logo abaixo, círculos concêntricos, como uma gota
caindo n’água, perturbando a paz da quietude. Os círculos são como faixas de
música em um disco de vinil, e cada faixa tem um sabor próprio e uma cor
característica, num LP de um artista que quer fazer diversas coisas. O centro é
de um plácido azul, nas cores de Iemanjá, a Mãe das Águas, abençoando os
navegantes e dando-lhes fartura nas redes de pesca, com muitos peixes debatendo
quando estes entram em contato com o ar, como no milagre de Jesus Cristo na
multiplicação dos pães e dos peixes, trazendo fartura na cornucópia da ceia de
Natal, pois Tao é isto – uma mesa farta, como nas fartas galeterias, com a
comida sendo reposta na mesa até que o cliente diga chega. A estrutura toda deste totem parece funcionar de alguma forma,
com um objetivo desconhecido, tentando produzir algo para ser vendido em uma
estratégia de Marketing. A imaginação de Paolozzi toma corpo aqui, e tudo tem
um tom divertido, recreativo, com muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo,
entretendo as crianças e fazendo-as crescer em suas percepções emocionais e
instintivas. Os círculos concêntricos são a energia solar emanando como ondas
de rádio, espalhando um sinal de música, esporte e notícia para quem possui um
aparelho de rádio. E as ondas de rádio extrapolam o planeta Terra e suas
repercussões viajam pelo cosmos, talvez com nossas canções sendo ouvidas por
civilizações alienígenas. Uau! O topo do totem é uma antena de Rádio ou TV,
espraiando mensagens que provam como o ser humano evoluiu desde a Idade da
Pedra. O totem é um cândido pirulito, com cores divertidas e deliciosas,
tornando-se objeto de desejo entre os infantes. A sisuda base negra é o único
elemento que destoa um tanto do restante, do conjunto. Logo acima, duas
“fatias” de pão redondo que encarregam-se de dar o suporte secundário, sendo
que essas fatias, sim, entram no tom geral deste trabalho tão inusitado e
original. Como será que esta obra é pelo lado de trás? Será que foi feita para
ser apreciada em todos os ângulos? Será qual surpresa nos espera se formos ver
o que há atrás? É como um Davi de Michelangelo, só podendo ser apreciado de
frente, assim como a Pietà do mesmo autor. O topo do totem parece os antigos
microfones na era áurea do Rádio, o que hoje é considerado um charme retrô.
Abaixo das “janelas” amarelas, estruturas em vermelho que lembram colunas de
algum suntuoso templo antigo, sendo egípcio, grego ou algo que o valha. A roda
na parte inferior tem o formato de estrela, com cinco pontas, como uma estrela
do mar, fascinando biólogos. A estrela é Paolozzi, que brilha como um dos
grandes da Pop Art. A pessoa brilhante fascina o mundo, e é tida como fenômeno,
pois, diz o Espiritismo, quando menos ambições e pretensões uma pessoa tiver,
mais a mesma pessoa vai brilhar. É o enigma da existência, o qual cada pessoa
tem que desvendar por si mesma. O ídolo aqui aludido é a magia do totem
cultuado pelos indígenas, cultuando as forças da natureza. E ele é o último, como
os indígenas foram dizimados.
Acima, A-Z a Contributive Picture, ou seja, A-Z um Quadro Composto, uma construção em madeira pintada de Joe Tilson,
de 1963. É como numa pré-escola, onde as crianças familiarizam-se com as letras
do alfabeto. Tilson dá uma de marceneiro, e pega martelo e madeira para trazer
essa espécie de prateleira cheia de objetos e memórias. Na parte de cima da
obra, as letras garrafais que delineiam os extremos do alfabeto, em uma
bipolaridade, numa latência, mostrando o melhor e o pior, trazendo um titânico
contraste. As duas letras estão envoltas em uma forma que parece ser uma
explosão, como na explosão ilustrativa das embalagens do sabão em pó Omo, numa mãe atenciosa
que deixa tudo impecável dentro de casa, deixando a roupa limpa e perfumada,
como na atenciosa professora de pré-escola, a qual lança mão de muita paciência
para despertar nos alunos o interesse pela alfabetização. As letras A e Z
explodem furtivamente, dando às crianças a noção de que há o bom e de que há o
não tão bom, estimulando o senso crítico e o discernimento entre certo e
errado. As prateleiras lembram o estilo inconfundível do célebre mestre Piet
Mondrian, e a simetria aqui é descartada, pois há desalinho entre prateleiras
grandes e pequenas; quadradas e retangulares. As letras das prateleiras foram
cuidadosamente esculpidas, fazendo com que o espectador volte à própria
infância e sinta novamente o gosto de ser uma inocente criança, recém começando
a aprender as lições da escola e da vida, pois a criança é muito espontânea.
Como em várias obras de arte da Pop Art, aqui há uma certa estranheza, e nem
tudo podemos ver explicitamente, em mistérios herméticos, num artista que se
permite ousar na estranheza. Acima da letra P, um picolé de laranja mordido, irresistível
em um dia de verão; acima da letra Q, um ponto de interrogação, na questão
sendo perguntada, não havendo aqui uma resposta; acima da letra S, uma forma
que parece ser um tubo, um cano, como um túnel que liga extremidades; as letras
N e O estão praticamente desaparecidas, envoltas em profundo negror, como num
luto profundo ou numa depressão inescapável; acima da letra Z, uma pirâmide
multicolorida, com cores divertidas, parecendo peças montadas por uma criança,
numa noção de hierarquia piramidal egípcia, onde uns estão abaixo e outros
estão acima, como na hierarquia militar; acima da letra D, uma mulher de
perfil, com cabelos vermelhos e azuis e seio das mesmas cores, estando imóvel e
envolta por traços que formam um semicírculo, talvez como em horas em um
relógio, marcando o tempo na linha da existência; acima da letra T, um enorme T
vermelho, como num entroncamento entre grandes avenidas, na demanda frenética
de uma grande cidade; acima das letras G, U e V, nada, apenas espaços em
branco, algo muito bom e pertinente em uma obra tão complexa e cheia de
detalhes, fazendo das alvas lacunas um intervalo, um alívio, uma minimalização,
entrando em harmonia com a cor clara das letras A e Z na parte superior da obra;
acima da letra E, uma roda de carroça, na grande invenção revolucionária da
Humanidade que foi a roda, quando o ser humano parou de sofrer tanto para
locomover cargas; acima da letra L, algo que parece ser uma banana podre,
imprópria para o consumo, trazendo feiura, morte e pestilência, virando uma
espécie de patinho feio em meio às outras letras; a letra J é privilegiada,
pois tem acima de si quatro quadros, sendo que dois deles trazem enforcadoras e
sufocantes gravatas envoltas em pescoços tensos, um terceiro quadro traz pintas
vermelhas em meio ao amarelo, como numa doença como sarampo ou como pintas numa
onça, e o quarto quadro traz forma estranhas, que parecem ser peças de
marceneiro; a letra X está bem discreta acima do Y, e a letra W também está
“camuflada”, tendo acima de si misteriosos quadros negros; acima da letra H, o
verso de uma tela de pintura, mostrando os bastidores, o que acontece por trás
das cortinas, revelando a feiura e lembrando uma ratoeira aberta, esperando
pacienciosamente por um rato que caia na armadilha, como um ator quer
“capturar” o público. Esta obra de Tilson convida a uma apreciação longa e
demorada, sempre revelando algo novo.
Referência
bibliográfica:
OSTERWOLD,
Tilman. Pop Art. Köln: Taschen, 2007
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