quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Artistas Populares da Pop Art (Parte 9)




            Falo sobre vários artistas da Pop Art. As análises semióticas a seguir são minhas e não do livro base de Osterwold, minha referência bibliográfica.

            Acima, I Was a Rich Man’s Plaything, ou seja, Fui o Brinquedo de um Homem Rico, uma colagem sobre papel de Eduardo Paolozzi, de 1947, um precursor da Pop Art, movimento que floresceu completamente só nos anos 60. O mundo ainda se recuperava da II Guerra Mundial, e a mulher aqui tem bem o visual dos anos 40. É uma Lolita, numa pose sedutora, revelando pernas parcialmente cobertas por uma meia-calça preta, sentada e tendo seu vestido arregaçado, insinuante. A alça do vestido é fininha e tentadoramente frágil, estando por um fio, e a mulher está a um passo de ficar nua e de revelar mais coisas. Seu cabelo negro cacheado é a moda da época, e suas sobrancelhas são extremamente fininhas, quase imperceptíveis, delicadas. Seus sapatos são elegantes, e o salto representa uma diferenciação, um nível acima, numa mulher que quer casar com um homem que a coloque num trono, amando-a e respeitando-a. Suas unhas vermelhas combinam com o vestido e o batom, e aqui a cor vermelha é o tom da sedução, como sangue pulsante, circulando por um organismo vivo, tentando um vampiro. A mulher está sentada sobre uma almofada negra, estando respaldada e amparada, como um marido que provém tudo a um lar. Ao lado da mulher, uma tentadora cereja rubra, na cor do pecado do pomo do Éden, numa cor que combina com o anúncio de Coca-Cola na colagem. Contra a mulher é dado um misógino tiro de revólver, humilhando a mulher e ceifando-lhe a vida, e a fálica arma é segurada por uma mão de homem, na agressividade da sociedade patriarcal. O avião é a liberdade, numa máquina que ajudou a vencer a guerra e a restabelecer a paz e a liberdade das nações que lutaram contra o nazifascismo. Keep ‘em flying!, ou seja, Mantenha-os voando!, diz o slogan. O avião é o pênis, livre e solto para alçar os voos que quiser alçar, fugindo da prisão uterina, representada pela mulher. O erotismo das confissões íntimas, na busca pela verdade. E o pop da arma é a pipoca estourando, na onda colossal que foi a Pop Art, como um tiro de canhão. O texto abaixo da arma fala de uma prostituta, uma amante, uma filha do pecado, um objeto sexual, uma mulher das ruas, como no envolvente filme Uma Linda Mulher. Há a etiqueta dizendo Real Gold, ou seja, Ouro Verdadeiro, do modo como a prostituta vivida por Julia Roberts revela-se uma mulher doce, honesta, bondosa e virtuosa, com a redenção no fim do filme, quando o rico personagem de Richard Gere lhe propõe casamento, num conto de fadas, onde há o “e viveram felizes parta sempre”. As estrelas no avião são a pujança da América, que venceu a guerra com seus conceitos de liberdade, como na fálica garrafa de Coca-Cola, negra em seu delicioso apelo publicitário, virando objeto de desejo, vendendo mais do que um refresco, mas uma vida perfeita e saudável. Abaixo do avião, há a pequena palavra bomber, ou seja, bombardeador, no modo como a bomba atômica assinalou os momentos finais de um conflito tão sangrento, cruel e amargo, como em cruéis campos de concentração. O mundo estava farto de tantas notícias horríveis, e a Pop Art surge para sepultar as sequelas bélicas. Na segunda metade dos anos 40, a América estava orgulhosa e próspera. Aqui, a mulher de vermelho sorri em meio à vitória, mas está jogada em um papel de objeto, de boneca inflável de sexo. A etiqueta da cereja traz uma suculenta e deliciosa fatia de torta de cereja, na delícia de prostituta em uma América que não permite o exercício da prostituição, numa transgressão corajosa de Paolozzi. E a etiqueta da cereja oculta algo, o qual não podemos saber o que é, num mistério, como os segredos íntimos de uma mulher. O homem rico representa o poder de sustentar uma mulher (ou amante), e o dinheiro é trocado por sexo, numa relação de comércio, de troca, num mercado. É o jogo de sedução entre masculino e feminino. É como o título Boy Toy, ou seja, Brinquedo de Menino, em um figurino de Madonna nos anos 80. O anúncio diz sirva-se de Coca-Cola em casa. A casa, o casamento, é o aconchego onde Yin e Yang vivem em harmonia um com o outro. Há uma desafiante e provocante contradição na prosti: seduzir sem submeter-se. Uma linha bem tênue, que só as grandes estrelas compreendem. E não é prostituta a profissão mais antiga do mundo?

            Acima, Just what is it that makes today’s homes so different, so appealing?, ou seja, O que será que torna os interiores das nossas casas de hoje tão diferentes, tão sedutores?, uma colagem de Richard Hamilton, de 1956. Uma colagem complexa e criativa, com muitos elementos numa combinação altamente inusitada. Um halterofilista no auge de sua forma física segura uma raquete ou um pirulito vermelho com a palavra pop, anunciando os ares de renovação da Pop Art, movimento que se embasou nos conceitos de popularidade de elementos culturais e de mercado. Numa poltrona rubra descansa um jornal recém lido ou prestes a ser lido, na necessidade de se obter as informações do dia e do mundo, na fantástica invenção que foi a produção em massa de exemplares jornalísticos. Um tocafitas, moderno para a época, reproduz algum som ou música, no que havia de tecnológico nos anos 50. Uma stripper está com os seios quase expostos, com apenas alguns adereços que lhe cobrem os mamilos, na mesma nudez do halterofilista. A stripper usa um chapéu com aspecto de abajur, trazendo luminosidade ao palco onde faz o striptease, na exposição da carne. Aqui, Hamilton joga fotos coloridas com pretas e brancas, numa época em que ainda reinava o registro fotográfico sem cores. No topo de uma escada, vemos uma mulher em um elegante vestido vermelho passando o aspirador de pó na vasta escadaria, estrutura com aspecto de pirâmide, e a mulher está presa em sua função do lar. Por que ela usa um vestido de festa para limpar a casa? Atrás da stripper, um aparelho de TV com outra mulher, só que mais recatada, usando um comportado colar de pérolas, uma dama respeitada. Na mesinha ao lado do sofá, um cafezinho servido a visitas pela dona de casa, um aviãozinho de papel que significa liberdade, e uma embalagem de presunto, carnudo como os corpos da stripper e do halterofilista, no pecado da luxúria. Num pôster há os dizeres Young Romance, ou seja, Romance Jovem, e uma frágil mulher baixinha é amparada por um homem alto e forte, no machismo básico. Haveria um romance entre a stripper e o halterofilista? Ele bate nela com o pirulito pop? Onde está o marido desta casa? No meio da escadaria, uma placa que diz que aparelhos ruins só aspiram a metade das escadas, numa mensagem publicitária que busca assinalar os diferenciais de um produto, e este é o objetivo da Propaganda – estabelecer diferenciação, vendendo, assim, produtos e serviços. O chão e o teto são opressores, e causam claustrofobia, oprimindo quem está na sala de estar aqui retratada. Um tapete tem uma estampa de picos negros nevados, como um sorvete de flocos, e tudo nesta colagem de Hamilton tem apelo mercadológico, apelo de consumo, buscando encantar e deliciar o consumidor. Tudo aqui está à venda. Através da janela, uma foto sem cores de uma fachada de cinema, anunciando filmes, no apelo hollywoodiano de vender ingressos, e Hollywood entra nesta dança em busca de mercado, de dinheiro. Num abajur quase ao centro do quadro, um escudo com o dizer Ford, remetendo ao carro, objeto máximo de desejo de quem gosta de carros. O escudo é a força implacável, forte como o halterofilista, e você não vai se meter com ele, vai? O mundo revela-se duro em suas necessidades de consumo, e esta sala busca colocar a mostra tudo o que puder colocar, numa gôndola de supermercado. O aspirador de pó tem um formato de docinho de festa, feito de chocolate com uma cobertura de morango. E os objetos de desejo revelam-se em todas as suas tentações, buscando despertar o impulso que já reside dentro do consumidor interpelado. Ao lado do pôster, um sisudo quadro de um sério homem, talvez o marido da casa, duro e clássico em sua seriedade, talvez o único ponto aqui que não visa ser vendido nos apelos de mercado. É uma exceção, pois toda regra tem uma. Hamilton traz de forma radical a função do artista plástico, que é combinar elementos e produzir algo novo.

            Acima, On the Balcony, ou seja, Na Varanda, um óleo sobre tela de Peter Blake, de 1955-57. As figuras humanas de Blake têm olhos esbugalhados, parados no tempo. O fundo é esverdeado como no mar em um dia puxando para o verde, como uma esmeralda. Nesta varanda, temos muitos elementos, como fotos e figuras de revistas. Há dois meninos e uma menina de cabelo Chanel, e ambos os meninos estão engravatados, como se estivessem em uma ocasião especial, como uma formatura ou um casamento. Na parte superior do quadro, alguém em cima de uma mesa, e só podemos ver suas pernas cobertas por uma saia. Há a capa da revista Life, ou seja, vida, e uma mulher de vestido branco, com luvas brancas, exibe-se estonteantemente, como uma noiva prestes a ser desposada por um príncipe, como uma Grace Kelly. As figuras aqui estão em portarretratos, assinalando momentos importantes na vida de alguém ou de uma família. É um quadro complexo, com vários registros gráficos, deixando o espectador tonto com tanta informação. Um dos meninos usa óculos, representando a intelectualidade, o pensamento racional. UM terceiro menino está com a face oculta pela revista Life, e sua camisa azul como o céu dos sonhadores abriga uma gravata colorida, talvez com a foto de uma mulher fazendo striptease. O verde predominante do fundo é o oceano-mãe, a fonte da vida na Terra, com seu cheiro de vida à beiramar, seduzindo a imaginação dos homens para o princípio erótico da origem da vida. A menina veste um vestido rubro como a cor do vinho tinto, e suas pernas são sensualmente expostas, revelando beleza e graciosidade. A menina e o menino bem ao lado têm vários bótons sobre sãs roupas, algo que Blake adora retratar. Os bótons revelam identidade aristocrática; revelam distinção; revelam proveniência, origem, virtude, algo muito comum na tradição aristocrática inglesa. Há uma figura humana sobre uma mesa, e esta mesa revela distinção, dignidade, elevação espiritual e moral, e nela repousa uma garrafa de bebida alcoólica, no apelo sedutor de um drink depois de um dia cheio de trabalho, stress e ocupações. Há muitos elementos neste quadro de Blake, e tamanha riqueza fica difícil de ser apreendida em sua totalidade. Há fotos de pessoas ilustres e de momentos solenes, na pompa britânica. E por que o menino de azul tem que estar com a face oculta? Abaixo da menina, uma mesinha comporta vários elementos, como uma garrafa de água mineral, na pureza da intenção artística em querer transmitir mensagens. Um pequeno tabuleiro em xadrez revela o jogo da vida, e uma bandeirola triangular traz um aspecto esportivo ao quadro. Fotos de ilustres figuras aristocráticas, em toda sua dignidade representativa. Há um exemplar da revista Ilustrated, trazendo as intenções da mídia de massas em retratar momentos de popularidade midiática, nos apelos midiáticos da cultura pop americana e mundial, como Os Beatles e Elvis Presley. A Pop Art namorou com os fenômenos de popularidade midiática, tornando-se por si só um fenômeno. Alguns quadros aqui são opacos e não revelam coisa alguma, como portas abertas para o nada. As crianças aqui estão comportadas, paralisadas em um momento em que recebem ordens para comportar-se, sob pena de punição. A sobrecarga de informações revela-se, e Blake emerge como um artista que muito tema dizer. O conjunto traz uma estranheza generalizada, e o artista emerge como um enigma. O menino em cima da mesinha está diferenciado, elevado em um papel superior, enquanto os meninos restantes estão em uma posição menos privilegiada. Mas por que não podemos ver a face do menino privilegiado? Será este o preço do privilégio? A aniquilação da identidade? Blake faz um assemblage, uma reunião de imagens e informações, como um fondue de queijo, com vários tipos de queijo fundidos.


            Acima, The Fine Art Bit, ou seja, Obra Prima, uma pintura esmaltada e diversos materiais sobre madeira de Peter Blake, de 1959. Na parte superior, vemos a reprodução de várias obras de arte de outros artistas, numa metalinguagem – artista falando de artista. Vemos pinturas medievais, renascentistas, árabes, orientais, europeias e uma escultura de alguma divindade de uma religião. Este quadro de Blake não é muito grande – tem menos de um metro de altura, pertencendo a uma galeria londrina. Esta reunião de obras de outros artistas revela-se complexa, e é necessário algum tempo para que todos os elementos sejam apreendidos, absorvidos e assimilados. Na ordem a partir da esquerda, vemos algo que parece a coroação da Virgem Maria; depois, senhoras em nobres vestes rezando perante a Bíblia; depois, senhores com turbantes, talvez islâmicos, em diversas atividades; depois, uma mulher banha-se num rio; depois, vacas e um fazendeiro descansam sob uma árvore; e, por último, este estranho deus. As vacas são o poder provedor, de onde veio o leite, o alimento, do modo como Maria amamentou Jesus. A árvore é a proteção, o lar, o refúgio da Virgem Mãe que nos espera em um mundo melhor, sem dor, sem amargura. As capas negras das senhoras rezando combinam com a tarja preta no extremo inferior do quadro de Blake, como na tarja preta dos remédios de uso controlado, só podendo ser adquiridos mediante uma receita azul, a qual entra em harmonia com a tarja azul, na cor de um céu perfeito, limpo, sem a feiura de dias encobertos, chuvosos e frios. O verde é um paradisíaco gramado muito suave ao toque, como uma coberta confortável que reveste luxuosamente os campos bonitos e calmos da vida pós-morte. A tarja vermelha traz o sangue essencial que percorre um corpo de ser vivo, como a preciosa seiva que mantém viva uma flor ou uma árvore, alimentando vastas florestas de muitos, muitos hectares. Mais abaixo, temos uma tarja de um vermelho mais profundo, como na fragrância Deep Red, ou seja, Vermelho Profundo. É como uma cor de vinho, reluzindo em uma taça à luz do Sol, revelando uma tonalidade sedutora e sofisticada. A tarja amarela é uma fresta de janela pela qual entra um filete de luz solar, anunciando um novo dia, trazendo a esperança, como um caixão sendo aberto e recebendo em seu interior a luz da vida, ressuscitando mortos e trazendo uma nova vida, uma nova perspectiva. É a crença da ressurreição de Jesus Cristo, do modo como todos ressuscitam após a morte, que parece ser um irremediável encerramento, mas não é. Embasando e sustentando tudo, a tarja preta da cor do luto, e um caixão sendo colocado em uma cova parece ser a ruína total, sem perspectiva de reconstrução, do modo como as drogas podem destruir e ceifar vidas. Blake traz aqui um arco-íris, como cores que se diversificam quando o Sol atinge um cristal. Aqui, o registro cromático é muito importante, o que me faz lembrar de um colega de Inglês que tive, um senhor com um daltonismo que simplesmente o impedia de ver qualquer cor. Cada um com suas vicissitudes. Aqui, há um contraste, pois as tarjas são extremamente simples e sem grandes detalhes; já, as reproduções na parte superior são bem complexas e cheias de detalhes. Seria este contraste a proposta do autor? As tarjas são bem retilíneas, e não há espaço para curvas femininas e insinuantes aqui. Logo abaixo das reproduções, uma fina tarja marrom, discreta, da cor da terra, as entranhas férteis da Mãe Terra, o princípio de fertilidade, abundância e satisfação, evitando a fome e privações. E por que a tarja marrom é mais finas do que as demais? Estaria o marrom oprimido pelo restante do grupo, como da ninhada um filhote que nasceu fraco e doente? E o verde floresce a partir da tarja da terra. Cada tarja é uma pista no asfalto de uma cidade, do modo como cada pessoa trafega por onde desejar, na liberdade existencial espírita. Cada tarja é um passo na escala evolutiva, com vários degraus em um caminho de aprimoramento moral, como no judô, sendo que cada faixa tem uma cor na hierarquia marcial. Como no boom das TV a cores.

            Acima, Package, ou seja, Embalagem, um óleo sobre tela de Richard Smith, de 1962. As embalagens são um braço importante do Marketing, e a Pop Art sabe disso. Há alegria de cores nesta tela de Smith, e há também espaço para discretos tons pastéis, misturando-se com branco e dando leveza ao conjunto. O azul turquesa é estonteante, nobre, elegante, com um chique brilho cetinoso. O azul é abraçado por um tom de vermelho profundo, e este abraço traz curvas, mas também retilinidade. Quatro esferas alaranjadas são como vistosas frutas em uma quitanda, expostas na calçada, convidando o consumidor a consumir, seduzindo em torno deste produto irresistível. São como quatro sóis em um sistema solar complexo e belo, onde não falta luz nem calor. São como quatro potes de mel vistos de cima, revelando a força da natureza que rege uma colmeia. As esferas revelam o corte de um fio elétrico de cobre, alimentando as cidades com a indispensável energia, motor da vida contemporânea. Os espaços esbranquiçados aqui trazem uma lacuna de indagação, de folga, de reflexão, na cor da bandeira da paz. A Arte quer uma trégua da guerra, e o artista não suporta a feiúra e a violência dos conflitos. Os artistas querem vida e paz para produzir. O azul e o vermelho formam um colorido pacote de presente de Natal, envolvendo algum tesouro que presenteará alguém, escondendo um mistério e uma surpresa. Há um prazer sexual, de estupro, de violação quando abre-se um pacote de presente, e o papel é rasgado, violado, violentado, revelando-se sensualmente frágil frente à curiosidade da pessoa presenteada. O pacote é uma frágil virgem indefesa, vulnerável frente ao lobo mau, que é o princípio agressivo e selvagem, nas leis brutas da natureza, da sobrevivência. Aqui, o pacote em questão lembra um pouco o museu Guggenheim de Nova York, com suas curvas futuristas e suaves, um prédio futurista. Aqui, um círculo menor é amparado e cercado por um maior, numa hierarquia da família, onde os mais velhos precisam ser respeitados pelos mais jovens. As esferas douradas são como moedas de ouro, brilhando como um implacável sol poente de verão, revelando-se inclemente, forte, onipresente, essencial à vida. São como um vitrô dourado que enche de cor uma casa ao amanhecer, trazendo cor a um mundo invernal tão descolorido, insosso e depressivo. Aqui, Smith evita o preto, o luto, a sisudez; bem pelo contrário: celebra as cores. Os tons pastéis vibram em sua suavidade quase anônima, dando base e suporte aos elementos restantes, que têm cores marcantes e muito presentes aos olhos do espectador. As esferas são como consistentes gemas de ovos, saudáveis, vindos de galinha caipira, rendendo inúmeras deliciosas receitas. O mistério da vida revela-se, e o pintinho nasce do ovo. A embalagem precisa revelar tudo o que o consumidor quer ouvir, e tem que seduzir, competindo com produtos similares nas gôndolas de supermercados. As esferas são os inúmeros ovos que a tartaruga deposita em um buraco na areia da praia, e várias tartaruguinhas nascem e vão de encontro ao mar, e muitas delas sequer chegam à água, pois são capturadas por predadores. Na lei da sobrevivência, força é necessária, e os marqueteiros sabem disso, planejando embalagens vendedoras e vencedoras, pois o mundo é competitivo. As esferas são fundos de garrafas de refrigerante sabor laranja, ou de suco da fruta, refrigerados e tentadores, enchendo de cor um café da manhã. São como quadrigêmeos convivendo desde a própria gestação, ou uma ninhada de gatos ou cachorros. São como uma mitose, e os organismos reproduzem-se repartindo-se ao meio. É como uma proliferação de bactérias, na força vibrante da vida. São como planetas girando em torno da mesma estrela-mãe, na força gravitacional de uma estrela de Cinema. A Pop Art quer fazer parte de tudo isso, amando a cultura em geral, querendo engajar-se nesses grandes fenômenos de popularidade. A Pop Art ama a Calçada da Fama, como as estrelas do avião da colagem de Eduardo Paolozzi.

Referência bibliográfica:
OSTERWOLD, Tilman. Pop Art. Köln: Taschen, 2007

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Artistas Populares da Pop Art (Parte 8)




            Falo sobre vários artistas da Pop Art. As análises semióticas a seguir são minhas e não do livro base de Osterwold, minha referência bibliográfica.

            Acima, Double Isometric Self-Portrait (Serape), ou seja, Duplo Autorretrato Isométrico (Robe de Quarto), um óleo, madeira e metal sobre tela de Jim Dine, de 1964. Intensa alegria e diversidade cromática, como num arcoíris festivo. O robe é o conforto, o prazer de estar à vontade em casa, em um momento de recolhimento, degustando um vinho ou uma cerveja, assistindo a algo interessante na TV. É o conforto do Yin, o princípio feminino de passividade, de maciez, de sutileza. O robe é a privacidade, o momento de introspecção, e, aqui, Jim Dine nos traz o prazer do sono, do relaxamento, da ausência de tensão ou de agressividade. É um porto seguro, uma bandeira branca da paz. E por que dois? Seriam marido e mulher, em um momento de convívio no conforto do lar? O ser humano tem a necessidade ritualística de impor ordem ao caos, e os arquétipos Rei e Rainha tomam forma como uma maneira, uma forma de se colocar tudo em seu devido lugar. Aqui, temos uma dança das cores, numa candura quase infantil. O cinto do robe é uma sensual serpente que desliza por entre a selva, buscando comida e sexo. O sexo faz parte dos prazeres da vida privada, e o casal aqui está feliz e cômodo. O amarelo parece como o gostoso Sol da manhã, anunciando um novo dia, no qual, após o desjejum, o pai sai para ganhar a vida e a mãe fica para colocar ordem no lar. É uma sociedade. O vermelho brota vibrante, como uma bela pimenta vermelha, que traz graça aos pratos, aos partos e às refeições. O verde é o gramado impecável do jardim desta casa, como na charmosa cidade de Gramado. O vazio do branco traz respiros, na paz de um lar harmonioso e acolhedor. Tons mais escuros, como o marrom, são a terra, a base, a referência imóvel, garantida pelo direito à propriedade privada. De igual tamanho, os robes trazem o sonho de igualdade entre homem e mulher, um ponto sensível na sociedade patriarcal, na qual o homem envolve a mulher e sustenta-a. Aqui, temos um casal no qual cada cônjuge tem sua autonomia, sua independência, trazendo um relacionamento saudável e produtivo, como na divisão das tarefas do lar, pois, já ouvi dizer, casais que repartem as funções são mais felizes. A cor preta é usada para delinear limites, dando forma a figuras geométricas que nos insinuam que trata-se de um robe. E por que autorretrato? Será a forma do artista de retratar seus próprios lados feminino e masculino, harmonizando-se dentro de si mesmo? Em ambos os painéis, há uma corrente metálica sustentando um pedaço fálico de madeira, transmitindo fragilidade, com tudo por um fio, como é frágil a harmonia em um casal, quando qualquer discordância pode se transformar em um grande problema e uma épica discussão de briga. É como um pêndulo de relógio, marcando o tempo nos anos de casados, quando o dia a dia revela-se em toda a sua praticidade, testando o amor de um cônjuge para com o outro. O pedaço de madeira diz que todo mundo tem que ter uma certa agressividade, e não apenas os homens devem ter esta, pois, nos preconceitos sociais, é exigido de um homem o desenvolvimento da agressividade; da mulher, não é exigido, e esta só vai desenvolver se quiser. Mas, na verdade, todos têm que ter Yang, o princípio masculino da figura paterna, na luta sangrenta pela vida. O ser humano adora ritualizar os sexos, como Marte e Vênus. A frágil corrente é o vínculo com a saúde, com a harmonia, como uma serpente esguia, muito fina, capaz de meter-se nas fendas mais fechadas e inacessíveis, pois o fino sobressai-se sobre o grosso. O traço acinturado dos robes revela tensão, pressão, obrigação que deve ser feita com disciplina. As mangas estão posicionadas como se as mãos estivessem sobre a cintura, revelando independência e autonomia – neste casal, cada um tem suas atividades, seu brilho próprio, nunca tendo um colocando-se completamente nas mãos do outro. O decote revela a elegância de quem parte em busca de seus próprios sonhos, nunca colocando a faca e o queijo nas mãos de outra pessoa, ou seja, do cônjuge. Aqui, ambos os cônjuges têm um pau – será um casal gay? Esta obra está no Whitney Museum de Nova York, o qual infelizmente não visitei em minha viagem à Big Apple em 1998. Quem sabe em outra ocasião, esperando o dólar baixar, hehehehehe!!! Dine lembra a palavra dinner, ou seja, jantar, num artista delicioso, comestível. E Marte adormece com o encanto de Vênus, saindo esta do banho perfumada, envolta em um robe.

            Acima, Art, ou seja, Arte, um óleo sobre tela de Roy Lichtenstein, de 1962. Metalinguagem, pois é arte falando de arte. As letras garrafais, enormes, são o apelo publicitário, tentando, a todo custo, chamar a atenção do consumidor e interpelar este. São letras simples, sem serifa, pois, quanto mais simples e clara for a mensagem, maior será o poder de comunicação. Aqui, excesso é sujeira, e esta tem que ser varrida e descartada. Quanto mais “suja” for uma mensagem, pior. E o mercado publicitário está cheio de mensagens carregadas, complicadas, confusas. Menos é mais, diz Tao. O fundo em um belo amarelo irradia calor, num majestoso Sol que rege o Sistema Solar, do mesmo modo como Lichtenstein foi um rei, um regente da Pop Art, saindo-se vitorioso sobre todos aqueles que um dia duvidaram do trabalho e da excelência de Roy, cujo nome é rei em francês. O quadro em si tem proporções modestas como a da Monalisa, e não passa de um metro de altura, pertencendo a uma coleção particular. A popstar Madonna, por exemplo, é grande compradora de obras de Arte, sabendo que são um ótimo investimento. Aqui, o formato retangular é como de uma tarja preta em um vídeo de striptease, provocando a imaginação do telespectador, atiçando desejos e taras. Arte é provocação – Madonna o sabe. As letras são claramente delineadas por uma linha fina preta, sem muito espaço para curvas femininas sensuais. É uma mensagem simples, sem frescura, marca registrada dos grandes pensadores. O formato retangular é uma tela de cinema ou de televisão, seduzindo os olhos e a audição do espectador, trazendo este para um mundo fantástico, onde a imaginação artística reina. As letras têm uma sombra vermelha, como uma sirene de ambulância, polícia ou bombeiro, gritando estrondosamente, enchendo a cidade de coisas acontecendo, alertando para os perigos. Nas placas de trânsito têm a cor vermelha para chamar a atenção – há algo mais simples e claro do que uma placa de trânsito? As letras estão em branco, cor da neutralidade, da limpeza, do princípio limpo e virgem, na cor da noiva no altar, na cor de majestosas azaleias alvas no início da primavera. Aqui, o preto tem um papel sutil, na função de estabelecer limites e discernimentos, discreto em seu papel coadjuvante e, ainda assim, essencial – papéis coadjuvantes, ao serem subestimados, definem uma trama de filme. A letra A é o princípio, o começo, a origem, trazendo a renovação, voltando ao começo do alfabeto, zerando dores e trazendo novos tempos; a letra R é a inicial do artista, também significando road, ou seja, estrada, no caminho trilhado por um artista, caminho às vezes solitário e repleto de percalços, no sentido de que as portas fechadas, ou percalços, são positivos, pois acabam ajudando a pessoa e guiando esta em direção ao pensamento puro, essencial, limpo, perfumado, positivamente exemplar, pois, diz Tao, cada pessoa tem que aprender por si a viver com simplicidade – este é o sentido da vida; a letra T é de total, de tudo, de transmitir mensagens artísticas, no formato de um martelo, o qual é usado inúmeras vezes e nunca se deforma pelo tempo de uso, e assim são as grandes obras de arte, com prazo de validade ilimitado, em direção à vida eterna. Aqui, as palavras são como bondes de trem, passeando pelos trilhos da existência e chegando ao seu destino, que é a realização. Cada letra garrafal é uma porrada nos sentidos, trazendo toda a força de alguém que sabe que a simplicidade vence as questões da vida. A letra A tem o formato de flecha, de direção fálica, com sua forma pontiaguda agressiva, cortante como um topo de pirâmide. A letra A é um aviso – não chegue muito perto se você não quiser se ferir. Respeite.

            Acima, Duckleswan, um acrílico sobre tela de Nicholas Krushenick, de 1966. Parece um DNA, codificando características em um ser vivo. Os círculos são diversos, como em um borbulhante espumante, divertido, delicioso. O registro em azul é como o céu sendo visto de uma janela gradeada, revelando a majestade de um dia de céu bem límpido. Aqui, temos cores vibrantes e quentes, em contraste com o frio azul. A Pop Art explora as cores, num apelo meio claustrofóbico, sufocante, tocando no interior da Psicologia humana. Há um ponto de sufocamento no meio deste DNA, como em um espartilho doloroso e opressor, condenando uma mulher aos padrões machistas de sensualidade. O acinturamento dá espaço ao fundo quente, revelando um carvão em brasa, aquecendo e acolhendo em uma aconchegante lareira, seduzindo combinada com um vinho em uma noite fria de inverno. As formas retilíneas e retangulares são as barras de uma prisão, pois o espírito é categórico quando é perguntado se o espírito gosta de 4star encarnado, sendo que, assim, a doutrina diz: pergunte a um prisioneiro se este gosta da prisão. Uau! Mas este cárcere de Nicholas é uma prisão boa, prazerosa, e os círculos escondem-se uns atrás dos outros, como várias fotos que mostram a trajetória da mesma bola. A cor preta surge aqui delineando as formas, num papel muito importante, mas a Pop Art em geral não dá muita ênfase ao preto, pois os anos 60 e 70 foram bem coloridos, e foi só a partir dos anos 90 que o preto tornou-se a cor da moda, sendo usado largamente até hoje. É claro que os movimentos artísticos são ondas e que os artistas surfam nela, mas cada um tem que ter uma identidade própria, sem mediocridades. Os círculos são como poros na pele, respirando, dando vida ao tecido epitelial. São como laranjas no pé de laranjeira, doces e ácidas, calóricas, com um sabor irresistível. São como hambúrgueres na chapa, no clássico da culinária norteamericana, com um pão circular em cada lado. A forma circular é extremamente sensual, no charme das esferas que formam estrelas, planetas e satélites. Aqui, temos uma reação química, com uma droga começando a fazer efeito em um organismo. Os retângulos são enormes arranhacéus, desafiando os limites da engenharia e erguendo-se arrogantes, eretos, machistas, impávidos, austeros, causando perplexidade e alavancando o desenvolvimento, o futuro, as cidades terrenas, sempre querendo imitar a engenharia das cidades da dimensão espiritual, para onde todos nós vamos quando desencarnamos – é claro que as pessoas sem apuro moral não vão para o Céu, bem pelo contrário; vão para uma dimensão de sofrimento, arrogantes em sua atitude de não aceitar ajuda. A humildade é um valor universal. Esta obra de Krushenick tem movimento, num vaivém sexual, numa som de água escorrendo. Temos vibração, e esta tela parece nova a cada momento. O que isso exatamente é, ninguém sabe, numa estranheza muito bem vinda, visto que Tao não condena pessoas estranhas, imprevisíveis, com inteligência emocional, instinto. Os retângulos são troncos de esguias palmeiras, elegante flora das sedutoras das ruas de Los Angeles, num lugar onde glamour e privação combinam-se no melhor e no pior da América. Na sucessão de retângulos, o que vemos? As grades laranjas dão vazão ao céu azul ou as grades azuis dão vazão ao céu laranja? Os grandes artistas são enigmas, inspirando constantes e infinitas interpretações.

            Acima, Yellow and Green Brushstrokes, ou seja, Pinceladas em Amarelo e Verde, um óleo e magna sobre tela de Roy Lichtenstein, de 1966. Ondas revoltas em um mar de ressaca, com instabilidades e incertezas. As pinceladas lutam umas contra as outras, cada uma querendo expressar algo. O verde não é chamativo, mas em um discreto tom de musgo. Não há retilinidade aqui, mas formas orgânicas, arredondadas, revoltadas contra um sistema opressor. São as amorais forças da natureza, sempre pegando o ser humano de surpresa, numa imprevisibilidade deliciosa, cômica. O amarelo traz o ouro a este pódio, iluminando a sisudez fria do verde escuro. É um casamento cromático, do modo como o verde e amarelo, cores nacionais brasileiras, casam muito bem, pois o verde, é claro, carrega em si o amarelo implícito, combinado com o azul, no tom azulado cinzento do fundo desta tela. Lichtenstein adorava formas claras, distintas, e estas pinceladas foram cuidadosamente desenhadas, premeditadas pela mente do autor. Em alguns pontos deste trabalho vemos gotas circulares que aprecem que caíram acidentalmente sobre a tela, como gotas de uma chuva imprevista, que apareceu sem ser convidada. Aqui, Roy transforma o espontâneo em premeditado. As pinceladas dão a impressão de que tudo foi feito casualmente, mas não; foi feito com intenções específicas. O amarelo sobrepõe-se ao verde, dominado este, como uma mulher domina o marido em um casamento. Aqui, temos um matrimônio, um engajamento, e as pinceladas afoitas estão repousando sobre um fundo liso, fundo este sem estampas, mas uma textura extremamente simples e discreta. O fundo não quer fazer parte deste duelo entre as pinceladas, mas ter um papel neutro. São como um tecido volátil, extremamente fino e esvoaçante, e qualquer movimento revela essa sensualidade esfumaçada, num tecido incrivelmente macio e leve, como tecido debaixo d’água, na quietude de um peixe nadando por águas tranquilas, plácidas, sem tensão ou vicissitude. As pinceladas parecem querer expressão palavras, e estas não podem ser reveladas pela insinuação geométrica das curvas pinceladas. Apesar de haver harmonia entre o verde e o amarelo, há contraste contraditório, e uma cor contrasta muito com a outra. O amarelo é berrante e sobressai-se, exibindo-se orgulhosamente; já, o verde é meio invisível, modesto em um plano secundário, porém, dando o tom da tela. As pinceladas são como assinaturas indecifráveis, como letras de médico, em uma escrita com muita pressa e inquietude, do modo como a assinatura de uma pessoa traz a identidade, e assinar um documento dá a certeza de que este é legal e confiável. E Roy assina suas obras com essa letra apressada, com muita atitude, personalidade e estilo. Cada artista tem sua própria assinatura, e nesta tela temos metalinguagem, pois é assinatura falando de assinatura. E o preto é essencial, delineando tanto as pinceladas verdes quanto as amarelas, num papel essencial de nitidez às pinceladas premeditadas de RL. Os dois formatos ovais das pinceladas verdes são como seios ou testículos, como um casal de mãos dadas, engajados em um relacionamento. É como o bustiê da Mulher Maravilha, revelando a águia, animal símbolo da liberdade da América e das expressões artísticas desta. É como um cálido beijo de namorados, um entrando na vida do outro, construindo uma relação de afeto e confiança. As extremidades das pinceladas são irregulares, pouco interessadas em trazer perfeição. Aqui, o artista não quer ser perfeito e premeditado, bem pelo contrário; quer ser um vulto selvagem de catarse, de atitude, de saudável ímpeto transgressor. Nenhum artista quer se ver preso, e a liberdade de expressão é essencial numa nação que pretende produzir e incentivar arte, fazendo-nos imaginar como foi ruim para os artistas brasileiros e repressão ideológica de estado. Nesta tela, apenas algumas gotículas são em branco, pedindo paz e harmonia e um mundo tão competitivo e aguerrido. Um artista não quer competir; quer ser ele mesmo; quer ser único e inconfundível, na busca do ser humano por identidade e individualidade. As gotas brancas são como manchas de alvejante, abrasivas, agressivas, desafinado o registro cromático, transgredindo, como uma falha em um sistema tido como infalível. As anomalias são saudáveis, pois o normal é ser anormal. Aqui, o verde quer trazer amizade entre o amarelo e o fundo azulado.

            Acima, Sculpture in a Lanscape, ou seja, Escultura em uma Paisagem, um óleo sobre cartão de Patrick Caulfield, de 1966. Duas vaginas sobrepostas, sendo que cada uma leva a um destino. São como irmãos gêmeos, e um sustenta o outro, numa hierarquia. Os tons azulados remetem ao oceano, à mãe da vida na Terra, pulsando em abundante vida, desde peixes para anfíbios, aves e mamíferos. A vida luta para viver aqui, numa paisagem inóspita, pedregosa, como nos ermos de Marte, sem água líquida, um planeta morto. As superfícies de pedra enrugam-se, trazendo marcas de erosão que marcam a passagem do tempo, contando uma história, uma trajetória. Os dois blocos perfurados são brancos e limpos, intocados pela poeira deste ambiente árido. Sustentando os blocos, uma plataforma retangular, forte, com a missão de aturar peso, sob tortura. Os blocos não estão perfeitamente alinhados, e o de cima ameaça cair, deslocando-se um pouco à direita. Trata-se de uma estrutura frágil, e qualquer ventania aqui pode trazer instabilidade, dano e destruição. É uma construção em estágio inicial, e não sabemos como um bloco parou em cima do outro, nem sabemos a finalidade da construção. Caulfield traz delgados traços pretos para delinear as formas, num trabalho muito fino e sofisticado. Não sabemos o que virá depois, se esta estrutura desenvolver-se-á e tornar-se-á mais complexa; nem sabemos o porquê dos blocos terem sido perfurados. O furo é útil, como em uma janela, pois é o vazio desta que tem utilidade, permitindo-nos que olhemos a paisagem além da janela. É o vazio de Tao, sempre produtivo, sempre útil, sempre permitindo-nos que olhemos através do vazio da janela. Podemos pegar uma corda e atar os dois blocos um ao outro, formando um conjunto, como um colar. Parecem duas caixas de som, trabalhando juntas, em harmonia. Não sabemos porque elas foram desalinhadas, nem como. Talvez esse seja o charme deste cartão, numa imperfeição charmosa, humana, irreverente. Praticamente do mesmo tom da paisagem rochosa, a base retangular aguenta o peso sozinha, sem reclamar por ter que exercer tanto esforço. A base aqui está coadjuvante, discreta, e as estrelas são as pedras perfuradas. São como dois anéis quadrados, ou um par de brincos simples, elegantes e modernos. São vizinhos que vivem em harmonia na vizinhança. Vemos nos blocos uma relação de similaridade, e fica difícil estabelecer uma diferenciação, já que eles se parecem tanto. Os blocos lutam aqui para que adquiram, cada um, sua identidade, e lutam pela diferenciação, pois nada mais insuportável para um artista do que ser considerado muito similar a outro artista. Existe um artista, cujo nome não mencionarei, que plagia amplamente outro artista mais famoso. É medíocre como uma pessoa que sobre num palco para fazer playback da voz de outrem – não é arte; é uma piada. Os blocos formam um aspecto de prédio com um design arquitetônico muito moderno e desconcertante, numa proposta original que gravita acima da mediocridade. E o ar e os pássaros passam livremente pelos buracos, que são úteis portais, portas que levam a outros destinos. É como uma faixa estendida com buracos nela, pois isso impede que o vento derrube a faixa. Tao é isso: é do vazio que vem a força. Os blocos estão humildes em sua função, e vivem alegremente sabendo que estão sendo úteis, permitindo a passagem do vento e garantindo que a estrutura não tombará. São dois seios vistosos e atraentes, seduzindo em sua passividade, visto que o termo passiva, em espanhol, quer dizer porta, passagem. E são as portas e janelas que fazem um cômodo ser útil. São dois olhos de camaleão, olhando para direções diferentes, do modo como a base adquiriu o aspecto do terreno ao fundo, disfarçando-se para despistar predadores – é o valor da discrição. Este trabalho de Caulfield é muito sexy em sua amplitude desértica, e os blocos têm formas simples, portanto, belas.

Referência bibliográfica:
OSTERWOLD, Tilman. Pop Art. Köln: Taschen, 2007

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Artistas Populares da Pop Art (Parte 7)




            Falo sobre vários artistas da Pop Art. As análises semióticas a seguir são minhas e não do livro base de Osterwold, minha referência bibliográfica.
            Acima, Liz, uma serigrafia sobre tela de Andy Warhol, de 1965. Aqui, a célebre estrela está com um aspecto de Curinga, o arquinimigo de Batman. Os cabelos negros contrastam com os loiros célebres de Marilyn Monroe, outro monstro midiático. A estrela está certa de si, sabendo que exerce fascínio sobre a Terra. Sua sombra verde sobre os olhos são o verde erótico do Éden, moradia sagrada onde reina a paz e a harmonia. O vermelho nos lábios extrapola o contorno real dos lábios, numa maquiagem circense, visto que o showbusiness nada mais é do que circo. O cabelo da estrela é lustroso, aveludado, cetinoso. Podemos sentir uma deliciosa fragrância no ar, tanto que Liz Taylor lançou em vida uma fragrância. O cabelo de Liz aqui é incerto, ondulado como traiçoeiras ondas no mar, castigando marinheiros. Temos tempestuosidade, visto que a estrela era, na vida real, uma barraqueira que se casou inúmeras vezes, numa vida pessoal turbulenta. Liz recebeu em vida o título de Dama do Império Britânico. Foi uma rainha a seu próprio modo, reinando na indústria cinematográfica, quase quebrando um estúdio com o fracasso da película Cleópatra, um dos maiores abacaxis da História. Aqui, Liz desdenha de quem duvida de seu calibre estelar, sorrindo sarcasticamente daqueles que a consideram uma pseudoestrela. Liz Taylor sabia que uma boa maquiagem é o segredo de uma boa fotogenia, e não vivia sem um maquiador. Seus olhos e sobrancelhas eram impecavelmente delineados, e suas feições delicadas enchiam a tela de glamour. Poucas atrizes conseguiram preencher a tela como Liz o fez. Liz viveu, cresceu e envelheceu em público, no eterno aprisionamento das estrelas em suas respectivas vidas públicas. Certa vez, ao entregar um prêmio, a estrela disse: Estou acostumada a receber prêmios e não a entregá-los. Amiga íntima de Michael Jackson, Liz Taylor mostrou em público o desenvolvimento de seu próprio busto, mostrando que crianças crescem. Foi uma vida pública. Andy Warhol amava as estrelas hollywoodianas, tornando-se ele mesmo uma estrela. Andy brincava com as imagens veiculadas pelas mídias de massas, e soube traduzir isso tudo em sua arte. Andy amava quaisquer manifestações artísticas, e levou a Pop Art em encontro às figuras midiáticas. Liz Taylor aqui está emblemática, marcante, e seus olhos hipnotizam o espectador. Seus cabelos são negros como a asa da graúna, e a estrela nunca teve que ser loira para arrebatar o mundo. Ao interpretar uma estrela de cinema em um filme baseado em um romance policial de Agatha Christie, Liz entregou-se à metalinguagem, pois era astro falando de astro, e ninguém melhor do que um astro para interpretar outro astro. Nesta obra de Warhol, a pele da estrela é simplesmente impecável, feita de seda. Seu nariz é delicado e de perfeitas feições, algo que provavelmente Michael Jackson quis imitar sob cirurgias plásticas. Beleza não se compra; beleza se tem. Liz deu sua beleza às telas, e ocupa o restrito rol de gigantes do panteão hollywoodiano. A função das estrelas é causar comoção; é provocar pensamento artístico. O negror dos cabelos de Taylor são uma noite estrelada de verão, amena, deliciosa, sedutora, agradável. O sobrenome Taylor quer dizer Alfaiate, mostrando que um antepassado da estrela ocupou tal função. E Liz foi isso, uma costureira que confeccionava momentos de brilho na tela, como pedras coruscantes em um vestido de gala. Aqui, Liz sabe que é uma dos grandes, e sabe que tem seu lugar garantido na História.

            Acima, Self-Portrait with Badges, ou seja, Autorretrato com Insígnias, um óleo sobre madeira de Peter Blake, de 1961. Aqui, insígnias abundantes, excessivas, carregadas, como se fossem propaganda política de muitos candidatos. Na mão, uma revista com o rei Elvis Presley com uma mulher, de estatura mais baixa, na eterna lei machista patriarcal, na qual a mulher tem que estar abaixo do homem. O mundo heterocentrado depende dessa situação de submissão feminina: se é uma mulher que é sustentada por um home, ok; se é um homem sustentado por uma mulher, não é ok. Pintando a si próprio, Blake tem uma pele parda, escurecida, e este quadro é todo meio sombrio, imprevisível, misterioso como um assassinato em um romance policial. Peter usa um par de tênis confortáveis, informais, práticos, na marca registrada do estilo americano de ser. Ele usa calça e casaco jeans, outra forma de estilo americano de vestir. As bainhas das calças estão dobradas, sem dar-se ao trabalho de mandar uma costureira costurar uma bainha. Peter está com uma camisa pólo vermelha, vibrante como sangue, o líquido essencial da vida. Atrás de PB, uma cerca de madeira escura, com alguns galhos sombrios de árvores e folhas chacoalhando a um vento persistente, em um cenário de incerteza e instabilidade. Tudo aqui é sombrio, até mesmo a expressão de Blake, com olhos petrificados que observam o espectador que o observa, numa troca de sensações e percepções. Blake está imóvel, paralisado, e não sabemos o que ele pensa. Na cerca de madeira, uma brecha, um escape, uma folga em meio a um mundo tão aprisionador. Acima da revista de Elvis, uma etiqueta com as listras e estrelas da bandeira americana, na vocação de Blake em busca de uma identidade americana, de uma independência estilística. O tecido jeans é de um azul marinho bem discreto, e a roupa trás amassaduras charmosas, como cabelos grisalhos ou uma barba por fazer. Um pouco de desleixo tem seu encanto. Blake aqui está desprovido de movimento, ao contrário da vegetação atrás, que dança sensualmente. Dei-me ao trabalho de contar quantos bótons Blake tem aqui: trinta e cinco, num excesso premeditado. Os bótons são as numerosas mensagens e conceitos transmitidos pela cultura de massa, da qual Elvis foi um verdadeiro embaixador. Nas pinceladas de Blake, nada é extremamente nítido ou claro, e a sugestão de pinceladas incertas e livres mostram o estilo do artista. O quadro todo é escuro, e em poucos lugares deste quadro as cores claras ganham espaço. Blake segura uma revista porque a indústria editorial é um dos maiores pilares da cultura de massa e da indústria cultural. Astros e estrelas estampam as capas, na tentativa de portar irresistibilidade aos olhos cidadão comum, que contempla as pessoas públicas e notórias. Na revista, a mulher está completamente acolhida pelo Rei, o qual protege-a na sua obrigação patriarcal de ser o inabalável machão provedor. Trata-se de uma imagem que expõe preconceitos, e, para um artista, ser medíocre e preconceituoso é inaceitável; é insuportável. O artista quer sempre pensar acima da média, revelando seu próprio talento. Os olhos de Blake hipnotizam aqui, e os bótons, geralmente redondos, vibram em sua diversidade, no sonho de uma América diversificada, na qual as diferenças são democraticamente respeitadas. Os bótons são redondos como o mundo, e o sonho de um artista é ser mundialmente aclamado. A camisa vermelha está completamente abotoada, quase sufocando Blake, impondo disciplina ao artista, o qual tem que se dedicar consideravelmente, sempre persistindo. Blake está praticamente simétrico neste autorretrato, com exceção, por exemplo, das mãos: uma delas está escondida, dentro do bolso da jaqueta jeans. Isso ocorre porque Blake tem uma porção de usa vida, a privacidade, que tem que ser protegida, impondo respeito, visto que as revistas e jornais de fofoca, como esta revista segurada por Blake, são inescrupulosos na hora de expor a vida íntima de pessoas públicas.

            Acima, Bellevue II, uma serigrafia sobre acrílico sobre tela de Andy Warhol, de 1963. Warhol adora as repetições do clichê industrial, como jornais impressos massivamente. Bellevue é uma cidade localizada no estado americano de Washington. Uma rua com impessoais paralelepípedos, onde cada peça carece de individualidade, como no sistema democrático, no qual todos os cidadãos são iguais na hora de votar, numa contradição, pois, num sistema opressor, os cidadãos também são iguais! Um policial uniformizado, ou seja, no exercício da função, está parado e observando, enquanto um segundo está agachado e abordando cidadãos, provavelmente dois – um veste branco e está de cócoras, debruçado sobre algo ou alguém, enquanto outra pessoa está estirada no chão. A figura do homem de branco lembra o formato da face de um alienígena. Andy não nos traz muita clareza aqui, e o espectador tem que ver aquilo que acha que deve ver. Será um momento de abordagem policial a suspeitos? Será o artista flagrando um momento em que a Lei se faz presente? Aqui há borrões incertos, como uma grotesca fotocópia, a qual subtrai muito da qualidade da fotografia xerocada. Nas figuras mais abaixo no quadro, há uma confusão e um embolamento, e as imagens caem umas sobre as outras. Seria um homem morto no chão, na cena do crime? Seria o homem de branco preso em flagrante? O que diabos está acontecendo aqui? A cena passa-se numa calçada, à margem da rua, num ponto de limiar, de exclusão. A qualidade visual é grotesca, de propósito, é claro. O artista aqui não tem preocupação alguma em trazer nitidez e certeza, e esse obscurantismo é o que predomina nesta cena. E por que a ausência de cor? Seria para mapear o conflito racial norteamericano, como no Sul dos EUA, numa época em que a segregação entre preto e branco era aceita como civilizada? As fotos, distribuídas umas ao Aldo das outras, são como os paralelepípedos, numa tentativa de ordem e organização, ordem esta representada pelos policiais. Estaria no chão alguém morto violentamente? Essa ausência de nitidez mostra um Warhol confortável em seu próprio estilo, fazendo a revolução que a Pop Art representou – a Arte nunca mais foi a mesma. O policial em pé fornece-nos uma silhueta, a partir da qual adivinhamos que se trata de um policial. Será que, agachados, há dois policiais e não apenas um? O homem de branco traz a ritualidade da cor branca, como médicos, espíritas e praticantes de candomblé, por exemplo. Será que o homem de branco é mesmo negro ou se trata de uma confusão, visto que aqui Andy não tem preocupação em transmitir clareza de tom? As fotos repetidas são como televisões expostas em uma vitrine de loja de artigos eletrônicos, mostrando a repetição massiva de informações midiáticas, transportando imagens e conceitos aos quatro cantos da nação, criando um poder midiático no qual quanto mais divulgação, melhor. A mídia é quantitativa, como uma pessoa com milhares de amigos no Facebook. O que importa aqui é a quantidade, e não a qualidade. A cultura de massa revela-se na sua vocação de esteira industrial, na qual desfilam produtos produzidos em massa, buscando conquistar o maior número possível de consumidores. Quanto mais um produto for adquirido, melhor – é a ambição mercadológica. Marqueteiros quebram a cabeça em busca de elaboração de conceitos que vendam, e o mundo publicitário quer seduzir. Aqui, Andy traz-nos uma cobertura jornalística falando sobre o que aconteceu nessa calçada obscura, e quanto mais telespectadores um telejornal tiver, melhor. E, para Warhol, quanto mais pessoas gostarem e adquirirem os trabalhos de Warhol, melhor. Todos querem sucesso. A silhueta negra do policial em pé contraste com um fundo esclarecido, fazendo deste personagem o ponto central da trama – o resto é incerto, como um borrão sugestivo, conotativo, nunca claro. O homem de cócoras parece estar defecando, em surto catártico, limpando sua própria alma, e o cocô da catarse torna-se Arte. A rua aqui está impecavelmente limpa, e o assassinato em questão traz sujeira, crime, negatividade.O policial lá está para garantir a integridade do cidadão honesto. E Warhol foi íntegro em sua própria arte, esforçando-se para ser novo e criativo.

            Acima, Self-Portrait, ou seja, Autorretrato, um acrílico e serigrafia sobre tela de Andy Warhol, de 1967. Aqui, Andy está pensativo, em dúvida, ponderando sobre escolhas, visto que a vida é feita de escolhas. Está cuidadoso, fitando o espectador, querendo estabelecer um relacionamento, um vínculo. Sua pele está azul como o céu, azul como os personagens fantásticos do filme Avatar. Seu cabelo está impecavelmente penteado, arrumado, aprumado, como se o artista tivesse se preparado para ser observado por inúmeros espectadores. O fundo é rosa, delicado, tenro, como um miolo de carne malpassada, pois Andu foi delicioso, um belo filé com guarnições chiques. Warhol foi alimento não só para os espectadores, mas para outros artistas também. Os dedos de Andy estão como se ele estivesse tragando um cigarro, num momento relax, tranquilo, de introspecção, talvez pensando nos trabalhos que fará posteriormente e se esses trabalhos serão bem recebidos, pois o artista tem a expectativa de ser visto e compreendido, e muitos artistas são malcompreendidos, como Jesus Cristo crucificado, extremamente malcompreendido. Os cabelos de Andy têm nesgas castanhas, mas, apesar das cores, esta tela é sombria, imprevisível. Ao lado do artista, um grande retângulo negro, num trabalho com um metro e oitenta de altura. Mas, no restante do cabelo, preto, assim como traços da face e como o traje usado pelo artista. É um autorretrato sombrio, pessimista, denso, e não podemos ver o que o artista quer dizer. Será que há depressão? Será que há melancolia? Será que há um futuro bem incerto? Será que o artista manter-se-á no topo, sendo sempre amado e respeitado? O azul é o céu limpo, claro, profundo em sua beleza colorida e limpa. No azul do céu, o artista deposita seus sonhos e ambições, sempre batalhando para ser reconhecido. Sua orelha é saliente, e o azul remete aos personagens infantis Smurfs. Por que esta subversão de cores, retratando a pele sem a cor original da pele? Existe algo mais monótono do que um artista óbvio e previsível? Warhol surpreendeu o mundo, merecendo ter conquistado a posição de ultradestaque que conquistou. O rosto e mão do artista trazem traços pretos que delineiam uma personalidade que, apesar de contemplativa, é ativa e trabalhadora. Aqui, podemos observar apenas uma metade do rosto, como os dois lados da Lua – um sombrio e um claro. A face negra é a licença que Andy pede para que sua vida particular seja respeitada, revelando uma personalidade reservada e discreta, num atelier dinâmico e produtivo. As proporções desta tela são a de uma capa de disco vinil ou CD, como um popstar vendido em uma loja, como perfume. É claro que AW tinha intenções comerciais, pois todo mundo tem que ganhar a vida. Aliada a isso, vem o comprometimento artístico, a integridade criativa, sempre oferecendo conceitos novos de Arte, explorando as vastas terras da Pop Art. Aqui, o artista está sério, sem qualquer indício de sorriso, pois a vida é algo sério. O azul é um paradisíaco mar caribenho, num momento de prazer e descanso, num artista que, apesar de produtivo, quer curtir a vida e os simples momentos de prazer. Warhol não foi workaholic, como se soubesse que a vida não é só produzir. O preto nesta tela traz traços que revelam o aspecto gráfico, simplificando as imagens e colocando estas ao alcance da mídia de massa, oferecendo ao público produtos, pois um trabalho de Arte, apesar de trazer a individualidade artística autoral, não deixa de ser uma mercadoria, vendida a peso de ouro em leilões. Já ouvi dizer que a obra pertence sempre ao artista, mesma se esta obra tiver sido vendida. A pessoa que adquire uma obra é um cuidador, um portador, nunca um dono. É como se fosse um empréstimo. Um olho de serpente no centro de uma supernova. Uma coroa régia. Um fóssil de dinossauro descoberto. Um apelo comercial irresistível.

            Acima, Self-Portrait Box, ou seja, Caixa de Autorretrato, uma construção em madeiras, fio de lã vermelho-branco-azul, pregos e 50 fotos do artista Lucas Sâmaras, de 1963. Dor, muita dor, em uma mega crucificação, com sangue sagrando em vão. Esta peça lembra o demoníaco personagem de terror Hellraiser, uma entidade cruel e sádica, que rasgava a pele das pessoas com anzóis cruéis, horríveis. Porque aqui Lucas catarteia tanta dor? Os pregos toda a parte exterior visível aos olhos, inúmeros agentes de tortura. Aqui, há um calabouço inescapável. A peça convida à interação, convidando o espectador a ignorar a dor e apreciar a várias fotos do artista nesta caixinha de lembranças. O artista é bonitão, fotogênico, numa empatia que faz com que esqueçamos da dor promovida pelos pregos pontiagudos. As listras rubras exteriores da caixa são o sangue de Jesus, o homem mais incompreendido da História. O forro da caixa é negro, fechado, incomunicável, em luto permanente, num velório que nunca acaba. Se fechada, a caixa fica parecendo um corpo peludo, como um porcoespinho, que refrata quem quiser chegar muito perto. Esta caixa é como um cactos, e fere como a coroa de espinhos do Salvador. É o aspecto de uma barba que precisa ser urgentemente barbeada. Aqui, há um aspecto sujo, desleixado, e há a opção de abrir ou fechar, de avançar ou recuar, conforme a vontade do espectador – Lucas deixa o espectador livre, à vontade, confortável, apesar dos desconfortáveis pregos excruciantes. Aqui, há cheiro de coisa velha, mofada, que está guardada desde sempre, dando-nos a vontade de limpar, arejar, desodorizar. As fotos desse autorretrato pós moderno do artista são em preto e branco, na elegância do registro bicromático, com a eterna valsa de sedução entre claro e escuro. A foto PB tem um apelo clássico, atemporal, e o artista aqui sabe disso. É charme. Só que nem só de charme é feita a vida, e os pregos fincados estão aqui para lembramo-nos de que as coroas de espinhos são inevitáveis, porém suportáveis. Os pregos também parecem-se com delicadas flores com pescoço longilíneo, balançando suavemente ao vento. A caixa é um lúgubre caixão funerário, só que, no interior não há um morto, mas recordações de uma vida – aqui, não há um simples cadáver em decomposição, mas uma vida pulsante e charmosa. A impressão que se tem é a de que estamos invadindo um setor privativo da vida de Sâmaras, e que registros muito particulares estão sendo trazidos a público, no prazer do voyeurismo, dando ao espectador a sensação de estar vendo algo que não deveria estar vendo, numa sensação deliciosa de transgressão e sacanagem. Cada prego dolorosamente fincado é como palavras de crítica, palavras duras que repreendem o artista, num Lucas já calejado por lidar com tantas críticas que sempre rondam o trabalho de qualquer artista. Mas o artista é maior do que isso tudo, e renasce vitorioso, como na ressurreição de Cristo. A grande vingança do artista é, em algum momento, passar a ser apreciado, como num gênio que só foi plenamente reconhecido depois da morte – é uma doce vingança, como se o artista estivesse no túmulo rindo de todos que um dia desdenharam desse mesmo artista. Cada prego fincado traz um local, uma referência, marcando um endereço de alguma loja ou residência em um mapa. Aqui, Lucas está repleto de referências, de lugares, e é um mapa riquíssimo, em uma cidade vibrante e cheia de opções de trabalho, estudo e lazer. Lucas sonha com um mundo melhor, menos preconceituoso, mais livre, como no sonho de uma América democrática e livre, na qual as diferenças não são um empecilho, mas uma necessidade saudável. Esta peça lembra-me de um episódio de minha infância, quando um cachorro veio para cima de mim e me fez cair sobre uma moita de espinhos! As dores existem para ensinar, e elas têm uma função importante na vida. As dores são positivas, apesar de parecerem o contrário. Se arrancarmos cada prego, a caixa ficará toda furada, ferida, marcada, como inocentes poros, cuja função é deixar a pele respirar. Tudo o que um artista quer é respirar. É como um atribulado formigueiro, em constante atividade, como em uma cidade viva e vibrante como Nova York. São como fios de cabelos, crescendo sempre, com vida. É uma floresta densa de árvores-prego, ou uma elegante mata nativa de araucária, com seus troncos longos e elegantes.

Referência bibliográfica:
OSTERWOLD, Tilman. Pop Art. Köln: Taschen, 2007