quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Artistas Populares da Pop Art (Parte 5)




            Falo sobre vários artistas da Pop Art. As análises semióticas a seguir são minhas e não do livro base de Osterwold, minha referência bibliográfica.

            Acima, Ten-Dollar Bill, ou seja, Cédula de Dez Dólares, uma litografia de Roy Lichtenstein, de 1956. Aqui, Roy tem traços infantis, como uma criança que resolveu redesenhar a cédula de dez dólares. Está em preto e branco, como nos tempos áureos de Hollywood, nas telas prateadas. Aqui, a prata brilha como a Lua, e exerce seu infinito fascínio sobre o ser humano. A prata tem algo mágico, como um espelho, uma superfície reflexiva, que faz o ser humano olhar para si mesmo e refletir sobre a vida, sobre o destino, sobre a sorte, sobre a dor. O número dez é um agouro, um número redondo, como na ambição do estudante de tirar nota dez no boletim. E Lichtenstein tirou nota dez, tornado-se um dos mais célebres da Pop Art. O nome de Roy é sinônimo de genialidade, marcando uma época. Poucos artistas souberam impor-se de forma tão contundente, pois não há faculdade que ensine a brilhar. Esta cédula não serve para coisa alguma, e é uma brincadeira de criança, que acha que pode fabricar o próprio dinheiro, na inocência infantil. Aqui, RL encarna uma criança que se esmera para fazer o melhor possível, e o artista coloca para fora a criança dentro de si mesmo, numa candura incrível. A face na nota está absolutamente desfigurada, não podendo parecer-se com uma face humana, numa desfiguração que acomete aqueles que só pensam em dinheiro – há algo mais americano (e novaiorquino) do que amar dinheiro? Aqui, Roy subverte e cospe em cima da sociedade de consumo, trazendo a pureza infantil, numa criança que ainda não entende a tendência milenar materialista do ser humano. A criança quer dinheiro para comprar brinquedos e doces, nada mais. Ironicamente, esta obra que evoca o dinheiro torna-se preciosa por si mesma. O nome dos EUA está distorcido na cédula de brincadeira. Pode-se observar a lapela do terno do homem na cédula, um homem sem face. O espectador fica com vontade de observar o verso desta cédula inocentemente falsa. Roy deixa aqui um mistério em aberto, em suspense. É claro que dinheiro é importante, pois a pessoa tem que viver, provendo para si casa, comida e roupa lavada. Mas o pensamento infantil ainda não entende a dureza da vida. É como num episódio do seriado mexicano Chaves, quando Quico faz um vale de muito dinheiro para Chaves e este acredita na mentira, achando estar então milionário. Aqui, Roy tem um traço incerto, trêmulo, de uma criança esforçada em caprichar para mostrar o dever de casa feito para a professora. O sonho da criança é ter uma caligrafia tão linda quanto à da professora. Este trabalho de Roy exala simplicidade, como no número dez escrito de forma simples, claro como uma placa de trânsito. O cinza mescla-se com o branco, como um desenho de grafite. Na face humana desta “cédula”, três pontos alinhados, como no Cinturão de Órion, do modo como a criança olha para o céu sonhando em ser astronauta. As estrelas coruscam no céu noturno, guiando os navegadores. E o dinheiro guia a vida em sociedade, do mesmo modo como Lichtenstein guiou a Pop Art, ao lado de outros gigantes como Andy Warhol. Os grandes mestres revelam-se em sua própria simplicidade, conseguindo comunicar-se com o mundo. Esta obra parece estar suja, com um aspecto imundo, na sordidez da ganância, sendo esta incompreendida pela criança. Como diz o Espiritismo, nós, os adultos, temos muito o que aprender com as crianças. As amizades de infância são puras e inocentes, e as amizades por interesse permeiam a vida adulta. Nesta cédula infantil, o dinheiro é um meio e não um fim. O fim é divertir-se e tirar boas notas na escola. Esta obra é um desfile de formas geométricas, com diversas formas dançando no mesmo baile.


            Acima, Two-Dollar Bill (Front and Rear), ou seja, Cédula de Dois Dólares (Frente e Verso), uma serigrafia sobre tela, de Andy Warhol, de 1962. Um tapete de estampa monetária. Cédulas sendo fabricadas na Casa da Moeda. O verde é como campos exuberantes, no prazer da vida ao ar livre. Só que o dinheiro, ao invés de libertar, aprisiona. No verso da cédula, um desenho que parece ser a Casa Branca dos EUA, um Clube do Bolinha, no qual poucas mulheres destacam-se, criando expectativa na campanha eleitoral de Hillary Clinton. É o paraíso das conveniências capitalistas, dando a impressão de que basta destacar as cédulas para obter dinheiro líquido. O rosto estampado é da majestade de uma Elizabeth I da Inglaterra, firme, corajosa, paladina, verdadeira em sua coragem de declarar guerra a um poderosa potência, no caso, a Espanha. Esta obra de Warhol dá a impressão facilitadora de que dinheiro dá em árvore, e de que não precisamos de trabalho e nem de esforço para a obtenção de dinheiro. O número dois é yin e yang, irmãos gêmeos que, juntos, compõem Tao, o uno. O número dois é um casal casando-se na igreja, com um noivo rico e uma noiva bonita – não exige-se beleza do noivo e nem riqueza da noiva. É um casamento de conveniências, que nada tem a ver com amor. O número dois é frente e verso, nos dois lados da moeda, mostrando que tudo traz em si a sua própria contradição, nas divertidas ironias da vida. As cédulas são como indistintos tijolos, uma estrutura estatal na qual o indivíduo tem que enxergar além do dinheiro, pois, do contrário, cairá na teia, na cilada capitalista. As cédulas são o poder econômico nas mãos dos cidadãos privilegiados, pois, numa ditadura marxista, as cédulas são de total possessão do Estado, e o indivíduo é proibido de ter sonhos monetários, ao contrário do pensamento estadounidense, no qual o cidadão sonha em ser rico. As cédulas são como escamas de peixe no mar das oportunidades de negócios, pois o grande homem não foge à luta. Podemos sentir o cheiro de cédulas novas, recém impressas, como cheiro de carro novo, um cheiro que só os economicamente avantajados podem cheirar – o Capitalismo é excludente e, ainda assim, é de todos. A face na cédula é a cabeça cortada de Medusa, o monstro capitalista do dinheirismo. Com sua cabeça cortada, é inofensiva e exibida como um troféu, como o pescador exibe com orgulho o peixe pescado. As cédulas são como dentes impecavelmente escovados, na aparência impecável de um gerente de banco, numa limpeza que busca seduzir e conquistar a confiança do cidadão – uma boa aparência é um bom cartão de visitas. A numeração de cada cédula é o número de identificação do cidadão, como no número na carteira de identidade, e a pessoa é reduzida a mais um espermatozoide em meio a milhões de espermatozoides iguais. As colunas de cédulas são arrogantes prédios cujas salas comerciais custam caro, numa selva de prédios esguios e elegantes, fálicos, exalando verdade como na grande pedra de Meca. A América faz do dinheiro sua religião, como no fortíssimo filme O Lobo de Wall Street, no qual sexo, drogas e dinheiro são a trinca essencial da vida norteamericana, na insaciável sede por poder, muito poder. É o que diz o personagem Oráculo de Matrix: O que um homem poderoso quer? Mais poder. Quantos egos e ambições são construídos e destruídos todos os dias? Inúmeros. São os sonhos despedaçados. As cédulas formam uma cortina de teatro prestes a ser aberta, e o show das ambições toma forma. Aqui, na obra de Andy, as impressões não são perfeitas; são falhas. A máquina está com um problema, com uma anomalia, na imperfeição inevitável da existência. Warhol não quer ser perfeito; ele quer ser ele mesmo. E o dinheiro não pode conferir identidade. É aqui uma catarse, na qual ambições são vomitadas e eliminadas, faxinando a alma. A escala industrial revela-se em toda sua onipotência. É a Cortina de Ferro entre dois mundos – frente e verso.

            Acima, Flag Above White with Collage, ou seja, Bandeira sobre Branco com Colagem, uma encáustica e colagem sobre tela, de Jasper Johns, de 1955. Esta tela está com aspecto enferrujado, tendo sofrido uma espécie de erosão, um desgaste, como no desgaste de uma pessoa pública envolvida em escândalos públicos, como Bill Gates no episódio de Monica Lewinsky, quando o presidente negou ter tido interação sexual com a estagiária, mas foi (cientificamente) provado que ele mentiu, com base na mancha de esperma no vestido da infame garota. Aqui, parece que um esponjão de aço agrediu a tela, ferindo-a, sequelando-a, como uma cicatriz eterna, indeletável. Na extrema direita, quatro reproduções discretas e apagadas do mesmo homem, como no machismo da Casa Branca. Aqui, o homem público esforça-se para aparecer, mas é vencido por uma força maior. O homem nesta obra de Johns não está nítido, e dificilmente é reconhecido pelo eleitor. Em todas as estrelas da bandeira, há uma, na extrema esquerda, que está diferente, tortuosa, um tanto apagada. É a busca por diferenciais políticos em uma campanha para a eleição de um presidente. A estrela anômala destaca-se por ser diferente, por pensar em uma direção diferente. É como um produto no mercado, mais atraente, mais desejável. A estrela diferente parece ter sido desenhada por uma inocente criança, no desejo do infante de crescer e ser igual aos adultos, aos super heróis, aos ídolos do Esporte. As listras não são extremamente retilíneas, e sua erraticidade dá o charme de imperfeição a esta tela, pois não existe perfeição na vida, nem em uma carreira artística. O contraste entre linhas brancas e vermelhas é como um farol, que guia os navegadores e traz ordem ao mundo de caos dos oceanos. A bandeira nacional dos EUA é um farol, e todos os americanos estão unidos aos ideais de liberdade. As estrelas brilham no céu da América, e esta tela tem todo um visual rústico, bruto, verdadeiro, realista. O retângulo amarelado inferior é da cor de papel velho, vítima da passagem do tempo, nos velhos papéis em que a Constituição dos EUA foi escrita. Os americanos honram muito as próprias tradições, mas não são escravos destas. O americano quer venerar a América, mas não quer perder sua autonomia, seu poder de fazer opções e escolhas livres. As estrelas são como o uniforme da Mulher Maravilha, uma guerreira que, apesar da beleza, é dura como um tanque de guerra. A América é assim: bela e dura, num país bem mais jovem do que ricos países europeus. Os EUA cresceram relativamente rápido. E a diferenciada estrela anômala revela-se maravilhosa em sua singularidade, enquanto o restante das estrelas sofre com a indistinção, com a mediocridade. É o patinho feio, o qual descobre-se cisne e liberta-se do complexo de viralatas. Toda a tela parece ter sido feita por furiosas pinceladas, com pressa e agressividade, nunca importando-se em ter um aspecto imaculado, perfeito. As rasuras e riscos predominam aqui, num aluno que, no processo de aprendizagem, erra muito para aprender. As listras brancas são o desejo de paz, num desejo de viver com tranquilidade em meio às diferenças inevitáveis; as vermelhas servem de choque frente ao claro, ao branco. Jasper quer bombardear nossas mentes com vibrações cromáticas. Essa é a missão de cada artista – estimular mentes, provocar reações, mexer com as cabeças dos espectadores. E as imagens apagadas do homem são as inescapáveis vicissitudes da vida pública, com pessoas que um dia já estiveram no topo da cadeia alimentar, mas que depois degustaram o sabor do esquecimento, tornando-se esquecidos e ignorados – ninguém está por cima o tempo todo. O aspecto envelhecido desta tela mostra-se charmoso, desapegado, despojado. Não é insuportável uma pessoa dizendo que tudo é perfeitinho?

            Acima, Target, ou seja, Alvo, uma encáustica e colagem com papel de jornal, de Jasper Johns, de 1966. A força gravitacional de um alvo, esperando para ser alvejado, como na canção interpretada pela diva da MPB Elis Regina: De tanto levar “frechada” do teu olhar, meu peito até parece sabe o quê? “Táubua” de tiro ao “álvaro”. Não tem mais onde furar. O alvo é um coração apaixonado, sofrendo, amando, ficando indefensável contra as flechas do Cupido. Há aqui uma alegria cromática, com um laranja vibrante acompanhado de roxo e verde, com um fundo azulado e um quadrado branco abaixo. Aqui, o branco está como um alívio, um respiro, uma lacuna plácida em meio às cores carnavalescas. A paz branca opõe-se à agressiva prática de tiro ao alvo, na qual o atleta fica 100% focado no alvo, no objetivo, na meta. O atleta está com a atenção absolutamente voltada ao alvo, e cada pequeno tremor nas mãos pode comprometer o tiro. O alvo parece girar como uma mandala, com o charme feminino de suas curvas redondas, como num voluptuoso corpo de Marilyn Monroe. Jasper traz-nos pinceladas afoitas, mas há perfeição no delineamento das formas, e as linhas divisórias entre os elementos tornam-se muito nítidas – aqui, não quer-se confundir alhos com bugalhos. No quadrado branco, há pouquíssimas manchas de tinta, na inevitabilidade do ocaso, dos acidentes, do imprevisível, como um cantor levando um tombo em pleno palco, frente aos olhos da plateia. Aqui, há três formas de ângulos retos: o quadrado verde, o quadrado branco e, respaldando tudo, o retângulo azulado. Então o alvo entra para quebrar essa sisudez, com irreverência, com charme feminino. Os anéis concêntricos do alvo revelam uma hierarquia, com os homens mais aperfeiçoados regendo os mais toscos. E o laranja salta para fora, alvejando os olhos do espectador. É como se fosse uma lava quente de vulcão, levando tudo e todos consigo, destruindo Pompeia. O centro do alvo é o núcleo quente da Terra, furioso em sua temperatura inimaginável. O laranja aqui brilha como brasa quente em uma lareira, a qual está prestes a precisar de que a lenha seja reposta para o fogo não morrer. É como o demônio Balrog de O Senhor dos Anéis, um ser mítico feito de sombra e fogo, reinando nos submundos profundos do inconsciente humano, ceifando o pensamento racional. O laranja é como uma deslumbrante aurora, dourada em sua majestade, anunciando o desencarne e o retorno à Fonte. A pessoa dorme e tem um sonho, o qual é o pai da Aurora, a qual é a força de luz que vem. Aqui, o verde é intenso como uma verdejante mata tropical, transbordando de vida e de biodiversidade, na riqueza da vida na Terra. O laranja parece ouro fundido, pronto para ser transformado no que vier à mente do fabricante. É como um majestoso vitral de igreja, inundando o interior do templo com cor e alegria, num sonho belo, num mundo melhor, onde já juventude e vida eternas. O alvo é o Sol reinando no Sistema Solar, propagando suas ondas publicitárias em todas as direções, regendo uma grande família de esferas e asteroides, sustentando o Cosmos. A Pop Art foi um terremoto que abalou o mundo, no tremor de uma flecha abalando um alvo, o qual é o espectador.

            Acima, L.A. Times Bedspread (III), ou seja, Colcha L.A. Times, um tecido de Jann Haworth, de 1965. Jann traz-nos uma colcha amassada, com aspecto usado, precisando de uma boa passada de ferro. Imperfeição intencional. Há uma homenagem ao personagem policial Dick Tracy. Por que será? Há uma gravura de telefone analógico com os dizeres Traga um pouco de luz para a sua vida. Na extrema esquerda superior, várias gravuras de pessoas correndo, como em uma competição acirrada. As bordas da colcha emolduram a obra em tecido. É como uma mãe zelosa que costura para a família e para clientes, numa vida produtiva. Aqui, temos uma obra hermética, estranha, sem sentido óbvio. O enigma é entregue ao espectador, e cabe a este decifrar os códigos no trabalho de Haworth. O telefone é o contato com o mundo exterior, invadindo o lar com sua sineta, avisando que há pessoas em busca de interação social. O disco de números é um disco voador, gravitando sobre a Terra e escondendo-se da Humanidade. Há nomes escritos pela colcha, e há grandes espaços em branco, como orlas virgens, em areias que sempre apagam as pegadas, não deixando vestígios. O tecido parece ter rugas, dando sinais de trajetória, de história, de experiência. A colcha é o acolhimento da cama, do momento de descanso, no qual a pessoa joga-se e esquece-se do mundo lá fora, por mais que o telefone toque. A colcha é como um diploma de graduação, reconhecendo esforços e conferindo distinções. É como uma carta escrita que foi amassada e jogada fora, desprezada, sendo aberta depois, restaurada. É o arrependimento de quem desprezou algo que nunca foi desprezível. As figuras humanas correndo são a competitividade, num âmbito em que muitos artistas buscam reconhecimento, consagração; são multidões correndo para o cinema para ver um blockbuster, nas comoções da cultura de massa. A colcha tem um aspecto sujo e usado, tendo servido a inúmeras noites de sono. E por que trazer luz para a vida? Porque comunicar-se com outrem é a luz da vida em sociedade, e tudo o que o artista quer é comunicar-se com o mundo lá fora. A vida em sociedade é iluminada, desprezando submundos e subconjuntos. O ser humano foi feito para a vida em sociedade, como mostra o filme O Iluminado de Stanley Kubrick, baseado na obra de Stephen King, película que mostra o personagem de Jack Nicholson enlouquecendo em um contexto de isolamento social. A colcha é a proteção, o lar, o acalento, o acolhimento a quem está exausto e com sono. O aspecto amassado lembra a estampa de mármore, charmosa, tortuosa, orgânica. O telefone e os dizeres acima deste estão emoldurados por um retângulo, no formato de um arranhacéu, como no monólito misterioso de 2001- Uma Odisseia no Espaço, de Kubrick também. É a austeridade de prédios imponentes, numa vida em sociedade, em convívio, em comunhão. Dick Tracy representa a lei, o respeito às normas e às linhas divisórias entre meu lote e o lote do vizinho. Tracy é o mocinho de caráter incorruptível, zelando pela segurança dos cidadãos. O telefone toca com uma chamada para Dick, e o mundo precisa de sua ajuda. A luz aludida é a Lei, igual para todos os cidadãos, regendo o mundo e estabelecendo noções de apuro moral, pois a moralidade é característica certa dos espíritos elevados. Infelizmente, neste livro de Osterwold, temos um registro fotográfico em preto e branco, não podendo fazer-se uma análise cromática deste trabalho de Haworth.

Referência bibliográfica:
OSTERWOLD, Tilman. Pop Art. Köln: Taschen, 2007

Nenhum comentário:

Postar um comentário