Falo sobre vários artistas da Pop
Art. As análises semióticas a seguir são minhas e não do livro base de
Osterwold, minha referência bibliográfica.
Acima, Liz, uma serigrafia sobre tela de Andy Warhol, de 1965. Aqui, a
célebre estrela está com um aspecto de Curinga, o arquinimigo de Batman. Os
cabelos negros contrastam com os loiros célebres de Marilyn Monroe, outro
monstro midiático. A estrela está certa de si, sabendo que exerce fascínio
sobre a Terra. Sua sombra verde sobre os olhos são o verde erótico do Éden,
moradia sagrada onde reina a paz e a harmonia. O vermelho nos lábios extrapola
o contorno real dos lábios, numa maquiagem circense, visto que o showbusiness
nada mais é do que circo. O cabelo da estrela é lustroso, aveludado, cetinoso.
Podemos sentir uma deliciosa fragrância no ar, tanto que Liz Taylor lançou em
vida uma fragrância. O cabelo de Liz aqui é incerto, ondulado como traiçoeiras
ondas no mar, castigando marinheiros. Temos tempestuosidade, visto que a
estrela era, na vida real, uma barraqueira que se casou inúmeras vezes, numa
vida pessoal turbulenta. Liz recebeu em vida o título de Dama do Império
Britânico. Foi uma rainha a seu próprio modo, reinando na indústria
cinematográfica, quase quebrando um estúdio com o fracasso da película Cleópatra, um dos maiores abacaxis da
História. Aqui, Liz desdenha de quem duvida de seu calibre estelar, sorrindo
sarcasticamente daqueles que a consideram uma pseudoestrela. Liz Taylor sabia
que uma boa maquiagem é o segredo de uma boa fotogenia, e não vivia sem um
maquiador. Seus olhos e sobrancelhas eram impecavelmente delineados, e suas
feições delicadas enchiam a tela de glamour. Poucas atrizes conseguiram
preencher a tela como Liz o fez. Liz viveu, cresceu e envelheceu em público, no
eterno aprisionamento das estrelas em suas respectivas vidas públicas. Certa
vez, ao entregar um prêmio, a estrela disse: Estou acostumada a receber prêmios e não a entregá-los. Amiga
íntima de Michael Jackson, Liz Taylor mostrou em público o desenvolvimento de
seu próprio busto, mostrando que crianças crescem. Foi uma vida pública. Andy
Warhol amava as estrelas hollywoodianas, tornando-se ele mesmo uma estrela.
Andy brincava com as imagens veiculadas pelas mídias de massas, e soube traduzir
isso tudo em sua arte. Andy amava quaisquer manifestações artísticas, e levou a
Pop Art em encontro às figuras midiáticas. Liz Taylor aqui está emblemática,
marcante, e seus olhos hipnotizam o espectador. Seus cabelos são negros como a
asa da graúna, e a estrela nunca teve que ser loira para arrebatar o mundo. Ao
interpretar uma estrela de cinema em um filme baseado em um romance policial de
Agatha Christie, Liz entregou-se à metalinguagem, pois era astro falando de
astro, e ninguém melhor do que um astro para interpretar outro astro. Nesta
obra de Warhol, a pele da estrela é simplesmente impecável, feita de seda. Seu
nariz é delicado e de perfeitas feições, algo que provavelmente Michael Jackson
quis imitar sob cirurgias plásticas. Beleza não se compra; beleza se tem. Liz
deu sua beleza às telas, e ocupa o restrito rol de gigantes do panteão
hollywoodiano. A função das estrelas é causar comoção; é provocar pensamento
artístico. O negror dos cabelos de Taylor são uma noite estrelada de verão,
amena, deliciosa, sedutora, agradável. O sobrenome Taylor quer dizer Alfaiate,
mostrando que um antepassado da estrela ocupou tal função. E Liz foi isso, uma
costureira que confeccionava momentos de brilho na tela, como pedras
coruscantes em um vestido de gala. Aqui, Liz sabe que é uma dos grandes, e sabe
que tem seu lugar garantido na História.
Acima, Self-Portrait with Badges, ou seja, Autorretrato com Insígnias, um óleo sobre madeira de Peter Blake,
de 1961. Aqui, insígnias abundantes, excessivas, carregadas, como se fossem
propaganda política de muitos candidatos. Na mão, uma revista com o rei Elvis
Presley com uma mulher, de estatura mais baixa, na eterna lei machista
patriarcal, na qual a mulher tem que estar abaixo do homem. O mundo
heterocentrado depende dessa situação de submissão feminina: se é uma mulher
que é sustentada por um home, ok; se é um homem sustentado por uma mulher, não
é ok. Pintando a si próprio, Blake tem uma pele parda, escurecida, e este
quadro é todo meio sombrio, imprevisível, misterioso como um assassinato em um
romance policial. Peter usa um par de tênis confortáveis, informais, práticos,
na marca registrada do estilo americano de ser. Ele usa calça e casaco jeans,
outra forma de estilo americano de vestir. As bainhas das calças estão
dobradas, sem dar-se ao trabalho de mandar uma costureira costurar uma bainha.
Peter está com uma camisa pólo vermelha, vibrante como sangue, o líquido
essencial da vida. Atrás de PB, uma cerca de madeira escura, com alguns galhos
sombrios de árvores e folhas chacoalhando a um vento persistente, em um cenário
de incerteza e instabilidade. Tudo aqui é sombrio, até mesmo a expressão de
Blake, com olhos petrificados que observam o espectador que o observa, numa
troca de sensações e percepções. Blake está imóvel, paralisado, e não sabemos o
que ele pensa. Na cerca de madeira, uma brecha, um escape, uma folga em meio a
um mundo tão aprisionador. Acima da revista de Elvis, uma etiqueta com as
listras e estrelas da bandeira americana, na vocação de Blake em busca de uma
identidade americana, de uma independência estilística. O tecido jeans é de um
azul marinho bem discreto, e a roupa trás amassaduras charmosas, como cabelos
grisalhos ou uma barba por fazer. Um pouco de desleixo tem seu encanto. Blake
aqui está desprovido de movimento, ao contrário da vegetação atrás, que dança
sensualmente. Dei-me ao trabalho de contar quantos bótons Blake tem aqui:
trinta e cinco, num excesso premeditado. Os bótons são as numerosas mensagens e
conceitos transmitidos pela cultura de massa, da qual Elvis foi um verdadeiro
embaixador. Nas pinceladas de Blake, nada é extremamente nítido ou claro, e a
sugestão de pinceladas incertas e livres mostram o estilo do artista. O quadro
todo é escuro, e em poucos lugares deste quadro as cores claras ganham espaço.
Blake segura uma revista porque a indústria editorial é um dos maiores pilares
da cultura de massa e da indústria cultural. Astros e estrelas estampam as
capas, na tentativa de portar irresistibilidade aos olhos cidadão comum, que
contempla as pessoas públicas e notórias. Na revista, a mulher está
completamente acolhida pelo Rei, o qual protege-a na sua obrigação patriarcal
de ser o inabalável machão provedor. Trata-se de uma imagem que expõe
preconceitos, e, para um artista, ser medíocre e preconceituoso é inaceitável;
é insuportável. O artista quer sempre pensar acima da média, revelando seu
próprio talento. Os olhos de Blake hipnotizam aqui, e os bótons, geralmente
redondos, vibram em sua diversidade, no sonho de uma América diversificada, na
qual as diferenças são democraticamente respeitadas. Os bótons são redondos
como o mundo, e o sonho de um artista é ser mundialmente aclamado. A camisa
vermelha está completamente abotoada, quase sufocando Blake, impondo disciplina
ao artista, o qual tem que se dedicar consideravelmente, sempre persistindo.
Blake está praticamente simétrico neste autorretrato, com exceção, por exemplo,
das mãos: uma delas está escondida, dentro do bolso da jaqueta jeans. Isso
ocorre porque Blake tem uma porção de usa vida, a privacidade, que tem que ser
protegida, impondo respeito, visto que as revistas e jornais de fofoca, como
esta revista segurada por Blake, são inescrupulosos na hora de expor a vida
íntima de pessoas públicas.
Acima, Bellevue II, uma serigrafia sobre acrílico sobre tela de Andy
Warhol, de 1963. Warhol adora as repetições do clichê industrial, como jornais
impressos massivamente. Bellevue é uma cidade localizada no estado americano de
Washington. Uma rua com impessoais paralelepípedos, onde cada peça carece de
individualidade, como no sistema democrático, no qual todos os cidadãos são
iguais na hora de votar, numa contradição, pois, num sistema opressor, os
cidadãos também são iguais! Um policial uniformizado, ou seja, no exercício da
função, está parado e observando, enquanto um segundo está agachado e abordando
cidadãos, provavelmente dois – um veste branco e está de cócoras, debruçado
sobre algo ou alguém, enquanto outra pessoa está estirada no chão. A figura do
homem de branco lembra o formato da face de um alienígena. Andy não nos traz
muita clareza aqui, e o espectador tem que ver aquilo que acha que deve ver.
Será um momento de abordagem policial a suspeitos? Será o artista flagrando um
momento em que a Lei se faz presente? Aqui há borrões incertos, como uma
grotesca fotocópia, a qual subtrai muito da qualidade da fotografia xerocada.
Nas figuras mais abaixo no quadro, há uma confusão e um embolamento, e as
imagens caem umas sobre as outras. Seria um homem morto no chão, na cena do
crime? Seria o homem de branco preso em flagrante? O que diabos está
acontecendo aqui? A cena passa-se numa calçada, à margem da rua, num ponto de
limiar, de exclusão. A qualidade visual é grotesca, de propósito, é claro. O
artista aqui não tem preocupação alguma em trazer nitidez e certeza, e esse
obscurantismo é o que predomina nesta cena. E por que a ausência de cor? Seria
para mapear o conflito racial norteamericano, como no Sul dos EUA, numa época
em que a segregação entre preto e branco era aceita como civilizada? As fotos,
distribuídas umas ao Aldo das outras, são como os paralelepípedos, numa
tentativa de ordem e organização, ordem esta representada pelos policiais.
Estaria no chão alguém morto violentamente? Essa ausência de nitidez mostra um
Warhol confortável em seu próprio estilo, fazendo a revolução que a Pop Art
representou – a Arte nunca mais foi a mesma. O policial em pé fornece-nos uma
silhueta, a partir da qual adivinhamos que se trata de um policial. Será que,
agachados, há dois policiais e não apenas um? O homem de branco traz a
ritualidade da cor branca, como médicos, espíritas e praticantes de candomblé,
por exemplo. Será que o homem de branco é mesmo negro ou se trata de uma
confusão, visto que aqui Andy não tem preocupação em transmitir clareza de tom?
As fotos repetidas são como televisões expostas em uma vitrine de loja de
artigos eletrônicos, mostrando a repetição massiva de informações midiáticas,
transportando imagens e conceitos aos quatro cantos da nação, criando um poder
midiático no qual quanto mais divulgação, melhor. A mídia é quantitativa, como
uma pessoa com milhares de amigos no Facebook. O que importa aqui é a
quantidade, e não a qualidade. A cultura de massa revela-se na sua vocação de
esteira industrial, na qual desfilam produtos produzidos em massa, buscando
conquistar o maior número possível de consumidores. Quanto mais um produto for
adquirido, melhor – é a ambição mercadológica. Marqueteiros quebram a cabeça em
busca de elaboração de conceitos que vendam, e o mundo publicitário quer
seduzir. Aqui, Andy traz-nos uma cobertura jornalística falando sobre o que aconteceu
nessa calçada obscura, e quanto mais telespectadores um telejornal tiver,
melhor. E, para Warhol, quanto mais pessoas gostarem e adquirirem os trabalhos
de Warhol, melhor. Todos querem sucesso. A silhueta negra do policial em pé
contraste com um fundo esclarecido, fazendo deste personagem o ponto central da
trama – o resto é incerto, como um borrão sugestivo, conotativo, nunca claro. O
homem de cócoras parece estar defecando, em surto catártico, limpando sua
própria alma, e o cocô da catarse torna-se Arte. A rua aqui está impecavelmente
limpa, e o assassinato em questão traz sujeira, crime, negatividade.O policial
lá está para garantir a integridade do cidadão honesto. E Warhol foi íntegro em
sua própria arte, esforçando-se para ser novo e criativo.
Acima, Self-Portrait, ou seja, Autorretrato,
um acrílico e serigrafia sobre tela de Andy Warhol, de 1967. Aqui, Andy está
pensativo, em dúvida, ponderando sobre escolhas, visto que a vida é feita de
escolhas. Está cuidadoso, fitando o espectador, querendo estabelecer um
relacionamento, um vínculo. Sua pele está azul como o céu, azul como os
personagens fantásticos do filme Avatar.
Seu cabelo está impecavelmente penteado, arrumado, aprumado, como se o artista
tivesse se preparado para ser observado por inúmeros espectadores. O fundo é
rosa, delicado, tenro, como um miolo de carne malpassada, pois Andu foi
delicioso, um belo filé com guarnições chiques. Warhol foi alimento não só para
os espectadores, mas para outros artistas também. Os dedos de Andy estão como
se ele estivesse tragando um cigarro, num momento relax, tranquilo, de
introspecção, talvez pensando nos trabalhos que fará posteriormente e se esses
trabalhos serão bem recebidos, pois o artista tem a expectativa de ser visto e
compreendido, e muitos artistas são malcompreendidos, como Jesus Cristo
crucificado, extremamente malcompreendido. Os cabelos de Andy têm nesgas
castanhas, mas, apesar das cores, esta tela é sombria, imprevisível. Ao lado do
artista, um grande retângulo negro, num trabalho com um metro e oitenta de
altura. Mas, no restante do cabelo, preto, assim como traços da face e como o
traje usado pelo artista. É um autorretrato sombrio, pessimista, denso, e não
podemos ver o que o artista quer dizer. Será que há depressão? Será que há
melancolia? Será que há um futuro bem incerto? Será que o artista manter-se-á
no topo, sendo sempre amado e respeitado? O azul é o céu limpo, claro, profundo
em sua beleza colorida e limpa. No azul do céu, o artista deposita seus sonhos
e ambições, sempre batalhando para ser reconhecido. Sua orelha é saliente, e o
azul remete aos personagens infantis Smurfs. Por que esta subversão de cores,
retratando a pele sem a cor original da pele? Existe algo mais monótono do que
um artista óbvio e previsível? Warhol surpreendeu o mundo, merecendo ter
conquistado a posição de ultradestaque que conquistou. O rosto e mão do artista
trazem traços pretos que delineiam uma personalidade que, apesar de
contemplativa, é ativa e trabalhadora. Aqui, podemos observar apenas uma metade
do rosto, como os dois lados da Lua – um sombrio e um claro. A face negra é a
licença que Andy pede para que sua vida particular seja respeitada, revelando
uma personalidade reservada e discreta, num atelier dinâmico e produtivo. As
proporções desta tela são a de uma capa de disco vinil ou CD, como um popstar vendido
em uma loja, como perfume. É claro que AW tinha intenções comerciais, pois todo
mundo tem que ganhar a vida. Aliada a isso, vem o comprometimento artístico, a
integridade criativa, sempre oferecendo conceitos novos de Arte, explorando as
vastas terras da Pop Art. Aqui, o artista está sério, sem qualquer indício de
sorriso, pois a vida é algo sério. O azul é um paradisíaco mar caribenho, num
momento de prazer e descanso, num artista que, apesar de produtivo, quer curtir
a vida e os simples momentos de prazer. Warhol não foi workaholic, como se
soubesse que a vida não é só produzir. O preto nesta tela traz traços que
revelam o aspecto gráfico, simplificando as imagens e colocando estas ao
alcance da mídia de massa, oferecendo ao público produtos, pois um trabalho de
Arte, apesar de trazer a individualidade artística autoral, não deixa de ser
uma mercadoria, vendida a peso de ouro em leilões. Já ouvi dizer
que a obra pertence sempre ao artista, mesma se esta obra tiver sido vendida. A
pessoa que adquire uma obra é um cuidador, um portador, nunca um dono. É como
se fosse um empréstimo. Um olho de serpente no centro de uma supernova. Uma
coroa régia. Um fóssil de dinossauro descoberto. Um apelo comercial
irresistível.
Acima, Self-Portrait Box, ou seja, Caixa
de Autorretrato, uma construção em madeiras, fio de lã
vermelho-branco-azul, pregos e 50 fotos do artista Lucas Sâmaras, de 1963. Dor,
muita dor, em uma mega crucificação, com sangue sagrando em vão. Esta peça
lembra o demoníaco personagem de terror Hellraiser, uma entidade cruel e sádica,
que rasgava a pele das pessoas com anzóis cruéis, horríveis. Porque aqui Lucas
catarteia tanta dor? Os pregos toda a parte exterior visível aos olhos,
inúmeros agentes de tortura. Aqui, há um calabouço inescapável. A peça convida
à interação, convidando o espectador a ignorar a dor e apreciar a várias fotos
do artista nesta caixinha de lembranças. O artista é bonitão, fotogênico, numa
empatia que faz com que esqueçamos da dor promovida pelos pregos pontiagudos.
As listras rubras exteriores da caixa são o sangue de Jesus, o homem mais
incompreendido da História. O forro da caixa é negro, fechado, incomunicável,
em luto permanente, num velório que nunca acaba. Se fechada, a caixa fica
parecendo um corpo peludo, como um porcoespinho, que refrata quem quiser chegar
muito perto. Esta caixa é como um cactos, e fere como a coroa de espinhos do
Salvador. É o aspecto de uma barba que precisa ser urgentemente barbeada. Aqui,
há um aspecto sujo, desleixado, e há a opção de abrir ou fechar, de avançar ou
recuar, conforme a vontade do espectador – Lucas deixa o espectador livre, à
vontade, confortável, apesar dos desconfortáveis pregos excruciantes. Aqui, há
cheiro de coisa velha, mofada, que está guardada desde sempre, dando-nos a
vontade de limpar, arejar, desodorizar. As fotos desse autorretrato pós moderno
do artista são em preto e branco, na elegância do registro bicromático, com a
eterna valsa de sedução entre claro e escuro. A foto PB tem um apelo clássico,
atemporal, e o artista aqui sabe disso. É charme. Só que nem só de charme é
feita a vida, e os pregos fincados estão aqui para lembramo-nos de que as
coroas de espinhos são inevitáveis, porém suportáveis. Os pregos também parecem-se
com delicadas flores com pescoço longilíneo, balançando suavemente ao vento. A
caixa é um lúgubre caixão funerário, só que, no interior não há um morto, mas
recordações de uma vida – aqui, não há um simples cadáver em decomposição, mas
uma vida pulsante e charmosa. A impressão que se tem é a de que estamos
invadindo um setor privativo da vida de Sâmaras, e que registros muito
particulares estão sendo trazidos a público, no prazer do voyeurismo, dando ao
espectador a sensação de estar vendo algo que não deveria estar vendo, numa sensação
deliciosa de transgressão e sacanagem. Cada prego dolorosamente fincado é como
palavras de crítica, palavras duras que repreendem o artista, num Lucas já
calejado por lidar com tantas críticas que sempre rondam o trabalho de qualquer
artista. Mas o artista é maior do que isso tudo, e renasce vitorioso, como na
ressurreição de Cristo. A grande vingança do artista é, em algum momento, passar
a ser apreciado, como num gênio que só foi plenamente reconhecido depois da
morte – é uma doce vingança, como se o artista estivesse no túmulo rindo de
todos que um dia desdenharam desse mesmo artista. Cada prego fincado traz um
local, uma referência, marcando um endereço de alguma loja ou residência em um
mapa. Aqui, Lucas está repleto de referências, de lugares, e é um mapa
riquíssimo, em uma cidade vibrante e cheia de opções de trabalho, estudo e
lazer. Lucas sonha com um mundo melhor, menos preconceituoso, mais livre, como
no sonho de uma América democrática e livre, na qual as diferenças não são um
empecilho, mas uma necessidade saudável. Esta peça lembra-me de um episódio de
minha infância, quando um cachorro veio para cima de mim e me fez cair sobre
uma moita de espinhos! As dores existem para ensinar, e elas têm uma função
importante na vida. As dores são positivas, apesar de parecerem o contrário. Se
arrancarmos cada prego, a caixa ficará toda furada, ferida, marcada, como inocentes
poros, cuja função é deixar a pele respirar. Tudo o que um artista quer é
respirar. É como um atribulado formigueiro, em constante atividade, como em uma
cidade viva e vibrante como Nova York. São como fios de cabelos, crescendo
sempre, com vida. É uma floresta densa de árvores-prego, ou uma elegante mata
nativa de araucária, com seus troncos longos e elegantes.
Referência
bibliográfica:
OSTERWOLD,
Tilman. Pop Art. Köln: Taschen, 2007
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