quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Artistas Populares da Pop Art (Parte 6)




            Falo sobre vários artistas da Pop Art. As análises semióticas a seguir são minhas e não do livro base de Osterwold, minha referência bibliográfica.

            Acima, Journal, um liquitex de polímero e acrílico sobre tela, de Howard Kanovitz, de 1972-73. Enorme, com quase três metros de altura. O eterno namoro da Pop Art com a mídia de massa. Uma jovem Mia Farrow dando uma de modelo. A maquiagem da modelo é bem anos 70, com ênfase nos cílios (fartos). Sua franja emoldura um belo rosto. Ela não sorri e está atônita, chocada, incomodada, incerta. Ela não sabe direito quem ela própria é e nem para onde vai. Ela não sabe o futuro da carreira de modelo, e age instintivamente, com inteligência emocional, com sensibilidade. Será que ela vai deslanchar depois da capa desta revista? Será que o mundo aclama-la-á? As pontas da franja são incertas, irregulares, assim como as expectativas da modelo. Uma carreira de modelo pode ser bem cruel e difícil, num mercado concorrido, no qual há muitos corpões e rostinhos bonitos ambicionando as mesmas oportunidades, num mercado que exige condicionamento sobre humano dos modelos, num sistema volúvel que, do mesmo modo como adota e contrata um modelo, descarta-o logo depois. A modelo Shirley Mallmann foi entrevistada certa vez sobre sua irmã mais nova, se esta seguiria os passos da irmã no mundo da moda, e Shirley disse que não, pois, amando sua irmã, não desejaria para esta uma vida de modelo. A mídia é um monstro faminto, sempre em busca de frescor, de novidade, de juventude. A juventude feliz é uma invenção de velhos, e ser muito jovem não é bom. Aqui, os olhos da modelo estão atentos, tensos, observando o mundo. Seu rosto belo é arrebatador, e chama a atenção em uma banca de revistas, significando vendas e movimento de capital. O mundo bonifica quem promove vendas. A boca da modelo está levemente entreaberta, revelando uma faixa mínima de dentes. Não há sorriso aqui, só dúvida, uma dúvida muito humana, imperfeita, inevitável. Em questão de pouco tempo, virá uma nova semana, um novo mês, e a modelo será substituída por outra, e assim a mídia elege seus deuses do momento, numa festa com prazo de validade. Essa cascata de fome interminável é inevitável, como no Facebook, onde informação é soterrada por mais informação que, por sua vez, é soterrada por ainda mais informação. O mundo não para. A mídia não para. A vida é luta. Um laço ao redor do pescoço da modelo enforca-a, descarta-a, sacrifica-a, e os breves quinze minutos de fama mostram-se finitos, limitados. É como aparecer em uma glamorosa coluna social: hoje, você está em evidência e é um deus nas páginas de um jornal; amanhã, você foi esquecido e deletado. A modelo parece saber disso, e sua expressão atônita diz à moça que tudo tem seu prazo. Seus olhos têm uma cor incerta, azul ou cinza – não se sabe. É um tom misterioso, nunca óbvio. Seus cabelos escuros servem de base para os textos em branco, num contraste chamativo, feito por quem entende de capas de revistas. A modelo parece ter ao redor do pescoço uma cobra assassina sufocante, enforcando a modelo, sacrificando-a e transformando-a em presa. A modelo parece estar sentindo o sufocamento, e nada pode fazer para aplacá-lo – ela, a modelo, está condenada. Suas feições suaves sequer linhas de expressão têm, muito menos têm rugas, na busca incessante do ser humano por boa aparência. A modelo é uma boneca, uma Barbie, competente em sua fotogenia, eliminando candidatas com as quais concorreu por esta capa de revista – é o canibalismo competitivo, inerente à vida. A coisificação toma forma; o fetiche do objeto, também, e a revista é um objeto palpável, físico, material, valendo como troca por uma certa quantia de dinheiro. A América precisa viver, comer, vestir, e o trabalho não pode cessar.

            Acima, Performing K.K. No. 2 (Sunday Edition), ou seja, Performance K.K. No. 2 (Edição de Domingo), um óleo sobre tela de Öyvind Fahlström, de 1963-64. Estranhíssimo. Esplêndido. Corajoso. Uma história em quadrinhos sem pé nem cabeça, numa cristalização do inconsciente do artista. Há um camundongo que remete a Mickey Mouse, e o animal dá gargalhadas frente a uma janela gradeada de uma prisão, no aprisionamento da mente que reprime a si mesma. Ser artista é dar fluidez ao próprio pensamento, nunca omitindo lampejos e insights. Uma banheira transborda de água, no excesso dos egos transbordantes, tão comuns no meio artístico (e no restante do mundo também). Aqui, o vermelho é abundante, servindo de base para um aquecimento cromático, como molho de tomate. O amarelo também está presente, dando a cor para paredes. No último e maior quadro, o preto predomina, na dúvida, no obscurantismo, nunca revelando o que está por vir, em um mistério implacável. Dois grandes ovos azuis são como dois testículos castrados, como Fahlström teve que não se autorreprimir para fazer esta história em quadrinhos inquietante. Uma árvore é engolida pela escuridão, escondendo em si o segredo da vida, da fertilidade. As palavras faithful e foolish, ou seja, fiel e tolo, estão associadas, num enigma de redação – aquele que é fiel acaba sendo passado para trás. Pessimismo. Falta de ilusões em relação ao ser humano, como Tolkien não tem ilusões em relação à Humanidade. Um homem com estrela de xerife está abaixo da janela da cadeia, assustado, acovardado. Aqui, o xerife aparece diversas vezes. O xerife é a luz da Lei; é o agente da ordem, buscando trazer paz e estabilidade a este divertido mundo sem sentido de Fahlström. O xerife diz Um dia adorável, tão livre de mal, tão livre de pecado, tão livre de camundongo, tão livre de (...). O xerife quer um dia pleno, produtivo, belo, proveitoso. Mas o camundongo vem a desestabiliza tudo. Parece que um trilho de trem passa por cima do xerife, e, atrás, um aparelho de aspirador de pó, tentando limpar, tentando colocar a casa e o dia em ordem. Neste genial trabalho de Fahlström, tudo é incerto. Só há sugestão, nunca certeza. É um mundo próprio, com suas próprias leis misteriosas. É o confortável berço das projeções psíquicas, fazendo do sonho durante a noite um enredo que precisa ser desvendado e decodificado com a ajuda de alguém. Aqui, pouco pode ser visualizado com clareza, e cada espectador vê o que quiser ver, numa liberdade interminável de interpretação. No quadro maior, abaixo, uma esfera negra, como uma ameaçadora bomba, prestes a destruir tudo. É o negror do mistério. Ao lado do camundongo, um fogo começando a se espraiar, ameaçando o xerife, cuja cabeça parece estar sendo esmagada por um tijolo. Aqui, vemos canos, estradas, esculturas, caminhos, pontes e trajetos, e nunca sabemos de onde vêm ou para onde vão. Esta obra de Fahlström tem suas próprias indecifráveis regras, e o espectador é convidado a embarcar nesse passeio, sendo fiel ao autor e deixando que este chame o mundo de “bobo”. Fica-se abobado aqui, pois os elementos visuais e textuais poucas pistas dão, tornando-se um labirinto dinâmico, o qual está em permanente mutação, sendo traiçoeiro para com quem quer chegar ao centro desta charada. É como um momento onírico, cheio de projeções indagantes e inquietantes. Que viagem. Escadas variadas que levam a muitos destinos. Vemos algo que parece uma lanterna, a qual tem a difícil função de compreender este caos todo, esta falta de direção. Essa é a intenção de Fahlström – desnortear. Aqui, há muitas perguntas para poucas respostas. E por que uma prisão? Será porque o autor sente-se preso a um mundo tão óbvio, a um mundo no qual há tanta obviedade e tão pouca sofisticação? Este é um manifesto de Fahlström, num artista querendo ser sinônimo de estranheza, de mistério. Fahlström quer ser diferente, e consegue. Impossível imaginar um artista parecido com este. Cada quadrinho aqui é uma janela para o indecifrável, e livres interpretações abundam. Por que o camundongo ri? Seria o camundongo um impulso do inconsciente? Por que um animal? Seria alusão à Disney, sendo esta um símbolo da cultura de massa norteamericana?

            Acima, Eddie Diptych, ou seja, Díptico Eddie, um óleo sobre tela de dois painéis de Roy Lichtenstein, de 1962, no estilo inconfundível de RL. A moça loira teve uma grande decepção amorosa por um homem chamado Eddie. Ela é consolada pela mãe, que a oferece algo para comer, mas a moça quer ficar só em seu próprio quarto, abatida, magoada. Seus cabelos loiros cacheados emolduram um rosto tenso, sério, com uma sensação de amargor na boca. A moça olha para o nada, e demorará algum tempo para sorrir novamente, mas sobreviverá. A mãe sabe que não pode fazer algo a respeito, oferecendo um pequeno consolo de carinho, sabendo que a filha é jovem e que esta encontrará outro rapaz, alguém respeitoso e cheio de amor para dar. A moça quis casar, ter filhos, construir uma vida ao lado do rapaz em questão, mas ele nunca a quis profundamente, e a moça passa a perceber que o rapaz não estava lá de coração aberto, mas fechado, enclausurado, inacessível, escondido, distante, frio. A blusa da moça é verde porque esta é ainda jovem e inexperiente, verde como uma fruta prematura. O fundo vermelho entra em harmonia com os lábios das duas, num momento de identidade feminina, numa conversa de mãe para filha. A mãe provavelmente já passou por experiências semelhantes às da filha, e aquela quer dar conselhos sábios, dizendo à filha que esta sobreviverá, apesar da situação ser aparentemente tão esmagadora e inescapável. As sobrancelhas da moça são tensas, e ela nunca imaginou que o rapaz em questão seria capaz de magoá-la tanto. Ela está com um tanto de ódio no coração em relação a Eddie, o qual fugiu para bem longe, fora do alcance, dono de um coração amedrontado, imaturo. Eddie tem medo de intimidade, e a moça queria ser muito íntima dele. A moça queria amor; Eddie, sexo. A moça está se dando conta de que Eddie jamais esteve lá com o coração dele, com os sentimentos dele. Eddie tem medo de se entregar. A moça está indignada porque ela tinha intenções nobres e carinhosas para com Eddie. A sombra abaixo do queixo da moça joga um momento de negror no quadro, num momento em que a moça acha que jamais recuperar-se-á de tamanho choque. Apesar da mãe estar preocupada, esta, na sua sabedoria da idade, sabe que esta fase passará, e que a filha encontrará o tão desejado amor de sua vida. A cor púrpura da roupa da mãe tem tons de hematoma, como no dano emocional que tanto está magoando a moça. Mas o hematoma vai sarar e um belo dia de céu de brigadeiro virá, apesar da moça estar deprimida e achar que jamais dará a volta por cima. Os cabelos negros da mãe compreendem o momento de incerteza emocional da filha. A pele de ambas é alva, imaculada, do mesmo modo como a mãe passou por vários choques e recuperou-se em triunfo, sarando o machucado. E a mãe quer dizer isso à filha, a qual que ficar reclusa, amargando este momento duro, purgando. Quando é para uma pessoa passar por um certo momento existencial, nada pode demovê-la desse momento. O importante é ter a força para tocar a vida para frente. Bem no fundo, a moça sabe que triunfará e que esquecerá Eddie. Mas, por hora, a moça quer ficar um tanto isolada do mundo, e a mãe respeita esse momento. Os cabelos ondulados da moça são um labirinto, no qual esta está perdida, sem noção, sem norte. Essa experiência vai ensinar a moça e ter mais força e a evitar a construção de expectativas. A moça está aprendendo que, para um relacionamento ser bem sucedido, este tem que começar pela razão, e não pelo coração. O coração só pode ser aberto quando o pensamento racional dá o sinal verde, na cor da blusa da moça. Abatida e sem fome, a moça não vê que a mãe está totalmente debruçada sobre a dor da filha.

            A seguir, dois trabalhos que se complementam, com fibra de vidro pintada, couro e cabelos, tamanho natural de Allen Jones, de 1969. Em Chair e Table, ou seja, Cadeira e Mesa, uma divertida catarse, expulsando a misoginia de dentro de Jones. As bonecas são submissas, escravas, totalmente à disposição do mundo machista que as cerca. A mulher está com os seios expostos, dando de mamar a uma ninhada faminta. A mulher desempenha um mero papel de provedora, escravizada, reduzida a uma posição subserviente. As botas de salto alto são sexy, como em uma Mulher Gato, só que esta não é submissa; é autônoma, rainha de seu próprio castelo, de seu próprio território, de sua própria vida. Uma feminista odiaria estes trabalhos de Jones, mas não se trata de maldade no artista, bem pelo contrário – Jones aqui faz exorcismo de preconceitos tão comuns na sociedade patriarcal. Em ambas as posições nesses móveis sui generis, a mulher está numa posição sexual passiva, sendo reduzida a objeto sexual, dominada, controlada. Na verdade, são obras muito feministas, pois carregam todo um teor crítico dentro de si. Sente-se uma certa culpa ao sentar-se na cadeira ou a repousar algum objeto sobre a mesa. Aqui, existe uma culpa em relação a esse sadomasoquismo. A pele da mulher é alva e intocada, de aspecto virginal, excitando o espectador a deflorá-la e explorá-la, havendo prazer ao usar-se tanto a mesa quanto a cadeira. Não podemos passar insensíveis por estes trabalhos de Jones e, realmente, não são móveis comuns nem medíocres, mas peças de arte detentoras de muito poder incitador. Jones convida-nos a apreciar e criticar o mundo que nos cerca e que cerca as mulheres em geral. Jones quer saber como uma mulher se sente em um mundo tão machista. O cabelo curto da mulher é masculinizante, trazendo um certo sabor andrógino. Não é uma donzela com longos cabelos de comercial de xampu. Jones traz uma sensualidade transgressora e, no frigir dos ovos, estes dois móveis tornam-se amigos das mulheres, pois há uma interessante linha tênue aqui entre ser sexy e ser uma escrava. A mulher está humilhada, submissa, nunca tendo o controle de sua própria vida. E a mulher está um tanto feliz nessa situação – ela mesma é machista, e faz questão de ser mantida e sustentada por um homem. É claro que não são móveis convencionais nem comuns. São obras de arte e não de decoração. São peças muito fortes e contundentes, impossíveis de entrar em harmonia com uma sala “normal”. Aqui, a mulher suporta o peso do mundo, numa mensagem feminista que despreza a sociedade patriarcal. Aqui, a mulher sustenta o mundo, sendo forte, dura, pétrea. Jones é muito divertido, e essas peças são piadas; não são para receber seríssimas interpretações nem condenações. Ironicamente, o artista não está sendo preconceituoso aqui, bem pelo contrário: ele quer causar reflexão. Jones está sendo muito modesto quando nos fala que são apenas uma mesa e uma cadeira. Aqui, a alma do artista é libertada pela crítica à misoginia, convidando o espectador e embarcar nesse manifesto. Não devemos condenar Jones, pois nunca pode-se usar a obra contra o artista. Aqui, não devemos confundir alhos com bugalhos. É tudo muito puro e inocente aqui. É positivo. Jones tem um pulso criativo, tornando-se inconfundível e deliciosamente inusitado. Desculpe-me por minha indiscrição, mas as duas peças remetem a sexo anal.

            Acima, Chair. A mulher mostra uma elasticidade incrível, praticamente beijando os próprios joelhos. Os saltos da bota ficam voltados para cima, agressivos, cortantes, emitindo um aviso, aconselhando a manter distância, como pontas cortantes de pirâmides. A mulher está de olhos fechados, como se estivesse dormindo, sem ter consciência de sua própria posição de objeto de decoração. A mulher está sedada, anestesiada, controlada. Aqui, tem-se medo das mulheres, e o misógino acaba revelando-se um covarde, sendo um arremedo de homem. A mulher tem o aspecto de boneca inflável de sexo, sendo usada por alguém que tem medo de se relacionar com seres humanos de verdade. A mulher é uma simulação; não é real. É uma piada, e Jones mostra-nos aqui um espírito de palhaço, de entretenimento. Aqui, temos sátira e irreverência, indo contra à reverência da mulher coisificada. Jones explora o corpo feminino, expondo este com orgulho. A peça fica em formato de L, como de uma lady, ou seja, dama. A mulher tem aqui dignidade – serve para algo. É um trabalho que a mulher desempenha com ampla dedicação, tornado-se útil. Na verdade, a mulher está feliz e satisfeita em servir ao mundo. A mulher está colocando o ego de lado e está produzindo, contribuindo para com o mundo. A mulher está em paz.

            Acima, Table. A mulher debruça-se sobre si mesma olhando em um espelho no chão, como um Narciso pós moderno, prestes a afogar-se em sua própria vaidade, centrando tudo e todos em torno do próprio umbigo. Seus seios pendem sensualmente, macios, flácidos, maravilhosos. É como se fosse que a mulher estivesse brincando de ser um cachorro ou um gato, bebendo seu leite em uma tigela no chão. A mulher está alheia, focada em si mesma, do modo como muitos homens adoram vídeos pornográficos de uma mulher sozinha se tocando ou de duas mulheres na mesma cama. A mulher não nota que está sendo usada como objeto, como uma coisa sem vida, como um móvel exposto em uma loja, em uma vitrine terrivelmente clara e explícita. A mulher é ignorante, pois esquece de tudo ao redor. A mulher está anestesiada em relação ao mundo ao seu redor, refletindo sobre quem ela mesma realmente é. Ela não está muito satisfeita em ser um objeto sexual, e começa a dar sinais de reação. O vidro em cima exerce peso e pressão, torturando-a, testando sua força. A transparência do vidro é a forma clara de como a mulher está agrilhoada, num calabouço sadomasoquista, entregue às fantasias de um homem perverso e tarado. A mulher está disposta a aguentar o tranco, e quer ter uma vida melhor. Os parafusos que prendem o vidro à mulher são como pregos pregando Jesus Cristo. A mulher está crucificada, sendo punida por ser mulher. Os romanos crucificam o Filho de Deus, o qual dará a volta por cima e ressuscitará. A mulher renascerá e libertar-se-á.

Referência bibliográfica:
OSTERWOLD, Tilman. Pop Art. Köln: Taschen, 2007

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