quarta-feira, 27 de março de 2019

Mote Brasileiro



Djanira da Motta e Silva era brasileiríssima, sempre retratando cenas da Cultura Popular Brasileira. Amiga de Jorge Amado, pintou um quadro especialmente para o escritor. Djanira tem uma de suas obras pertencendo ao Museu do Vaticano. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!


Acima, Caboclinhos. 1962. Um quadro que traz música brasileira, e podemos ouvir a melodia e a batida dos músicos, no fascínio que o Brasil exerce sobre o Mundo. As verdejantes palmeiras se agitam à brisa suave, numa agradável temperatura salvadorense. A vegetação é fechada, como uma sala de estar à meia luz, num chão acarpetado e almofadas confortáveis. Podemos sentir o cheiro de pratos típicos da cozinha baiana, ou o cheiro de uma boa feijoada. Não é a toa que Djanira foi amiga do amado Amado, pois eram ambos grandes entusiastas das tradições populares do Brasil, como uma Patricia Pillar, a qual sempre defende o Cinema Brasileiro. Os frutos maduros nos pés enchem o quadro de perfume, na doçura de sobremesas como cocada, pé de moleque ou rapadura, com vistosas baianas vendendo doces no Pelourinho – o que é que a baiana têm? Este quadro está prestes a receber Carmen Miranda, no balanço de seus quadris tão sensuais, encantando o Mundo com a doçura sulamericana, numa doce banana. Aqui, é uma sensual noite clara de luar, com jardins cheios de grilos barulhentos, como namorados se beijando à luz do luar, numa cena doce, numa noite amena, digna de cidade espiritual, num lugar onde não há extremos excruciantes. Podemos ouvir um sambinha, ou uma banda de pagode, e a mocinha no canto esquerdo inferior dança, balançando sua cabeleira, na sensualidade da mulher brasileira, a qual sai de casa de manhã cedo com o cabelo úmido perfumado, recém lavado. Seu vestido é da cor de Iemanjá, um ícone de cultura popular. O azul é a Mar que provê os pescadores, enchendo as redes de farturas, enchendo as mesas, numa mãe benevolente, sempre suprindo seus filhos. A moça samba ensandecida, balançando seu vestido e seduzindo com seu perfume cítrico, tropical, como no escândalo da vulva de Lilian Ramos com o então presidente Itamar Franco – é um jogo de sedução entre poder e beleza. O chão aqui é terroso, como numa formidável adega, engarrafando os sabores da terra, das entranhas do Mundo, no sangue de vinho que pulsa nas veias do Salvador, e nós como “vampiros”, bebendo de líquido tão sagrado. Os rapazes aqui estão descalços, numa informalidade, como caminhar descalço dentro do conforto do lar, um lugar em que nos sentimos pertencendo a algo, a algum organismo maior, que acolhe vários filhotes em embaixo do mesmo guardachuva. Apenas uma das pessoas aqui é negra, um rapaz bem ao centro da cena, tocando seu tambor, nas miscigenações brasileiras, nos abismos sociais moldados no Brasil Colônia. O restante dos personagens aqui são brancos ou pardos, e cercam o negro, no modo como o Brasil nada teria se tornado se não fosse a força dos escravos negros – devemos tudo à África. É a estupidez e a crueldade humanas, arrancando pessoas do Continente Negro, condenando seres humanos (e os descendentes destes) a uma vida negra, dura e cruel – este é o dom humano para a maldade, sendo esta sempre embalada pela ambição, a eterna ambição de seres humanos que nunca estão satisfeitos, pois é uma virtude saber quando se tem o suficiente. Aqui, as flautas rubras são fálicas, numa vareta que vai fundo no útero e engravida alguém, na inteligência de um macaco, que pega a vareta para obter alguma outra coisa. A flauta é uma agulha terapêutica de injeção, surgindo para curar por meio da dor, num remédio amargo que surte forte efeito, no modo como não devemos reclamar da Vida. Aqui, temos uma festa, um momento de euforia para escapar momentaneamente de um Mundo tão duro, tão escravocrata, tão de árduas tarefas diárias de uma dona de casa, a qual se “mata” para manter uma casa limpa e organizada. Os pés descalços são a simplicidade, a ausência de desconfortáveis formalidades, como uma apertada gravata. Nesta cena, as diferenças raciais e sociais são esquecidas, e os seres humanos se juntam em torno de um bem comum, como a Música, ou seja, a Arte, tendo esta o poder de unir as pessoas – Arte é capital.


Acima, Jogo de Dados. 1974. Uma cena comum, num simples boteco, com cavalheiros bebendo cachaça e jogando dados, talvez num inocente momento de diversão, talvez com dois alcoólatras compartilhando um vício. Ao fundo, a bandeira do Brasil, numa Djanira patriota, orgulhosa da própria nacionalidade. Os homens estão com um semblante tranquilo, talvez entediados, talvez numa vida improdutiva e monótona. O ambiente é um tanto claustrofóbico, fechado, opressor, num pé direito que parece ser baixinho, apertando os dois jogadores. É um quadro em que predominam linhas retas e tensas, com pouco espaço para curvas, como na exceção do círculo na bandeira. Podemos ouvir um cavaquinho, no casamento da Boemia com a Arte, como dizia Cazuza: “Se não houver boemia, não vai haver poesia”. O chão é marrom, terroso, numa Djanira adepta à simplicidade, no amor pelo chão do seu país, um chão fértil, onde brota inspiração, motivo para pintar, numa artista disposta a divulgar e “vender” o país, num Brasil que ainda tem muito a ser reconhecido internacionalmente. O semblante dos homens passa a impressão de não estarem se divertindo muito, talvez afogando as mágoas num copo, talvez precisando frequentar grupos de apoio, num Alcoolismo que, há algum tempo atrás, não era visto como doença (tratável), mas como desvio de conduta: “O Fulano? O Fulano é um baita safado; fica bebendo por aí”. Esta sala é como uma jaula, na prisão que é a dependência química, numa grande cilada, como uma mosca numa ardilosa teia de aranha. E Djanira era assim – viciada em Arte, num vício benéfico, produtivo, numa pessoa feliz, que se encontrou em seu próprio trabalho. A garrafa e os copos espalham pelo ar o cheiro de pinga, no canto da sereia que é a substância viciante, com tantas pessoas no Mundo imersas nesse fundo de poço, pois, na dureza da Vida, a tendência do indivíduo é querer fugir, encontrando na droga uma válvula (falsa) de escape. Vemos uma janela vermelha, rubra como plátanos outonais, rubra como o sangue cheio de substância tóxica, no sangue derramado de vidas desperdiçadas, com pessoas no auge da juventude, sendo tolhidas pela jaula que pode se tornar a Boemia. As cadeiras e as mesas são duras, truncadas, desconfortáveis, colocando o indivíduo numa situação de desconforto, de incômodo, desafiando a pessoa a reerguer a própria existência, no enorme desafio que é para a pessoa sair do fundo do poço e recolocar a Vida nos trilhos. Os homens estão agasalhados, num dia não muito quente, na insuportável sensação de extremos climáticos do Umbral, uma dimensão em que se perde a noção de Tempo e Espaço, como no copo de álcool pode haver um grande desnorteamento. E a bandeira nacional permanece incólume, impávida, com seus conceitos positivistas de organização e superação, numa Mãe Nação que nunca desiste dos próprios filhos, como se esta mãe soubesse que a paciência divina tem que ser eterna e incondicional, numa força superior sempre disposta a perdoar e esperar que o indivíduo, finalmente, cresça – a Vida não tem significado sem vicissitudes. Portanto, o indivíduo tem que espírito guerreiro, sempre. Não podemos ver aqui os pés dos cavalheiros, num clima de pés fora do chão, fora do Mundo normal, com pés se apoiando num plano ilusório, falso, como se fosse uma tábua bamba no assoalho, traiçoeira, enganadora, ceifando vidas, na eterna chance que temos em dar a volta por cima, estando encarnados ou não. Vemos, aqui, também uma porta aberta, escancarada, que é a Liberdade – entra quem quer; sai quem quer. É a Liberdade de Escolha, o Livre Arbítrio, a prerrogativa que a pessoa tem, e cada um faz de sua própria vida o que quiser fazer. Os dados são a aleatoriedade, a falta de rumo, numa pessoa submetida aos caprichos do acaso, como um saco de plástico voando, sem referência, sem segurança, sem firmeza, sujeito aos caprichos insanos do vento sem sentido. É uma Djanira com os pezinhos fincados no próprio labor.


Acima, Moças na Praia. 1964. Uma leve cena de prazer, na beleza do Litoral Brasileiro. É uma cena perfeita, onde tudo se encaixa harmoniosamente. O Mar é absolutamente plácido, de temperatura amena, deliciosa. As regatas trafegam tranquilamente, ao sabor do benevolente vento, uma brisa amena. O horizonte é de um céu limpo, nem nuvens cinzentas de dúvida existencial. Este quadro foi produzido no ano do Golpe Militar Brasileiro, e, nos anos que se seguiram, o cidadão, simplesmente, não podia ter senso crítico. Este é um quadro despolitizado, sem mensagens contundentes, sem contestações de juventude, e, como o governo vigente, tem-se a impressão (falsa) de perfeição estatal, a impressão de que o Brasil era, simplesmente, perfeito, com um governo apolíneo e impecável. Naquele momento histórico, era o lema “Brasil – Ame-o ou deixe-o”. Quem queria ficar, tinha que se refugiar na cidadania cor-de-rosa, nos inocentes versos “Um barquinho a deslizar no profundo azul do Mar”. As três meninas estão entretidas com o Mar, e estão totalmente recatadas, sem trajes de banho, mas com vestidos de passeio. São os cidadãos comportados, que não contestam o governo; cidadãos desprovidos de miolos. A areia é limpíssima, sem qualquer indício de cidadãos porcos que jogam o lixo na areia. O cachorrinho está comportado, domesticado, no modo como o governo “domesticava” o cidadão, no conceito de “boa criança”, como no filme Aeon Flux, num futuro em que o estado controlava totalmente o cidadão sob a dinastia tirana dos “Goodchild”, sendo “uma boa criança” o cidadão que simplesmente não pensa nem tem a liberdade para ter uma opinião sobre algo – é do interesse do ditador oprimir o próprio povo. Nessas meninas, duas parecem ser gêmeas, sendo guiadas e controladas por uma irmã mais velha, numa hierarquia dentro de casa, quando o indivíduo se prepara para a inevitável hierarquia do Mundo lá fora, havendo no Lar um subconjunto da Sociedade, numa relação de continuidade. Esta irmã mais velha é o controle estatal, num momento crítico em que o artista brasileiro tinha poucas opções, na despolitização da Jovem Guarda, por exemplo. É o conceito do Big Broter, o irmão maior que controla os irmãos num estado claustrofóbico, cheio de câmeras de controle, sendo inaceitável a liberdade de um cidadão, com estados opressores que simplesmente impedem que o próprio cidadão possa sair do país. Uma dessas menininhas é comportada e aceita o controle; a outra menininha é mais rebelde, e quer se libertar e viver, talvez entrar no Mar. São os dois olhos da pessoa – um moderno e outro conservador, havendo em cada um de nós lados opostos. A irmã mais velha está chamando a irmã rebelde, mas esta não se importa, porém será punida por sua insubordinação. A menina rebelde quer viver, numa Djanira querendo viver, respirar, produzir e ser aquilo que se espera de um artista de fato – produzir pensamento. O cachorrinho também está domesticado, tolhido e controlado, no modo como a pessoa tem que disciplinar os próprios impulsos, fazendo um diálogo (harmônico) entre Ímpeto e Juízo. Uma lúdica bola está sobre a areia, mas a cena não é convidativa para uma diversão, num cachorro que não está brincando nem aproveitando o dia. A bola está inerte, na sensação de inércia que tomava conta do artista brasileiro de então. A menina rebelde quer se aventurar, talvez cutucando um estado opressor, talvez empreendendo um esforço heróico, no desejo de transgressão, de rebeldia, havendo no Governo Militar uma forte figura patriarcal, num patriarca desconfiado e rigoroso, duríssimo, numa figura paterna de controle e, eventualmente, violência, numa Djanira que se viu obrigada a se curvar perante tal figura patriarcal, na genialidade de Chico Buarque, no versos “Afasta de mim este cálice, pai”, evocando a figura do patriarca supremo, fazendo um trocadilho de “cálice” com “cale-se”, numa sofisticação fina demais para ser detectada pelos filtros censuradores estatais – os artistas de então observavam a necessidade de sutileza.


Acima, Nossa Senhora Aparecida. 1971. Esta imagem me remete à minha visita, com minha família em uma excursão, ao então recém construído santuário de Nossa Aparecida, e lembro do cheiro de cimento novo, num templo muito, muito suntuoso. Aqui, temos a Padroeira do Brasil em um poder icônico enorme, num sinal de Cultura Popular, na mais brasileira das santas. Um elemento chave é a cor da pele da santa, num Brasil negro, num passado cruel escravocrata, numa mensagem divina: Somos todos irmãos, e as classes sociais são ilusões. A santa tem um formato piramidal, numa forma agressiva, de flecha, no modo como a Fé é uma espada poderosa, lutando pelo Bem e pela Justiça, na Cruz de Malta, o símbolo dos guerreiros cristãos. É a espada que fere a falta de Fé do Ser Humano, sendo este um ser fraco, facilmente seduzido por sinais auspiciosos humanos, sinais como o dinheiro. A santa está vestida de modo extremamente recatado, e sequer podemos ver seus pés, algo muito diferente de Iemanjá, a qual é uma figura sexy, provocante, sedutora, uma verdadeira diva. Suas mãos estão em prece, e apontam para o Céu, o Reino dos Céus, a promessa que Jesus fez antes de morrer brutalmente. Não se sabe se há uma Dimensão Metafísica, portanto, é preciso ter Fé, e os que têm mais Fé estão acima dos que têm menos, numa hierarquia espiritual, na qual a Luz elimina a Escuridão. A coroa da santa é a promessa de um reino, um reino mais maravilhoso do que qualquer reino sobre a face da Terra. É como a sedução da cidade de Gramado, um lugar feito para encantar o turista, e fazer com que este, é claro, gaste muito dinheiro na cidade, na eterna tendência humana em colocar o dinheiro acima de tudo – é assim mesmo... O cenário atrás é elegante, belo, como formas aristocráticas neoclássicas, como formas em dourado, na enigmática riqueza da cornucópia metafísica, a qual é a dimensão onde não existe a fadiga nem as chagas da Terra – existe uma vida após a vida na Terra, e aquela é uma vida maravilhosa, com pessoas envoltas em luz. O chão é de um vermelho terroso, da cor do sangue derramado pelas cruéis chibatadas nas costas de inúmeros escravos, com punições que eram feitas na frente de todo o restante da senzala, como um aviso: Se você é escravo, aceite isso, senão... Então, a cor da pele da santa tem todo um apelo social, histórico, num Brasil em que há (ainda) tantos pobres de cor preta. Então, na Fé, há uma válvula de escape, uma esperança de que na Dimensão Metafísica há trabalho, mas não há sofrimento. As vestes da santa são majestosas, digna da mais elevada rainha do Mundo, numa igreja que faz uma metáfora com a Virgem Maria, nos mistérios da Imaculada Conceição, na dimensão em que os filhos de Tao são concebidos espiritualmente, sem as vicissitudes da carne – não é só Jesus o bendito fruto de Imaculada Conceição. É uma deliciosa pera, suculenta e doce, no modo como Tao se inspirou para produzir as frutas, tão variadas e deliciosas – uma bênção. Aqui, as vestes da santa são majestosas como os campos ao ar livre de um reino, na beleza e na saúde da vida ao ar livre, na Liberdade, num reino tão abençoado e belo, havendo no monarca uma projeção – seus súditos projetam Tao em seu respectivo líder. Qualquer líder que se afaste de Tao, deixa de ser líder. Temos uma Djanira um tanto minimalista, limpa e simples, e não podemos ver o rosto da santa, como as pessoas que, em entrevista para a televisão, não querem se identificar, numa santa protegendo os inocentes, numa santa que é uma poderosa aliada na questão do apuro moral na Terra. São as fés humanas, na universalidade da elevação espiritual, e cada sociedade tem sua respectiva santinha, e as aparências são superficiais: Nossa Senhora Aparecida é universal, adquirindo apenas outras roupagens. Este é um quadro absolutamente simétrico, equilibrado, como uma pessoa com problemas psiquiátricos, equilibrando-se quimicamente por meio de medicação. Podemos ouvir os cânticos de glória dos fiéis, no poder da santa em arrebatar multidões, como uma poderosa diva pop, conquistando a Fé e os corações. A Virgem é limpa.


Acima, Parati. 1966. Uma plácida paisagem, num lugarejo pacato, silencioso. Paz. Podemos ouvir o som de todos os pássaros. A Arquitetura Colonial Portuguesa é bela, e todos os prédios e casas aqui estão impecavelmente pintados, num lugar que é cuidado com muito carinho pelas pessoas que ali vivem. E não é feliz aquele que aceita e ama o lugar onde vive? Como diz um espírito elevado no filme Nosso Lar: Para mim, não há melhor lugar para se viver nesta galáxia do que nesta cidade espiritual. E aquele que entra em cabo de guerra com seu próprio lugar, fica com um mal estar existencial enorme. Aqui, temos a beleza do Brasil Colônia, na exuberante Flora Brasileira, no verde vivo e vibrante, muito longe das cores desmaiadas europeias. Sequer podemos ver um único habitante, e todos devem estar recolhidos em trabalho ou descanso, num silêncio que convida a uma soneca, uma siesta, no pecadinho da Preguiça, no modo como há em Portugal um folclore de piadas que coloca o brasileiro como preguiçoso! A cruz branca à direita está acima de tudo e todos, e só é superada pelos morros ao fundo. Isso remete à construção da Catedral de Caxias do Sul, um templo erguido sobre uma alta pedra, no ponto mais alto da cidade então, num aviso claro: A Igreja está acima de todo o corpo social. Aqui, é uma cruz paladina, contrastando com o fundo escuro, como se emanasse uma luz intensa, na missão de guiar os seres humanos, num Brasil ainda não dominado pela Igreja Universal do Reino de Deus. Esta cena fica num limiar entre claro e escuro – ou está amanhecendo, ou escurecendo. A luz não está em plena força, num limiar interessante, em que “todos os gatos são pardos”. O céu parece estar prestes a receber uma majestosa Lua Cheia, na magia tropical de noites quentes, repletas de grilos cantando, no poder da Vida, da Natureza. É a poderosa Natureza Brasileira, seduzindo pesquisadores, com uma variedade muito ampla de seres vivos, na empreitada portuguesa em colonizar uma terra selvagem e encantadora. As palmeiras parecem tremular gentilmente, como a bandeira nacional do Brasil, numa Djanira que era, por si só, uma bandeira na qual a própria artista projetou o amor pelo Brasil. Este quadro foi pintado em plena Ditadura Militar, e esta placidez do vilarejo era a dourada intenção primordial dos militares, proporcionado aos brasileiros a proteção em relação ao Comunismo, o qual, na época, assustava o Bloco Capitalista. A Igreja, então, fica tranquilizada com o Golpe, evitando o fechamento de templos brasileiros pelos comunistas. Aqui, a Natureza ao redor é o útero floral, e as casas são como cristais incrustados neste vale fértil, um ventre fértil, provendo seus filhos na Agropecuária. Bem ao fundo, uma grande colina pontiaguda, como se fosse uma espada que quisesse desafiar os deuses no céu, na agressividade desbravadora dos corajosos colonizadores, desvirginando matas e, é claro, escravizando os índios, os quais, por tanto tempo, foram os donos e senhores das terras americanas – é a cruel agressividade europeia, no antigo modo estúpido humano de fazer as coisas. Vemos na cena um cercadinho, que é a contenção, o limite, o siso, numa pessoa bem comportada, longe das transgressões rebeldes. O cercadinho é como um berço, numa Mãe zelosa que nunca se descuida de seus filhos na Terra. O cercadinho é como palitos fincados no chão, como colonos que, com muita coragem, esforço e privação, fincaram seus pés em solo brasileiro, no modo como, na Vida, é preciso ter força, muita força. E é esta a coragem que os artistas tinham que ter na Ditadura Brasileira, num momento em que o Governo era um terrível olho onisciente, fascista, num estado que era uma verdadeira senzala – uma prisão dentro de outra prisão, que é a Encarnação. Este quadro, em formato horizontal, é uma foto. É uma cidade cuidada com muito amor, e o artista não tem que amar o que faz? É uma vizinhança feliz, só que numa opressão estatal que queria, de modo artificial, manter a Paz, com intenções nobres e, ao mesmo tempo, intenções desprezíveis.

Referências bibliográficas:

Djanira da Motta e Silva. Disponível em <www.catalogodasartes.com.br>. Acesso 20 mar. 2019.

Djanira da Motta e Silva. Disponível em <www.ebiografia.com>. Acesso 20 mar. 2019.

Djanira da Motta e Silva. Disponível em <www.elfikurten.com.br>. Acesso 20 mar. 2019.

Djanira da Motta e Silva. Disponível em <www.escritoriodearte.com>. Acesso 20 mar. 2019.

quarta-feira, 20 de março de 2019

Hilma de Corpo e Alma



A sueca Hilma af Klint é considerada uma pioneira do Abstracionismo. Espiritualizada, Hilma alegava que espíritos a guiavam para que a própria Hilma fosse uma mensageira, uma mera executora de pinturas. Af Maria, que modéstia!  Klint está, neste momento, tendo uma grande retrospectiva no Guggenheim de Nova York. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!


Acima, Altarpiece. Aqui, temos um altar, um caminho de evolução, de depuração, como nas várias séries escolares, da Pré Escola ao Ensino Superior, almejando a excelência, no modo como as universidades formam suas elites. São inúmeras manhãs acordando cedo e estudando na sala, num esforço diário, numa luta. O grande Sol acima é Tao, o Pai de Todos, a grande força criativa que rege todas as dimensões do Universo, havendo no Sol a figura patriarcal que traz, infalivelmente, a luz de todos os dias, numa certeza, numa credibilidade, no modo como o Antigo Egito, em geral, só podia ser governado por homens, num machismo que perdura até hoje, em plena era em que a Digitalização e a Democracia igualam os Seres Humanos – ou busca igualar, em nobre intenção. É o grande prato de ouro, sobre o qual todos se apóiam, com muita classe e elegância, no modo como os espíritos depurados são finos e exalam um perfume irresistível, numa Hierarquia suave, sutil, porém fortíssima, indestrutível, estando a Vida em Sociedade repleta de Hierarquia, como nas famílias, nas escolas, na Vida como um todo. O fundo negro é a incerteza, no fato de que não há frias provas científicas de que existe uma dimensão acima da Dimensão Material. A pessoa, portanto, tem que ter fé sem ter certeza, o que é um grande desafio, uma verdadeira prova espiritual. Este degradê colorido é um puríssimo prisma sendo decomposto em todas as cores, numa alegria festiva, carnavalesca, nos lugares abençoados metafísicos, onde só há beleza, juventude, força e certeza, numa vida plena, numa vida incrivelmente abençoada, numa vida que revela as intenções nobres de Tao para com os próprios filhos. É a dança das cores, numa explosão de percepção, no arcoíris da Paz, o arco que traz a renovação da certeza, como o Desencarne é uma verdadeira ressurreição, no modo como o egípcio antigo, por meio da mumificação, almejava a Vida Eterna, onde nada perece. Temos aqui um formado piramidal, numa escadaria que leva aos Céus, num Hilma inclinada à depuração, acreditando na Ressurreição, no fato de que a Vida na Terra está fadada à danação, como diz uma célebre canção: “No fim, todos nós perdemos nosso charme”. O apodrecimento cadavérico é um grande desafio à Fé da pessoa, tendo esta que se inclinar em ideias nunca comprovadas. A pontinha desta pirâmide é negra, no sentido de que a pessoa tem que se despir de expectativas, observando o Universo de forma isenta e desidealizada, realista. É a pirâmide da Maçonaria, uma organização de muita hierarquia, um “Clube do Bolinha” no qual mulher não entra. O Mundo considera a mulher um cidadão de segunda categoria, e as próprias mulheres se consideram cidadãos de segunda categoria. Hilma sabe que desencarnará e que deixará para trás seu corpo feminino, ressuscitando como um anjo andrógino, sem sexo. Este grande Sol está cercado de muitos raios pontiagudos e agressivos, exigindo que mantenhamos distância; exigindo que não olhemos diretamente para ele. É um grande gongo, cujo badalar abala tudo e todos, como um vulcão inclemente explodindo, engolindo cidades inteiras. Ao redor deste astro rei, um círculo azul, uma espécie de aura, de aureola, no formato do planeta Terra, uma esfera que, vista de longe, é uma singela estrelinha azul. Esta pirâmide á ambiciosa, e quer mirar e atingir em cheio este alvo. É o objetivo de vida, a meta, o norte, e dinheiro nenhum pode dar norte à vida de qualquer pessoa. Este degradê cromático é como as paletas de cores de gráficas, oferecendo todo um leque para a pessoa escolher a tonalidade certa, nas múltiplas opções da Vida, num lugar onde há inúmeras funções a serem desempenhadas.


Acima, Sjustjärnan. Um namoro com Leonardo da Vinci, na célebre obra deste, no Antropocentrismo Renascentista, em que o Ser Humano é o centro do Universo – mas o homem, aqui, é o centro, e não a mulher... No quadro, a palavra “evolução”, no sentido da Vida, que é uma verdadeira escadaria, a qual tem que ser galgada com esforço olímpico, sendo a Vida uma grande escola, a maior escola de todas. Aqui, este homem tenta se equilibrar, buscando um centro, um ponto de apoio, no modo como o artista busca se equilibrar por meio da Arte, querendo ser respeitado como artista, como pessoa importante e fundamental à Vida em Sociedade. Este homem está numa bolha de sabão, livre, leve e solto, na leveza do alto astral de pessoas bem humoradas, no modo como rir é o melhor remédio, havendo na Comédia um bálsamo às dores existenciais. Toda esta obra busca um equilíbrio, e o quadro tem um contraste, com metade clara, metade escura. É o modo como, na luz, nada mais natural do que a noite, numa artista observando a dança entre dia e noite, nos opostos regendo o Cosmos, como nos contrastes majestosos do mestre Escher, amplamente comentado neste mesmo blog – dê um search para “mago” e pesquise aqui. Há duas esferas opostas, cada uma regida por um homem, e cada um destes segura uma cruz, no modo como o Cristianismo é uma história bela e trágica, nos ensinamentos apolíneos de Jesus e no fim trágico e doloroso do Messias. São dois mundos, regidos por deuses diferentes. O homem ao centro também segura uma cruz em cada mão, no modo como o Espiritismo é, na prática, um ramo do Cristianismo, e orações cristãs são amplamente feitas em centros espíritas. Este homem ao centro é Jesus, crucificado, exposto ao Mundo, humilhado cruelmente, numa época em que o proclamado Reino dos Céus era incompreensível ao homem comum, ao homem tosco antigo, havendo em Jesus um homem não só à frente do próprio tempo, mas à frente de todos os tempos. Pelo quadro há formas de caracóis, ou conchas marinhas, como uma infinita escadaria circular, majestosa, com elegantes mulheres, em estonteantes vestidos, descendo graciosa e elegantemente tais escadarias, num lugar onde a elegância não é exceção, mas regra. Jesus chama o Ser Humano a evoluir e crescer como espírito, pois, cedo ou tarde, o espírito começa a perceber e aceitar a necessidade de depuração, havendo na Encarnação uma escola muito, muito boa, a melhor de todas. Este quadro quer uma simetria equilibrada, mesmo com opostos são desiguais. É como a Humanidade tendo sua história marcada entre antes e depois da encarnação de um homem. E a Sociedade exige que seja um homem, nunca uma mulher, num lugar onde eles podem tudo; elas podem nada. Estaria Hilma nos chamando a uma evolução, em que os gêneros vão se tornar iguais? Temos aqui as duas faces da Lua, numa face em mistério, jamais revelada ao Ser Humano, em segredos de estado, segredos divinos, com segredos que só podem ser revelados em outra dimensão, em outra vida, pois, da Vida, pouco se sabe... Este homem crucificado abre os braços para voar como uma paladina ave, buscando comida e desbravando ecossistemas, com sua afiadas garras agressivas, capturando camundongos desavisados. É a Humanidade alçando voos de tecnologia, querendo ir a Marte e voltar a salvo, num Ser Humano nunca satisfeito, sempre querendo mais, na inclinação do espírito em viver em um mundo onde a Paz tem um silêncio ensurdecedor. Este homem parece estar se exercitando com um polichinelo, preparando-se para a Vida, ficando mais forte, evoluindo e crescendo como homem, fazendo metáfora com as pessoas malhando em academias, almejando a plena forma e a força para enfrentar as inevitáveis dores da Vida. Este homem está em cima do muro, indeciso, numa Hilma catarseando um sentimento de indefinição, de insegurança. São as almas se debatendo entre o Bem e o Mal.


Acima, Svanen. Os cisnes do dia e da noite se entrelaçam, num abraço muito envolvente, com Yin e Yang se complementando. São como duas cobras em coito, na fúria de um momento de selvagem cio. Formam um brasão, um objeto aristocrático, um escudo cheio de honra e orgulho. Os cisnes se beijam em uma cena romântica, num grande filme de amor, no que é, segundo uma amiga minha psicóloga, o segredo da Vida – é o Amor, que mexe com minha cabeça e me deixa no cio, digo, assim. Aqui, temos um grande equilíbrio simétrico, num exercício de compensação, de equivalência, como dar um imóvel usado como entrada para a compra de um imóvel novo, como numa fria equação, havendo na Matemática a beleza do Pensamento Racional. As asas batem em liberdade, na realização do Desencarne, como um anjo se libertando e mergulhando num túnel de luz, sendo guiado por amorosos anjos guias, anjos que, quando encarnados, eram ignorados pela dureza do Mundo Material. Bem ao centro do quadro temos formas aristocráticas, no modo como, de forma metafísica, somos todos sangue azul, fazendo metáfora com os sangue azul na Terra – a Dimensão Material é um grotesca cópia da dimensão acima daquela. Neste brasão há um saco, talvez um útero, o receptáculo universal, a grande barriga criadora que nos colocou no Mundo, nutrindo-nos. Este saco é esférico, como a Terra, a grande bolha orgânica de vida selvagem que nos expeliu e inaugurou nossa Encarnação, numa etapa difícil, cheia de percalços que, no fim das contas, causa muito Bem e muito crescimento ao indivíduo, como benéficas colheradas de um remédio amargo. Mais acima da bolha, formas douradas que formam um falo, num orgulho ereto de um impávido obelisco, na tentativa humana de compreender a Vitória e a Realização, havendo um verdadeiro culto às celebridades que se tornam bem sucedidas, cabendo, ao resto das pessoas (comuns), contentar-se com o fato das mesmas simplesmente terem sobrevivido. É uma hierarquia mundana, e a pessoa bem sucedida é imitada pelas pessoas comuns, como o paradigma capilar contemporâneo feminino, num cabelo de Gisele. Aqui, há uma dança das horas, nas horas passando e marcando as tarefas do dia, como o badalar pontual, infalível, num despertador tocando e expulsando a pessoa de seu cantinho de gostoso pecado capital da Preguiça – a cama, adorada caminha. Aqui, um X corta o globo de Norte a Sul, no esforço humano em compreender este pequenino planeta no qual inocentemente nascemos, num planeta cercado por um Cosmos tão vasto que se torna infinito. Aqui, temos o poder chamativo do contraste, no modo como há inevitáveis contrastes entre as pessoas, pois cada pessoa é única, altamente singular e especial, ficando todos iguais perante à Urna Eletrônica. O fundo do quadro é formado por quatro quadrados, como uma casa sendo pacientemente construída, como tijolos de vidro, que deixam a luz solar passar, na elegância de uma pessoa autêntica e verdadeira, uma pessoa na qual sabemos que podemos confiar, num anjo transparente, no amigo Anjo da Guarda, no fato de que Tao jamais nos deixa sem guia, e cada um de nós tem, sempre, um Anjo da Guarda – o problema é que nem todos nós no sentimos acompanhados e guiados. Esses cisnes são dois anjos – um da Vida e o outro da Morte, no reloginho que existe em cada um de nós, um reloginho que nos avisa de que é hora de voltar para o Lar. É uma Rosa dos Ventos cíclica, recebendo a força dos ventos, como uma tempestade de granizo destruindo parreirais, nas forças naturais avassaladoras, no modo como o espírito encarnado sofre fortíssima influência de tais forças, sendo um verdadeiro dom gravitar acima da Natureza e ser uma pessoa espiritualizada. Esses dois cisnes estão brigando, num momento de raiva, na agressiva competitividade do Mundo, num contexto em que irmãos se tornam rivais numa quadra de tênis, num Mundo sedento em saber qual dos dois é o melhor, o macho alfa. Aqui, é como uma bomba atômica explodindo em todas as direções, no poder do artista em se tornar uma tempestade.


Acima, Svanen No. 17, Group IX, Series SUW. Aqui, há uma enorme centralização, num Norte que guia os navegantes, numa grande estrela que guia os observadores, numa Hilma desejosa de se encontrar, de encontrar Norte para sua própria vida. Tudo girando em torno de um pequenino ponto central, numa sensação de organização, no modo como falta Norte à pessoa deprimida e desestimulada. Aqui, temos um labirinto desbravado, solucionado, com seus meandros traiçoeiros sendo desvendados, numa luz que simplesmente rechaça quaisquer dúvidas, solucionando um enigma que antes tanto desnorteava e enganava. É como numa hierarquia, numa torre social na qual o centro de tudo é um rei ou uma rainha, com tudo se organizando em torno da pessoa mais importante da pirâmide social, com a face de uma monarca reproduzida nas notas de dinheiro, numa sensação de Ordem, em que todo o corpo social se mantém unido e coeso ao redor de uma figura no topo de um pódio. A cor do fundo é de um tijolo, na exata cor da superfície marciana, havendo na cor do sangue o símbolo do deus da Guerra, nos banhos de sangue em que irmão assassina irmão. É a cor do pó de tijolo das quadras de tênis, num espaço em que é essencial ter vontade de vencer, havendo no jogo um centro, um objetivo. Aqui, temos um verdadeiro alvo, desafiando o jogador a acertar bem no centro, como um médico fazendo um diagnóstico preciso, fincando seu alfinete bem ao meio da questão, observando com muita clareza o que há de errado com o paciente. Este nervo central, como no nervo de um dente, é cercado por círculos que se dividem em meias luas, com várias cores, num quadro diversificado, no modo como o bom líder tem que entender a peculiaridade de cada um de seus súditos, como numa família, havendo uma elevação hierárquica na figura do irmão mais velho, como no termo “Big Brother”, num programa televisivo em que os “irmãos mais novos” são monitorados e controlados, no modo como Papai do Céu vê tudo o que fazemos – é como se fosse uma tela de Cinema, numa tela mostrando com clareza cada um de nossos atos. Aqui, é como um vale profundo, num pontinho bem no fundo, na força gravitacional do que puxa tudo para baixo, numa força magnética irresistível, no modo como Tao é este profundo vale, como água, procurando sempre o espaço mais baixo, numa água que precisa aceitar onde está – a pessoa deprimida não quer aceitar onde está, ficando, assim, sofrendo. É como o buraquinho no topo de um vulcão, expelindo furiosamente suas catarses, querendo se libertar, querendo simplesmente criar asas e fugir de um mundo tão duro e descolorido – pergunte a um prisioneiro se este gosta da prisão. Aqui, é como um sistema solar, com a figura central patriarcal do grande astro, com os planetas ao redor, num universo em que as coisas funcionam por meio da pura Lei da Gravidade, num sistema que, para funcionar, é necessário que a figura do regente seja (altamente) respeitada, pois um corpo social entra em crise e colapso a partir do momento em que o líder se distancia do próprio povo, vide a situação atual da Venezuela, no que Tao chama de “guia tortuoso”. Aqui, é como o Som se propagando pelo espaço, como uma gota que cai bem ao centro do balde, causando uma comoção ondular que vai se apoderar de todo o corpo social. É uma pessoa brilhando, numa explosão que a faz uma estrela, no enigma que é o “ter brilho” – não há livro que ensine. Há um mistério nas estrelas, pois não sabemos dizer ao certo o que as faz brilhar, e assim é Tao, um mistério que jamais será solucionado, resultando na Vida Eterna, a maior manifestação de poder que pode existir. É uma supernova estourando em todas as direções. Aqui, temos um reino unido, pacífico e próspero, no desafio que é se tornar um líder respeitado pelo Povo. A crise acontece a partir do momento em que o centro se desfaz, causando desnorteamento e confusão. Aqui, temos um degradê de depuração, havendo no minúsculo centro uma imensidão de Fé e Libertação. São as várias camadas geológicas de uma esfera, na curiosidade científica em cortar e analisar.


Acima, The Dove No. 2, from Group IX Series SUW/UW. Um formato de coração, talvez numa Hilma romântica. Neste coração há uma unidade, uma conciliação, como duas pessoas apaixonadas que resolvem morar juntas, na magia de um casal apaixonado tomando café da manhã e trocando beijinhos. Aqui, é como o sistema sanguíneo, com veias e artérias dividindo as tarefas, havendo o sangue limpo e o sangue sujo, na demanda do dia, na demanda de um trabalho, de um labor. É como na Vida em Sociedade, em que há uma divisão de tarefas, e aquele que não tem tarefas, sente-se isolado; sente-se fora do Mundo. Na porção inferior vemos a magia de um prisma, na beleza das cores de um monumental lustre de cristal, como o grande lustre no Hard Rock Café Gramado, com várias esferas de cristal reproduzindo a silhueta de uma guitarra. Aqui, é como uma majestosa cortina, mergulhando um cômodo no breu e convidando ao descanso, como um guerreiro que, depois de sua missão na Terra, merece um longo descanso. Este quadro tem uma candura feminina, com um rosa delicado e um vermelho vibrante, nas cores do interior uterino, como no cenário pink em que Marilyn Monroe cantou que os diamantes são os melhores amigos de uma mulher (!). Esta grande esfera se apodera do quadro, como uma grande joia reluzente, na dificuldade humana em entender a verdadeira joia é o pensamento; a falsa joia é a joia física, material. A base deste quadro é negra como a asa da graúna, embasando todo um mistério, como um assassinato narrado por Agatha Christie, havendo nos mistérios algo de divertido, desafiando a pessoa a desvendar algo, no modo como o Universo eternamente desafiará o Ser Humano, havendo neste a imortal curiosidade científica, com os cientistas se debruçando sobre a indecifrável Eternidade, a Eternidade que nos espera após a morte do corpo físico. É o breu da noite, só que, aqui, sem estrelas. Mas o prisma alegre desafia a escuridão, trazendo um consolo e uma promessa, nos vastos salões suntuosos onde festas elegantes são feitas, na apolínea agenda social de um lugar limpo e bem administrado, melhor do que qualquer prefeitura sobre a face da Terra. Temos aqui duas serpentes entrelaçadas, num encontro, como uma pessoa sensível que percebe a necessidade de adquirir agressividade, pois cada um tem que partir em busca do que lhe falta, e é importante que eu não me projete em outrem. Há aqui um vermelho bem vibrante, num show de Flamenco, na cultura intensa espanhola, na beleza das manifestações artísticas que surgem das misteriosas entranhas da Cultura Popular, como o Samba, o Jazz etc. Em oposição à parte vermelha, ao lado, uma parte mais sisuda e discreta, num contraponto, na necessidade de Discrição, na humildade da pessoa realista, uma pessoa que resiste às tentações do Ego. Esta grande esfera constitui um aspecto de vidro opaco, não muito translúcido, como um filtro, uma proteção, revelando algo consideravelmente arejado, nunca fechando portas, sempre ventilando, como um homem de palavra, um homem que jamais se venderá por uns pilas, pois honra e virtude não estão a venda. É a questão da Honestidade, que é um aspecto de Tao, sendo este a elegância eterna. Há neste quadro delgadas linhas brancas, com se estivessem cheias de seiva, cheias de Vida, alimentando uma planta, na circulação do precioso sangue vegetal, na indelével incapacidade humana em reproduzir aquilo que foi feito por Tao. É o Globo Terrestre, esta grande escola que exige o máximo de seus alunos, como um lutador de Boxe, jamais se atirando nas cordas, sempre percebendo a necessidade de um espírito guerreiro, cheio de vontade, num jogador que entra em campo para ganhar. Este é um quadro um tanto simétrico, e é como no Brasil, com as águas do Rio e do Mar se encontrando e, ainda assim, nunca se misturando, numa manutenção de identidade, com duas pessoas que, por mais unidas que estejam, conservam as respectivas personalidades.


Acima, They tens mainstay IV. Um quadro rico, como joias em um tesouro, só que joias abstratas. O fundo alaranjado traz sabor e cor, e formas curvilíneas e liquidiscentes tomam conta do quadro, num cenário em que não há espaço para linhas retas racionais, muito menos para arestas agressivas. É uma cena orgânica, como comida sendo assimilada pelo aparelho digestivo. Vemos várias espirais, como conchas ou escadaria curvilíneas, num lugar de Arquitetura tão rica e enigmática, no sonho enigmático de um arquiteto inspirado, empenhado em fazer coisas que fujam do convencional, do medíocre, num lugar em que a inspiração corre solta, sem repressões ou interrupções, num ato de encorajamento, fazendo com que a Arquitetura da Terra se pareça com uma pura intenção; uma pura pretensão. As espirais são psicodélicas, como nos anos 1960, e a Arte e o Estilo passaram a adquirir suas cores vibrantes, numa espécie de LSD mental. É um quadro doce, que parece ter sido feito por uma ou mais crianças. As espirais são túneis, como num certo filme antigo que mostrava humanos miniaturizados, injetados dentro do organismo de um paciente, em ambientes fechados, como uma sala de estar convidativa, cheia de conforto e simplicidade, cheia de carpetes macios e almofadas doces, convidando ao formidável pecado da Preguiça. São como túneis de um formigueiro, num labirinto o qual só as próprias formigas entendem, com túneis que proporcionam a viagem do Tempo e no Espaço, como no termo científico “Buracos de Minhocas”, túneis que fariam com que Tempo e Espaço fossem abreviados, proporcionando a viagem do Ser Humano para qualquer recanto do Cosmos. As espirais são uma Torre de Babel vista de cima, com sua espiral ascendente, como no interior do Guggenheim de Nova York, uma grande espiral que convida o espectador ao esforço de caminhar nesta estrada nunca truncada, nunca interrompida. É como um sorvete de máquina, com sua sedutora espiral doce, no adorável pecadinho da Gula. São os túneis intestinais, com todo um trajeto, todo um itinerário previsto, como num roteiro de viagem. O maior de todos os círculos aqui está na parte superior da cena, e remete a uma roseta de igreja, no puro e transparente Coração de Maria, a Benevolente Mãe que sempre acolhe incondicionalmente. É uma roda, uma mandala que vai girando, na dança das estações do ano, na capacidade de uma pessoa em contemplar a Natureza e em concluir a maestria da Mente Criadora. É um cristal muito nobre e fino, nas finas mansões da Rua Eterna, lugares acima de qualquer sonho arquitetônico na Terra. Temos neste quadro várias linhas em espiral que cortam a cena, como uma mola propulsora, como um ioiô, no vaivém das ondas do Mar, sempre respirando, sempre vivendo, sempre tendo uma vida produtiva. Aqui, é como um organismo de lar, e cada elemento se sente em casa, à vontade, numa sinfonia harmônica, como dentro de uma empresa, com cada pessoa tendo uma função específica, desde o diretor até a senhora da limpeza, sendo difícil para este mesmo organismo prescindir de alguém ali dentro. Mais ao Sul do quadro, uma joia multicolorida, composta sete círculos, uma joia muito rica, que faz uma assembleia de pedras antes dissociadas, encontradas em lugares diferentes da Natureza. É a riqueza da Vida em Sociedade, na tentativa humana em entender que a morte do corpo físico é uma grande ilusão, num Ser Humano sempre em busca do Eterno. Estes espirais são túneis traiçoeiros claustrofóbicos dos filmes de Alien, com uma tenebrosa criatura destrutiva caçando seres humanos por seus meandros, como um Minotauro no labirinto, sempre à espreita, como um artista que está “aprontando alguma”. É como o remoto jogo de Pac Man, dos anos 1980, em que fantasmas letais habitam um labirinto, como num castelo assombrado, na ilusão que se desfaz com o simples nascer do Sol, o nascer da Percepção, quando a lança do pensamento racional de São Jorge assassina o dragão do terror, trazendo paz ao reino e esclarecimento às mentes turvas.

Referências bibliográficas:

Hilma af Klint. Disponível em <www.curiator.com>. Acesso 13 mar. 2019.

Hilma af Klint. Disponível em <www.pt.wikipedia.org>. Acesso 13 mar. 2019.

Hilma af Klint Obras. Disponível em <www.google.com>. Acesso 13 mar. 2019.

quarta-feira, 13 de março de 2019

O Pulo de Pfaff



A americana Judy Pfaff é famosa por suas instalações ousadas e suntuosas, tendo já recebido numerosos prêmios. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!


Acima, Blue Note. 2014. Os fios são um sistema complexo, emaranhado, num Mundo em que o galgar tecnológico é vertiginoso, como na extinção das mídias CD e DVD. Temos uma JP que vive no Mundo da Internet, entendendo como a Rede está mudando o Mundo, e mudando rapidamente. São como veias e artérias de uma cidade vibrante, cheia de novidades e exclusividades. São raios de tempestade exercendo seu avassalador poder, no modo como um artista ambiciona ser “uma força da Natureza”, na tentativa humana de se parecer com os deuses, com os seres maiores, como nossos irmãos elevados e depurados. Aqui, temos vários círculos, como na obsessão de Yayoi Kusama por círculos e bolas. Aqui são como doces lindos e sedutores, à venda, no pecadinho da Gula, no fato como, nas Cidades Metafísicas, há deliciosos doces para serem degustados, só que doces leves, que não entorpecem a corrente sanguínea. Vivemos num Mundo altamente interconectado, numa pluralidade, no modo como as diferenças, as inevitáveis diferenças, têm que ser respeitadas. Vemos, mais à direita, um grande círculo laranja, no formato do seio feminino, no organismo provedor, que alimenta o feto e traz um bebê ao Mundo, no modo como todo artista é mãe, na tentativa humana de compreender os enigmáticos meandros da Vida, da Biologia, na extrema intimidade entre filho e mãe, no Amor Incondicional, o grande bem espiritual que rege a Vida em todas as dimensões, no modo como, na infeliz Terra, tudo gira em torno de dinheiro, num artista se deparando com uma Nova York na qual Arte e Dinheiro são gêmeos siameses – como pode um artista ser materialmente desapegado em meio a tantas ambições de sucesso, num Mundo que pressiona o indivíduo e fazer com que este deseja ser, simplesmente, Deus? Aqui, a instalação está suspensa, sustentada, como se fosse leve como ar. Os fios elétricos sugerem a força da eletricidade, no célebre choque de Lasier na Festa da Uva. É como uma instalação que vi certa vez, de um artista que instalou estruturas mecânicas magnetizadas em meio a um temporal, com os poderosos raios, nas marteladas de Thor, exercendo seu poder cru e impactante, até traumático. O Ser Humano quer entender o Mundo que o cerca, no modo comum de deificação, identificando com deuses os elementos naturais, como o Sol, a Lua e o Mar. Estes círculos de JP são intrincados engenhos metalmecânicos, na demanda industrial de bens sendo produzidos, na pujança da China, por exemplo, tornando-se um gigante econômico. Estas formas coloridas estão suspensas como um sonho, num artista sonhando em causar impacto e ser valorizado, na luta incessante que é a vida de um artista. São como coloridas serpentinas, alegres, insinuando-se como serpentes da fertilidade, na magia dos córregos, rios e lagos, nas veias da Natureza, a Enigmática Mãe. É como uma banda de música, um conjunto no qual cada componente tem sua contribuição, num grupo coeso, unido, que sabe funcionar como equipe, com bandas longevas como o U2, num casamento sem sexo. E como temos que ter paciência! Os círculos são como planetas de um mesmo sistema, filhos de um mesmo senhor, num baile, uma coreografia de círculos concêntricos, como num bioma, em que cada ser tem um papel relevante, não havendo pessoa irrelevante, apesar de tantas pessoas, de baixa autoestima, acharem-se irrelevantes. É uma explosão orgásmica, num estouro como o poderoso Big Bang, no momento de ruptura divina em que o Cosmos foi idealizado, havendo no popstar uma tentativa de reproduzir tal estouro, mas um estouro de Arte, de comoção, como uma facada nos preconceitos patriarcais, preconceitos que veem com maus olhos a mulher independente. Esta estrutura avança sobre o espectador, numa avalanche de cor e sensibilidade.


Acima, Capella. 2005. Judy Pfaff & Jane Rosen, Braunstein Quay Gallery, San Francisco, CA, EUA. Temos aqui uma pitadela de Mondrian, só que com mais cores, com ênfase aos tons de magenta, numa JP doce, cândida, de quem não perdeu toda a inocência infantil. É um móvel com várias gavetas, como pastas de arquivo num computador, fazendo metáfora com a própria mente humana, um lugar abstrato onde a pessoa arquiva informações, procurando organizar e levar uma vida positiva e produtiva. Há gavetas proeminentes, avançando agressivamente, como um vendedor que vai à procura do cliente. Aqui, há um constante movimento, numa mente dinâmica, no poder da simplicidade de design, nunca cometendo excessos nem sujeiras desnecessárias, num desenho que sabe que ser simples é ser limpo, prestando atenção apenas ao que é importante. Temos uma Judy namorando como design de móveis, como móveis sob medida, num projeto que busca trazer o maior prazer possível ao cliente, satisfazendo este. Algumas dessas gavetas em magenta lembram tapumes de construção, tapumes magenta, no recato e no pudor, cobrindo a aparência feia de um prédio em construção, só removendo os tapumes quando o projeto estiver pronto para ser lançado e comercializado. De um certo modo, a vida de qualquer pessoa está sempre cercada de tapumes, pois, conforme a Dialética, tudo é processo, ou seja, nunca há um ponto final, havendo no Desencarne uma vírgula, nunca um ponto final. Podemos ouvir o som de abre e fecha, num móvel extremamente útil, sendo utilizado intensamente, servindo ao Mundo, na dignidade das pessoas que querem servir, como Tao, que é a Dignidade Suprema, havendo nos Seres Humanos meros aprendizes. São como teclas de um piano colorido, na leveza atingida somente pelo intenso praticante, como os dedos delicados de grande dama ao piano de Diana Krall, no modo como o instrumento acaba se tornando uma extensão do corpo do artista, numa relação de intimidade, de costume, como um bebê, íntimo da mãe grávida, numa comunhão, havendo na mãe o primeiro amigo da pessoa no Mundo. O artista benevolente se torna célebre, sempre humilde, nunca se gabando, pois se você acha que você é um sucesso, não trompeteie este mesmo sucesso! Aqui, são como apartamentos de um mesmo prédio, num prédio luxuoso, num projeto inspirado na Simplicidade. Mais acima na estrutura, uma janela em vão, vazia, deixando o ar circular. É a Janela da Vida, deixando que os sentimentos sejam ventilados, nunca deixando o ar ficar estagnado, no modo como a vida da pessoa estagna quando esta pessoa acha que atingiu a perfeição. São como várias canchas de tênis em um mesmo parque de torneios, com muitas partidas acontecendo ao mesmo tempo, numa agenda vibrante, cheia de craques competindo pelo “óvulo”. É a inevitável competitividade da Vida em Sociedade, num contexto que faz capital a necessidade de desenvolvimento de agressividade, fazendo com que o homem feminino se torne um saco de pancadas. São vários lotes em um condomínio de luxo, com terrenos amplos, vazios, prontos para receber o sonho de arquiteto. É como o loteamento na Colônia Italiana no Rio Grande do Sul, arrendando terras e fazendo o imigrante trabalhar intensamente para o pagamento da dívida para com o Império Brasileiro. São como livros acondicionados em prateleiras, na riqueza de uma biblioteca que tem livros sobre quaisquer assuntos, no acúmulo de Conhecimento, na tentativa de erguer o Ser Humano à condição de ser apolíneo, pensante, civilizado, no modo como a Educação Brasileira é tão sucateada, tão subestimada. Aqui, temos um código duro de computador, com informações frias, na construção técnica do espírito, fazendo com que o instintivo sofra a influência do racional, fazendo da mortificação tão necessária; fazendo com que a pessoa observe o Mundo do jeitinho que este é. São como tijolos reunidos pacientemente, num trabalho incessante de esforço, sempre querendo fazer do Mundo um lugar melhor.


Acima, Emanation. Art plus Process. 2015. Gotas caindo do teto, como goteiras invasivas, desrespeitando o concreto e se infiltrando em brechas da Vida em Sociedade, do modo como um psicopata ardiloso se aproveita dessas amplas brechas. Temos uma Judy suntuosa, que não se contenta com pouco, numa artista absolutamente antissimplória – Judy não faz qualquer coisinha.  Essas gotas são doces caramelos, num coração que se derrete perante um novo amor, um novo namorado. Esta sala, em estilo neoclássico, entra em contraste com uma Judy bem pós-moderna, avançada, pervertendo os padrões tradicionais estéticos. As grandes bolas vermelhas no teto são como casulos, dispositivos transformadores, como a lagarta que se torna borboleta, no patinho feio vencendo as vicissitudes e se tornando cisne, na luta incessante que é a Vida. E aquele que é subestimado, vence o jogo, surpreendendo o Mundo, num artista que precisa ser “engolido” por muitas pessoas. Os casulos rubros são vibrantes, da cor vital do sangue, no sangue que interconecta todos os seres vivos, na seiva que faz com que sejamos filhos no mesmo Imaculado Pai. Estas gotas têm movimento, e quase tocam o chão, num efeito dinâmico, numa obra que parece ter movimento. Podemos ouvir o som gotejante, como num lugar úmido, como uma sauna, no reconfortante barulho aquoso, que nos remete ao conforto uterino do Lar, do universal receptáculo que faz com que sintamos a sensação gloriosa de Paz e Prazer, batendo de frente com as pessoas que, simplesmente, não permitem a si mesmas terem prazer, pessoas que fazem um bloqueio cheio de (desnecessária) culpa. Estes casulos têm artérias entrelaçadas, como numa cidade dinâmica, vibrante, com vias movimentadas e vida cultural sedutora, na sensação gloriosa de visitar um grande centro urbano, como o novaiorquino, com tantas mostras e espetáculos acontecendo, na vida incessante das cidades espirituais, cidades que nada têm a ver com a feiura morta cemiterial. Podemos sentir um feminino perfume de tutifruti, de morango, de cereja, no prazer de ir a um buffet de sorvetes e montar o seu próprio sundae. Mais à esquerda, vemos um lustre rebaixado, de um design moderno que contraste com os lustres clássicos do ambiente primordial. O lustre moderno lembra a deslumbrante loja Cristais de Gramado, um lugar cheio de produtos pertinentes em vidro, com joias e vasos, havendo no vidro derretido um barro primordial com o qual o artesão molda os próprios sonhos de concepção, na magia das Artes Plásticas em transformar materiais e conceber algo novo. As mãos de um artista são transformadoras, querendo curar os preconceitos viscerais do Mundo. Na extrema esquerda, vemos outros casulos, só que mais transparentes, como o Cosmos, extremamente translúcido, deixando que observemos galáxias muito, muito distantes. O artista é uma espécie de telescópio, revelando coisas, antes despercebidas, fazendo associações inéditas, numa demonstração de Inteligência por parte do “artesão”. Na extrema direita, cristais transparentes, gélidos, frágeis como bolhas de sabão, efêmeros, no modo como os momentos existenciais passam, e a pessoa nota a necessidade de “tocar o barco”. Podemos ouvir o tilintar dos cristais tocando uns aos outros, numa pureza cristalina, numa casa muito limpa, com decoração simples, sem excessos nem frescuras. E estas veias de serpentina são como novelos sendo desdobrados, com uma pessoa querendo encontrar o fio da meada, tocando o fluxo para frente, querendo compreender um Universo tão vasto e enigmático, tão além de nossa compreensão. É o Grande Plano Divino, do qual pouco sabemos; apenas o vivemos. Aqui, são os inúmeros ovos colocados por uma tartaruga, com poucos filhotes que conseguem chegar ilesos ao Mar e virar adultos reprodutores, no modo como a Vida impõe a necessidade de sobrevivência, exigindo que o Ser Humano tenha muita força para encarar a própria Encarnação.


Acima, Hanging Judge. 2014. São raios negros de tempestade, talvez anunciando um agouro, um mau presságio. Quase tocando no chão, um corpo negro, necrosado, talvez de uma ave, numa carcaça sem vida. Esses raios negros estão presos ao teto, parecendo ser providos pelo teto, numa referência de lar, de proveniência. A estrutura aérea desta instalação sequer toca o chão, como um Davi de Michelangelo não chega a tocar no dedo de Deus, numa relação de quase felicidade, de quase realização, no modo como ninguém, em vida, consegue se encontrar por completo, não havendo perfeição na Vida Material, mas sim percalços e tristezas, até frustrações. É a cor negra da Depressão, uma doença na qual a pessoa é acometida por um fortíssimo choque de frustração, não mais encontrando sabor na Vida, no dia a dia. É como um peixe preso numa rede de pesca, na prisão do corpo encarnatório, sendo impossível o desligamento à vontade da pessoa; só possível à vontade dos planos da Divina Providência. Ao fundo, à esquerda, vemos dois rostos, talvez o da Comédia e o da Tragédia, complementando-se, no sabor agridoce das vivências, com noites e dias se entrelaçando. São gêmeos, que compartilham uma barriga, na Vida em Sociedade, que é um compartilhamento. São duas asas da mesma borboleta, no desejo de alçar voo, de se libertar, buscando na catarse artística uma válvula libertadora de escape, no sentimento de descarrego, depois de uma grande tempestade negra, a qual é seguida pela bonança. É o velho recurso de contraste do Design, na beleza dos opostos sendo encontrados juntos, talvez numa Judy romântica, querendo conciliar opostos. É como a Lua em momento de eclipse, sendo engolida por um dragão cor de sangue, sendo libertada logo depois, sobrevivendo e fazendo-se mais forte, na gigantesca força exigida para que o indivíduo dê a volta por cima. Atrás dessas veias negras, vemos outro elemento, num grande mural com formas indefinidas, com cores que vão do ouro, ao prata e ao bronze, na magia do pódio, revelando o vencedor, o melhor, na natural competitividade entre as pessoas. São os metais nobres, em hierarquia, fazendo metáfora com a preciosidade de uma alma boa, benéfica e construtiva, havendo no ouro uma mera imitação material da virtude imaterial. Desse modo, quanto mais realista, mais a pessoa se livra das ambições materiais, como colecionar joias, pois Tao já disse: “Se você não comprar tesouros, ninguém vai querer os roubar”. Portanto, esvazie o portajoias! Preso nesta teia emaranhada, vemos também, no meio de tudo, asas negras ceifadas, com os sonhos frustrados de uma pessoa sensível, no modo como o Mundo pode ser complicado para uma pessoa sensível demais. É o Anjo da Morte, que vai chegando de mansinho, até impor o momento do Desencarne, no ponto inevitável de “bater as botas”, como diz o mago Gandalf: “Temos que decidir o que fazer com o tempo que nos é dado na Terra”. Esta teia negra busca fazer uma limpeza, uma depuração, captando o desnecessário e estabelecendo somente o que é útil para se ter uma Vida saudável e desprendida. Estas veias são verdadeiros labirintos, fazendo com que tantas e tantas pessoas se sintam perdidas e desnorteadas, até o momento em que um centro, um Norte é estabelecido pelo indivíduo, matando, assim, a charada: “Decifra-me ou devoro-te”. Bem ao fundo nesta instalação, no cantinho da sala, estruturas não muito nítidas, parecendo ovos prateados, na magia de um ninho que gera Vida. São os ovos colocados por uma mosca, no irrefreável ritmo de um centro urbano cultural, havendo na Arte o capital papel de Saúde Mental Coletiva. Esses ovos de prata causam expectativa, pois o que será que virá? No modo como um ardoroso fã se pergunta o que seu artista predileto “está aprontando”. E esses ovinhos também não tocam o chão, havendo na intocabilidade uma metáfora com o comportamento limpo e virtuoso, um comportamento imitado maliciosamente pelo sociopata, o qual, por sua vez, é uma piada.


Acima, N.Y.C./B.Q.E.. 1987. Whitney Biennial, Whitney Museum of American Art, New York, NY, EUA. Esta obra passou pelo museu novaiorquino que trata exclusivamente de Arte Americana, e infelizmente não pude visitar a instituição em minha ida em 1998 à Big Apple. Aqui, temos uma explosão orgásmica, na liberação de coisas muito boas e prazerosas, como uma supernova estourando, causando suas comoções, abalando percepções, na vocação do grande artista em sensibilizar o Mundo. Temos uma Judy amante das listras, num contraste próprio de placas de trânsito, querendo chamar a atenção, tendo a maior clareza possível, na simplicidade das grandes mensagens. Esta explosão abraça o espectador, e temos uma candura, como caramelos coloridos e sedutores, na doçura de um momento como o de um grande amor, inundando a pessoa de felicidade e satisfação. Na extrema direita inferior, uma mesinha com duas cadeiras, num charmoso café parisiense, no prazer em sentar, degustar alguma bebida e simplesmente ver a Vida passar, com pessoas indo e vindo, cuidando de suas vidas, com pessoas finas, deixando no ar um perfume, uma fragrância de polidez e civilidade. É o dom do artista em observar o Mundo, inspirando-se a fazer Arte, querendo compreender este mesmo Mundo. Perto da mesinha, vários círculos que lembram cachos de uva, no perfume da estação da colheita, com abelhinhas ensandecidas, querendo extrair o doce da fruta. É a sensualidade das vindimas, lotando a Itália de sabor e poesia nos meses de verão, havendo na vindima a celebração da Vida e do Trabalho. Esta instalação tem vários elementos de fios de ferro, e esta obra avança, e parece que vai cair no chão, como se fosse uma pintura que adquiriu forma em três dimensões, como se fosse um filme em 3D, na tentativa de um cineasta em dar ao espectador a experiência de fazer parte da película. É como uma borboleta rompendo o casulo e renascendo, bela, como uma pessoa que desencarna e rejuvenesce, numa borboleta colorida pronta para a Vida, pronta para a explosão primaveril, na explosão de Vida, como uma gata no cio, louca para sair à rua e procriar, como tenho a lembrança de um professor de Física no Ensino Médio, quando, em plena Primavera, o professor se irritou com a instintiva inquietação dos adolescentes, e resolveu concluir a aula muito antes da hora de terminar a aula de fato! Temos uma Judy sedenta por Vida, vibrando junto a grandes centros como o novaiorquino, querendo fazer parte da vibrante agenda de um lugar tão emblemático, querendo obter um papel (importante) nessa cena cultural. Junto à parede vemos pintadas formas de tijolos, numa artista querendo compreender o que há por trás das coisas, na curiosidade de um cientista em desvendar os segredos do Universo. Os tijolinhos são o trabalho paciente, como um ator, tendo que ter paciência e disciplina para compreender e interpretar um personagem. Os vários círculos aqui são discos sendo jogados, num esporte. São os discos lançados pelos músicos e cantores, tentando “decepar as cabeças da percepção”, buscando ser tocados nas rádios e em festas. As listras são como barras de prisão, no corpo carnal que abriga o espírito – pergunte a um prisioneiro se este gosta da prisão. Na extrema direita, temos um retângulo que parece ser um arco-íris, na bonança depois de uma horrorosa tempestade, num indivíduo que começa a compreender que o próprio tem que reagir se (re)erguer. É como uma esteira de praia, no prazer de chegar em uma praia e tomar uma água de coco. É como um toldo, que protege do Sol, no modo como a pessoa tem que se proteger para não se magoar. Vemos também, pela instalação, formas que parecem livros sendo abertos e folheados, como um leitor “desvirginando” um livro, folheando, desbravando terras devolutas, na figura de liberdade que é um livro sendo aberto. É como um calendário, sendo folheado, marcando a passagem de tempo, num presidiário que conta os minutos para voltar ao Verdadeiro Lar.


Acima, Neither Here Nor There. 2003. Ameringer/Yohe Fine Art, New York, NY, EUA. Uma artista com o talento para fazer móveis, moldando a madeira em formas ornamentais, no prazer de moldar um vaso de cerâmica, como a idosa Rose, em Titanic, com suas velhas mãos ainda servindo ao Mundo, na dignidade de uma artista servindo ao Mundo, como me disse minha falecida avó materna, mostrando as próprias mãos: “Estas mãos foram úteis ao Mundo, pois, com elas, lavei, passei, cozinhei e costurei”. Nesta instalação, há um movimento que não nos deixa saber se estas formas estão caindo ou ascendendo, numa confusão entre base e teto, no talento de “virar o Mundo de cabeça para baixo”, como na morte de Elis. Aqui, a brancura traz pureza, como uma virgem folha em branco, pronta para ser preenchida por um personagem, no talento do grande ator, havendo neste uma página em branco, preenchida pelo personagem, no talento de um ator em “desaparecer” perante o personagem, digno de um Oscar. Estes pilares moldados em madeira combinam com as paredes brancas da galeria, como um urso polar caminhando pela imensidão branca polar, no modo como a Vida encontra possibilidades até nos terrenos mais improváveis ou difíceis, numa artista que busca, simplesmente, sobreviver, virando as páginas e seguindo em frente. Estas formas são finas e requintadas, numa Judy empenhada em não se repetir, no grande desafio que assalta o artista – não fazer sempre a mesma coisa, pois talento tem que se cercar e força, e só os fortes sabem virar as páginas. Entremeando estes pilares brancos voláteis, há várias formas metálicas, cinzentas, estabelecendo vários níveis, no sonho de um arquiteto em projetar ambientes mágicos, inteligentes, num intrincado jogo sofisticado entre mezaninos, escadas e sacadas, numa Judy com um certo talento arquitetônico. Estas formas metálicas insinuam mandalas, com polígonos árabes, do Oriente Médio, nos fascinantes tapetes voadores, com suas mandalas que buscam compreender a natureza cíclica das coisas, da Natureza, da Vida. É o ciclo de estações, varrendo o Mundo numa demanda incrível, com extremos frio e calor açoitando o Ser Humano encarnado, como tempestades de areia, no modo como a artista feliz é aquele que se torna uma espécie de “tempestade do Bem”. Estas mandalas lembram a Estrela de Davi, num povo escravizado e perseguido, no modo como é absolutamente insuportável para um artista ser censurado e tolhido, perseguido, mal compreendido, numa mulher que esbarra nos preconceitos patriarcais: Como uma mulher ousa querer ser tão boa quanto um homem? Como ousa Eva querer ser Adão? Ao fundo na cena, um ramo vegetal seco, morto, apodrecendo, no modo como o Fascismo e o Comunismo caíram de podres, na questão da Evolução Moral da Humanidade, com parâmetros morais se impondo, querendo Liberdade, simplesmente Liberdade, havendo na eleição democrática um paradigma fortíssimo – o que virá depois? Algo virá depois ou paramos por aqui? Estas formas brancas são frágeis, e parecem que não vão suportar o peso... mas suportam bravamente, pois são subestimadas, julgadas pela sua aparência. Aqui, há um pensamento sofisticado, em vários níveis, fazendo um discernimento, mas em tudo há continuidade, sendo tudo membro de um só organismo. Bem no fundinho da cena, algo parecido com um guardachuva fechado, com seu gancho, como um falo penetrante, numa artista que quer “estuprar”, transgredir, talvez aplicando no Mundo uma injeção dolorida a qual fará muito bem a este mesmo Mundo, ocasionando a evolução deste, e este é o papel do artista – ser um agente evolutivo. As luzes da galeria mal dão conta de tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo, e Judy nos convida a entrar na cena e penetrar na obra, numa cama de gato intrincada, cheia de teias furtivas que buscam capturar o demoníaco inseto do preconceito, numa aranha faminta, que devora as tripas do preconceito.

Referências bibliográficas:

Installations. Disponível em <www.judypfaffstudio.com>. Acesso 6 mar. 2019.

Judy Pfaff. Disponível em <www.en.wikipedia.org>. Acesso 6 mar. 2019.