Djanira da Motta e Silva era
brasileiríssima, sempre retratando cenas da Cultura Popular Brasileira. Amiga
de Jorge Amado, pintou um quadro especialmente para o escritor. Djanira tem uma
de suas obras pertencendo ao Museu do Vaticano. Os textos e análises semióticas
a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!
Acima, Caboclinhos. 1962. Um quadro que traz música brasileira, e podemos
ouvir a melodia e a batida dos músicos, no fascínio que o Brasil exerce sobre o
Mundo. As verdejantes palmeiras se agitam à brisa suave, numa agradável
temperatura salvadorense. A vegetação é fechada, como uma sala de estar à meia
luz, num chão acarpetado e almofadas confortáveis. Podemos sentir o cheiro de
pratos típicos da cozinha baiana, ou o cheiro de uma boa feijoada. Não é a toa
que Djanira foi amiga do amado Amado, pois eram ambos grandes entusiastas das
tradições populares do Brasil, como uma Patricia Pillar, a qual sempre defende
o Cinema Brasileiro. Os frutos maduros nos pés enchem o quadro de perfume, na
doçura de sobremesas como cocada, pé de moleque ou rapadura, com vistosas baianas
vendendo doces no Pelourinho – o que é que a baiana têm? Este quadro está
prestes a receber Carmen Miranda, no balanço de seus quadris tão sensuais,
encantando o Mundo com a doçura sulamericana, numa doce banana. Aqui, é uma
sensual noite clara de luar, com jardins cheios de grilos barulhentos, como
namorados se beijando à luz do luar, numa cena doce, numa noite amena, digna de
cidade espiritual, num lugar onde não há extremos excruciantes. Podemos ouvir
um sambinha, ou uma banda de pagode, e a mocinha no canto esquerdo inferior
dança, balançando sua cabeleira, na sensualidade da mulher brasileira, a qual
sai de casa de manhã cedo com o cabelo úmido perfumado, recém lavado. Seu
vestido é da cor de Iemanjá, um ícone de cultura popular. O azul é a Mar que
provê os pescadores, enchendo as redes de farturas, enchendo as mesas, numa mãe
benevolente, sempre suprindo seus filhos. A moça samba ensandecida, balançando
seu vestido e seduzindo com seu perfume cítrico, tropical, como no escândalo da
vulva de Lilian Ramos com o então presidente Itamar Franco – é um jogo de
sedução entre poder e beleza. O chão aqui é terroso, como numa formidável
adega, engarrafando os sabores da terra, das entranhas do Mundo, no sangue de
vinho que pulsa nas veias do Salvador, e nós como “vampiros”, bebendo de
líquido tão sagrado. Os rapazes aqui estão descalços, numa informalidade, como
caminhar descalço dentro do conforto do lar, um lugar em que nos sentimos
pertencendo a algo, a algum organismo maior, que acolhe vários filhotes em
embaixo do mesmo guardachuva. Apenas uma das pessoas aqui é negra, um rapaz bem
ao centro da cena, tocando seu tambor, nas miscigenações brasileiras, nos
abismos sociais moldados no Brasil Colônia. O restante dos personagens aqui são
brancos ou pardos, e cercam o negro, no modo como o Brasil nada teria se
tornado se não fosse a força dos escravos negros – devemos tudo à África. É a
estupidez e a crueldade humanas, arrancando pessoas do Continente Negro,
condenando seres humanos (e os descendentes destes) a uma vida negra, dura e
cruel – este é o dom humano para a maldade, sendo esta sempre embalada pela
ambição, a eterna ambição de seres humanos que nunca estão satisfeitos, pois é
uma virtude saber quando se tem o suficiente. Aqui, as flautas rubras são
fálicas, numa vareta que vai fundo no útero e engravida alguém, na inteligência
de um macaco, que pega a vareta para obter alguma outra coisa. A flauta é uma
agulha terapêutica de injeção, surgindo para curar por meio da dor, num remédio
amargo que surte forte efeito, no modo como não devemos reclamar da Vida. Aqui,
temos uma festa, um momento de euforia para escapar momentaneamente de um Mundo
tão duro, tão escravocrata, tão de árduas tarefas diárias de uma dona de casa,
a qual se “mata” para manter uma casa limpa e organizada. Os pés descalços são
a simplicidade, a ausência de desconfortáveis formalidades, como uma apertada
gravata. Nesta cena, as diferenças raciais e sociais são esquecidas, e os seres
humanos se juntam em torno de um bem comum, como a Música, ou seja, a Arte,
tendo esta o poder de unir as pessoas – Arte é capital.
Acima, Jogo de Dados. 1974. Uma cena comum, num simples boteco, com
cavalheiros bebendo cachaça e jogando dados, talvez num inocente momento de
diversão, talvez com dois alcoólatras compartilhando um vício. Ao fundo, a
bandeira do Brasil, numa Djanira patriota, orgulhosa da própria nacionalidade.
Os homens estão com um semblante tranquilo, talvez entediados, talvez numa vida
improdutiva e monótona. O ambiente é um tanto claustrofóbico, fechado, opressor,
num pé direito que parece ser baixinho, apertando os dois jogadores. É um
quadro em que predominam linhas retas e tensas, com pouco espaço para curvas,
como na exceção do círculo na bandeira. Podemos ouvir um cavaquinho, no
casamento da Boemia com a Arte, como dizia Cazuza: “Se não houver boemia, não
vai haver poesia”. O chão é marrom, terroso, numa Djanira adepta à simplicidade,
no amor pelo chão do seu país, um chão fértil, onde brota inspiração, motivo
para pintar, numa artista disposta a divulgar e “vender” o país, num Brasil que
ainda tem muito a ser reconhecido internacionalmente. O semblante dos homens
passa a impressão de não estarem se divertindo muito, talvez afogando as mágoas
num copo, talvez precisando frequentar grupos de apoio, num Alcoolismo que, há
algum tempo atrás, não era visto como doença (tratável), mas como desvio de
conduta: “O Fulano? O Fulano é um baita safado; fica bebendo por aí”. Esta sala
é como uma jaula, na prisão que é a dependência química, numa grande cilada,
como uma mosca numa ardilosa teia de aranha. E Djanira era assim – viciada em
Arte, num vício benéfico, produtivo, numa pessoa feliz, que se encontrou em seu
próprio trabalho. A garrafa e os copos espalham pelo ar o cheiro de pinga, no
canto da sereia que é a substância viciante, com tantas pessoas no Mundo
imersas nesse fundo de poço, pois, na dureza da Vida, a tendência do indivíduo
é querer fugir, encontrando na droga uma válvula (falsa) de escape. Vemos uma
janela vermelha, rubra como plátanos outonais, rubra como o sangue cheio de
substância tóxica, no sangue derramado de vidas desperdiçadas, com pessoas no
auge da juventude, sendo tolhidas pela jaula que pode se tornar a Boemia. As
cadeiras e as mesas são duras, truncadas, desconfortáveis, colocando o
indivíduo numa situação de desconforto, de incômodo, desafiando a pessoa a
reerguer a própria existência, no enorme desafio que é para a pessoa sair do
fundo do poço e recolocar a Vida nos trilhos. Os homens estão agasalhados, num
dia não muito quente, na insuportável sensação de extremos climáticos do
Umbral, uma dimensão em que se perde a noção de Tempo e Espaço, como no copo de
álcool pode haver um grande desnorteamento. E a bandeira nacional permanece
incólume, impávida, com seus conceitos positivistas de organização e superação,
numa Mãe Nação que nunca desiste dos próprios filhos, como se esta mãe soubesse
que a paciência divina tem que ser eterna e incondicional, numa força superior
sempre disposta a perdoar e esperar que o indivíduo, finalmente, cresça – a
Vida não tem significado sem vicissitudes. Portanto, o indivíduo tem que
espírito guerreiro, sempre. Não podemos ver aqui os pés dos cavalheiros, num
clima de pés fora do chão, fora do Mundo normal, com pés se apoiando num plano
ilusório, falso, como se fosse uma tábua bamba no assoalho, traiçoeira,
enganadora, ceifando vidas, na eterna chance que temos em dar a volta por cima,
estando encarnados ou não. Vemos, aqui, também uma porta aberta, escancarada,
que é a Liberdade – entra quem quer; sai quem quer. É a Liberdade de Escolha, o
Livre Arbítrio, a prerrogativa que a pessoa tem, e cada um faz de sua própria
vida o que quiser fazer. Os dados são a aleatoriedade, a falta de rumo, numa
pessoa submetida aos caprichos do acaso, como um saco de plástico voando, sem
referência, sem segurança, sem firmeza, sujeito aos caprichos insanos do vento
sem sentido. É uma Djanira com os pezinhos fincados no próprio labor.
Acima, Moças na Praia. 1964. Uma leve cena de prazer, na beleza do Litoral
Brasileiro. É uma cena perfeita, onde tudo se encaixa harmoniosamente. O Mar é
absolutamente plácido, de temperatura amena, deliciosa. As regatas trafegam
tranquilamente, ao sabor do benevolente vento, uma brisa amena. O horizonte é
de um céu limpo, nem nuvens cinzentas de dúvida existencial. Este quadro foi
produzido no ano do Golpe Militar Brasileiro, e, nos anos que se seguiram, o
cidadão, simplesmente, não podia ter senso crítico. Este é um quadro despolitizado, sem mensagens contundentes, sem contestações de juventude, e, como
o governo vigente, tem-se a impressão (falsa) de perfeição estatal, a impressão
de que o Brasil era, simplesmente, perfeito, com um governo apolíneo e
impecável. Naquele momento histórico, era o lema “Brasil – Ame-o ou deixe-o”.
Quem queria ficar, tinha que se refugiar na cidadania cor-de-rosa, nos
inocentes versos “Um barquinho a deslizar no profundo azul do Mar”. As três
meninas estão entretidas com o Mar, e estão totalmente recatadas, sem trajes de
banho, mas com vestidos de passeio. São os cidadãos comportados, que não
contestam o governo; cidadãos desprovidos de miolos. A areia é limpíssima, sem
qualquer indício de cidadãos porcos que jogam o lixo na areia. O cachorrinho
está comportado, domesticado, no modo como o governo “domesticava” o cidadão,
no conceito de “boa criança”, como no filme Aeon
Flux, num futuro em que o estado controlava totalmente o cidadão sob a
dinastia tirana dos “Goodchild”, sendo “uma boa criança” o cidadão que
simplesmente não pensa nem tem a liberdade para ter uma opinião sobre algo – é
do interesse do ditador oprimir o próprio povo. Nessas meninas, duas parecem
ser gêmeas, sendo guiadas e controladas por uma irmã mais velha, numa
hierarquia dentro de casa, quando o indivíduo se prepara para a inevitável
hierarquia do Mundo lá fora, havendo no Lar um subconjunto da Sociedade, numa
relação de continuidade. Esta irmã mais velha é o controle estatal, num momento
crítico em que o artista brasileiro tinha poucas opções, na despolitização da
Jovem Guarda, por exemplo. É o conceito do Big
Broter, o irmão maior que controla os irmãos num estado claustrofóbico,
cheio de câmeras de controle, sendo inaceitável a liberdade de um cidadão, com
estados opressores que simplesmente impedem que o próprio cidadão possa sair do
país. Uma dessas menininhas é comportada e aceita o controle; a outra menininha
é mais rebelde, e quer se libertar e viver, talvez entrar no Mar. São os dois
olhos da pessoa – um moderno e outro conservador, havendo em cada um de nós
lados opostos. A irmã mais velha está chamando a irmã rebelde, mas esta não se
importa, porém será punida por sua insubordinação. A menina rebelde quer viver,
numa Djanira querendo viver, respirar, produzir e ser aquilo que se espera de
um artista de fato – produzir pensamento. O cachorrinho também está
domesticado, tolhido e controlado, no modo como a pessoa tem que disciplinar os
próprios impulsos, fazendo um diálogo (harmônico) entre Ímpeto e Juízo. Uma
lúdica bola está sobre a areia, mas a cena não é convidativa para uma diversão,
num cachorro que não está brincando nem aproveitando o dia. A bola está inerte,
na sensação de inércia que tomava conta do artista brasileiro de então. A
menina rebelde quer se aventurar, talvez cutucando um estado opressor, talvez
empreendendo um esforço heróico, no desejo de transgressão, de rebeldia,
havendo no Governo Militar uma forte figura patriarcal, num patriarca
desconfiado e rigoroso, duríssimo, numa figura paterna de controle e,
eventualmente, violência, numa Djanira que se viu obrigada a se curvar perante
tal figura patriarcal, na genialidade de Chico Buarque, no versos “Afasta de
mim este cálice, pai”, evocando a figura do patriarca supremo, fazendo um trocadilho
de “cálice” com “cale-se”, numa sofisticação fina demais para ser detectada
pelos filtros censuradores estatais – os artistas de então observavam a
necessidade de sutileza.
Acima, Nossa Senhora Aparecida. 1971. Esta imagem me remete à minha
visita, com minha família em uma excursão, ao então recém construído santuário
de Nossa Aparecida, e lembro do cheiro de cimento novo, num templo muito, muito
suntuoso. Aqui, temos a Padroeira do Brasil em um poder icônico enorme, num
sinal de Cultura Popular, na mais brasileira das santas. Um elemento chave é a
cor da pele da santa, num Brasil negro, num passado cruel escravocrata, numa
mensagem divina: Somos todos irmãos, e as classes sociais são ilusões. A santa
tem um formato piramidal, numa forma agressiva, de flecha, no modo como a Fé é
uma espada poderosa, lutando pelo Bem e pela Justiça, na Cruz de Malta, o
símbolo dos guerreiros cristãos. É a espada que fere a falta de Fé do Ser
Humano, sendo este um ser fraco, facilmente seduzido por sinais auspiciosos
humanos, sinais como o dinheiro. A santa está vestida de modo extremamente
recatado, e sequer podemos ver seus pés, algo muito diferente de Iemanjá, a
qual é uma figura sexy, provocante, sedutora, uma verdadeira diva. Suas mãos
estão em prece, e apontam para o Céu, o Reino dos Céus, a promessa que Jesus
fez antes de morrer brutalmente. Não se sabe se há uma Dimensão Metafísica,
portanto, é preciso ter Fé, e os que têm mais Fé estão acima dos que têm menos,
numa hierarquia espiritual, na qual a Luz elimina a Escuridão. A coroa da santa
é a promessa de um reino, um reino mais maravilhoso do que qualquer reino sobre
a face da Terra. É como a sedução da cidade de Gramado, um lugar feito para
encantar o turista, e fazer com que este, é claro, gaste muito dinheiro na
cidade, na eterna tendência humana em colocar o dinheiro acima de tudo – é
assim mesmo... O cenário atrás é elegante, belo, como formas aristocráticas
neoclássicas, como formas em dourado, na enigmática riqueza da cornucópia
metafísica, a qual é a dimensão onde não existe a fadiga nem as chagas da Terra
– existe uma vida após a vida na Terra, e aquela é uma vida maravilhosa, com
pessoas envoltas em luz. O
chão é de um vermelho terroso, da cor do sangue derramado pelas cruéis
chibatadas nas costas de inúmeros escravos, com punições que eram feitas na
frente de todo o restante da senzala, como um aviso: Se você é escravo, aceite
isso, senão... Então, a cor da pele da santa tem todo um apelo social,
histórico, num Brasil em que há (ainda) tantos pobres de cor preta. Então, na
Fé, há uma válvula de escape, uma esperança de que na Dimensão Metafísica há
trabalho, mas não há sofrimento. As vestes da santa são majestosas, digna da
mais elevada rainha do Mundo, numa igreja que faz uma metáfora com a Virgem
Maria, nos mistérios da Imaculada Conceição, na dimensão em que os filhos de
Tao são concebidos espiritualmente, sem as vicissitudes da carne – não é só
Jesus o bendito fruto de Imaculada Conceição. É uma deliciosa pera, suculenta e
doce, no modo como Tao se inspirou para produzir as frutas, tão variadas e
deliciosas – uma bênção. Aqui, as vestes da santa são majestosas como os campos
ao ar livre de um reino, na beleza e na saúde da vida ao ar livre, na
Liberdade, num reino tão abençoado e belo, havendo no monarca uma projeção – seus
súditos projetam Tao em seu respectivo líder. Qualquer líder que se afaste de
Tao, deixa de ser líder. Temos uma Djanira um tanto minimalista, limpa e
simples, e não podemos ver o rosto da santa, como as pessoas que, em entrevista
para a televisão, não querem se identificar, numa santa protegendo os
inocentes, numa santa que é uma poderosa aliada na questão do apuro moral na
Terra. São as fés humanas, na universalidade da elevação espiritual, e cada
sociedade tem sua respectiva santinha, e as aparências são superficiais: Nossa
Senhora Aparecida é universal, adquirindo apenas outras roupagens. Este é um
quadro absolutamente simétrico, equilibrado, como uma pessoa com problemas
psiquiátricos, equilibrando-se quimicamente por meio de medicação. Podemos
ouvir os cânticos de glória dos fiéis, no poder da santa em arrebatar
multidões, como uma poderosa diva pop, conquistando a Fé e os corações. A
Virgem é limpa.
Acima, Parati. 1966. Uma plácida paisagem, num lugarejo pacato,
silencioso. Paz. Podemos ouvir o som de todos os pássaros. A Arquitetura
Colonial Portuguesa é bela, e todos os prédios e casas aqui estão
impecavelmente pintados, num lugar que é cuidado com muito carinho pelas
pessoas que ali vivem. E não é feliz aquele que aceita e ama o lugar onde vive?
Como diz um espírito elevado no filme Nosso
Lar: Para mim, não há melhor lugar para se viver nesta galáxia do que nesta
cidade espiritual. E aquele que entra em cabo de guerra com seu próprio lugar,
fica com um mal estar existencial enorme. Aqui, temos a beleza do Brasil
Colônia, na exuberante Flora Brasileira, no verde vivo e vibrante, muito longe
das cores desmaiadas europeias. Sequer podemos ver um único habitante, e todos
devem estar recolhidos em trabalho ou descanso, num silêncio que convida a uma
soneca, uma siesta, no pecadinho da Preguiça, no modo como há em Portugal um folclore
de piadas que coloca o brasileiro como preguiçoso! A cruz branca à direita está
acima de tudo e todos, e só é superada pelos morros ao fundo. Isso remete à
construção da Catedral de Caxias do Sul, um templo erguido sobre uma alta
pedra, no ponto mais alto da cidade então, num aviso claro: A Igreja está acima
de todo o corpo social. Aqui, é uma cruz paladina, contrastando com o fundo
escuro, como se emanasse uma luz intensa, na missão de guiar os seres humanos,
num Brasil ainda não dominado pela Igreja Universal do Reino de Deus. Esta cena
fica num limiar entre claro e escuro – ou está amanhecendo, ou escurecendo. A
luz não está em plena força, num limiar interessante, em que “todos os gatos
são pardos”. O céu parece estar prestes a receber uma majestosa Lua Cheia, na
magia tropical de noites quentes, repletas de grilos cantando, no poder da
Vida, da Natureza. É a poderosa Natureza Brasileira, seduzindo pesquisadores,
com uma variedade muito ampla de seres vivos, na empreitada portuguesa em
colonizar uma terra selvagem e encantadora. As palmeiras parecem tremular
gentilmente, como a bandeira nacional do Brasil, numa Djanira que era, por si só,
uma bandeira na qual a própria artista projetou o amor pelo Brasil. Este quadro
foi pintado em plena Ditadura
Militar, e esta placidez do vilarejo era a dourada intenção
primordial dos militares, proporcionado aos brasileiros a proteção em relação
ao Comunismo, o qual, na época, assustava o Bloco Capitalista. A Igreja, então,
fica tranquilizada com o Golpe, evitando o fechamento de templos brasileiros
pelos comunistas. Aqui, a Natureza ao redor é o útero floral, e as casas são
como cristais incrustados neste vale fértil, um ventre fértil, provendo seus
filhos na Agropecuária. Bem ao fundo, uma grande colina pontiaguda, como se
fosse uma espada que quisesse desafiar os deuses no céu, na agressividade
desbravadora dos corajosos colonizadores, desvirginando matas e, é claro,
escravizando os índios, os quais, por tanto tempo, foram os donos e senhores
das terras americanas – é a cruel agressividade europeia, no antigo modo estúpido
humano de fazer as coisas. Vemos na cena um cercadinho, que é a contenção, o
limite, o siso, numa pessoa bem comportada, longe das transgressões rebeldes. O
cercadinho é como um berço, numa Mãe zelosa que nunca se descuida de seus
filhos na Terra. O cercadinho é como palitos fincados no chão, como colonos
que, com muita coragem, esforço e privação, fincaram seus pés em solo
brasileiro, no modo como, na Vida, é preciso ter força, muita força. E é esta a
coragem que os artistas tinham que ter na Ditadura Brasileira, num momento em
que o Governo era um terrível olho onisciente, fascista, num estado que era uma
verdadeira senzala – uma prisão dentro de outra prisão, que é a Encarnação.
Este quadro, em formato horizontal, é uma foto. É uma cidade cuidada com muito
amor, e o artista não tem que amar o que faz? É uma vizinhança feliz, só que
numa opressão estatal que queria, de modo artificial, manter a Paz, com
intenções nobres e, ao mesmo tempo, intenções desprezíveis.
Referências bibliográficas:
Djanira da Motta e Silva. Disponível
em <www.catalogodasartes.com.br>. Acesso 20 mar. 2019.
Djanira da Motta e Silva. Disponível
em <www.ebiografia.com>. Acesso 20 mar. 2019.
Djanira da Motta e Silva. Disponível
em <www.elfikurten.com.br>. Acesso 20 mar. 2019.
Djanira da Motta e Silva. Disponível
em <www.escritoriodearte.com>. Acesso 20 mar. 2019.