quarta-feira, 27 de março de 2019

Mote Brasileiro



Djanira da Motta e Silva era brasileiríssima, sempre retratando cenas da Cultura Popular Brasileira. Amiga de Jorge Amado, pintou um quadro especialmente para o escritor. Djanira tem uma de suas obras pertencendo ao Museu do Vaticano. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!


Acima, Caboclinhos. 1962. Um quadro que traz música brasileira, e podemos ouvir a melodia e a batida dos músicos, no fascínio que o Brasil exerce sobre o Mundo. As verdejantes palmeiras se agitam à brisa suave, numa agradável temperatura salvadorense. A vegetação é fechada, como uma sala de estar à meia luz, num chão acarpetado e almofadas confortáveis. Podemos sentir o cheiro de pratos típicos da cozinha baiana, ou o cheiro de uma boa feijoada. Não é a toa que Djanira foi amiga do amado Amado, pois eram ambos grandes entusiastas das tradições populares do Brasil, como uma Patricia Pillar, a qual sempre defende o Cinema Brasileiro. Os frutos maduros nos pés enchem o quadro de perfume, na doçura de sobremesas como cocada, pé de moleque ou rapadura, com vistosas baianas vendendo doces no Pelourinho – o que é que a baiana têm? Este quadro está prestes a receber Carmen Miranda, no balanço de seus quadris tão sensuais, encantando o Mundo com a doçura sulamericana, numa doce banana. Aqui, é uma sensual noite clara de luar, com jardins cheios de grilos barulhentos, como namorados se beijando à luz do luar, numa cena doce, numa noite amena, digna de cidade espiritual, num lugar onde não há extremos excruciantes. Podemos ouvir um sambinha, ou uma banda de pagode, e a mocinha no canto esquerdo inferior dança, balançando sua cabeleira, na sensualidade da mulher brasileira, a qual sai de casa de manhã cedo com o cabelo úmido perfumado, recém lavado. Seu vestido é da cor de Iemanjá, um ícone de cultura popular. O azul é a Mar que provê os pescadores, enchendo as redes de farturas, enchendo as mesas, numa mãe benevolente, sempre suprindo seus filhos. A moça samba ensandecida, balançando seu vestido e seduzindo com seu perfume cítrico, tropical, como no escândalo da vulva de Lilian Ramos com o então presidente Itamar Franco – é um jogo de sedução entre poder e beleza. O chão aqui é terroso, como numa formidável adega, engarrafando os sabores da terra, das entranhas do Mundo, no sangue de vinho que pulsa nas veias do Salvador, e nós como “vampiros”, bebendo de líquido tão sagrado. Os rapazes aqui estão descalços, numa informalidade, como caminhar descalço dentro do conforto do lar, um lugar em que nos sentimos pertencendo a algo, a algum organismo maior, que acolhe vários filhotes em embaixo do mesmo guardachuva. Apenas uma das pessoas aqui é negra, um rapaz bem ao centro da cena, tocando seu tambor, nas miscigenações brasileiras, nos abismos sociais moldados no Brasil Colônia. O restante dos personagens aqui são brancos ou pardos, e cercam o negro, no modo como o Brasil nada teria se tornado se não fosse a força dos escravos negros – devemos tudo à África. É a estupidez e a crueldade humanas, arrancando pessoas do Continente Negro, condenando seres humanos (e os descendentes destes) a uma vida negra, dura e cruel – este é o dom humano para a maldade, sendo esta sempre embalada pela ambição, a eterna ambição de seres humanos que nunca estão satisfeitos, pois é uma virtude saber quando se tem o suficiente. Aqui, as flautas rubras são fálicas, numa vareta que vai fundo no útero e engravida alguém, na inteligência de um macaco, que pega a vareta para obter alguma outra coisa. A flauta é uma agulha terapêutica de injeção, surgindo para curar por meio da dor, num remédio amargo que surte forte efeito, no modo como não devemos reclamar da Vida. Aqui, temos uma festa, um momento de euforia para escapar momentaneamente de um Mundo tão duro, tão escravocrata, tão de árduas tarefas diárias de uma dona de casa, a qual se “mata” para manter uma casa limpa e organizada. Os pés descalços são a simplicidade, a ausência de desconfortáveis formalidades, como uma apertada gravata. Nesta cena, as diferenças raciais e sociais são esquecidas, e os seres humanos se juntam em torno de um bem comum, como a Música, ou seja, a Arte, tendo esta o poder de unir as pessoas – Arte é capital.


Acima, Jogo de Dados. 1974. Uma cena comum, num simples boteco, com cavalheiros bebendo cachaça e jogando dados, talvez num inocente momento de diversão, talvez com dois alcoólatras compartilhando um vício. Ao fundo, a bandeira do Brasil, numa Djanira patriota, orgulhosa da própria nacionalidade. Os homens estão com um semblante tranquilo, talvez entediados, talvez numa vida improdutiva e monótona. O ambiente é um tanto claustrofóbico, fechado, opressor, num pé direito que parece ser baixinho, apertando os dois jogadores. É um quadro em que predominam linhas retas e tensas, com pouco espaço para curvas, como na exceção do círculo na bandeira. Podemos ouvir um cavaquinho, no casamento da Boemia com a Arte, como dizia Cazuza: “Se não houver boemia, não vai haver poesia”. O chão é marrom, terroso, numa Djanira adepta à simplicidade, no amor pelo chão do seu país, um chão fértil, onde brota inspiração, motivo para pintar, numa artista disposta a divulgar e “vender” o país, num Brasil que ainda tem muito a ser reconhecido internacionalmente. O semblante dos homens passa a impressão de não estarem se divertindo muito, talvez afogando as mágoas num copo, talvez precisando frequentar grupos de apoio, num Alcoolismo que, há algum tempo atrás, não era visto como doença (tratável), mas como desvio de conduta: “O Fulano? O Fulano é um baita safado; fica bebendo por aí”. Esta sala é como uma jaula, na prisão que é a dependência química, numa grande cilada, como uma mosca numa ardilosa teia de aranha. E Djanira era assim – viciada em Arte, num vício benéfico, produtivo, numa pessoa feliz, que se encontrou em seu próprio trabalho. A garrafa e os copos espalham pelo ar o cheiro de pinga, no canto da sereia que é a substância viciante, com tantas pessoas no Mundo imersas nesse fundo de poço, pois, na dureza da Vida, a tendência do indivíduo é querer fugir, encontrando na droga uma válvula (falsa) de escape. Vemos uma janela vermelha, rubra como plátanos outonais, rubra como o sangue cheio de substância tóxica, no sangue derramado de vidas desperdiçadas, com pessoas no auge da juventude, sendo tolhidas pela jaula que pode se tornar a Boemia. As cadeiras e as mesas são duras, truncadas, desconfortáveis, colocando o indivíduo numa situação de desconforto, de incômodo, desafiando a pessoa a reerguer a própria existência, no enorme desafio que é para a pessoa sair do fundo do poço e recolocar a Vida nos trilhos. Os homens estão agasalhados, num dia não muito quente, na insuportável sensação de extremos climáticos do Umbral, uma dimensão em que se perde a noção de Tempo e Espaço, como no copo de álcool pode haver um grande desnorteamento. E a bandeira nacional permanece incólume, impávida, com seus conceitos positivistas de organização e superação, numa Mãe Nação que nunca desiste dos próprios filhos, como se esta mãe soubesse que a paciência divina tem que ser eterna e incondicional, numa força superior sempre disposta a perdoar e esperar que o indivíduo, finalmente, cresça – a Vida não tem significado sem vicissitudes. Portanto, o indivíduo tem que espírito guerreiro, sempre. Não podemos ver aqui os pés dos cavalheiros, num clima de pés fora do chão, fora do Mundo normal, com pés se apoiando num plano ilusório, falso, como se fosse uma tábua bamba no assoalho, traiçoeira, enganadora, ceifando vidas, na eterna chance que temos em dar a volta por cima, estando encarnados ou não. Vemos, aqui, também uma porta aberta, escancarada, que é a Liberdade – entra quem quer; sai quem quer. É a Liberdade de Escolha, o Livre Arbítrio, a prerrogativa que a pessoa tem, e cada um faz de sua própria vida o que quiser fazer. Os dados são a aleatoriedade, a falta de rumo, numa pessoa submetida aos caprichos do acaso, como um saco de plástico voando, sem referência, sem segurança, sem firmeza, sujeito aos caprichos insanos do vento sem sentido. É uma Djanira com os pezinhos fincados no próprio labor.


Acima, Moças na Praia. 1964. Uma leve cena de prazer, na beleza do Litoral Brasileiro. É uma cena perfeita, onde tudo se encaixa harmoniosamente. O Mar é absolutamente plácido, de temperatura amena, deliciosa. As regatas trafegam tranquilamente, ao sabor do benevolente vento, uma brisa amena. O horizonte é de um céu limpo, nem nuvens cinzentas de dúvida existencial. Este quadro foi produzido no ano do Golpe Militar Brasileiro, e, nos anos que se seguiram, o cidadão, simplesmente, não podia ter senso crítico. Este é um quadro despolitizado, sem mensagens contundentes, sem contestações de juventude, e, como o governo vigente, tem-se a impressão (falsa) de perfeição estatal, a impressão de que o Brasil era, simplesmente, perfeito, com um governo apolíneo e impecável. Naquele momento histórico, era o lema “Brasil – Ame-o ou deixe-o”. Quem queria ficar, tinha que se refugiar na cidadania cor-de-rosa, nos inocentes versos “Um barquinho a deslizar no profundo azul do Mar”. As três meninas estão entretidas com o Mar, e estão totalmente recatadas, sem trajes de banho, mas com vestidos de passeio. São os cidadãos comportados, que não contestam o governo; cidadãos desprovidos de miolos. A areia é limpíssima, sem qualquer indício de cidadãos porcos que jogam o lixo na areia. O cachorrinho está comportado, domesticado, no modo como o governo “domesticava” o cidadão, no conceito de “boa criança”, como no filme Aeon Flux, num futuro em que o estado controlava totalmente o cidadão sob a dinastia tirana dos “Goodchild”, sendo “uma boa criança” o cidadão que simplesmente não pensa nem tem a liberdade para ter uma opinião sobre algo – é do interesse do ditador oprimir o próprio povo. Nessas meninas, duas parecem ser gêmeas, sendo guiadas e controladas por uma irmã mais velha, numa hierarquia dentro de casa, quando o indivíduo se prepara para a inevitável hierarquia do Mundo lá fora, havendo no Lar um subconjunto da Sociedade, numa relação de continuidade. Esta irmã mais velha é o controle estatal, num momento crítico em que o artista brasileiro tinha poucas opções, na despolitização da Jovem Guarda, por exemplo. É o conceito do Big Broter, o irmão maior que controla os irmãos num estado claustrofóbico, cheio de câmeras de controle, sendo inaceitável a liberdade de um cidadão, com estados opressores que simplesmente impedem que o próprio cidadão possa sair do país. Uma dessas menininhas é comportada e aceita o controle; a outra menininha é mais rebelde, e quer se libertar e viver, talvez entrar no Mar. São os dois olhos da pessoa – um moderno e outro conservador, havendo em cada um de nós lados opostos. A irmã mais velha está chamando a irmã rebelde, mas esta não se importa, porém será punida por sua insubordinação. A menina rebelde quer viver, numa Djanira querendo viver, respirar, produzir e ser aquilo que se espera de um artista de fato – produzir pensamento. O cachorrinho também está domesticado, tolhido e controlado, no modo como a pessoa tem que disciplinar os próprios impulsos, fazendo um diálogo (harmônico) entre Ímpeto e Juízo. Uma lúdica bola está sobre a areia, mas a cena não é convidativa para uma diversão, num cachorro que não está brincando nem aproveitando o dia. A bola está inerte, na sensação de inércia que tomava conta do artista brasileiro de então. A menina rebelde quer se aventurar, talvez cutucando um estado opressor, talvez empreendendo um esforço heróico, no desejo de transgressão, de rebeldia, havendo no Governo Militar uma forte figura patriarcal, num patriarca desconfiado e rigoroso, duríssimo, numa figura paterna de controle e, eventualmente, violência, numa Djanira que se viu obrigada a se curvar perante tal figura patriarcal, na genialidade de Chico Buarque, no versos “Afasta de mim este cálice, pai”, evocando a figura do patriarca supremo, fazendo um trocadilho de “cálice” com “cale-se”, numa sofisticação fina demais para ser detectada pelos filtros censuradores estatais – os artistas de então observavam a necessidade de sutileza.


Acima, Nossa Senhora Aparecida. 1971. Esta imagem me remete à minha visita, com minha família em uma excursão, ao então recém construído santuário de Nossa Aparecida, e lembro do cheiro de cimento novo, num templo muito, muito suntuoso. Aqui, temos a Padroeira do Brasil em um poder icônico enorme, num sinal de Cultura Popular, na mais brasileira das santas. Um elemento chave é a cor da pele da santa, num Brasil negro, num passado cruel escravocrata, numa mensagem divina: Somos todos irmãos, e as classes sociais são ilusões. A santa tem um formato piramidal, numa forma agressiva, de flecha, no modo como a Fé é uma espada poderosa, lutando pelo Bem e pela Justiça, na Cruz de Malta, o símbolo dos guerreiros cristãos. É a espada que fere a falta de Fé do Ser Humano, sendo este um ser fraco, facilmente seduzido por sinais auspiciosos humanos, sinais como o dinheiro. A santa está vestida de modo extremamente recatado, e sequer podemos ver seus pés, algo muito diferente de Iemanjá, a qual é uma figura sexy, provocante, sedutora, uma verdadeira diva. Suas mãos estão em prece, e apontam para o Céu, o Reino dos Céus, a promessa que Jesus fez antes de morrer brutalmente. Não se sabe se há uma Dimensão Metafísica, portanto, é preciso ter Fé, e os que têm mais Fé estão acima dos que têm menos, numa hierarquia espiritual, na qual a Luz elimina a Escuridão. A coroa da santa é a promessa de um reino, um reino mais maravilhoso do que qualquer reino sobre a face da Terra. É como a sedução da cidade de Gramado, um lugar feito para encantar o turista, e fazer com que este, é claro, gaste muito dinheiro na cidade, na eterna tendência humana em colocar o dinheiro acima de tudo – é assim mesmo... O cenário atrás é elegante, belo, como formas aristocráticas neoclássicas, como formas em dourado, na enigmática riqueza da cornucópia metafísica, a qual é a dimensão onde não existe a fadiga nem as chagas da Terra – existe uma vida após a vida na Terra, e aquela é uma vida maravilhosa, com pessoas envoltas em luz. O chão é de um vermelho terroso, da cor do sangue derramado pelas cruéis chibatadas nas costas de inúmeros escravos, com punições que eram feitas na frente de todo o restante da senzala, como um aviso: Se você é escravo, aceite isso, senão... Então, a cor da pele da santa tem todo um apelo social, histórico, num Brasil em que há (ainda) tantos pobres de cor preta. Então, na Fé, há uma válvula de escape, uma esperança de que na Dimensão Metafísica há trabalho, mas não há sofrimento. As vestes da santa são majestosas, digna da mais elevada rainha do Mundo, numa igreja que faz uma metáfora com a Virgem Maria, nos mistérios da Imaculada Conceição, na dimensão em que os filhos de Tao são concebidos espiritualmente, sem as vicissitudes da carne – não é só Jesus o bendito fruto de Imaculada Conceição. É uma deliciosa pera, suculenta e doce, no modo como Tao se inspirou para produzir as frutas, tão variadas e deliciosas – uma bênção. Aqui, as vestes da santa são majestosas como os campos ao ar livre de um reino, na beleza e na saúde da vida ao ar livre, na Liberdade, num reino tão abençoado e belo, havendo no monarca uma projeção – seus súditos projetam Tao em seu respectivo líder. Qualquer líder que se afaste de Tao, deixa de ser líder. Temos uma Djanira um tanto minimalista, limpa e simples, e não podemos ver o rosto da santa, como as pessoas que, em entrevista para a televisão, não querem se identificar, numa santa protegendo os inocentes, numa santa que é uma poderosa aliada na questão do apuro moral na Terra. São as fés humanas, na universalidade da elevação espiritual, e cada sociedade tem sua respectiva santinha, e as aparências são superficiais: Nossa Senhora Aparecida é universal, adquirindo apenas outras roupagens. Este é um quadro absolutamente simétrico, equilibrado, como uma pessoa com problemas psiquiátricos, equilibrando-se quimicamente por meio de medicação. Podemos ouvir os cânticos de glória dos fiéis, no poder da santa em arrebatar multidões, como uma poderosa diva pop, conquistando a Fé e os corações. A Virgem é limpa.


Acima, Parati. 1966. Uma plácida paisagem, num lugarejo pacato, silencioso. Paz. Podemos ouvir o som de todos os pássaros. A Arquitetura Colonial Portuguesa é bela, e todos os prédios e casas aqui estão impecavelmente pintados, num lugar que é cuidado com muito carinho pelas pessoas que ali vivem. E não é feliz aquele que aceita e ama o lugar onde vive? Como diz um espírito elevado no filme Nosso Lar: Para mim, não há melhor lugar para se viver nesta galáxia do que nesta cidade espiritual. E aquele que entra em cabo de guerra com seu próprio lugar, fica com um mal estar existencial enorme. Aqui, temos a beleza do Brasil Colônia, na exuberante Flora Brasileira, no verde vivo e vibrante, muito longe das cores desmaiadas europeias. Sequer podemos ver um único habitante, e todos devem estar recolhidos em trabalho ou descanso, num silêncio que convida a uma soneca, uma siesta, no pecadinho da Preguiça, no modo como há em Portugal um folclore de piadas que coloca o brasileiro como preguiçoso! A cruz branca à direita está acima de tudo e todos, e só é superada pelos morros ao fundo. Isso remete à construção da Catedral de Caxias do Sul, um templo erguido sobre uma alta pedra, no ponto mais alto da cidade então, num aviso claro: A Igreja está acima de todo o corpo social. Aqui, é uma cruz paladina, contrastando com o fundo escuro, como se emanasse uma luz intensa, na missão de guiar os seres humanos, num Brasil ainda não dominado pela Igreja Universal do Reino de Deus. Esta cena fica num limiar entre claro e escuro – ou está amanhecendo, ou escurecendo. A luz não está em plena força, num limiar interessante, em que “todos os gatos são pardos”. O céu parece estar prestes a receber uma majestosa Lua Cheia, na magia tropical de noites quentes, repletas de grilos cantando, no poder da Vida, da Natureza. É a poderosa Natureza Brasileira, seduzindo pesquisadores, com uma variedade muito ampla de seres vivos, na empreitada portuguesa em colonizar uma terra selvagem e encantadora. As palmeiras parecem tremular gentilmente, como a bandeira nacional do Brasil, numa Djanira que era, por si só, uma bandeira na qual a própria artista projetou o amor pelo Brasil. Este quadro foi pintado em plena Ditadura Militar, e esta placidez do vilarejo era a dourada intenção primordial dos militares, proporcionado aos brasileiros a proteção em relação ao Comunismo, o qual, na época, assustava o Bloco Capitalista. A Igreja, então, fica tranquilizada com o Golpe, evitando o fechamento de templos brasileiros pelos comunistas. Aqui, a Natureza ao redor é o útero floral, e as casas são como cristais incrustados neste vale fértil, um ventre fértil, provendo seus filhos na Agropecuária. Bem ao fundo, uma grande colina pontiaguda, como se fosse uma espada que quisesse desafiar os deuses no céu, na agressividade desbravadora dos corajosos colonizadores, desvirginando matas e, é claro, escravizando os índios, os quais, por tanto tempo, foram os donos e senhores das terras americanas – é a cruel agressividade europeia, no antigo modo estúpido humano de fazer as coisas. Vemos na cena um cercadinho, que é a contenção, o limite, o siso, numa pessoa bem comportada, longe das transgressões rebeldes. O cercadinho é como um berço, numa Mãe zelosa que nunca se descuida de seus filhos na Terra. O cercadinho é como palitos fincados no chão, como colonos que, com muita coragem, esforço e privação, fincaram seus pés em solo brasileiro, no modo como, na Vida, é preciso ter força, muita força. E é esta a coragem que os artistas tinham que ter na Ditadura Brasileira, num momento em que o Governo era um terrível olho onisciente, fascista, num estado que era uma verdadeira senzala – uma prisão dentro de outra prisão, que é a Encarnação. Este quadro, em formato horizontal, é uma foto. É uma cidade cuidada com muito amor, e o artista não tem que amar o que faz? É uma vizinhança feliz, só que numa opressão estatal que queria, de modo artificial, manter a Paz, com intenções nobres e, ao mesmo tempo, intenções desprezíveis.

Referências bibliográficas:

Djanira da Motta e Silva. Disponível em <www.catalogodasartes.com.br>. Acesso 20 mar. 2019.

Djanira da Motta e Silva. Disponível em <www.ebiografia.com>. Acesso 20 mar. 2019.

Djanira da Motta e Silva. Disponível em <www.elfikurten.com.br>. Acesso 20 mar. 2019.

Djanira da Motta e Silva. Disponível em <www.escritoriodearte.com>. Acesso 20 mar. 2019.

Um comentário:

  1. Muito bom, como sempre. Não sei se concordas, Gonçalo, mas eu percebo nalguns destes quadros da Djanira um diálogo com a fase Pau Brasil da Tarsila. Não te parece?

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