Pop, Romero Britto tem uma
certa candura infantil, uma doçura inocente, num adulto que não se amargou pela
vida. Reconhecidíssimo internacionalmente, o brasileiro tem um estilo
inconfundível (e copiado por outrem). Seus quadros têm simplicidade, pois nada
neles é nebuloso ou confuso. Há alegria multicolorida, bombardeando os olhos do
espectador. Lembro de um pôster de Britto no consultório de minha oftalmologista,
num quadro chamado Abraço. Todas as
imagens analisadas aqui foram extraídas do site oficial do artista. As análises
semióticas a seguir são inteiramente minhas.
Acima, Celebração Coca-Cola, acrílico sobre tela de 2015. Temos aqui uma
alusão clara à Pop Art, movimento este que se inspirou no mundo da Propaganda,
da Indústria e da Cultura de Massa – existe algo mais massivo do que Coca-Cola?
A garrafa aqui explode estonteantemente, como num Big Bang, como num orgasmo,
trazendo desordem e prazer. O formato fálico da garrafa é inevitável e, perdoem
minha indiscrição, é uma ejaculação. Existe alívio, pois havia muita pressão estancada
no interior da embalagem, muito tesão recolhido. A tampa é extirpada e a
garrafa estoura como num delicioso espumante gelado, numa celebração de
Réveillon, marcando o fim de um ciclo e o início de outro ciclo, numa agressão
que serve para marcar uma divisão clara entre antes e depois. É a euforia de
Ano Novo, numa reunião eufórica e animada, num momento passageiro de alegria e
entusiasmo. O som dos explosivos dos fogos e dos foguetes são a agressão sonora
que marca uma divisão clara entre velho e novo, do modo como os belos e
coloridos fogos de artifício chineses serviram ao Ocidente para a invenção da
agressiva pólvora. Aqui, a garrafa é lustrosa e reluzente, no esforço
mercadológico de design de embalagem, na intenção de se desenhar uma embalagem
extremamente sedutora, chamativa, pertinente e vendedora, na batalha implícita
nas gôndolas de supermercado, onde produtos acotovelam-se para conquistar o
consumidor, o alvo de todos os esforços de mercado. A Pop Art inspira-se nessa
batalha por um lugar ao Sol, e é uma selva, com plantas concorrendo pelo
espaço, como no mercado de trabalho, com vários pretendentes para a mesma vaga,
como espermatozoides concorrendo pelo mesmo óvulo passivo e sedutor: é o objeto
de desejo. Este quadro é bem representativo, pois mostra a verdadeira paixão de
Britto pelo mundo encantado das cores – nunca vemos um Brito triste acinzentado
ou em preto & branco. É exatamente esta alegria cromática que fez Britto
tão célebre e reconhecido, do modo como cada grande artista trata de conquistar
sua própria identidade, produzindo um estilo único e inconfundível. Aqui, a
explosão do refrigerante gera ondas bem sinuosas, na sedução da água fluente,
como num rio caudaloso que nutre e hidrata os seres vivos. Em alguns pontos do
quadro vemos corações avermelhados, os quais simbolizam a paixão de Britto por
produzir Arte, num pessoa confortavelmente dentro de si mesma. Vemos esferas
lúdicas, como enfeites em uma árvore de Natal, celebrando o fim de um ano, na
celebração do nascimento de uma pessoa de suma importância. Britto deve ser
daquelas pessoas que adoram montar enfeites de Natal, no prazer de enfeitar com
cores e brilho uma casa. Em outros pontos, vemos estrelas, no brilho estelar de
Britto, um verdadeiro astro das Artes Plásticas. As estrelas enfeitam um céu de
agradável noite amena, num encontro de estrelas irmãs, de uma mesma
constelação, como membros de uma família de realeza, representando todas as
famílias de seu reino. Em outros pontos, vemos flores rosadas, na delicadeza de
um jardim bem-cuidado, na dedicação paternal de um jardineiro, debruçado sobre
o trabalho, amando a terra, como num imigrante italiano no Rio Grande do Sul,
arando sua terra, sonhando com uma vida melhor do que a vida na Itália. Em
outros pontos, vemos tons de verde, numa floresta fértil e exuberante, como na
flora carioca, no Jardim Botânico do Rio, com suas majestosas palmeiras e
vitórias-régias, na fertilidade imaginativa de Britto, numa cabeça que é um
gramado onde brotam flores silvestres na Primavera, numa mente que é uma
verdadeira copa de árvore frondosa, profundamente enraizada, firme e forte em
seu porte majestoso, numa imaginação brotando incessantemente como folhas e
frutos. A mente de cada artista é uma cornucópia psíquica, sempre prosperando,
sempre respirando. Apesar das cores alegres, há uma cor decisiva em Brito – o
preto. Coadjuvante, discreto e essencial, o preto de Britto serve para delinear
limites nos quadros, estabelecendo terrenos claramente divididos. Aqui, o preto
é mínimo e, ainda assim, essencial. Aqui, temos um mistério: como uma garrafa
tão sem cores pode gerar uma explosão tão multicolorida? É uma contradição. Ao
fundo da garrafa, vemos um fundo avermelhado, uterino, na origem primordial, no
mundo que nos precede antes de encarnar. É o enigma da Imaculada Conceição:
concepção pura, sem influência da matéria.
Acima, Esconde-Esconde, acrílico sobre tela de 2014. Temos aqui uma
identidade feminina, remetendo à adorável personagem Hello Kitty, febre nos
anos 80, em diversos tipos de produtos, como estojos escolares e papéis de
carta. A gatinha está brincando em um Éden perfeito e prazeroso. Sua pele é
absolutamente branca, num espaço de respiro que contrasta com as cores
restantes do quadro. Ela sorri contente, e podemos ver os pequenos orifícios
pelos quais brotam pelinhos invisíveis, como num rosto de mulher, sem barba. Seus
olhos são doces, com cílios proeminentes, e seu focinho é em tom de magenta, na
cor-de-rosa do universo da boneca Barbie. No fundo temos um céu perfeitamente
azul, céu de brigadeiro, e sobre o azul infinito e profundo vemos rabiscos
furtivos, divertidos, de uma criança rabiscando e explorando as possibilidades
de desenho, como num desenho de criança na pré-escola, sonhando em desenhar tão
bem quanto os desenhistas profissionais adultos. Sobre a cabeça da gatinha
vemos formas que parecem laços ornamentais, das cores azul profundo e bordô,
sendo este último um tom discreto, adulto, nas cores do vinho – é uma pitada de
adultice em um Britto
tão infante e doce. No topo da cabeça da gatinha vemos uma ponta triangular,
numa pitada mínima de agressividade, na forma espinhenta das pirâmides,
abrasivas, numa pitada agressiva em um quadro tão delicado e feminino, no modo
como o próprio Britto possui uma pitada (necessária e essencial) de
agressividade, num artista que lutou na vida para se estabelecer e ser
reconhecido. Sobre a gatinha vemos doces coraçõezinhos, numa mensagem
psicológica ao espectador: amar o mundo e a si mesmo é o que traz felicidade a
uma pessoa, e se as pessoas amam o trabalho de Britto, é por ver que este ama o
mundo, estando em harmonia existencial consigo mesmo. Adornando a cabeça da
gatinha, uma flor em tons de rosa e laranja, como se fosse uma flor retirada
deste jardim tão rico e divertido. A gatinha brinca de esconde-esconde no
jardim, e as flores são extremamente coloridas, como num mágico caleidoscópio,
explorando possibilidades infinitas de uma chuva cromática. As flores são
vibrantes como vitrais de igreja, revelando sua mágica ao simples toque da luz
solar, enchendo o templo de cor e alegria, num retorno à infância, ao berço, no
desencarne de uma pessoa que volta para esse útero tão rico, reconfortante e
acolhedor, no nome da colônia espiritual “Nosso Lar”. Britto sente-se em casa
ao produzir, confortável, de pantufas, à vontade consigo mesmo, num artista que
se encontrou no próprio trabalho. As flores emitem uma melodia límpida,
harmoniosa, num dia de Sol e luz, de leveza, de luxo, conquistando as almas dos
seres humanos, mostrando a estes que há um mundo melhor, um mundo acima das
vaidades e mesquinharias mundanas – Britto crê no infinito. Neste jardim há
também luxuriantes folhagens, em muitos tons de verde, num belo gramado de
futebol, num carpete cheio de vida, no conforto de uma casa acarpetada ou de um
simples tapete. As folhagens são pontiagudas, meio agressivas, na “feiura” do
pragmatismo, do pensamento prático, racional. Essas “agulhas” convivem
harmonicamente com as flores, as quais pouca agressividade possuem, como um
guardacostas protegendo uma estrela, num vínculo erótico de codependência. No
jardim ainda vemos umas pitadas de azul, combinando como céu limpo, numa
temperatura amena e ideal – nem quente, nem fria, numa eterna primavera, do
modo como os espíritos desencarnados, livres do corpo físico sensível às
temperaturas, não sentem frio, nem calor, na plenitude do espírito livre. A
assinatura de Britto é sublinhada, como um chão, uma base de referência, na
noção de direção das pessoas que deram um Norte para as suas próprias vidas,
num labirinto sendo desvendado e solucionado. A estrela deste quadro é o vazio
em branco da gatinha, na pureza infantil em se divertir, numa brincadeira
simples e deliciosa como esconde-esconde. O branco é o que abre a porta para o
restante das cores. E os coraçõezinhos são como borboletas alegres, no prazer
da vida, muita vida.
Acima, Gato ao Ar Livre, acrílico sobre tela de 2014. Como o Pequeno
Príncipe em seu minirreino, o gato sorri altivamente, num Britto reinando livre
por meio da Arte, num senhor no controle de seu próprio feudo. Britto gosta de
céus bem azuis e limpos, também se apaixonando por estampas. Cheio de amor ao
seu redor, amor este representado pelos coraçõezinhos, o gato está pleno e
feliz, muito satisfeito. Sua coleira é uma joia dourada, digna de realeza. Sua
coroa, também dourada, dá a mensagem de que o gato é quem manda e reina neste
reino tão doce. Em Britto podemos sentir o gosto de doces deliciosos,
recém-saídos da confeitaria, num chá da tarde acompanhado por acepipes
deliciosos, tentadores, na crença espírita de que, no Céu, temos doces
irresistíveis para comer, algo que elimina a culpa sobre o pecado capital da
Gula. Britto é um doce. Atrás no plano, uma árvore, que remete à genealogia,
dando o pedigree do gato, o qual ostenta com orgulho sua linhagem de sangue
azul, na questão de que, na Dimensão Metafísica, somos todos sangue azul. A
árvore brilha em tons de verde, remetendo a saúde e bem-estar, num jardim
impecável, belo, saudável, numa temperatura amena – Britto crê num mundo
melhor. A cabeça do gato-rei é branca, remetendo a pureza, como na alva pele de
Cate Blanchet na cena final do filme Elizabeth,
como um marshmallow ou uma torta cuidadosamente decorada, irresistível ao olhar
e à boca. Os membros do gato têm estampas de trazem a cor cinza, na seriedade
discreta da cabeça que á adornada pela coroa, no peso da responsabilidade, num
monarca sempre coberto de expectativas, na inevitável comparação entre monarcas
de diferentes eras e reinos – existe pressão e, ainda assim, o gato sorri
radiantemente, passando aos súditos a ideia de estabilidade, do modo como um
reino tem que estar em ordem para gerar fartura. Os bigodes do gato são
cuidadosamente cortados e dispostos, como se o monarca tivesse recém-saído da
barbearia, na importância da aparência na vida da pessoa pública – uma boa
aparência pode ajudar muito na vida pública. As orelhas do gato são cândidas,
pois, além de branquinhas, trazem um tom rosado, como um interior rosado de um
belo bife de filé. Britto deve adorar bichos de pelúcia, e essa candura aparece
em sua obra. A coroa tem três pontas, como as Três Marias no céu noturno,
guiando navegantes, coruscando no mistério glamoroso da Dimensão Metafísica, dimensão
esta falada por Platão, ou Reino dos Céus de Cristo. A coroa é o símbolo de
regência, no desafio de reinar sem controlar, evitando assim as ditaduras. A
coroa é coletiva, e cada súdito a usa também. É a Igualdade da Revolução
Francesa. O regente não pode deixar de lado sequer um súdito, e sempre tem que
pensar no todo, colocando-se em último lugar, sendo humilde e, assim, ser
respeitado, pois a arrogância precede a queda, como a queda do último Romanov
da Rússia. Aqui, outra estampa que se percebe é a florada, na simplicidade da
flor silvestre, a qual brota sem alguém ter tido a plantado. Tanto no Antigo
Egito quanto na França Monárquica, flores eram símbolo de realeza, no milagre
da beleza da vida, trazendo uma flor que, apesar de fisicamente frágil, tem um
poder representativo enorme, como uma altiva vitória-régia. O gato repousa
sobre uma laje, num caminho claramente delineado, no itinerário existencial
pelo qual o monarca tem que passar, suportando décadas de vida pública, do modo
como a pessoa pública está sempre exposta, como uma Evita Perón. O focinho do
gato é cor-de-rosa, e representa o instinto do faro, do modo como o instinto da
pessoa fala mais alto, pois não há livro ou faculdade que ensine alguém a
brilhar – e Brito brilha. Britto venceu em um terreno no qual muitos outros
artistas sucumbem, vencendo por meio de sua singularidade, longe da
mediocridade do plágio. O gato-monarca está feliz e exibe-se com orgulho e
satisfação, convidando diplomaticamente estrangeiros para receber estes em seu
reino próspero e exuberante. E Brito nos convida para entrar, numa casa aberta
e pulsante. Como eu já disse antes, a cor preta é decisiva em Britto,
colocando-se ela coadjuvante e discreta, abrindo espaço para as explosões
cromáticas deste artista.