Falo pela sexta vez sobre o célebre artista MC Escher. As
imagens analisadas aqui foram todas extraídas do site oficial do artista. As
análises semióticas a seguir são inteiramente minhas.
Acima, Convexo e
Côncavo, litogravura de 1955. Quase ao centro do quadro vemos uma concha,
como a de Vênus de Botticelli, emergindo dos mistérios profundos do mar e do
universo, encabulada com a própria nudez, com cabelos de Gisele. A concha
simboliza os efeitos do quadro, e não podemos dizer se é para fora ou para
dentro. São ambas. O ilusionista Escher trata de subverter o óbvio, tornando-se
um artista muito popular. A concha está à beiramar, perdida, representando o
que é profundo e enigmático, com o cheiro de oceano, de vida, na gênese da Vida
na Terra – viemos do Mar, segundo a Biologia. Bem ao centro, vemos uma
imponente coluna, e não sabemos se a vemos de cima ou de baixo. A coluna é a
força da Natureza, impondo-se e regrando a Vida. A coluna é mais firme do que
os fundamentos geológicos da Terra, e é indestrutível, forte, impenetrável,
fálica, erguendo templos e edificações, do modo como antigas civilizações lançaram
mão das colunas para construções em geral, como um obelisco egípcio, anunciando
o nascer sagrado do Sol, como no obelisco central de Buenos Aires, num símbolo
de poder e dinheiro. A coluna é um símbolo fálico de construção, na força que
ergue cidades, sempre falando a verdade fálica e clara. A coluna tem formas
simples, distantes de estilos de colunas mais carregadas e decadentes. A simplicidade
de Escher revela-se bem complexa. Ao pé da cena vemos dois lagartos gêmeos,
simétricos em um par, contorcendo-se como em cio, desejosos por aspectos da
vida material, como comida, sexo, água e oxigênio. Os lagartos são a força
implacável da Natureza, uma força maior do que todas as bombas atômicas da
Terra – o Ser Humano bem que tenta ser Deus. As línguas dos lagartos farejam,
sempre em busca de algo relativo à existência carnal. Os lagartos são um Escher
inquieto, instintivo, com muito tesão por fazer o que faz, como Tao, que está
sempre criando. A coluna ao centro é um divisor de águas, fazendo com que tudo
gire em torno de si. É um marco, como Jesus tornando-se o centro sobrenatural
da História. É o antes e depois. Mais acima vemos uma mulher negra carregando
um cesto, trabalhando, subindo e descendo as escadarias traiçoeiras de Escher.
A mulher negra é elegante, e está comedida em sua própria função. Vemos um vaso
de planta, no milagre da Vida que brota. A planta é a imaginação fértil,
produtiva, sensual em seu desejo de viver, de existir, de fazer parte de um
grande organismo geral, da Natureza, na sensualidade da relação de continuidade
entre todos os seres vivos – a Terra é uma só. Vemos dois homens tocando
cornetas, como se quisessem anunciar algo, e tocam em conjunto, do modo como os
seres vivos vivem em comunhão.
Seus acordes ecoam pela câmara escheriana, enchendo a cena de
som. Atrás da mulher negra vemos uma vila pitoresca, no prazer da vida pacata,
silenciosa e pacífica – Escher tem paz. Vemos um arco tapando parcialmente um
homem em uma canoa em trânsito pela água, na fluidez do pensamento lógico e,
ainda assim, criativo – de onde vem o talento? A canoa flui livre, sem
embargos. Por duas janelas vemos árvores ramificadas, como veias e artérias que
alimentam, como raios de trovão, na força da Natureza, na força da Vida fluindo
implacavelmente, trazendo respiro e movimento – Escher é dinâmico, e seus
quadros são como telas de Cinema, do modo como a Sétima Arte marcou o Século
XX. Aqui, vemos mais uma vez a paixão de Escher por escadarias e arcos, numa
Arquitetura Clássica, minimalista, sem frescuras nem sujeiras dispensáveis. A
impressão que se tem é que tudo é um sonho fluidio, enigmático, e que o artista
sonhou antes de produzir. Divertindo-se, Escher atiça o espectador. Há
intersecção: a mesma escada que vai para lá, vai para cá, numa espécie de
multiuso, como um canivete com várias funções, ou um celular com várias
utilidades. Vemos dois homens subindo escadas de mão, só que cada um em um centro
gravitacional. Em uma janela arqueada, vemos um vaso bem na beira, perigando
cair e causar estrondo, no modo como uma catarse artística explode como uma bomba
de Hiroshima, só que sem causar Mal nem destruição – é uma destruição
simbólica, psíquica. Ao lado dos lagartos, guindastes erguem algo, em níveis
diferentes. Escher é uma mente grandiosa, que atira para vários lados, como um
deus hindu, com vários braços e atributos, ou como uma aranha, tecendo teias de
sedução. Por fim, temos um homem solitário e encolhido, talvez dormindo, como o
Escher sonhador, no seu labor solitário, curtindo os necessários momentos de solitude,
como diz uma canção da banda Guns n’Roses: “Todo mundo precisa de um tempo só,
consigo mesmo”.
Acima, Encontro,
litogravura de 1944. Aqui, opostos se encontram, num cordial aperto de mãos, ao
contrário dos obsessivos compulsivos, que não podem tocar em outra pessoa.
Temos uma dança um tanto tribal, por assim dizer. É um quadro onde há música
rítmica, e Escher se revela mais uma vez como mestre do jogo entre positivo e
negativo. A sombra, o resto do homem branco, transforma-se no homem negro, uma
integração racial, onde o preconceito não entra. É a promessa de um mundo mais
unido, povoado por irmãos, e a Igualdade, a Fraternidade e a Liberdade tomam
forma, pois já ouvi numa canção: “Não há liberdade sem amor; não há amor sem
liberdade”. Os homens negros têm um nariz descomunal, como um bico de pássaro,
na liberdade alada. Podemos ouvir tambores contagiantes, enchendo a cena de
música. É divertido todos dançarem em torno do mesmo motivo, do mesmo Sol, da
mesma Lua. Temos aqui um ativismo político, algo contra o preconceito,
criticando o absurdo estúpido que foi a Escravidão: africanos arrancados de
suas terras para o cruel trabalho não-remunerado. Escher tem esperança no Ser Humano.
O aperto de mãos é o encontro consigo mesmo, numa pessoa que finalmente
amadureceu e conciliou as contradições dentro de si. É o encontro consigo
mesmo, numa pessoa que chegou à conclusão de que a pessoa tem que SER,
independentemente de onde ESTÁ. Antes desse encontro, há sofrimento, há
desarmonia, há conflitos consigo mesmo e com o Mundo. O artista encontrou-se na
própria arte, encontrando o seu “fio-terra”, a sua ligação como Mundo. Pobre
daquele que não entra em harmonia como mundo ao seu redor. Escher faz um
majestoso aproveitamento de espaços, como sempre, e uma lacuna oval, quase no
centro da cena, é o caldeirão comum, do qual cada um de nós veio. É Tao, a Mãe
de todos nós. A lacuna é a sensualidade do vazio, da atração gravitacional,
trazendo todos a seu redor, integrando, criando sempre. Temos um diamante negro
e um diamante branco, iguais em majestade e preciosidade, só que cada um a seu
modo, com estilos diferentes: as pessoas são diferentes. Parece um formigueiro
movimentadíssimo, com formigas brancas e negras realizando tarefas, e não sabemos
se há uma janela aberta para a luz ou se há uma janela aberta para a noite, num
Escher sempre enigmático. E por que a dança? Porque a Arte une os povos, visto
que, se o ser humano é universal, a Arte também o é. E grandes sucessos do
Cinema varrem o mundo com sucesso, com películas aclamadas nos quatro cantos do
Mundo, no apelo de pessoa para pessoa. E na cena final de Titanic, os espíritos ressuscitam nos pós-vida, todos reunidos
novamente em torno de Tao, Nosso Pai, Nosso Útero – é a promessa do Reino dos
Céus, trazida por Jesus. Aqui, toda a cena tem um movimento circular, como numa
cadeia de reciclagem, seja numa usina de triagem, seja na Natureza em si. É a
elipse da Vida, sempre girando, como numa galáxia girando em torno do próprio
centro, no mistério vasto do Universo: o que é a Eternidade? O homem negro o
homem branco são irmãos, mesmo pertencendo a raças diferentes, muito
diferentes. No fundo da cena, vemos a contradição básica: ou vemos só o branco,
ou vemos só o negro, nunca vendo ambos ao mesmo tempo. Já, no aperto de mão, vemos
claramente os dois ao mesmo tempo, num Escher paciente, que trata de seduzir a
mente do espectador. A cena toda é uma tela de Cinema, no brilho prateado da
Era de Ouro de Hollywood, num quadro concebido em plenos anos 40, quando a II
Guerra Mundial abalou o Mundo – Escher quer Paz. A cena é um apelo: façamos as
pazes, pois guerras só deixam rastros de destruição e fome. É o sonho de ver
Aliados e o Eixo apertando as mãos, mas um sonho distante, que, na prática,
revela-se inviável. E a pessoa se dá conta que só pode ter Paz dentro de si, e
que a Paz no Mundo é um sonho difícil, porém possível. O negro e o branco
vieram da mesma Fonte. Logo, as guerras são uma estupidez de demência; uma
perda de tempo. É como uma ciranda divertida, na inocência infantil, quando os
preconceitos do Mundo ainda não atingiram o indivíduo – temos muito o que
aprender com os pequeninos. No quadro, a desigualdade é esmagada, como os alvos
pés de Nossa Senhora esmagando a serpente da malícia.
Acima, Espelho Mágico,
litogravura de 1946. Narciso, afogando-se no próprio reflexo. Vasta é a
imaginação escheriana. O espelho é uma espécie de portal, sendo penetrável e,
ainda assim, impenetrável. O par de esferas não é fruto de reflexão, pois há de
fato duas unidades. São os culhões de Escher, sempre corajoso ao enfrentar
desafios gráficos. O título desta lito cai como uma luva, pois o espelho é um
enigma: o que diabos está acontecendo aqui? O espelho está ao centro da base de
superfície de pastilhas, num Escher preocupado em construir peça por peça. Como
seriam os rascunhos de Escher? Quantos rascunhos ele fazia até conceber a obra
em si? Será que ele “quebrava a cabeça” de forma persistente e perfeccionista,
até chegar à concepção ideal? Qual é o segredo dele? E espelho é a divisão da
esfera terrestre em dois tomos, fazendo do espelho um intermediador. Aqui, há
sempre fluxo, entre dois pólos magnéticos. O espelho parece ser um obstáculo,
um muro, um empecilho, mas, na verdade, é uma espécie de portal divisor de
águas. Os seres alados aqui são mitológicos, com corpo de cão e asas de
pássaro, como numa inimaginável mutação genética. Os desenhos sobre a base vão
se transformando em seres em três dimensões, caminhando. Aqui, o que não é de
um time, é de outro, fazendo de um time a contradição do outro time – Escher não
deixa espaços inaproveitados, do modo como nada se perde na Natureza. O
espelho, em alguns momentos, parece ser uma janela absolutamente translúcida e
cristalina; em outros, um espelho de fato, brincando com o espectador. Do espelho
brotam os seres da direita, formando o perfeito reflexo dos seres da esquerda.
O espelho é uma superfície d’água, como Ana Terra de O Tempo e o Vento, olhando-se, admirando-se em vaidade, querendo
ser mulher. E, aqui, o Narciso se afoga na charada de Escher, nesta “confusão
organizada”. E por que as bolas? Por que estão ali? Este quadro tem uma simetria
e, ao mesmo tempo, assimetria, pois o espelho entra como organizador e
confundidor, nunca podendo ser classificado exatamente, do modo como Escher é
indefinível, como todo grande homem. As bolas são dois olhos que observam o
vaivém da cena, como os olhos embaralhados do espectador, que fica “vesgo”
perante tal enigma. As bolas são o espírito esportivo de Escher, sempre jogando
e brincando, dando uma bola dentro neste trabalho tão popular. E os seres
alados não voam; só caminham. Por quê? Seria uma castração? Seriam asas de
galinha, que pouco podem voar? É um artista com os pés no chão, sabendo que, se
quiser ser reconhecido, tem que ter mérito para tal. E Escher faz por merecer.
As bolas são planetas gêmeos, idênticos, circundando o mesmo sol, a mesma
estrela, o mesmo ideal, num ideal de união. O espelho está na diagonal,
irreverente, pouco se importando com conceitos acadêmicos. Será que Escher usou
um espelho de verdade como modelo? Da superfície direita do espelho, brotam
seres como se estivessem emergindo d’água, como num renascimento, saindo limpos
e purificados, limpando todo o quadro, na pergunta básica de Tao – o que é
melhor: uma casa limpa ou uma casa suja? Você decide, no livre arbítrio
espírita – o espírito vai para onde quiser e pensa o que quiser. Fino e frágil,
o espelho é o protagonista aqui. Sem ele, a cena seria monótona. O quadro todo
é como uma frondosa copa de árvore, com folhas ricas e abundantes, no ritmo
biológico incessante do eterno retorno à Fonte, como Neo em Matrix.
As bolas são lados de uma mesma bateria, uma pilha, dando
energia criativa ao artista, estimulando este com desafios – cada obra de
Escher é um desafio para o próprio, e é claro que não deveria ser fácil
conceber trabalhos tão singulares e curiosos. Apesar do dom, Escher teve
disciplina, e esta disciplina se revela nesta energia magnética que une o
planeta Terra, trazendo na bússola um divisor de águas na Era das Navegações,
numa evolução inovadora. Escher é uma bússola, sempre guiando o espectador.
Aqui, temos uma majestosa hera, sempre vivendo, sempre brotando, impondo-se na
força implacável da Natureza, do poder desta.
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