quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Mago (Parte 6)




Falo pela sexta vez sobre o célebre artista MC Escher. As imagens analisadas aqui foram todas extraídas do site oficial do artista. As análises semióticas a seguir são inteiramente minhas.

Acima, Convexo e Côncavo, litogravura de 1955. Quase ao centro do quadro vemos uma concha, como a de Vênus de Botticelli, emergindo dos mistérios profundos do mar e do universo, encabulada com a própria nudez, com cabelos de Gisele. A concha simboliza os efeitos do quadro, e não podemos dizer se é para fora ou para dentro. São ambas. O ilusionista Escher trata de subverter o óbvio, tornando-se um artista muito popular. A concha está à beiramar, perdida, representando o que é profundo e enigmático, com o cheiro de oceano, de vida, na gênese da Vida na Terra – viemos do Mar, segundo a Biologia. Bem ao centro, vemos uma imponente coluna, e não sabemos se a vemos de cima ou de baixo. A coluna é a força da Natureza, impondo-se e regrando a Vida. A coluna é mais firme do que os fundamentos geológicos da Terra, e é indestrutível, forte, impenetrável, fálica, erguendo templos e edificações, do modo como antigas civilizações lançaram mão das colunas para construções em geral, como um obelisco egípcio, anunciando o nascer sagrado do Sol, como no obelisco central de Buenos Aires, num símbolo de poder e dinheiro. A coluna é um símbolo fálico de construção, na força que ergue cidades, sempre falando a verdade fálica e clara. A coluna tem formas simples, distantes de estilos de colunas mais carregadas e decadentes. A simplicidade de Escher revela-se bem complexa. Ao pé da cena vemos dois lagartos gêmeos, simétricos em um par, contorcendo-se como em cio, desejosos por aspectos da vida material, como comida, sexo, água e oxigênio. Os lagartos são a força implacável da Natureza, uma força maior do que todas as bombas atômicas da Terra – o Ser Humano bem que tenta ser Deus. As línguas dos lagartos farejam, sempre em busca de algo relativo à existência carnal. Os lagartos são um Escher inquieto, instintivo, com muito tesão por fazer o que faz, como Tao, que está sempre criando. A coluna ao centro é um divisor de águas, fazendo com que tudo gire em torno de si. É um marco, como Jesus tornando-se o centro sobrenatural da História. É o antes e depois. Mais acima vemos uma mulher negra carregando um cesto, trabalhando, subindo e descendo as escadarias traiçoeiras de Escher. A mulher negra é elegante, e está comedida em sua própria função. Vemos um vaso de planta, no milagre da Vida que brota. A planta é a imaginação fértil, produtiva, sensual em seu desejo de viver, de existir, de fazer parte de um grande organismo geral, da Natureza, na sensualidade da relação de continuidade entre todos os seres vivos – a Terra é uma só. Vemos dois homens tocando cornetas, como se quisessem anunciar algo, e tocam em conjunto, do modo como os seres vivos vivem em comunhão. Seus acordes ecoam pela câmara escheriana, enchendo a cena de som. Atrás da mulher negra vemos uma vila pitoresca, no prazer da vida pacata, silenciosa e pacífica – Escher tem paz. Vemos um arco tapando parcialmente um homem em uma canoa em trânsito pela água, na fluidez do pensamento lógico e, ainda assim, criativo – de onde vem o talento? A canoa flui livre, sem embargos. Por duas janelas vemos árvores ramificadas, como veias e artérias que alimentam, como raios de trovão, na força da Natureza, na força da Vida fluindo implacavelmente, trazendo respiro e movimento – Escher é dinâmico, e seus quadros são como telas de Cinema, do modo como a Sétima Arte marcou o Século XX. Aqui, vemos mais uma vez a paixão de Escher por escadarias e arcos, numa Arquitetura Clássica, minimalista, sem frescuras nem sujeiras dispensáveis. A impressão que se tem é que tudo é um sonho fluidio, enigmático, e que o artista sonhou antes de produzir. Divertindo-se, Escher atiça o espectador. Há intersecção: a mesma escada que vai para lá, vai para cá, numa espécie de multiuso, como um canivete com várias funções, ou um celular com várias utilidades. Vemos dois homens subindo escadas de mão, só que cada um em um centro gravitacional. Em uma janela arqueada, vemos um vaso bem na beira, perigando cair e causar estrondo, no modo como uma catarse artística explode como uma bomba de Hiroshima, só que sem causar Mal nem destruição – é uma destruição simbólica, psíquica. Ao lado dos lagartos, guindastes erguem algo, em níveis diferentes. Escher é uma mente grandiosa, que atira para vários lados, como um deus hindu, com vários braços e atributos, ou como uma aranha, tecendo teias de sedução. Por fim, temos um homem solitário e encolhido, talvez dormindo, como o Escher sonhador, no seu labor solitário, curtindo os necessários momentos de solitude, como diz uma canção da banda Guns n’Roses: “Todo mundo precisa de um tempo só, consigo mesmo”.

Acima, Encontro, litogravura de 1944. Aqui, opostos se encontram, num cordial aperto de mãos, ao contrário dos obsessivos compulsivos, que não podem tocar em outra pessoa. Temos uma dança um tanto tribal, por assim dizer. É um quadro onde há música rítmica, e Escher se revela mais uma vez como mestre do jogo entre positivo e negativo. A sombra, o resto do homem branco, transforma-se no homem negro, uma integração racial, onde o preconceito não entra. É a promessa de um mundo mais unido, povoado por irmãos, e a Igualdade, a Fraternidade e a Liberdade tomam forma, pois já ouvi numa canção: “Não há liberdade sem amor; não há amor sem liberdade”. Os homens negros têm um nariz descomunal, como um bico de pássaro, na liberdade alada. Podemos ouvir tambores contagiantes, enchendo a cena de música. É divertido todos dançarem em torno do mesmo motivo, do mesmo Sol, da mesma Lua. Temos aqui um ativismo político, algo contra o preconceito, criticando o absurdo estúpido que foi a Escravidão: africanos arrancados de suas terras para o cruel trabalho não-remunerado. Escher tem esperança no Ser Humano. O aperto de mãos é o encontro consigo mesmo, numa pessoa que finalmente amadureceu e conciliou as contradições dentro de si. É o encontro consigo mesmo, numa pessoa que chegou à conclusão de que a pessoa tem que SER, independentemente de onde ESTÁ. Antes desse encontro, há sofrimento, há desarmonia, há conflitos consigo mesmo e com o Mundo. O artista encontrou-se na própria arte, encontrando o seu “fio-terra”, a sua ligação como Mundo. Pobre daquele que não entra em harmonia como mundo ao seu redor. Escher faz um majestoso aproveitamento de espaços, como sempre, e uma lacuna oval, quase no centro da cena, é o caldeirão comum, do qual cada um de nós veio. É Tao, a Mãe de todos nós. A lacuna é a sensualidade do vazio, da atração gravitacional, trazendo todos a seu redor, integrando, criando sempre. Temos um diamante negro e um diamante branco, iguais em majestade e preciosidade, só que cada um a seu modo, com estilos diferentes: as pessoas são diferentes. Parece um formigueiro movimentadíssimo, com formigas brancas e negras realizando tarefas, e não sabemos se há uma janela aberta para a luz ou se há uma janela aberta para a noite, num Escher sempre enigmático. E por que a dança? Porque a Arte une os povos, visto que, se o ser humano é universal, a Arte também o é. E grandes sucessos do Cinema varrem o mundo com sucesso, com películas aclamadas nos quatro cantos do Mundo, no apelo de pessoa para pessoa. E na cena final de Titanic, os espíritos ressuscitam nos pós-vida, todos reunidos novamente em torno de Tao, Nosso Pai, Nosso Útero – é a promessa do Reino dos Céus, trazida por Jesus. Aqui, toda a cena tem um movimento circular, como numa cadeia de reciclagem, seja numa usina de triagem, seja na Natureza em si. É a elipse da Vida, sempre girando, como numa galáxia girando em torno do próprio centro, no mistério vasto do Universo: o que é a Eternidade? O homem negro o homem branco são irmãos, mesmo pertencendo a raças diferentes, muito diferentes. No fundo da cena, vemos a contradição básica: ou vemos só o branco, ou vemos só o negro, nunca vendo ambos ao mesmo tempo. Já, no aperto de mão, vemos claramente os dois ao mesmo tempo, num Escher paciente, que trata de seduzir a mente do espectador. A cena toda é uma tela de Cinema, no brilho prateado da Era de Ouro de Hollywood, num quadro concebido em plenos anos 40, quando a II Guerra Mundial abalou o Mundo – Escher quer Paz. A cena é um apelo: façamos as pazes, pois guerras só deixam rastros de destruição e fome. É o sonho de ver Aliados e o Eixo apertando as mãos, mas um sonho distante, que, na prática, revela-se inviável. E a pessoa se dá conta que só pode ter Paz dentro de si, e que a Paz no Mundo é um sonho difícil, porém possível. O negro e o branco vieram da mesma Fonte. Logo, as guerras são uma estupidez de demência; uma perda de tempo. É como uma ciranda divertida, na inocência infantil, quando os preconceitos do Mundo ainda não atingiram o indivíduo – temos muito o que aprender com os pequeninos. No quadro, a desigualdade é esmagada, como os alvos pés de Nossa Senhora esmagando a serpente da malícia.

Acima, Espelho Mágico, litogravura de 1946. Narciso, afogando-se no próprio reflexo. Vasta é a imaginação escheriana. O espelho é uma espécie de portal, sendo penetrável e, ainda assim, impenetrável. O par de esferas não é fruto de reflexão, pois há de fato duas unidades. São os culhões de Escher, sempre corajoso ao enfrentar desafios gráficos. O título desta lito cai como uma luva, pois o espelho é um enigma: o que diabos está acontecendo aqui? O espelho está ao centro da base de superfície de pastilhas, num Escher preocupado em construir peça por peça. Como seriam os rascunhos de Escher? Quantos rascunhos ele fazia até conceber a obra em si? Será que ele “quebrava a cabeça” de forma persistente e perfeccionista, até chegar à concepção ideal? Qual é o segredo dele? E espelho é a divisão da esfera terrestre em dois tomos, fazendo do espelho um intermediador. Aqui, há sempre fluxo, entre dois pólos magnéticos. O espelho parece ser um obstáculo, um muro, um empecilho, mas, na verdade, é uma espécie de portal divisor de águas. Os seres alados aqui são mitológicos, com corpo de cão e asas de pássaro, como numa inimaginável mutação genética. Os desenhos sobre a base vão se transformando em seres em três dimensões, caminhando. Aqui, o que não é de um time, é de outro, fazendo de um time a contradição do outro time – Escher não deixa espaços inaproveitados, do modo como nada se perde na Natureza. O espelho, em alguns momentos, parece ser uma janela absolutamente translúcida e cristalina; em outros, um espelho de fato, brincando com o espectador. Do espelho brotam os seres da direita, formando o perfeito reflexo dos seres da esquerda. O espelho é uma superfície d’água, como Ana Terra de O Tempo e o Vento, olhando-se, admirando-se em vaidade, querendo ser mulher. E, aqui, o Narciso se afoga na charada de Escher, nesta “confusão organizada”. E por que as bolas? Por que estão ali? Este quadro tem uma simetria e, ao mesmo tempo, assimetria, pois o espelho entra como organizador e confundidor, nunca podendo ser classificado exatamente, do modo como Escher é indefinível, como todo grande homem. As bolas são dois olhos que observam o vaivém da cena, como os olhos embaralhados do espectador, que fica “vesgo” perante tal enigma. As bolas são o espírito esportivo de Escher, sempre jogando e brincando, dando uma bola dentro neste trabalho tão popular. E os seres alados não voam; só caminham. Por quê? Seria uma castração? Seriam asas de galinha, que pouco podem voar? É um artista com os pés no chão, sabendo que, se quiser ser reconhecido, tem que ter mérito para tal. E Escher faz por merecer. As bolas são planetas gêmeos, idênticos, circundando o mesmo sol, a mesma estrela, o mesmo ideal, num ideal de união. O espelho está na diagonal, irreverente, pouco se importando com conceitos acadêmicos. Será que Escher usou um espelho de verdade como modelo? Da superfície direita do espelho, brotam seres como se estivessem emergindo d’água, como num renascimento, saindo limpos e purificados, limpando todo o quadro, na pergunta básica de Tao – o que é melhor: uma casa limpa ou uma casa suja? Você decide, no livre arbítrio espírita – o espírito vai para onde quiser e pensa o que quiser. Fino e frágil, o espelho é o protagonista aqui. Sem ele, a cena seria monótona. O quadro todo é como uma frondosa copa de árvore, com folhas ricas e abundantes, no ritmo biológico incessante do eterno retorno à Fonte, como Neo em Matrix. As bolas são lados de uma mesma bateria, uma pilha, dando energia criativa ao artista, estimulando este com desafios – cada obra de Escher é um desafio para o próprio, e é claro que não deveria ser fácil conceber trabalhos tão singulares e curiosos. Apesar do dom, Escher teve disciplina, e esta disciplina se revela nesta energia magnética que une o planeta Terra, trazendo na bússola um divisor de águas na Era das Navegações, numa evolução inovadora. Escher é uma bússola, sempre guiando o espectador. Aqui, temos uma majestosa hera, sempre vivendo, sempre brotando, impondo-se na força implacável da Natureza, do poder desta.

Nenhum comentário:

Postar um comentário