quarta-feira, 25 de maio de 2016

Que assim seja




            Simpatizante da Medicina e da Ciência, o Espiritismo é a doutrina do futuro. Não é religião, mas tem livros do fundador Alan Kardec como base e entra em harmonia com o Cristianismo, trazendo também o conceito de reencarnação hindu. O ser humano é universal, e o espírito é, ao mesmo tempo, racional e afetivo: tem yin e yang. Para os espíritas, é absolutamente ok rezar, como uma “Ave Maria” ou um “Pai Nosso”, tendo em Jesus Cristo o espírito mais depurado que já encarnou na Terra. O Espiritismo visa a igualdade: somos todos irmãos, filhos do mesmo Pai, logo, sobrenomes e dinastias são desnecessários – a mentira dos orgulhos humanos cai por terra. O espírito não tem raça, cor, sexo nem classe social. Essa pureza, como a dos andróginos anjos, reflete-se no pensamento racional, logo, temos que nos preocupar com assuntos sérios e não com bobagens. É o existencialismo espírita – a vida é algo sério, apesar de ser necessário ter senso de humor, pois a vida está repleta de ironias, como na Dialética, que diz que tudo traz em si a sua própria contradição, como yin e yang contradizem um ao outro.
           
            O termo “que assim seja”, de muita força, eu ouvi na primeira vez em que entrei num centro espírita, em Caxias do Sul, chamado “Fora da Caridade Não Há Salvação”, para o qual meu bisavô Luiz Veronese contribuiu em vida, homem este tornando-se espírita no final de seus anos. Quando entrei, um senhor muito sério e respeitável me recebeu. Ele me informou os horários e dias de passe. O passe, para quem não sabe, é um “banho de luz” que a pessoa recebe no centro. O passe é feito por um espírita, chamado de médium, que trabalha no centro e tem como objetivo livrar a pessoa “passada” de pensamentos ruins e negativos, fazendo com que essa mesma pessoa sinta-se bem e leve e saia feliz do centro. Inclusive, os espíritas recomendam que se leve uma garrafa de água mineral pois, no momento do passe, os espíritas creem que essa água fica “fluidificada” e cheia de propriedades curativas, dando as instruções de tomar um copo dessa água por dia durante sete dias – findado o período, se sobrar alguma água, recomenda-se que esta seja descartada. Nunca levei água para ser fluidificada, mas respeito quem o faz. Quem sabe algum dia eu o faça. O importante é entrar no centro espírita com fé, do contrário, é melhor nem entrar. A pessoa tem que crer que o médium pode realmente ajudá-la. O médium leva esse nome porque, creem os espíritas, faz o intermédio entre o mundo físico e o mundo metafísico, servindo de canal de comunicação entre os encarnados e os desencarnados. É uma espécie de telefonista. O médium se entende por um canal, e entrega-se integralmente no momento da sessão mediúnica, ocasião na qual esse fenômeno de ponte psíquica toma forma.

            Dizer “que assim seja” requer muita força e humildade, e quer dizer que a pessoa tem que aceitar o que Deus coloca-lhe nas mãos. No primeiro passe que recebi, eu estava sentado, posição na qual a pessoa recebe o passe, e eu estava com as mãos voltadas para baixo. Então a médium delicadamente reposicionou minhas mãos para tê-las voltadas para cima, num gesto de aceitar de braços abertos o momento de amor fraternal que é o passe. Nesse primeiro passe, não senti muita coisa. No segundo, anos depois, senti um calorzinho agradável sobre minha cabeça. O centro espírita faz um trabalho empenhado, primando pelo bem estar daqueles que procuram direcionamento espiritual – uma pessoa que vai pedir ajuda é uma pessoa que está passando por um momento difícil.
            - Bom, se estás aqui, é porque não está tudo bem – disse-me uma senhora em minha primeira visita, e disse-me também:
            - Passaste por várias encarnações e passará por muitas outras.
            - Sou simpatizante do taoísmo – disse-lhe, e ela respondeu:
            - Qualquer crença que vise o Bem é bem-vinda. As crenças nobres e positivas são dedos de uma mesma mão.
            Quando disse-lhe meu sobrenome, ela lembrou de minha falecida avó paterna, e perguntou-me:
            - Como vai sua avó?
            - Ela faleceu há onze anos – disse-lhe. É claro que o pensamento espírita não vê grandes problemas na morte, pois esta é vista pelos adeptos da doutrina como uma simples vírgula, como uma pessoa que simplesmente se mudou de endereço. Na crença desta senhora espírita, minha avó está viva, não importando se esta está encarnada ou desencarnada. É a lógica da vida eterna. Sem vida eterna, que sentido há na existência? E sem vicissitudes, que sentido há na encarnação? Se é para não enfrentar dificuldade alguma, é melhor que sequer encarnemos. As dificuldades, os obstáculos causam inevitável crescimento e depuração ao espírito encarnado. Não tenha medo da vida!

            Se você perguntar a um espírita o que é Deus, ele dirá:
            - Deus é o infinito.
            É claro que o ser humano não tem condições de compreender o que é o infinito. É o poder divino. Imagine que você nunca, jamais chegará ao fim. Este é o presente de Deus: o espírito é único, indivisível e eterno – são as leis espíritas. Absolutamente pessoa nenhuma é igual a você, você não é a metade de um todo e a morte do corpo físico não é o final. O próprio taoísmo diz isso:
            - Se o seu corpo morrer, não há com o que se preocupar.

            O desencarne das pessoas tranquilas e desapegadas é fácil e rápido. No velório de uma pessoa de minha família, respirava-se o ar de “missão cumprida”, e essa pessoa estava totalmente certa de que seu corpo físico morrera e de que uma nova fase em sua vida começara. É uma pessoa da qual sinto muita saudade. Era uma pessoa carismática, religiosa e sensível, e seguidamente pessoas me abordam falando dela, como disse-me uma amiga dela:
            - Ela deve dar gargalhadas com as nossas trapalhadas aqui na Terra!

            O Espiritismo diz:
- Você não imagina a que estado ficam reduzidos aqui (na dimensão metafísica) aqueles que são considerados felizes na Terra (a dimensão física).
Falando de quem? Dos ricos e poderosos. O poder mundano pode agrilhoar mentes e almas. Certa vez vi na TV uma igreja antiga, mas não lembro de onde era. Mas lembro-me muito bem de que havia a parte da igreja para os brancos ricos e a parte da igreja para o negros escravos paupérrimos. Na parte dos ricos, havia mil e um arabescos e detalhes decorativos em ouro; na parte dos escravos, uma parede branca e limpa, sem qualquer adorno ou fru-fru. É claro que a parte dos escravos era mais interessante, assinalando um desencarne agradável àqueles que nunca tiveram muito dinheiro e poder na Terra. A simplicidade é maior do que o excesso. Você pode ter o ouro, mas o importante é que o ouro não tenha você. Uma pessoa muito apegada ao mundano sofre no desencarne, e não aceita a própria morte do corpo físico. O taoísmo diz que cada pessoa precisa, por si só, aprender o que é simplicidade. O famoso espírito Patrícia, no clássico da literatura espírita brasileira “Violetas na Janela”, entrou em um quarto e disse:
- Tudo muito bonito, porém simples.
Eu refaria a sentença e diria:
- Tudo muito bonito, pois, simples.
Qualquer bom arquiteto sabe que os projetos mais simples são os mais elegantes, como na deslumbrante Fundação Iberê Camargo em Porto Alegre.

            Na minha primeira visita ao centro espírita, outra médium conversou comigo, dizendo-me que eu estava com uma energia meio negativa. Então ela disse-me algo de que nunca esquecerei:
            - Nossa vida, desde sempre, vinha vindo de uma forma mais ou menos estável, ok. Então, em um certo ponto, ela começa a decair um pouco mas, por um breve momento, conseguimos reerguê-la. Mas aí a vida começa a cair novamente, fundo como nunca caiu antes, e cai bem lá embaixo. Então, é preciso que façamos um esforço ENORME para superar essa vicissitude e contornar esse obstáculo, levando nossas vidas de volta ao nível de estabilidade. Mas só consegue quem tem vontade.
            No final, a médium despediu-se de mim com dois beijinhos, e vi que os médiuns são pessoas amigas, que visam o Bem. Pessoas normais.

            Na minha segunda visita àquele centro espírita, uma senhora na recepção disse que eu estava obcecado. Na linguagem espírita, estar obcecado significa que há um espírito obsessor em torno de você, e este espírito quer lhe controlar e fazer sofrer. E, realmente, eu não estava muito bem. Tudo o que você precisa fazer, numa situação dessas, é ter pensamento positivo, e não pensar em bobagens. Os espíritos obsessores e mundanos, no desencarne, não admitem este. Logo, vão para o Umbral – são nosso irmãos, que sofrem. O Umbral é sinônimo de desconforto, o que os católicos chamam de “inferno”. Para sair do Umbral, o espírito precisa ser humilde e admitir que precisa de uma ajuda para sair dali. É como se estivesse esfolado e sangrando, jogado em uma poça de lama. Há sempre os espíritos bem intencionados, que querem ajudar, mas se um espírito for arrogante, nunca receberá ajuda. O espírito fica onde quiser ficar – é a lei do livre arbítrio, algo que é levado a sério em países democráticos como os EUA, nos ideais da Revolução Francesa: LIBERDADE, IGUALDADE, FRATERNIDADE.

            O Espiritismo tem uma vasta literatura, normalmente com obras psicografadas, ou seja, espíritos desencarnados que ditam as palavras para médiuns, os quais registram as palavras no papel, com livros que muitas vezes resultaram em cinema, com filmes homônimos: em “Nosso Lar”, um espírito mundano sofre no Umbral até ser resgatado e dar-se conta da seriedade da existência; em “E a Vida Continua”, uma mulher desencarna e busca adaptar-se à nova vida; em “As Mães de Chico Xavier”, mães buscam alento pela morte prematura dos filhos. Aliás, é impossível falar de Espiritismo sem mencionar o célebre médium falecido Chico Xavier, tido como um dos maiores do mundo, quiçá o maior. Há décadas atrás, a atriz Gloria Menezes entrevistou o médium, e ela estava extremamente emocionada com a simples e humilde presença de Chico. Ela perguntou-lhe:
            - Chico, por que o mundo é assim? Por que uns tem tanto e outros tão pouco?

            O que Jesus chamava de “Reino dos Céus” é o complexo de cidades metafísicas que existe ao redor da Terra. São as cidades espirituais, nas quais tudo funciona perfeitamente. Lá há trabalho, estudo e diversão. Há vida plena. Sãs as cidades físicas que são cópias grosseiras das cidades espirituais. Se tiver um desencarne tranquilo, é para o lugar metafísico que vai a pessoa, reencontrando-se com amigos e parentes falecidos, dando continuidade à vida, também acompanhando a vida na Terra de entes queridos que estão encarnados. Para os gregos antigos, por exemplo, havia, acima do Monte Olimpo físico, um Olimpo superior, metafísico – essa era a forma do grego de então referir-se a uma cidade espiritual. É claro que essas cidades não são vistas na dimensão física, pois pertencem a um outro plano. Morrer é voltar para casa, como na cena final de “O Senhor dos Anéis – O Retorno do Rei”: um barco conduz os personagens a uma terra linda, de brancas praias.

            Outro aspecto muito forte no Espiritismo é a hierarquia: os espíritos mais depurados regem os menos evoluídos, como numa família, em que os irmãos mais velhos ajudam a criar os mais novos. O sentido da vida é crescer como espírito: a vida não tem sentido sem dificuldades. Só que essa hierarquia é irresistível; não é forçada nem estupidamente imposta. Há os arcanjos, ou seja, os espíritos elevadíssimos, que gozam da felicidade suprema e recebem as ordens diretamente de Deus, de Tao. E a doutrina espírita também estabelece que ninguém está sozinho: cada encarnado tem seu próprio anjo da guarda, uma ideia muito reconfortante.

            Conheci uma pessoa que se suicidou recentemente. Certa vez ele se envolveu em um acidente de trânsito que matou as pessoas que colidiram com o carro no qual ele estava, mas sobreviveu. Não sei como essa pessoa suicida está agora. Segundo o Espiritismo, há um setor do Umbral chamado “Vale dos Suicidas”, por onde estes vagam sem noção de tempo e espaço. Desconstruindo o suicídio, vê-se que este nada mais é do que um assassinato, com a diferença de que a pessoa não está mais encarnada para ser punida pelas leis dos homens. O suicídio é uma grande besteira, um desperdício, uma pessoa que joga na cara de Deus a vida que esta recebeu – é por isso que a Psicologia, apesar de laica, tem como meta prevenir o suicídio. Airton – nome fictício – era um rapaz alto e bonito, e adorava perfumes finos. Gostava muito da vida social e era presença obrigatória em festas e bailes de gala. A vida profissional dele estava indo bem. Não sei porque ele fez isso consigo mesmo. Airton querido, você não gostaria de ir a um lugar bonito onde há deliciosos perfumes para você usar? Claro que gostaria! A cidade espiritual é um lugar limpo, onde todos andam cheirosos, bonitos e elegantes. Saia do Umbral, Airton! Aceite ajuda.

            Deus não inventa o Mal – este é uma invenção humana. O Bem é sempre agradável; o Mal, desagradável. Na ilustração desta postagem, uma homenagem a Patrícia, que depara-se com flores no mundo espiritual.

quarta-feira, 18 de maio de 2016

Arando terras, provando vinhos




            Não sou sommelier profissional, mas curto um bom vinho. Certa vez li sobre uma experiência que foi feita, mas infelizmente não lembro de onde li, nem de onde ela foi realizada, mas foi mais ou menos assim:
Foi reunido um grupo de pessoas, cerca de 50 a 100 indivíduos. Essas pessoas não eram degustadoras profissionais, mas simplesmente consumidoras e apreciadoras de vinhos. Para o grupo foram ofertados dois vinhos: um baratinho e simples; outro, fino e caro. Só que, antes de dispor as amostras ao grupo, os rótulos foram invertidos, sem o grupo saber: o vinho fino foi servido somo se fosse plebeu e o vinho barato foi servido como se fosse finérrimo. O resultado foi hilário: as pessoas degustaram um vinho fino e o consideraram bagaceiro; ao provarem o vinho barato, consideraram este maravilhoso. O que isso tudo significa? Isso quer dizer que há um preconceito muito forte, o de que um vinho, para ser bom, tem que ser caro. É claro que os vinhos caros são bons, mas um vinho mais barato é frequentemente vítima de preconceito, num conceito de que só uma “facada” é o preço justo por um bom vinho.

Eu tomo um vinho baratinho, o chileno Chiloe, e estou satisfeito, apesar de ser considerado um rótulo de baixa qualidade. Não vejo problemas nos rótulos do Chiloe, tanto tintos quanto brancos. Não sou milionário. Logo, não posso tomar por dia uma garrafa que custe de 25 a 60 reais.
Também não vejo problema nos vinhos assemblage, que misturam em uma só garrafa uvas de variedades diversas, pois é como se fosse uma versão etílica do fondue de queijo: o assemblage é como se fosse uma paella, com vários tipos de carne, ou uma salada de frutas. E por acaso um fondue, uma paella e uma salada de frutas são algo bagaceiro?

A autoestima vitivinícola brasileira tem, nas últimas décadas, dado saltos significativos, e o mundo, cada vez mais, prova os sabores do vinho do Brasil, especialmente o espumante, tido como um dos melhores do planeta. Antigamente, essa autoestima era baixa. Há uma história famosa envolvendo Assis Chateaubriand, quando o magnata brasileiro, em um jantar para autoridades estrangeiras, serviu vinho francês dizendo que era vinho brasileiro, e os convidados disseram:
- Nossa, como são bons os vinhos brasileiros!

            Na trilogia Matrix, o personagem Merovíngio é um francês arrogante que só bebe vinhos franceses. Mas está caindo por terra o conceito de que vinho bom tem que ser europeu, mas ainda há preconceitos a serem vencidos e anulados. A rica Califórnia, por exemplo, é a adega dos EUA, em um terroir de clima semiárido que favorece o sabor da uva. Eu gostaria muito de um dia provar um vinho de lá. A questão da autoestima vitivinícola também afeta outros países, como os EUA. No filme americano “Invasão de Privacidade”, um personagem chega a uma festa com um vinho nas mãos, e a anfitriã diz:
- Só espero que não seja tinto californiano! Que vinho você trouxe?
E o personagem diz:
- Tinto californiano.
Ou seja, o complexo de viralata não é uma exclusividade brasileira. No filme “Bernard e Doris - O Mordomo e a Milionária”, há uma cena em que os empregados de uma magnata estão tomando um vinho próprio para os empregados da casa, um rótulo argentino.
- É muito bom – diz uma empregada. Mas isso não quer dizer que os vinhos da Argentina são só para as classes menos favorecidas. Não sejamos esnobes!

Há pessoas que dizem que o baixo consumo per capita de vinho no Brasil deve-se ao fato do consumidor brasileiro estar habituado culturalmente com cerveja e cachaça. Mentira. O brasileiro, da classe C para baixo, não toma vinho porque este é muito caro em comparação à cerveja e à cachaça. Por quê? Porque no Brasil as taxas tributárias do setor vitivinícola são pornográficas. Essa é uma velha reivindicação do setor: o abrandamento dos impostos. Até hoje, nenhum presidente da República sensibilizou-se com essa reivindicação, seja militar, seja civil, seja Getúlio, seja JK, seja FHC, seja Lula, seja Dilma, seja esquerda, seja direita – e provavelmente a situação manter-se-á assim com Temer. Então, quais são as conseqüências? Os vinhos brasileiros, que são de alta qualidade, chegam caros às gôndolas de supermercados nacionais. Então, nas prateleiras ao lado, há os excelentes vinhos argentinos e chilenos, como da célebre vinícola Concha y Toro do Chile, que chegam ao Brasil com preços interessantes, mesmo tendo que viajar muito mais quilômetros para chegar aos supermercados de lugares como, por exemplo, Porto Alegre. Isso ocorre porque na Argentina e no Chile os impostos não são tão famintos. O setor vitivinícola brasileiro até tentou uma época classificar o vinho como alimento, assim podendo pagar menos impostos, mas a ideia não teve sucesso.

Outro paradigma está caindo, o de que só na Serra Gaúcha o Brasil produz vinhos. É claro que esta região é ainda detentora da esmagadora porcentagem dos vinhos brasileiros produzidos, mas hoje há outras regiões, como Paraná, São Paulo e no vale do Rio São Francisco, na Bahia, entre outros lugares por um Brasil de fartas terras, com rótulos a serem descobertos pelo consumidor. Inclusive há um aspecto muito interessante nas áreas mais próximas à linha do Equador: há duas safras por ano, pois o Sol passa anualmente duas vezes pela referida linha. Outra região vitivinícola que desponta é a Campanha Gaúcha, perto da fronteira com a Argentina. E o vinho hoje é produzido em países ainda pouco tradicionais na vitivinicultura, como Japão e Índia, e há muitos outros países, nos cinco continentes. Uma variedade enorme de produtores, em um ávido mercado consumidor planetário. O vinho ganha o mundo; é cosmopolita tomar esta bebida. Elegante.

Na plácida Flores da Cunha, RS, a cidade com o maior número de vinícolas no Brasil – apesar do Vale dos Vinhedos de Bento Gonçalo, digo, Gonçalves ser famoso -, tive a oportunidade de visitar a grande vinícola Luiz Argenta, com seus vastos vinhedos e modernas instalações, com um tour pelas dependências da empresa, com seus aspectos produtivos. Aprendi algo interessante: nas extremidades de cada fileira de vinhas, há um pé de roseira. Isso é porque a rosa é extremamente sensível a pragas em geral. Portanto, se há a ameaça de alguma praga nos vinhedos, a flor sinaliza quando a praga está ainda em estágio inicial, podendo assim esta vicissitude ser eliminada – antes eu achava que as roseiras estavam lá por mero enfeite! Na L.A., cada quadra de vinhedo tem um nome – uma delas, por exemplo, chama-se Elis Regina. Flores da Cunha, a rainha do vinho!

Uma pessoa que eu conhecia tinha uma adega maravilhosa, com o chão de terra. Tri a ver com este produto da terra que é o vinho. Falando em adega, certa vez – não lembro de onde nem quando – um navio naufragou com uma adega repleta de vinhos. Missões de mergulhadores trouxeram do fundo do mar as garrafas e o vinho foi servido – algumas pessoas gostaram; outras, disseram que tinha gosto de peixe podre. Mas não deixa de ser uma história exótica.

Respeito as religiões que proíbem o consumo de álcool, mas, para mim, não dá para ficar sem um vinhozinho. O vinho é ultratradicional – Jesus Cristo não disse que o vinho é Seu sangue? Não tomou Ele vinho com seus apóstolos na Última Ceia? O vinho tem toda uma conotação de sensualidade, de vida. Não há o dito em latim de que “a verdade está no vinho”? As vindimas são sexy.

O vino exerce fascínio milenar. Recém quando o imigrante italiano chegou à Serra Gaúcha, foi uma vida dura, pois, nos primeiros anos de residência na colônia, as vinhas e mudas de outros alimentos, como milho, foram plantadas e só depois renderam frutos. O imigrante sonhava com o dia em que fabricaria seu próprio vinho e comeria uma polenta quente, pisando em uvas com os pés. Isso gerou uma cultura de fartura no imigrante, com ricas mesas cheias de comida, como na cornucópia das galeterias. Não é por coincidência que a Serra abriga grandes festas da uva e do vinho. Mas nada equiparado à Itália, que tem muitas, diversas vitivinifestas. Falando nisso, uma italiana que conheci ficou impressionada com a fartura das mesas na região de imigração italiana no RS, algo que não existe na Itália. Mas a cultura enológica do imigrante veio direto da nação da bota. Os colonos botam pra quebrar!

Na ilustração desta postagem, o cômico personagem Radicci do genial cartunista Carlos Iotti, autor estadualmente reconhecido – chargista do jornal Zero Hora -, sendo Iotti homenageado na última edição da Festa da Uva de Caxias do Sul e em uma edição passada da Feira do Livro da mesma cidade.

sexta-feira, 13 de maio de 2016

Pise neste verde gramado




Caxias do Sul tem um aeroportozinho próprio. Pelotas tem um aeroportozinho próprio. Santa Maria tem um aeroportozinho próprio. Maringá, no interior do Paraná, tem um aeroportozinho próprio. O que está faltando para Gramado e região terem um aeroportozinho próprio? A demanda turística dessa região justifica: Gramado, Canela e Nova Petrópolis formam uma trinca próspera, hospitaleira e irresistível. Para quem é de fora do Rio Grande do Sul, é meio complicado, pois tem que pegar um avião até Porto Alegre e, lá, pegar uma van ou um ônibus para a Serra Gaúcha, transitando por uma estrada que, ouvi dizer, não é lá uma Brastemp. Com um aeroporto regional das Hortênsias, tudo ficaria mais fácil ao turista, que vem para gastar dinheiro em hospedagem, refeições, chocolates, produtos de couro, roupas, malhas, souvenires etc. Há todo um mercado em expansão, e oportunidades de se fazer negócio são vislumbradas, apesar da crise espantar um pouco o turista.

Desde que me conheço por gente, vou para Gramado com minha família, e minhas lembranças apontam para as paisagens, como na vista de tirar o fôlego no hotel Laje de Pedra, em Canela. Eu aproveitava muito bem as piscinas térmicas dos hotéis gramadenses. Certa vez um primo meu disse algo muito pertinente:
- Aqui em Gramado há uma sinergia.
Tudo combina com tudo. E o profissionalismo de Gramado é tão respeitável, que constrói uma cidade para todos os bolsos:
- Há os hotéis mais luxuosos, onde Xuxa Meneghel se hospeda, há os hotéis de padrão médio que, apesar de não terem tanto luxo, são ótimos, e há as pousadas mais simples que, apesar da simplicidade, dão uma boa cama, um bom chuveiro e um bom café da manhã;
- Há várias categorias de restaurantes, desde os mais sofisticados, com suculentos filés e vinhos finos, passando pelas pizzarias à la carte e rodízio - a preferência dos mais jovens - e chegando às lancherias mais simples, contando até com um Mc Donald’s e um Mc Café na cidade, além de uma loja da Subway. Aliás, Gramado tem cafeterias excelentes, muitas vezes integradas a chocolaterias, só que há certas disparidades nos preços do café: o mesmo expresso pode variar de preço de lugar para lugar, conforme a sofisticação do ambiente. Sentar em um café e simplesmente observar o movimento na rua é relaxante. Os turistas gostam muito também do Café Colonial, de grande fartura, sem falar em galeterias, prato típico da região de imigração italiana, visto que Gramado é composta, além da etnia itálica, pelos alemães e portugueses, uma trinca homenageada na Praça das Etnias, que vende produtos coloniais, algo muito exótico para quem é de fora da região.

Turistas gaúchos caminham pelas ruas com seus chimarrões, algo pitoresco para quem é de fora do RS. Entrar numa chocolateria e sentir o cheiro do chocolate e baunilha é um convite ao consumo prazeroso, e os fabricantes se esforçam para oferecer muitas variedades da guloseima, com vários sabores e formatos. Minha loja preferida de doces é a Florybal, com preços ótimos. Os estabelecimentos da região em geral primam pela agradabilidade dos espaços convidativos, como o Le Jardin Parque de Lavanda, que fica na RS 115, num cuidadosamente mantido jardim – é claro, como diz o nome - com vários níveis com uma cafeteria que serve uma gostosa torta de maçã e trufas de chocolate sabor lavanda, em uma vista deslumbrante para esse lugar único que é a Serra Gaúcha. No mesmo parque, no nível mais elevado, há uma floricultura com muitas variedades de plantas a venda, por preços módicos. Ainda falando em jardins, a cidade de Nova Petrópolis, no costume tradicional do imigrante alemão, prima por canteiros de flores caprichados mantidos nas ruas da cidade, havendo, nos arredores, um café com um telhado de grama, com flores ornamentais, algo que creio que seja único na região. Falando em vegetação, há a Rua Coberta de Gramado, com cafés e restaurantes embaixo das fartas trepadeiras verdes, com estabelecimentos que, nos dias mais frios, oferecem cobertores e aquecedores a gás externos para que o público não evite os espaços abertos – o frio faz parte do pacote. Falando em frio, há o formidável parque indoor Snowland, com neve, esqui, patinação e escorregadores o ano inteiro - a alegria da garotada.

O Parque do Caracol em Canela é um bom programa para quem gosta de ar livre. A famosa cascata do Caracol cai em meio a um penhasco enorme, com um mirante dando vista para o recorte geológico serrano. E há uma longa escadaria que leva até a base da cascata, em um lugar que convida a um piquenique, com um vinhozinho e uns pinhões, contemplando a mata nativa de araucárias – não é a araucária uma das árvores mais belas do mundo? Inclusive, leva o nome de Caracol uma famosa chocolateria de Gramado. Outro parque nesta é a Aldeia do Papai Noel, todo temático para trazer o espírito natalino em todas as épocas do ano, com a casa decorada do Bom Velhinho. Há também o Gramado Zoo, considerado um dos melhores do mundo. O Lago Negro, com seu entorno verde, oferece passeios de pedalinhos sobre as águas. O tradicional Mini Mundo apresenta suas maravilhosas maquetes, construídas com esmero notável, numa velha lembrança de minha infância.

O bom de Gramado é passear, e há hotéis que emprestam bikes aos seus hóspedes, por isso é pertinente avisar que, abaixo de chuva ou chuvisqueiro, a cidade perde grande parte do charme – a única chuva interessante em Gramado é em forma de neve, a qual não dá as caras todos os anos. Por mais que os hotéis ofereçam capas de chuva aos hóspedes, o programa fica meio estragado. O friozinho da região conquista quem vem de outras partes do Brasil, como o Rio de Janeiro – os cariocas amam o frio serrano, pois vêm de uma cidade que, apesar de maravilhosa, não poupa seus cidadãos de temperaturas acima dos 40 graus centígrados. É o friozinho goshtoso do Sul. O Brasil é assim, uma colcha de retalhos, com uma diversidade de destinos turísticos. Com a crise econômica generalizada, brasileiros que, com mais dinheiro, iriam ao Exterior, optam por destinos nacionais e, assim, Gramado sai ganhando. Conheço uma pessoa da Bahia que, ao chegar nesta cidade, disse:
- Parece que ligaram o ar condicionado ao ar livre!

Um dos aspectos turísticos gastronômicos de Gramado é o fondue: há de carne, queijo e chocolate. O problema do de carne é que os restaurantes ficam esfumaçados no lado de dentro, visto que os pedaços de carne são assados em uma pedra pelo próprio cliente, engordurando os vidros dos estabelecimentos, numa vicissitude olfativa que faz parte do programa. Há um buffet de fondue de chocolate no nível superior da loja da Florybal. Como você deve saber, a receita original do fondue é a do de queijo, pois nasceu como uma forma dos camponeses suíços aproveitarem os restos de queijo e, assim, fundindo-os no fogão e comendo com pão – uma receita que nasceu de forma tão simples e se tornou algo tão chique, como a bruschetta, que hoje é moda e nasceu como uma forma de se aproveitar o pão dormido.

Gramado tem vários ótimos buffets a quilo na hora do almoço. Conheço alguns: o Vale Quanto Pesa (que recebe os clientes com uma lareira no inverno), o Di Pietro (com uma decoração diferenciada), o Scur (com boas pizzas à noite) e um dos meus prediletos, o China in Serra (comida chinesa e sushi, com um frango à xadrez impecável e uma refrescante salada de pepinos). E há vários outros buffets pela cidade ao meio dia, com garçons na porta convidando os passantes a entrar e comer – a concorrência é intensa no mercado turístico gramadense, e quem não tem competência, desaparece, assim como em qualquer mercado, de qualquer setor, no Brasil e o no mundo.

O setor moveleiro é muito forte em Gramado, com suas lojas luxuosas e encantadoras, e com a ponta de estoque da Masotti. A Catedral da cidade é ponto turístico obrigatório, com as estátuas dos dozes apóstolos no lado de fora. O Natal Luz de Gramado é certamente o Natal mais bonito do Brasil, atraindo multidões de turistas – já vi até argentinos, e em hotéis fala-se espanhol para atender os clientes. As ruas são todas enfeitadas com pinheiros de Natal e arranjos que, à noite, enchem os olhos do visitante com a iluminação. A Parada de Natal é feita na Expo Gramado RS, havendo também o rico espetáculo Nativitaten às margens do lago Joaquina Rita Bier. Falando em Natal, pude apreciar a bela peça musical Korvatunturi, que conta a origem do Natal, em um show circense de técnica apurada. A cidade de Canela também tem suas atividades natalinas, formando com Gramado uma riqueza de opções para a data cristã. Falando em religião, na Páscoa havia o Chocofest em Gramado, o qual, infelizmente, passa por um momento de suspensão. A data é muito importante para a cidade, pois o período alavanca as vendas de chocolates.

Há o famoso Festival de Cinema de Gramado, que agita a cidade com estrelas e filmes em exibição. Um longo tapete vermelho é colocado na Rua Coberta, e as tietes histéricas berram ensandecidamente quando veem alguém famoso. Falando em ruas cobertas, há outra quase em frente, o Largo da Borges, com lojas, café, livraria, sorveteria e o excelente restaurante Mamma Pasta, cujo prato predileto meu é um filé acompanhado de trouxinhas de funghi. E para a mulherada, que adora “lamber vitrine”, o passeio pela urbe tem um charme especial. Vale lembrar que, para curtir o passeio pelos lugares desse abençoado lugar que são Gramado e região, é bom usar calçados confortáveis – já vi muitas mulheres batendo perna de desconfortável salto alto. Não faça isso com seus pés. Coloque tênis.

No mais, os arredores de dezembro oferecem um espetáculo à parte: as hortênsias florescem por toda a região. E em Gramado há uma placidez especial: os motoristas são altamente corteses, sempre deixando que o pedestre atravesse calmamente a rua. Famílias passeiam com suas crianças e a já citada sinergia gramadense trata de encantar o visitante, dando sempre um gostinho de quero mais, em um prestigiado destino de luas de mel, por exemplo, ou simplesmente de namorados que curtem uma estadia romântica na cidade formosa de Gramado, lugar que tem um quê indecifrável. Gramado não brinca em serviço, nem Canela, que conta com uma escola de Hotelaria. A estrada que liga uma cidade à outra tem vários estabelecimentos, como lojas, restaurantes e, é claro, hotéis. É um filão turístico; uma cornucópia de produtos e serviços. E Nova Petrópolis, com o Parque Aldeia do Imigrante, é chamada de Jardim da Serra Gaúcha. Venha!