Não sou sommelier profissional, mas
curto um bom vinho. Certa vez li sobre uma experiência que foi feita, mas
infelizmente não lembro de onde li, nem de onde ela foi realizada, mas foi mais
ou menos assim:
Foi reunido um grupo de pessoas, cerca de 50 a 100 indivíduos. Essas
pessoas não eram degustadoras profissionais, mas simplesmente consumidoras e
apreciadoras de vinhos. Para o grupo foram ofertados dois vinhos: um baratinho
e simples; outro, fino e caro. Só que, antes de dispor as amostras ao grupo, os
rótulos foram invertidos, sem o grupo saber: o vinho fino foi servido somo se
fosse plebeu e o vinho barato foi servido como se fosse finérrimo. O resultado
foi hilário: as pessoas degustaram um vinho fino e o consideraram bagaceiro; ao
provarem o vinho barato, consideraram este maravilhoso. O que isso tudo
significa? Isso quer dizer que há um preconceito muito forte, o de que um
vinho, para ser bom, tem que ser caro. É claro que os vinhos caros são bons,
mas um vinho mais barato é frequentemente vítima de preconceito, num conceito
de que só uma “facada” é o preço justo por um bom vinho.
Eu tomo um vinho baratinho, o chileno Chiloe, e estou
satisfeito, apesar de ser considerado um rótulo de baixa qualidade. Não vejo
problemas nos rótulos do Chiloe, tanto tintos quanto brancos. Não sou
milionário. Logo, não posso tomar por dia uma garrafa que custe de 25 a 60 reais.
Também não vejo problema nos vinhos assemblage, que misturam em uma só garrafa uvas de variedades
diversas, pois é como se fosse uma versão etílica do fondue de queijo: o assemblage é como se fosse uma paella,
com vários tipos de carne, ou uma salada de frutas. E por acaso um fondue, uma
paella e uma salada de frutas são algo bagaceiro?
A autoestima vitivinícola brasileira tem, nas últimas
décadas, dado saltos significativos, e o mundo, cada vez mais, prova os sabores
do vinho do Brasil, especialmente o espumante, tido como um dos melhores do
planeta. Antigamente, essa autoestima era baixa. Há uma história famosa envolvendo
Assis Chateaubriand, quando o magnata brasileiro, em um jantar para autoridades
estrangeiras, serviu vinho francês dizendo que era vinho brasileiro, e os
convidados disseram:
- Nossa, como são bons os vinhos brasileiros!
Na trilogia Matrix, o personagem
Merovíngio é um francês arrogante que só bebe vinhos franceses. Mas está caindo
por terra o conceito de que vinho bom tem que ser europeu, mas ainda há
preconceitos a serem vencidos e anulados. A rica Califórnia, por exemplo, é a
adega dos EUA, em um terroir de clima
semiárido que favorece o sabor da uva. Eu gostaria muito de um dia provar um
vinho de lá. A questão da autoestima vitivinícola também afeta outros países,
como os EUA. No filme americano “Invasão de Privacidade”, um personagem chega a
uma festa com um vinho nas mãos, e a anfitriã diz:
- Só espero que não seja tinto californiano! Que vinho você
trouxe?
E o personagem diz:
- Tinto californiano.
Ou seja, o complexo de viralata não é uma exclusividade
brasileira. No filme “Bernard e Doris - O Mordomo e a Milionária”, há uma cena
em que os empregados de uma magnata estão tomando um vinho próprio para os
empregados da casa, um rótulo argentino.
- É muito bom – diz uma empregada. Mas isso não quer dizer
que os vinhos da Argentina são só para as classes menos favorecidas. Não
sejamos esnobes!
Há pessoas que dizem que o baixo consumo per capita de vinho no Brasil deve-se ao
fato do consumidor brasileiro estar habituado culturalmente com cerveja e
cachaça. Mentira. O brasileiro, da classe C para baixo, não toma vinho porque este
é muito caro em comparação à cerveja e à cachaça. Por quê? Porque no Brasil as
taxas tributárias do setor vitivinícola são pornográficas. Essa é uma velha
reivindicação do setor: o abrandamento dos impostos. Até hoje, nenhum
presidente da República sensibilizou-se com essa reivindicação, seja militar,
seja civil, seja Getúlio, seja JK, seja FHC, seja Lula, seja Dilma, seja
esquerda, seja direita – e provavelmente a situação manter-se-á assim com Temer.
Então, quais são as conseqüências? Os vinhos brasileiros, que são de alta
qualidade, chegam caros às gôndolas de supermercados nacionais. Então, nas
prateleiras ao lado, há os excelentes vinhos argentinos e chilenos, como da
célebre vinícola Concha y Toro do Chile, que chegam ao Brasil com preços
interessantes, mesmo tendo que viajar muito mais quilômetros para chegar aos
supermercados de lugares como, por exemplo, Porto Alegre. Isso ocorre porque na
Argentina e no Chile os impostos não são tão famintos. O setor vitivinícola
brasileiro até tentou uma época classificar o vinho como alimento, assim
podendo pagar menos impostos, mas a ideia não teve sucesso.
Outro paradigma está caindo, o de que só na Serra Gaúcha o
Brasil produz vinhos. É claro que esta região é ainda detentora da esmagadora
porcentagem dos vinhos brasileiros produzidos, mas hoje há outras regiões, como
Paraná, São Paulo e no vale do Rio São Francisco, na Bahia, entre outros
lugares por um Brasil de fartas terras, com rótulos a serem descobertos pelo
consumidor. Inclusive há um aspecto muito interessante nas áreas mais próximas
à linha do Equador: há duas safras por ano, pois o Sol passa anualmente duas
vezes pela referida linha. Outra região vitivinícola que desponta é a Campanha
Gaúcha, perto da fronteira com a Argentina. E o vinho hoje é produzido em
países ainda pouco tradicionais na vitivinicultura, como Japão e Índia, e há
muitos outros países, nos cinco continentes. Uma variedade enorme de
produtores, em um ávido mercado consumidor planetário. O vinho ganha o mundo; é
cosmopolita tomar esta bebida. Elegante.
Na plácida Flores da Cunha, RS, a cidade com o maior número
de vinícolas no Brasil – apesar do Vale dos Vinhedos de Bento Gonçalo, digo,
Gonçalves ser famoso -, tive a oportunidade de visitar a grande vinícola Luiz
Argenta, com seus vastos vinhedos e modernas instalações, com um tour pelas
dependências da empresa, com seus aspectos produtivos. Aprendi algo
interessante: nas extremidades de cada fileira de vinhas, há um pé de roseira.
Isso é porque a rosa é extremamente sensível a pragas em geral. Portanto,
se há a ameaça de alguma praga nos vinhedos, a flor sinaliza quando a praga está
ainda em estágio inicial, podendo assim esta vicissitude ser eliminada – antes
eu achava que as roseiras estavam lá por mero enfeite! Na L.A., cada quadra de
vinhedo tem um nome – uma delas, por exemplo, chama-se Elis Regina. Flores da
Cunha, a rainha do vinho!
Uma pessoa que eu conhecia tinha uma adega maravilhosa, com
o chão de terra. Tri a ver com este produto da terra que é o vinho. Falando em
adega, certa vez – não lembro de onde nem quando – um navio naufragou com uma
adega repleta de vinhos. Missões de mergulhadores trouxeram do fundo do mar as
garrafas e o vinho foi servido – algumas pessoas gostaram; outras, disseram que
tinha gosto de peixe podre. Mas não deixa de ser uma história exótica.
Respeito as religiões que proíbem o consumo de álcool, mas,
para mim, não dá para ficar sem um vinhozinho. O vinho é ultratradicional –
Jesus Cristo não disse que o vinho é Seu sangue? Não tomou Ele vinho com seus
apóstolos na Última Ceia? O vinho tem toda uma conotação de sensualidade, de
vida. Não há o dito em latim de que “a verdade está no vinho”? As vindimas são
sexy.
O vino exerce
fascínio milenar. Recém quando o imigrante italiano chegou à Serra Gaúcha, foi
uma vida dura, pois, nos primeiros anos de residência na colônia, as vinhas e
mudas de outros alimentos, como milho, foram plantadas e só depois renderam
frutos. O imigrante sonhava com o dia em que fabricaria seu próprio vinho e
comeria uma polenta quente, pisando em uvas com os pés. Isso gerou uma cultura
de fartura no imigrante, com ricas mesas cheias de comida, como na cornucópia
das galeterias. Não é por coincidência que a Serra abriga grandes festas da uva
e do vinho. Mas nada equiparado à Itália, que tem muitas, diversas
vitivinifestas. Falando nisso, uma italiana que conheci ficou impressionada com
a fartura das mesas na região de imigração italiana no RS, algo que não existe
na Itália. Mas a cultura enológica do imigrante veio direto da nação da bota.
Os colonos botam pra quebrar!
Na ilustração desta
postagem, o cômico personagem Radicci do genial cartunista Carlos Iotti, autor
estadualmente reconhecido – chargista do jornal Zero Hora -, sendo Iotti homenageado
na última edição da Festa da Uva de Caxias do Sul e em uma edição passada da
Feira do Livro da mesma cidade.
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