quarta-feira, 25 de novembro de 2015

A Chave do Humor



            O seriado Chaves é sucesso invencível de audiência em 30 décadas de exibição pelo Sistema Brasileiro de Televisão – SBT. O Brasil tem verdadeira paixão pelo universo concebido e protagonizado pelo genial Roberto Gómez Bolaños, mais conhecido como Chespirito, o qual começou a brilhar nos roteiros que passou a escrever não só para Chaves, mas também para o Chapolin Colorado e o doutor Chapatin, entre outros. Falecido recentemente, Chespirito, cujo nome significa “Pequeno Shakespeare”, deixou saudades dos áureos tempos em que trabalhou na televisão mexicana, principalmente nos anos 70. Com uma criatividade inesgotável e um humor muito puro e inocente, seus personagens ganharam a simpatia não só do público infantil, mas de crianças que cresceram e não deixaram de amar Chaves e companhia limitada – eu sou um desses que seguem vendo e revendo inúmeras vezes os episódios, amplamente reprisados não só pelo SBT como também por outros canais, de TV por assinatura. É engraçado: nunca me canso de revisitar os programas. Existe inclusive o desenho animado do Chaves, concebido por volta dos anos 2000, mas com histórias requentadas, baseadas nos seriados dos anos 70 – faz falta a redação fértil de Chespirito.
            Há poucos anos o apresentador Ratinho, do SBT, foi a Cancun entrevistar Bolaños na casa deste. Casado com a atriz Florinda Meza, que é estrela dos seriados, Roberto ouviu a pergunta do entrevistador:
            - Seu Roberto, você tem idéia de como você é importante no Brasil?
            Eu estava certa vez assistindo na TV, sem lembrar do canal, um casamento cuja temática era Chaves. Os noivos e convidados estavam trajados a modelo dos personagens da vila do menino pobre do “Chavo Del Ocho”, que significa “O Menino do Oito”, em alusão ao número do canal mexicano que exibia o seriado. Em festas a fantasia, Chaves e sua trupe são costumeiros nas fantasias – estão entranhados no imaginário, objetos de carinho do público, não sendo exagero dizer que Chaves e Chapolin são parte do folclore latino americano, sendo identidade coletiva.
            Chapolin é um anti herói. Ele não é perfeito nem bonitão como o Super Homem. É magrela. Seu traje remete a uma barata. Seria isso um complexo de inferioridade dos latino americanos? Sua arma é uma marreta biônica; suas antenas detectam a presença do inimigo; seu brasão no peito é um coração com as iniciais “CH”; ele tem pílulas de felanimina para diminuir de tamanho e passar despercebido, ele é evocado cada vez que alguém precisa de ajuda e diz as palavras “Oh, e agora quem poderá me defender?” ou “Oh, e agora quem poderá me ajudar?”. E Chapolin surge do nada e diz um paladino “Eu!”, seguido de “Não contavam com minha astúcia!”. Os chavões são amplamente ditos, como “Suspeitei desde o princípio!”, “Aproveitam-se de minha nobreza”, “Calma, calma, não criemos pânico!” e o clássico “Sigam-me os bons!”, repetido pelo próprio Chespirito quando este abriu sua conta no Twitter. Chapolin é muito humano, tem medos e receios, é sempre muito bem intencionado mas é bem atrapalhado, tropeçando, caindo, machucando-se e cometendo erros, nunca tendo a imagem idealizada de um poderoso deus infalível, sendo o Polegar Vermelho um personagem com suas vulnerabilidades. Em uma metalinguística, o Chapolin já participou de episódio no qual entrou na vila do Chaves e encontra-se com este; em outro episódio, Chaves e sua trupe fazem uma peça teatral sobre Chapolin. Chaves é grande fã do anti herói, e coleciona os gibis do Chapolin. Vale lembrar que Chespirito era muito empreendedor, e circulavam pelo México as revistinhas em quadrinhos do Chaves e as do Chapolin, promovidas nos próprios seriados. Chespirito tinha uma visão de marketing muito apurada, e entendia o conceito de sinergia mercadológica. Um homem excepcional e marcante, que trabalhava muito. Um verdadeiro profissional de showbusiness, nunca dando ponto sem nó.
            A direção de arte dos seriados era muito bem executada, preocupada em trazer o telespectador ao universo das tramas, como em uma cidade do Velho Oeste, uma cantina de piratas, uma pirâmide do Egito, um cemitério etc. Os efeitos especiais faziam o que podia ser feito com a tecnologia da época, com cromakey muito evidente e tosco em comparação aos recursos do século XXI. Mas essa carência tecnológica torna-se um charme retrô, e o público de hoje não culpa as limitações tecnológicas do México dos anos 70.
            Chaves vive em uma humilde vila, em uma vizinhança muito sui generis. O órfão esfomeado de oito anos de idade refugia-se em um barril, e é um sonhador, como mostra a ilustração desta postagem. Chaves tem bom coração mas é muito, muito clumsy, do inglês, “desastrado”. Mas quando comete cômicos erros, o público perdoa. Chaves mostra a realidade latino americana dos menores abandonados. A Dona Florinda (Florinda Meza) é uma dona de casa viúva e está sempre com bobs no cabelo, sendo poucas vezes no seriado vista sem os rolos. Ela adula ao máximo o seu filho único Kiko (Carlos Vilagrán), e é absolutamente apaixonada pelo narcisista Professor Girafalez (Rubem Aguirre), o tutor de dois metros de altura que dá aulas para outras crianças além de Kiko. A superprotetora Florinda é faca na bota – ai de quem tocar em um só fio de cabelo do filho. Kiko, suscetível a irritação com os outros, é mimado pela mãe e é engraçada a falta de inteligência do moleque, sendo célebres as caras e bocas que Vilagrán empresta ao personagem. Dona Florinda acha que pertence a uma classe social elevada em relação aos vizinhos da vila, e tem especial asco pelo Seu Madruga (Ramon Valdez), batendo nele seja ou não este ter sido quem batera em Kiko. Seu Madruga também é viúvo e cria sua filha Chiquinha (Maria Antonieta de las Nieves). Madruga está sempre devendo 14 meses de aluguel ao Seu Barriga (Edgar Vivar), que é o dono gordinho da vila e é pai do guloso e dentuço Nhonho, interpretado pelo mesmo ator. Chiquinha é sapeca, e às vezes mente e prega peças – uma moleca. Está sempre banguela, usa óculos, é sardenta, é bem baixinha, suas maria chiquinhas nunca estão alinhadas e seu casaco está vestido de qualquer modo. Ela não gosta de se arrumar muito e fica louca de ciúmes quando o Chaves fica olhando para a bonita Pati, uma menina que chega na vila para morar com sua tia bonita Glória, a qual joga seu charme para o Seu Madruga e deixa este apaixonado e em êxtase. Também tem a Bruxa do 71, dona Clotilde (Angelines Fernandez), que mora no apartamento do número e é apaixonadíssima pelo Seu Madruga, o qual não corresponde. Clotilde morre de ciúmes de Glória e é uma solteirona que, por sua aparência, é chamada de bruxa pelas crianças da vila. Um dos melhores episódios de toda a história de Chaves é quando as crianças entram na casa da “bruxa” e começam a ver coisas em uma ótima cenografia, como uma vassoura voadora, um caldeirão e a própria Clotilde vestida de preto fazendo uma poção para enfeitiçar o Seu Madruga. Mas era tudo imaginação da meninada!
O Doutor Chapatin é um médico bem idoso que está sempre com gabardine e cachecol. Um dos melhores episódios é no qual um louco fugiu do manicômio e Chapatin e outros personagens envolvem-se em muitos equívocos às voltas com o maluco. Aliás, os desentendimentos são marca registrada de Chespirito, que tece os conflitos resultantes de julgamentos precipitados. Fica hilário então o convívio em meio a tanta desordem e caos. Roberto tira o humor das dificuldades, fazendo do limão uma limonada. Por falar nisso, um dos melhores episódios de Chaves é quando este e Kiko abrem cada um uma banca de refrescos, competindo pela preferência da Chiquinha. Chespirito é um “moleque” nas suas concepções, pois pensa no público infantil. As tramas são simples e tudo é mostrado de forma muito clara.
O elenco perdurou unido por vários anos, mas aí ocorreram abalos que terminaram com a era clássica de Chespirito na TV mexicana. No princípio, Carlos Vilagrán era casado com Florinda Meza, mas ela e Chespirito apaixonam-se e casam, e Carlos, muito ressentido, deixa o programa, seguido de Ramon, que decidiu dar apoio ao colega Vilagrán, o qual fez episódios de seriados nos quais Kiko era o protagonista, mas sem o sucesso do Chaves do Oito, como tentou Matt Le Blanc, o Joey do seriado Friends, tentando tocar um seriado exclusivo do personagem após o término do muito bem sucedido programa de TV americano. Chespirito, enfrentando um desfalque grande de atores, até conseguiu driblar o percalço e tocou vários episódios com o elenco reduzido. Ramon morreu de câncer, pois fumava até em cena. Maria Antonieta desentende-se e entra com um recurso na Justiça proibindo que os trejeitos do próprio personagem fossem imitados – inclusive, no desenho animado, Chiquinha é substituída por Popis, a prima de Kiko interpretada por Florinda na TV. Vilagrán arrastou por muitos anos o ressentimento e, enquanto Roberto era vivo, chamava este de megalomaníaco. O grupo acaba se desmantelando e a Era Chespirito chega ao fim. Até hoje membros do elenco original buscam dar uma sobrevida aos personagens. Carlos e de las Nieves fizeram turnês, cada um com seu circo. E Edgar também viaja promovendo o Seu Barriga, passando até por Caxias do Sul. Meza, viúva de Chespirito, tornou-se dona de casa e nunca mais atuou.
O aspecto comédia pastelão predomina nos seriados, com direito a tudo voando: tortas, bolos, água, terra, lama, tinta, água com sabão, macarrão, lixo etc. Pobres do atores, que tinham que aguentar aquilo tudo! Ossos do ofício, em um elenco muito competente e amado pelo público, sob a liderança de um Roberto que dava liberdade para os atores desenvolverem e darem identidade aos personagens. Outro aspecto são as dublagens, com um time de intérpretes cujas vozes estão estampadas na mente do público brasileiro. E até foi lançado no Brasil um disco com músicas baseadas nos personagens de Chaves, sem falar nas próprias canções que vinham com os episódios cantadas em espanhol e depois dubladas. Falando nisso, outro ótimo episódio é no qual as crianças da vila brincam de banda de música, produzindo nada mais do que um barulho infernal! E outro aspecto era a pancadaria, com direito a topadas, socos, chutes, pauladas, marteladas, boladas, beliscões, tapas, tijoladas, sapatadas, pedradas e muito mais, mas de uma forma cômica, sem incitar violência, como o clássico trio hollywoodiano Os Três Patetas. Chespirito faz da dor um motivo de riso. Não sofra; faça piada.
A morte do criador de Chaves causou comoção no México e no mundo onde os seriados eram (e são) exibidos. Seu velório lotou um estádio. Será sempre lembrado como uma mente criativa, cativando o público, como na riqueza de personagens de um Chico Anysio. Nos últimos anos de vida, Chespirito sofreu de problemas graves de saúde. No final da entrevista que deu a Ratinho, Bolaños ganhou de presente um boneco do Chaves e abraçou o brinquedo com muita alegria e carinho. Amor – esse é o ingrediente de Roberto. Ele amou todo o universo que produziu. É o coração no peito do Chapolin: nós latino americanos não somos ricos como outros países, somos pobres como Chaves, mas temos amor e calor em nossos corações. Do mesmo modo como Dona Florinda e Girafalez são apaixonados, um amor que fazia com que os pombinhos simplesmente olvidassem das vicissitudes do mundo. Chespirito faz com que nos esqueçamos da dureza da vida. Amamos Bolaños. Descanse em paz, nosso herói! Sempre contaremos com sua astúcia!

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

A Beleza da Heresia



            Poucos momentos da história do Antigo Egito foram tão peculiares como o reinado do controverso faraó Aquenáton, que reinou por volta de 1352 a 1336 a.C. e, tachado de herege, revolucionou a religião e a arte egípcias mas, logo que morreu, seu legado foi completamente ignorado e agourado, e o homem foi considerado um pária, uma verdadeira ovelha negra na tradição faraônica, sendo vítima de iconoclastia. Muitos hoje o consideram o primeiro indivíduo da História, um homem à frente de seu próprio tempo.
            O que ocorria? O Egito era uma nação politeísta, com uma religião muito tradicional, dotada de centenas de deuses, em um panteão riquíssimo, com divindades muito importantes como Ísis, Osíris e Hórus, narradas em lendas clássicas. A classe sacerdotal era muito influente e poderosa, só ficando abaixo do faraó na pirâmide social, e a classe religiosa não gostou das reformas do polêmico rei. Aquenáton baniu dos altares absolutamente todos os deuses, todinhos. Instituiu o culto a Aton, o criador de tudo, o deus à imagem do simples disco solar, parecido com Amon, o rei dos deuses, como Zeus era o rei dos deuses gregos. A partir da tomada de poder por Aquenáton, os egípcios agora só podiam cultuar a nova divindade – torna-se lei. Historiadores consideram que esta foi a semente para germinar o monoteísmo na Humanidade. Alguns creem que o povo hebreu, escravo no Egito, tenha levado adiante a doutrina de Aton e fundado o Judaísmo, a primeira religião monoteísta, da qual mais tarde viria o Cristianismo e, depois deste, a doutrina espírita – Deus é o infinito, dizem os espíritas. No Oriente, surgiria o Taoísmo, também uma espécie de monoteísmo, numa religião que cultua o misterioso e insondável Tao, criador do universo, visto que Tao e Deus são a mesma coisa, chamada por nomes diferentes. E Maomé traria o Islamismo, que tomaria conta do Egito milênios mais tarde. Não é engraçado? O poder do monoteísmo está na simplicidade – um só Deus, um só universo. No princípio da Era Cristã, o Cristianismo foi perseguido e considerado herege pelos romanos. Vale salientar que o catolicismo apostólico romano aperfeiçoou a idolatria pagã e trouxe uma verdadeira variedade de santos, que são os espíritos elevados, exemplos de apuro moral. A Humanidade evoluiu.
            A XVIII dinastia egípcia vinha com reis belicosos, agressivos, impondo respeito por todos os domínios da grande potência que era o Egito imperial. Naquela época, o faraó tinha um harém de esposas, sendo uma mulher a esposa principal e a(s) outra(s) sendo a(s) esposa(s) secundária(s), entendendo que a mortalidade infantil era alta e a estimativa de vida era baixa. O harém não existia por luxúria, mas para assegurar que o soberano colocasse no mundo um herdeiro do sexo masculino, visto que, na época, era impensável existir regente do sexo feminino, com exceção de Hatshepsut, a primeira feminista da História, uma mulher que se impôs à nação egípcia e reinou como faraó, para isso até usando um cavanhaque postiço - os longos cavanhaques, amarrados em trança, eram muito usados pelos regentes na época. Hatshepsut foi uma grande liderança, alavancando obras faraônicas, ironicamente falando.
Pai de Aquenáton, Amenófis III, da XVIII dinastia, tinha outro filho herdeiro, favorito para a sucessão, pois este era o mais velho, porém filho de uma esposa secundária do harém. Aquenáton era filho da célebre Tii, a esposa principal do harém real, uma mulher que fez de tudo para o próprio filho assumir o trono. O meio irmão de Aquenáton até reinou por um tempo em parceria com o pai, um costume para assegurar a tranquilidade na sucessão. Mas o rapaz morreu cedo, deixando o trono livre para Aquenáton, que assumiu a princípio com o nome de Amenófis IV – ninguém previu o que aconteceria. Em uma revolução cultural, como na China comunista, o novo faraó muda de nome para honrar o deus uno do disco solar, e muitos começaram a achar que o debutante líder era louco.
Sensível, Aquenáton, cujo nome significava “A imagem viva de Aton”, escrevia poesia em honra ao deus, e inclusive há historiadores que veem semelhança entre um poema a Aton com um Salmo da Bíblia. Aquenáton humilhou a classe sacerdotal e a destituiu dos plenos poderes. Templos politeístas foram fechados ou adaptados à nova religião. O clero ficou à deriva, sem ter uma função oficial. A ordem social entrou em crise. O faraó proibiu também os sacrifícios humanos. Tudo isso repercutiu como uma bomba pelo Egito inteiro. O novo líder também não era agressivo como o falecido pai, e o exército passou a receber cada vez menos atenção do soberano. É fácil observar a agressividade do Egito clássico, no design fálico dos obeliscos e na forma pontiaguda das pirâmides, como espinhos. O faraó herege fez com que os diplomatas egípcios não mais fossem respeitados, e o império começou a se abalar com a política delicada do rei revolucionário. O caos social e o risco de revoltas populares passaram a ser uma possibilidade. O Egito estava largado às moscas.
A nação era desde cedo dividida entre Alto Egito – mais ao sul do rio Nilo - e Baixo Egito - ao norte, na foz. Aquenáton ignorou isso tudo e resolveu construir uma cidade bem no meio da extensão do rio, num lugar deserto, batizando a cidade de Aquetáten, que significa “O Horizonte de Aton”, mais tarde sendo chamada de Amarna pelos historiadores. Uma grande obra passou a ser tocada, e a cidade planejada teve que transportar inúmeras pedras para a construção. As vias eram amplas e o templo de Aton era a céu aberto, apenas com paredes e colunas, em contraste com os sombrios templos fechados politeístas egípcios. A cidade foi planejada arquitetonicamente e os custos do trabalho foram enormes. Então o faraó convida egípcios que gostariam de viver na nova urbe. Só que Aquenáton, em seus quase vinte anos de reinado, começou a ter que subornar o povo para este permanecer na cidade. A nova religião começou a entrar em discreto colapso, e não resistiu à morte do mentor. Até hoje não há consenso sobre onde estaria a múmia do líder. Aquetáten (ou Amarna) foi desmantelada após a morte de seu fundador e suas pedras foram utilizadas para novas obras. A polis foi abandonada, voltando a ser o que fora: um ermo. Do pó ao pó.
Assim que morreu, Aquenáton teve sua imagem perseguida e deletada de monumentos e esculturas. Seu nome e o de sua esposa Nefertiti foram riscados de registros, com um Egito desejoso de esquecer reinado tão instável, trazendo dificuldade aos arqueólogos para a obtenção de informações mais precisas sobre o rei infame, que é pai do ultrafamoso Tutancâmon, cuja tumba foi descoberta nos anos 20 e fez a imagem do jovem soberano ser muito difundida. O rei Tut, como é chamado, morreu ainda menino, mas assinalou a volta dos sacerdotes ao poder e à restauração completa do politeísmo egípcio. Tut era filho de Kya, uma esposa secundária do harém de Aquenáton. A riqueza da tumba deslumbrou o mundo, principalmente a máscara mortuária de ouro. Foi uma comoção no mundo da Arqueologia – o mundo pôde reviver a áurea era dos faraós.
Bem, não podemos falar de Aquenáton sem mencionar a marcante Nefertiti, a grande esposa real do harém do rei herege. De uma beleza icônica, ela teve tanto poder que praticamente foi co-regente, sendo a principal apoiadora da nova religião e do novo modo de pensar. Arqueólogos acreditam que há uma possibilidade de sua múmia ter sido encontrada junto à múmia de Tii, mas a certeza ainda não aterrisou sobre a questão.
Uma das mais importantes obras de arte da história da humanidade é o famoso busto de Nefertiti, na ilustração desta postagem. A harmonia dos traços é impressionante, num realismo muito claro. A musa aparece com sua coroa, típica da XVIII dinastia, de cabeça raspada, pois os egípcios o faziam para evitar piolhos, sendo que as mulheres usavam perucas. O sorriso da dona é sutil. Seu pescoço é delicado como um caule de lírio. Sua pele é bronzeada, fruto dos ensolarados templos atonistas. Seus lábios são sensuais. Sua fronte é altiva. O mais engraçado é que o busto foi encontrado abandonado milênios depois em uma escavação arqueológica nos arredores de Amarna, pois a cidade em si foi totalmente deletada pelos iconoclastas, e o busto sobreviveu exatamente por não ter estado no centro da cidade. O busto foi achado em um antigo estúdio, descoberto por arqueólogos alemães - não foi achado como a tumba de Tut, a qual fora fortemente trancada e segura pelos sacerdotes na época, pois Tut estava em um verdadeiro cofre gigante a salvo de saqueadores. O busto de Nefertiti, que servia de modelo para transposição em pedra - uma técnica comum no Antigo Egito -, foi encontrado jogado à própria sorte, desprezado, ignorado. No abandono dos arredores de Amarna, ninguém queria o busto, pois este era um souvenir de uma época que o Egito queria obliterar. O busto virou lixo, tranqueira. A verdade é a filha do tempo. Hoje, o busto é de valor inestimável, impossível de ter um preço em leilão. Hoje, sequer podemos chegar muito perto dele, muito menos tocá-lo. Hoje, a peça é motivo diplomático de disputa entre Egito e Alemanha, visto que a obra reside no Museu de Berlim. Até hoje não se sabe o que aconteceu com o olho que falta na imagem, provavelmente perdido pelas areias da cidade. A precisão do busto é tal que, visto de lado, ele tem uma forma de perfeita seta, sendo o nariz a ponta, com equilíbrio – o busto não cai para frente, nem para trás. Mas, apesar da beleza, Nefertiti não era exatamente um anjinho – um certo registro em baixo relevo mostra a esposa batendo em alguém com um bastão, provavelmente em alguém que se recusara a seguir a nova religião: um herege punindo outro herege. Resta imaginar todas as obras de arte e registros que foram destruídos pela febre iconoclasta anti Aquenáton.
Não há registros da morte de Nefertiti, cuja origem familiar também é um mistério – alguns historiadores acham que ela era filha de um rei de Mitani, um reino vizinho. Ela simplesmente evanesce da História. Muitos especiais de televisão foram feitos até hoje sobre a quase faraó, entre eles o “Nefertiti Revelada”, sobre a tumba que poderia ser dela. Lembro-me de um filme hollywoodiano dos anos 50 ou 60, de cujo título esqueci, numa película que mostrava de forma extremamente sucinta o reinado de Aquenáton. O rei é retratado como homem belo e Nefertiti aparece como sua grande conselheira. Tii é retratada como uma Bette Davis, uma mulher realista e pés no chão, grande apreciadora de cerveja, amplamente fabricada no Antigo Egito. O filme não mostra a revolução atonista, mas apenas em uma cena pessoas em um templo a céu aberto cantando “Como é belo nosso deus!”. Quem não sabe da História não entende direito o filme.
Outro aspecto claro do reinado de Aquenáton foi a revolução nas artes plásticas. Antes dele, o Egito tinha toda uma tradição estética de perfeição, como os gregos antigos o tinham. Os deuses e soberanos egípcios eram retratados com corpos perfeitos, atléticos, de magreza elegante, e as feições da face eram suaves e harmônicas, num padrão de beleza que perdura pela Humanidade, visto que a busca pelo belo é universal e atemporal. Aquenáton subverteu isso tudo e instaurou um inédito realismo: os artistas tinham que retratar exatamente o que viam. A imagem do próprio faraó, por exemplo. Não se sabe exatamente o porquê, se por uma síndrome, mas o faraó amaldiçoado tinha pouca beleza, com quadris largos, muita gordura abdominal, corpo não atlético e um rosto não formoso. O próprio busto de Nefertiti preocupa-se em reproduzir fotograficamente o rosto da rainha, cujo corpo era retratado com gorduras localizadas nas coxas e glúteos, algo impensável na arte egípcia tradicional. Até Tii foi retratada sem idealizações, como uma mulher com rugas. Outro aspecto inovador foi a retratação de cenas íntimas do convívio familiar do faraó com a esposa e as filhas pequenas, algo impensável no paradigma do formalismo politeísta egípcio. O casal não teve filhos homens. Em imagens, saíam mãos do disco solar de Aton que abençoavam a família real, uma deificação como tinham os Romanov na Rússia czarista. Aton também era retratado segurando o ank, símbolo egípcio da vida, um elemento presente em toda a história do Egito Antigo.
Quando eu estava viajando por Nova York em fevereiro de 1998, comprei na livraria Barnes & Noble um livro sobre Aquenáton. No Metropolitan Museum of Art, na sua deslumbrante coleção egípcia, tive o privilégio de ver peças correspondentes ao reinado herege. Quem sabe um dia vou a Berlim ver “a bela que chegou”, tradução para o nome “Nefertiti”. Também gostaria de visitar a ala egípcia do Louvre e do Museu Britânico, sem falar do Museu do Cairo. Lembro-me, no Museu Nacional do Rio de Janeiro, no início dos anos 90, de um sarcófago egípcio. Há muitos anos atrás, em uma feira do livro em Capão da Canoa, adquiri um romance chamado “Nefertiti, a Rainha do Nilo”, mas não lembro do autor. No livro, Nefertiti se vê forçada a casar com Aquenáton mas, depois, acaba amando o marido, que a chama de “radiosa”. Tii é posta como autoritária. A decadência de Amarna também é retratada. E o harém no faraó não é mencionado, pois a monogamia é muito forte nos códigos morais ocidentais. Falando em Egito, lembro-me também de um seriado de TV chamado “Ísis”, no qual uma arqueóloga encontra um colar da deusa que, ao ser usado, dá superpoderes ao usuário.
O impacto de Aquenáton sobre o Egito foi proporcional ao do protestantismo sobre a Europa católica. Uma grande cisão aconteceu. Uma espécie de guerra tomou silenciosa forma: a ordem vigente versus a nova ordem. Foi como um abalo sísmico, como Henrique VIII da Inglaterra rompendo com o Vaticano; como Elizabeth I, a filha protestante do rei, sendo quase condenada à morte por heresia.
No superclipe “Remember the Time” (Lembre do Tempo) de Michael Jackson o busto de Nefertiti é mostrado na introdução, visto que a temática do vídeo é o Egito Antigo. A rainha é também sutilmente interpretada pela linda modelo negra Iman no clipe, no qual é retratada a paixão que os egípcios tinham por gatos, tendo os bichanos circulando por todos os cantos. O Antigo Egito é também retratado com muita irreverência no seriado mexicano de Chapolin por duas vezes. Em um episódio, há a múmia de Tut em um museu; em outro, Chapolin entra em uma pirâmide cheia de mistérios.
Hollywood ainda está por fazer um filme que faça jus a todo o reinado do faraó “insano”, com uma bela atriz para interpretar Nefertiti, como Patricia Velásquez, do blockbuster “A Múmia”, película que se preocupa em reproduzir o Egito Antigo em todo o esplendor místico deste império inesquecível, um filme que trouxe licenças poéticas cinematográficas ficcionais, é claro - é um filme de fantasia.
Permanece em questão entender porque Aquenáton fez tudo o que fez. Alguns historiadores acreditam que ele tinha um complexo de rejeição, por ter sido o segundo na linha de sucessão, estando sempre à sombra do meio irmão favorito. Esse sentimento teria estimulado Aquenáton a romper com o establishment tradicional, vingar-se e, com essa mágoa, ter decidido fazer uma cisão com o Egito inteiro.

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Gotham Kitty



            “Batman, o Retorno”, de 1992, foi feito por um Tim Burton que conquistara a confiança da Warner pelo filme anterior, "Batman", de 1989, que contava a história do início da influência de Batman sobre o submundo do crime de Gotham City. O filme, que marcou o fim dos anos 80, foi inovador em relação ao seriado de TV "Batman" dos anos 60 e trouxe o intenso prazer lúgubre do respeitado Burton, numa Gotham desordenada, cheia de prostitutas e criminosos de máfias organizadas, em um certo clima estilístico anos 40. O sucesso foi tanto que Burton obteve carta branca para fazer a sequência. Nesta, a cidade do cavaleiro das trevas está ainda mais sombria, tomada pelos flocos de neve, pouco antes do Natal na história.
Começa com a rejeição que o Pinguim, então pequeno infante, sofre por parte dos próprios pais milionários, que não aceitaram ter um filho animalesco e deformado. A criança é então abandonada pelos genitores em um cesto em um gelado córrego que leva aos esgotos da impessoal cidade gótica. Uma vibrante trilha entoa, pelo sempre competente compositor Danny Elfman, grande parceiro em muitos filmes de Tim e também autor do tema de “Os Simpsons”. O público pode sentir que aquele rechaço todo construiria no Pinguim uma revolta e uma raiva irredutíveis, num desejo de vingança do qual toda a sociedade de Gotham seria vítima décadas depois, mais precisamente 33 anos, no auspício da idade de Cristo quando morreu. O futuro vilão é então acolhido por pinguins no subterrâneo do zoo da cidade, um pouco nonsense, é claro, mas temos que dar a Burton uma licença poética durante o desenrolar da trama, em cujo início rondam pelo jornal de Gotham os rumores de que havia um homem pinguim morando nos esgotos da cidade.
            Os sets são ambiciosos, como uma reconstituição real de Gotham em estúdio, com ambientes como uma grande árvore de Natal em uma ampla praça, um capricho de um Burton sempre muito apegado à plasticidade de seus filmes, como nos ambientes loucos de “Os Fantasmas se Divertem”, sendo que o minucioso Tim é também expert em maquetes e stopmotion. No primeiro fim de semana de lançamento, “Batman, o Retorno” bateu recordes de bilheteria nos EUA, sendo simultaneamente lançado no Brasil. Era uma fria noite de inverno em Caxias do Sul, como no frio natalino do filme. Eu era um adolescente de 14 anos de idade e estava em um (hoje extinto) cinema de rua da cidade. Aquelas horas de projeção passaram como em um décimo de segundo. Voltei ao cinema para ver o filme por mais duas vezes. Pouco tempo depois, em Orlando, EUA, adquiri um pôster, um livro e um audiobook sobre o filme. Burton me seduziu por personagens cheias de motivações próprias, com suas paixões e dores, chocando-se umas contra as outras.
            Michael Keaton, Batman pela segunda vez, está ok, mas não melhor do que Christian Bale, se bem que este imita a voz rouca e discreta do Homem Morcego que Keaton trouxe. No primeiro filme, Michael ilustra bem os conflitos e sentimentos de um menino que vê os próprios pais serem assassinados pelo futuro Coringa na trama; no segundo filme, esse desejo de vingança está saciado e Bruce Wayne está agindo em prol do povo de Gotham, encontrando no caminho uma paixão avassaladora por uma personagem feminina da qual falarei nos próximos parágrafos. Vale lembrar que em “Batman, o Retorno” Wayne está amorosamente frustrado, tendo desatado com a fotojornalista Vicky Vale, feita por uma Kim Basinger belíssima no filme de 89.
            O grotesco Pinguim, quando criança, trabalhara como uma aberração exótica em um circo, fugindo deste e, anos mais tarde, formando a Gangue do Circo, que age no filme trazendo terror a Gotham. Danny deVito, desculpe-me, está muito caricato e mal dirigido, fazendo um Pinguim que busca se igualar ao excelente vilão vivido por Jack Nicholson na primeira película. E isso não é exclusividade dos filmes de Burton – os filmes de Batman posteriores, sob outras direções, também têm vilões que não dão certo na tela, como Hera Venenosa, Charada, Duas Caras e a insípida Mulher Gato de Anne Hathaway, atriz a qual funciona muito melhor em outros filmes, como “O Diabo Veste Prada”. DeVito brilha mais, por exemplo, em sua participação no seriado “Friends” como um stripper quase aposentado.
            Agora, finalmente, chegou a hora de falar de Michelle Pfeiffer, cujo nome soa como uma sexy chibatada e unhas afiadas. Ela está tão bem que não é exagero dizer que o filme a ela pertence. A tímida secretária pata choca Selina Kyle é uma mulher iludida, com um emprego que pouca realização a ela traz – é secretária do hipócrita Max Shrek, brilhantemente vivido por Christopher Walken, que faz o dono de um império comercial em Gotham e que tem como obsessão ser o dono da cidade, para isso estabelecendo uma aliança maligna com o Pinguim, que na trama emerge como um candidato a prefeito da cidade, em uma tacada de marketing arquitetada por Shrek, mas nunca tirando as suspeitas que Wayne tinha sobre a índole do Pinguim, o qual só estabeleceu um acordo com Shrek por chantagear este, tal a sordidez dos segredos da personagem de Walken. Inclusive, no início da película, Selina descobre um podre de Max, que planeja construir uma usina que não daria energia, mas a sugaria dos cidadãos. Max empurra Selina de uma alta janela, e a secretária é despertada por gatos de rua. Pronto, a catarse estava programada, e Michelle entendeu isso, como um vômito violento, incontrolável. Selina decide se revoltar contra o que a reprimia, e, com uma energia incrível, retalha um casaco de vinil preto, costurando o traje pós moderno de uma Mulher Gato bela e agressiva, como cortes suturados causados por vários ferimentos, como nas cicatrizes de Johnny Depp em “Edward Mãos de Tesoura”, também de Burton, atento a garras cortantes. Só tem um porém: onde Kyle arranjou o chicote?
O papel fora cobiçado por Sharon Stone, Sean Young e uma certa popstar. Outra Catwoman célebre é Julie Newmar, na televisão, com um corpo de deusa. Eartha Kitt gravou o jazz minimalista “My Discarded Men” (Meus homens descartados), no qual encarna sutilmente a personagem felina que também viveu na telinha, numa letra em que a diva debocha dos homens que se julgam sedutores de mulheres iludíveis. E, como todos sabem, a Mulher Gato de Hale Berry no filme homônimo foi um completo desastre, contracenando com Sharon - olha ela aí de novo - em um roteiro pobre e numa falta de proposta de enredo, de sinergia, em um figurino sofrível, constrangedor. Sem falar na Framboesa de Ouro que a oscarizada Hale arrebatou pelo filme – a estrela teve a bravura de ir à cerimônia de entrega do prêmio zombaria, levando consigo a estatueta da Academia, mostrando que os gatos caminham por altos e baixos, tanto por chãos quanto por telhados. É difícil superar Pfeiffer, ainda mais com a sutileza de Elfman com arranhões de violino que imitam miados de gato.
            É claro que Michelle está icônica de vinil, botas de cano alto, chicote e batom vermelho. Mas se tivéssemos que selecionar uma cena na qual Selina engole tudo e todos como uma supernova implacável, seria quando Max Shrek está reunido em seu escritório com Bruce Wayne, e aquele achando que Selina já estava morta e enterrada. Então Selina ressurge das trevas e entra no escritório, dúbia, lúdica e felina, nunca dando a entender se lembrava ou não que tinha sido vítima de uma tentativa de assassinato por causa de detalhes das falcatruas de Shrek. Naquele momento, enquanto o sangue de Max gela, Bruce Wayne fica embevecido, hipnotizado, encantado. Só que, depois, Bruce e Selina encontrar-se-iam como Batman e Mulher Gato, numa relação de amor e ódio. Só lá pelo final do filme é que eles se dão conta dos disfarces um do outro. E as identidades secretas caem em um baile de máscaras, na pertinência de um Burton atento a metáforas como, na entrada do baile, Selina Kyle, em um deslumbrante vestido negro, sendo antecedida por uma pessoa com uma máscara de caveira, pincelando a femme fatale de Pfeiffer, com as frases que o casal troca no filme: “Visco pode ser venenoso se comido. Um beijo pode ser tão venenoso, se é isso que você quer dizer”, pela tradição americana de troca de beijos sob um ramo de visco no Natal.
            A Mulher Gato até topa fazer um acordo com o Pinguim para desmoralizar e derrotar Batman, mas por trás do vinil existe uma Selina que, no fundo, não quer fazer mal à sociedade como um todo. Selina é motivada por sentimento de justiça, e não pelo ódio psicopatológico da personagem de Danny deVito. Durante o filme, Selina sofre várias tentativas de assassinato, até pelo aliado Pinguim, e sempre reemerge como a fênix, como um gato com várias vidas. Ao final, ela renasce, caçoando do batsinal nos céus negros de Gotham. E Bruce Wayne adota um gato preto de rua, perguntando-se se algum dia veria a desaparecida Selina novamente, a qual tem sentimentos dúbios, humanos. Ela não é uma heroína, mas só faz coisas más para quem, no julgamento dela, merece, como explodir a loja de Shrek ou bater em um estuprador.
A Mulher Gato é muito feminista, e quer ver as mulheres serem donas de si mesmas e nunca colocarem a faca e o queijo nas mãos dos homens. A personagem felina é independente, tem iniciativa e, como diz Selina ao final para Wayne, não conseguiria suportar a si mesma sendo apenas uma Barbie rosa pink no castelo cinderelesco do milionário, como uma princesa Grace de Mônaco, que abandonou uma carreira brilhante para se casar com um homem. É impensável para a Mulher Gato estar à sombra de alguém, como uma mulherzinha indefesa, uma Hello Kitty. O conto de fadas se dissipa e Selina perde a “virgindade”, não mais crendo em “felizes para sempre”. Esse contraste entre fantasia e realidade é traduzido pelas personagens e seus alteregos (des)mascarados. O Pinguim vê sua própria “máscara” cair quando, no momento em que o povo de Gotham acreditava que ele era bom e nobre, esse mesmo povo dá-se conta de sua vilania, rejeita-o e despreza-o, assim como os então falecidos pais do vilão o fizeram. Pinguim morre frustrado na sua sofrida tentativa de destruir o mundo. Destrói a si mesmo, abandonado pelos próprios comparsas da Gangue do Circo. E Max, ao tentar matar Selina pela segunda vez, é assassinado pela gata.
            Mulher Gato é sutilmente citada no filme de Batman posterior, dirigido por Joel Schumacker, quando a personagem de Nicole Kidman fala em chicote. Em um momento da película “Hairspray”, a personagem de Michelle está com um gato no colo. Em “Batman, o Retorno”, no início do qual o Pinguim criança mata um gato, a banda Siouxie and the Banshees canta a canção tema “Face to Face”, ou seja, face a face, no momento do baile de máscaras, em um fonograma no qual a vocalista imita o ronronar e miados de gato. O sensível Burton é um grande fã da banda, que tem tudo a ver com a pureza do clima dark da imaginação do diretor, como um gato que enxerga no escuro. “Quem é você? Quem sou eu?”, indaga a letra, quando Bruce e Selina olham para dentro um do outro.
            O título do filme é intertextual: significa o retorno do herói a Gotham e às telas, como um homem que é Bruce e Batman, metades de um todo.
            Michelle até se cortou e sangrou no queixo em uma aula de treino do chicote, e disse que se sentia incomodada com o justo espartilho, sem conseguir respirar direito.
            Na ilustração desta postagem, a Mulher Gato na vitrine da loja de Shrek, cuja logomarca é logo um gato parecido com Félix, quando a felina arranha o vidro com suas afiadas garras, num ruído de arrepiar os ossos, pronta para aprontar travessuras, como uma criança fantasiada no Halloween. Apesar de destruir o estabelecimento, a gata poupa os guardas vigilantes, em um filme que não é exatamente para crianças, pois lembro-me muito bem de um pai e filho, de cerca de 7 anos de idade, indo embora do cinema no meio do filme, com o menino pouco satisfeito com este.
            Por fim, o termo “kitty” no título desta postagem pode ser interpretado por algumas pessoas como “kitsch”, ou seja, cafona. Na verdade é um trocadilho que quer dizer “A Gatinha de Gotham City”, como Bastet, a deusa egípcia com cabeça de gato.