quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Uma Loteria de Arte



Falo novamente sobre o artista gráfico Luiz Sacilotto. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!


Acima, C7959, óleo sobre tela, 100 x 100 cm, 1979. Acervo MAM de São Paulo. Sacilotto nos deixa perplexos com tanto efeito ótico, e ficamos tontos. Temos um pouco de MC Escher, num jogo entre claro e escuro; entre positivo e negativo. É o grande tabuleiro da Vida, e a pessoa tem que ter espírito de xadrezista, encarando tudo com muita paciência e cautela, num enorme desafio que é o autoencontro. É um jogo cerebral, racional, em que os oponentes vão se movendo de forma fria, pensada, mortificando as emoções e privilegiando a beleza do pensamento racional, rechaçando malícias e impondo ordem e bem estar, na beleza de uma melodia matemática, na face racional da Vida, Yang. É como um malicioso vírus sendo detectado em um computador, numa mente tensa e atenta a quaisquer movimentos insinuantes, na lógica de uma equação, de uma assimetria: um grande é igual a três pequenos, ou seja, x é igual a 3y, remetendo-me à época do Colégio, tempos em que eu desprezava os números. Temos aqui um ciclo intermitente, sempre criando, pois Tao é um incansável criador, sempre produzindo, sempre deslumbrando com sua inteligência suprema, impecável e eterna em significado, rendendo infinitas interpretações. Aqui temos um piso lúdico, num jogo entre presença e ausência, no registro binário do pensamento, num raciocínio simples, mas com o Ser Humano sendo eternamente arrastado por vírus maliciosos – Tao não pode se envergonhar de algo que o próprio Tao fez. Temos aqui um ralo de pia, como um centro galáctico, numa demanda misteriosa, dragando energia, no mistério do propósito do Universo – como este funciona? É como uma peneira, parte retendo, parte liberando, nunca sendo óbvia, nunca sendo só negra, nunca sendo só branca, no charme das fotografias em preto e branco. Temos aqui um efeito convexo, com o xadrez externalizando, saliente, agressivo, como se quisesse se libertar, a ponto de explodir, em um ponto de ebulição, como numa catarse que vai se formando dentro da pessoa, sempre crescendo, sempre inchando, até chegar ao ponto que a catarse extrapola e explode como uma supernova, trazendo rios de vômito psíquico, numa sensação de descarrego e alívio. Esta bolha está prestes a explodir, como uma crise econômica, afetando tudo e todos, espalhando fragmentos de cocô por todos os lados, como numa comédia pastelão, numa guerra de tortas em um baile, baile no qual absolutamente todos são atingidos, no poder da Arte em fazer “o chão tremer”. É como um papel dobrado em quatro partes diagonais, como os pontos cardeais, alastrando-se por todos os cantos do Universo, em comoção. Bem ao centro, temos uma forma semelhante à Cruz de Malta, o símbolo dos guerreiros cristãos, como Jesus Cristo se tornou uma força gravitacional que ecoará para sempre na História da Humanidade, na sabedoria avassaladora de um homem simples, que nunca se tornou mundanamente poderoso em vida, mas se tornando um arrastador de multidões, tornando-se alguém que começou a “pisar nos calos” dos poderosos, num Jesus que tecia críticas contundentes ao cinismo humano. É o centro de tudo, numa Dimensão Metafísica que se revela como sendo tudo, desprezando por completo a Matéria, vendo nesta uma ilusão. É como a vista aérea de um liquidificador trabalhando, integrando os ingredientes numa sopa primordial, na simplicidade organizacional de se colocar todo o Universo no mesmo saco, ou seja, todos os membros de uma mesma e única família, na grande família estelar de Tao, o Produtor. Aqui, as formas quadriculares ficam pervertidas, fornecendo um efeito arredondado, mas num quadro que não traz qualquer linha tortuosa, ou seja, é o retilíneo manifestando tortuosidade, numa grande e irônica contradição, como a Luz gerando a Sombra, e viceversa. Esta obra é um dos exemplos de “nó” que LS dá em nossos olhos, lançando mão de efeitos visuais. Temos aqui um X que se alastra pelos quatro cantos da obra, abrangendo tudo e todos, nunca deixando de fora qualquer membro desta família. Nunca. Tao é integração.


Acima, C8074, têmpera sobre tela, 80 x 80 cm, 1980. Uma reação em cadeia ocorre aqui, e cada agente do espaço é afetado, como uma crise econômica, ou como na Greve dos Caminhoneiros, quando um pequeno aspecto acaba por afetar todo o corpo social. É uma explosão de bananas, numa Carmen Miranda emplacando como grande estrela mundial. É uma visão abrangente, como grandes homens visionários de negócios, sempre observando oportunidades de grande abrangência, na grandiosidade de mentes que superam pontos de vista medíocres, gravitando acima de visões simplórias, óbvias e entediantes, num LS sempre pensando na “diagonal”, fugindo do entediante “x é igual a x”, ou seja, da falta de estilo e de senso de estilo de uma pessoa que só se veste de uma cor, numa harmonização cromática óbvia e desinteressante. O fundo dourado é a mente áurea, na beleza de uma aurora que pinta o céu de ouro, como na turnê El Dorado, da cantora Shakira, pois, no cartaz de divulgação, a diva colombiana está coberta de uma tinta dourada, na conotação de que a artista é preciosa, ou seja, vale cada centavo do preço do ingresso, no instinto poderoso de artistas que conseguem se vender muito bem, e isso é uma característica do espírito, pois não há livro ou faculdade que ensine a pessoa a vencer na Vida, no modo como muitas pessoas instintivas “deixam no chinelo” pessoas graduadas em prestigiadas instituições de Ensino – é uma “vingança”. Aqui temos uma força magnética, polarizadora, num artista no palco que “incendeia” a plateia em um show intenso, catártico, libertador, no poder libertador de colocar algo para fora de si. São como pelos eriçados, arrepiados por algo, numa energização, na energia que se sente na espinha ao se lidar com “bruxos”, pessoas que possuem um encanto pessoal avassalador, contagiante e vibrante. São como espermatozoides em trânsito, procurando incessantemente por algo, numa indistinção, pois cada espermatozoide é comum e tem um número próprio de identificação, como numa lista de chamada, numa equalização que traz humildade ao indivíduo e, ao mesmo tempo, traz libertação, pois a pessoa decide por si mesma o que fazer da Vida, na igualdade da urna eletrônica. São metades de um círculo, como no Congresso em Brasília, duas metades da laranja que precisam se encontrar para trazer complementação, fechando um ciclo e observando o plano geral, no modo como a passagem do Tempo faz com que a pessoa olhe para si mesma com clareza e precisão. Aqui, temos uma bagunça organizada, pois, apesar dos elementos não estarem dispostos de forma correta, como num desfile de batalhão militar, os elementos se movem num balé coletivo, como num grande grupo de bois sendo guiados pelo vaqueiro, guiando o grupo, impondo ordem ao caos da Dimensão Material. É como um grande cardume de peixes, no esforço grupal de sobrevivência para escapar de predadores, confundindo este como o balé confuso, no modo como a grande obra de Arte se forma ao “dar um nó” na cabeça do espectador, no poder da Arte em quebrar barreiras e evitar expectativas óbvias, pois não seria deprimente um artista que só faz aquilo que é esperado desse mesmo artista? É como um recente comercial de perfume, no qual um rapaz derruba paredes e diz: “Não serei mais quem vocês esperam que eu seja”. Esses peixinhos tentam se libertar, rompendo uma película castradora que limita mentes, como na Arte ideológica de sistemas totalitários, ou seja, uma falsa Arte esta, pois não é livre, e, sem Liberdade, não há Arte redentora, pois a Redenção é o objetivo da obra, como anjos livres, batendo suas asas frente a possibilidades, sempre confortáveis em seus direitos, suas possibilidades. É como a superfície de um porco espinho, num aviso claro: mantenha distância e respeite, do contrário, você poderá se machucar, na construção de um instinto de preservação, na necessidade darwiniana de adaptação ao Mundo ao redor, no modo como o animal esperto passa sua própria genética para frente, na seleção que elege a genialidade de um artista, no fato de que, num museu, é absolutamente proibido tocar em uma obra de Arte – temos que observar a uma certa distância.


Acima, C8333, têmpera Rhodopas sobre tela, 45 x 90 cm, 1983. Um salão muito suntuoso, num namoro com o Art Déco. Há elegância em linhas retas, na elegância aristocrática das roupas listradas, na conotação de “sangue azul”, sendo este um termo mundano que faz metáfora com a realidade superior metafísica, sendo esta o plano em que a Simplicidade reina absoluta, no que o Espiritismo chama de “queda da mentira”, ou seja, um lugar onde todos saímos exatamente do mesmo útero divino, na metáfora de Nossa Senhora, uma crença católica que busca fazer com que o Ser Humano entende a Imaculada Conceição, no fato de que somos todos puros a ponto de termos sido concebidos em um plano intocado, virgem, longe, muito longe da Dimensão Material. Temos aqui um equilíbrio e uma serenidade. Um grande “v” corta a tela, como um profundo decote provocador, no jogo de sensualidade entre “mostrar e esconder”, sempre atiçando a percepção, num Ser Humano hipnotizado pela sensualidade una do Universo, um organismo só, cheio de braços, como um deus hindu, numa sopa primordial que integra diferentes ingredientes. As linhas delgadas em verde e azul fazem um jogo de alternância e acabam se beijando, entremeando-se, como uma hera tomando lentamente conta de um muro, acabando por se revelar fortíssima, sempre trabalhando quietamente, sempre crescendo com pequenos passos de bebê, revelando-se soberana, sempre subestimada, sempre invisível, nunca sendo percebida e, por isso mesmo, vencendo ao final, na capital necessidade de discrição, pois ser discreto é ser invisível como Tao, a elegância eterna, a força transparente que permeia tudo e todos, uma força interessante, que rechaça o óbvio, no desafio de se resolver uma equação matemática. É como um vale, sendo cortado por um rio, numa força titânica natural, como raios de trovão, como no poderoso laço mágico da Mulher Maravilha, instrumento que faz com que a pessoa enlaçada só fale a Verdade, nunca mentindo, no que o Espiritismo chama de “Espírito da Verdade”, como nos Dez Mandamentos, parâmetros morais que visam guiar a evolução do Ser Humano na Terra, e a Humanidade tem diante de si um grande caminho moral a percorrer, como na construção ética científica: Até onde o Ser Humano pode ser atento cientificamente estando, ao mesmo tempo, atento ao moral, ao correto? Esta tela tem um dourado profundo, severo, na universalidade do Ouro, elemento nobre encontrado na América pelos navegadores espanhóis, na eterna obsessão humana por poder, na insatisfação infeliz de um rei que não está contente com o próprio reino, querendo sempre mais, muito mais. A Ambição é inimiga da Paz. É como a majestosa e icônica máscara mortuária de ouro de Tutancâmon, na busca humana em projetar, em metais preciosos e pedras preciosas, a nobreza de Tao, que é a plenitude psíquica. O Ouro faz metáfora com a Nobreza; não é a Nobreza em si. Então, temos um Ser Humano eternamente confuso, nunca conseguindo observar além de projeções, confundindo nobreza psíquica com nobreza física, nunca vendo que o Pensamento é melhor do que a Matéria. Temos aqui rios retilíneos, que rechaçam para sempre a tortuosidade patética das emoções, ou rechaçando uma pessoa bêbada. São rios de uma cidade altamente planejada, como nas cidades metafísicas, donas de Arquitetura nobre e deslumbrante, no problema de que o Ser Humano ama os palácios mas ignora os campos, a beleza do ar livre, com florestas que vestem roupas majestosas. É como uma pirâmide de cabeça para baixo, subvertendo a ordem vigente, no poder um artista em “virar o Mundo de cabeça para baixo”, dizendo que os últimos serão os primeiros, ou seja, aquele que for mais apegado à Matéria terá dificuldades para compreender o Imaterial, o vazio sedutor de Tao. É como um grande morcego dourado abrindo as asas, na beleza superior da perfeição de florestas psíquicas, no modo como a Era Elizabethana acabou por exaltar a beleza dos campos ingleses. É aqui um objeto fabricado, na tentativa de compreendermos o que é a Matriz que nos rege.


Acima, C9216, têmpera acrílica sobre tela, 120 x 150 cm, 1992. LS traz aqui uma ludicidade, e não sabemos se estamos diante de uma profundidade ou de uma saliência, no modo como tudo traz em si a própria contradição, na ironia de Tao, o grande piadista. É algo como MC Escher, que brinca com o espectador. São faces de uma pedra esculpida, como um diamante, no modo como o humilde, o pés no chão, brilha em sua simplicidade, pois a elegância só pode existir na limpeza. É um tabuleiro de xadrez modificado, em três dimensões, numa obra de apenas duas dimensões! O azul é como se houvesse janelas, buracos pelos quais a obra respira em um dia de Sol ardente, em “nuvens de algodão”, numa meteorologia agradável, num respiro, como num anúncio publicitário limpo em um jornal, em meio à saturação gráfica jornalística – nesta, onde não há texto, há foto. Portanto, o que é menos, é mais. Este frio azul faz contraste com o vermelho ardente, no vermelho sanguíneo, na cor da carne, dos bordéis, onde tudo cheira a sexo, levando a uma saturação, pois o cliente, depois do sexo, não mais quer permanecer no bordel – é uma transação econômica, uma troca. Então quente e frio se unem, proporcionando uma temperatura agradável, num lugar onde não se sente frio nem calor, naqueles dias em que nem suamos, nem temos calafrios, na temperatura ideal, característica metafísica. É como o alto de um prédio sendo observado na diagonal, com sacadas proeminentes ou vazadas – côncavas ou convexas. Ao espectador cabe escolher qual modo de vista adotar, sendo tudo possível, como numa intertextualidade, quando há um jogo de termos, como, por exemplo, “Encha o nosso SAC”. É o jogo entre metafórico e literal. Neste prédio, não sabemos se as janelas são azuis ou vermelhas, e não sabemos se as janelas azuis estão, na verdade, refletindo um dia de Céu de Brigadeiro. É um prédio extremamente limpo, sem qualquer sinal de sujeira, num lugar onde há beleza por todos os lados. É uma arquitetura clean, sem excessos, sem desnecessidades, na vitória da Simplicidade, num design futurista, como pirâmides, estruturas de linhas muito simples, indo direto ao assunto, ao nervo da questão, numa energia objetiva, direto ao ponto, na racionalidade das mentes sábias, simples em suas linhas sem frescuras. Temos aqui uma perspectiva renascentista, num movimento que deu novo fôlego a uma Europa ainda medieval, “engessada”, fazendo do Renascimento a nova onda de frescor e novidade, junto com as Navegações, um momento de progresso na Humanidade, a qual está o tempo todo crescendo, buscando a cura de doenças. Este prédio é frio e impessoal, e representa o Racional, com escritórios de decoração limpa, em um ambiente de labor em que a pessoa coloca em uso o lado “reto” de si mesma, na energia fálica de uma agulha, indo direto ao ponto, como um bom psicoterapeuta, que faz rapidamente um diagnóstico, identificando de forma terrivelmente clara o problema do paciente, ajudando este a desbravar caminhos e a contornar as vicissitudes. É um olhar frio, isento, no modo como o psicoterapeuta não pode ser um amigo próximo do paciente, pois, do contrário, o diagnóstico, embebido em emoções, não seria preciso. Então, neste prédio, não há lugar para emoções, mas para a produção de pensamento retilíneo, como na caneta fálica de um arquiteto, desenhando prédios de majestade gráfica, buscando sempre a depuração, no modo como o crescimento moral do espírito é o sentido da Vida. Neste quadro, temos também um jogo de iluminação, e umas faces estão mais iluminadas do que as outras, trazendo, assim, a Terceira Dimensão. É um quadro que traz luminosidade, na clareza de pensamento, na vitória régia da Luz sobre a Escuridão, ou seja, a serpente da malícia sendo esmagada pelos alvos pés de Nossa Senhora. O Conhecimento vem para erradicar a Ignorância, esmagando preconceitos tolos, preconceitos escuros, pesados e fechados, estando estes cheios de teias de aranha.


Acima, C9325, têmpera acrílica sobre tela, 110 x 110 cm, 1993. Aqui, temos novamente um LS ilusionista. Linhas oblíquas tensas, num balé duro, truncando. São como raios de trovão, no termo “chocante”, dos anos 80, num dedo sendo colocado na tomada, levando um choque de realidade, numa verdade sendo revelada terrivelmente, no modo como um poder ditatorial pode se tornar terrível, escravizando o cidadão. Aqui, as linhas retas lutam para trazer alguma fluidez ao quadro, e temos aqui um efeito de movimento, e parece que o quadro se mexe, num organismo vivo, sempre respirando, sempre lutando pela vida, como árvores em uma floresta, lutando por um lugar ao Sol, na inevitável competitividade da Vida em Sociedade, numa competição que inicia cedo, já no início do Ensino Fundamental, numa classe em que os alunos competem para ver quem tira as notas mais altas, como num agressivo concurso de beleza, um evento que, apesar de parecer feminino e glamoroso, tem toda uma face masculina competitiva, como espermatozoides competindo pelo óvulo, pela taça do campeonato, o receptáculo feminino, a goleira no campo de futebol, a Grande Dama passiva. Temos um LS no jogo entre luz e sombra, numa luz ideal, a qual, apesar de tão clara, não fere os olhos, como olhar para um Sol metafísico, o qual, apesar de brilhar intensa e majestosamente, não fere os olhos de quem o olha diretamente. Este quadro foi concebido no início dos anos 90, década que testemunhou a escalada da Internet, dos e-mails. Esta obra parece ter sido feita em um computador, tal a técnica de Sacilotto. As listras retas estão “violadas” pelo movimento no quadro, e não temos aqui uma mera bidimensionalidade, mas profundidade abismal. É como uma lombriga quadriculada, movendo-se em um intestino, revelando-se intrusa, no modo como a Arte é essa intrusa, essa lombriga, mas nunca sugando e, sim, nutrindo. A Arte é uma lombriga do Bem. São como as listras de um pijama, numa cena onírica, em que os enigmáticos códigos dos sonhos tomam conta do cérebro de quem dorme. É um corredor digno dos filmes fantásticos de Tim Burton, um diretor que explora o esquisito, o estranho, o bizarro. Aqui, as linhas revelam pontinhos, ou seja, pessoas interconectadas, na Grande Internet Cósmica, na sensualidade una de um Cosmos unido, unificado, pois como é sexy o fato de estarmos todos interligados! As linhas tensas unificadoras vão revelando um Mundo conectado, no fato de que a Humanidade não mais pode aceitar a Vida sem a Internet – forma-se um poderosíssimo paradigma, indestrutível. As enciclopédias, por exemplo: sou do tempo da Enciclopédia Barsa, com quase vinte volumosos livros. Hoje, é tudo num clique. Como no termo World Clique da finada banda disco Deee-Lite: uma panelinha mundial, num CD lançado entre os anos 80 e 90, já anunciando a onda avassaladora internética. Apesar da tensão, essas linhas insinuam uma liquidiscência, no amor espiritual, desprovido de matéria, desprovido de corpo, de sexo, de raça, de cor. É uma retilinidade aquosa, na deliciosa sensação de Liberdade e Paz da EEC – a Experiência Extracoporal espírita, quando a pessoa, ao adormecer, continua consciente, com o espírito se descolando do corpo carnal, como se mergulhar numa piscina térmica, o Grande Útero Divino. Esta cena parece um doce, um pirulito, no doce pecado da Gula – o que há de errado em se sentir prazer? Aqui, sequer vemos um fiapinho de sujeira, como se alguém, munido de um pano, tivesse limpado a cena, como os polidos japoneses, na cena que vi em que uma moça japonesa, numa esteira de bagagem de aeroporto, limpava cada mala que entrava na esteira. Ou como, em torneios mundiais envolvendo o Japão, os japoneses, ao deixar o estádio de competição, limpam absolutamente tudo ao seu redor, sequer deixando vestígios. E não é a Bandeira Nacional Japonesa de uma limpeza incrível? Mas, como diz Tao, a maioria das pessoas se deixa seduzir pela sujeira.

Referência bibliográfica:
Obra. Disponível em <www.sacilotto.com.br>. Acesso 17 out. 2018.

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Saci com Duas Pernas



Antes de se encontrar como artista plástico, Luiz Sacilotto trabalhou como publicitário e desenhista de Arquitetura. Muitas de suas obras convidam ao um olhar além da visualização frontal, convidando-nos a observar de vários ângulos. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!


Acima, Composição. Óleo sobre brasilit. 24 x 41 cm. 1948. Uma diversificação cromática muito divertida. O círculo vermelho é o Sol nascente do Japão, no deus egípcio do disco solar, como um gongo, esperando para ser tocado, anunciando algo – a chegada de uma visita ou a disposição do almoço na mesa. O som é uma agressão auditiva, marcando a divisão entre dois momentos, no modo como Jesus dividiu em duas a História da Humanidade. É uma gota de sangue, como num exame de sangue, no modo científico ocidental de se fazer verificação empírica, como cozinhar um macarrão, provando um fiozinho para ver se todos os outros fios estão prontos. É o canal natal, pelo qual o indivíduo vem ao Mundo, no túnel de luz que nos espera no desencarne, transportando-nos à dimensão acima, um lugar onde só há gente boa, gente honesta, jogando os maliciosos no impiedoso Umbral. Este quadro é um organismo, no qual cada órgão tem sua função, seu papel, como na Vida em Sociedade, na qual o indivíduo tem que ter alguma função, tem que produzir algo, senão é rejeitado como fezes, na grande latrina das almas desocupadas – é a Justiça Divina, uma coisa séria. Temos algo de quadriculado aqui, como um Mondrian, só que com maior diversificação cromática. São como coloridos confetes carnavalescos, jogados ao alto como um espumante sendo aberto, num momento de euforia, de extravasamento de demônios, no modo como, em toda vida, há de existir uma pitada de diversão; por outro lado, não é patético aquele que só se diverte? Temos alguns elementos negros no quadro, numa noite fechada, na sedução da Vida Noturna, com boates que buscam seduzir o frequentador, com pessoas que caem na sedução das Drogas, numa pessoa agrilhoando a si mesma, pois nunca ouvimos dizer que o Inferno é você mesmo? Os elementos em amarelo são uma majestosa aurora, num nascer que renova a Vida sobre a Terra, num despertador tocando, trazendo o indivíduo para uma nova jornada, um novo momento. É a magia de despertar em um mundo plácido, cheio de beleza, com as cores douradas de uma renovação, de uma nova perspectiva, no modo houve uma aurora na vida de Sacilotto, quando este despertou para a Arte, abraçando a si mesmo e abrindo o próprio coração para o Mundo, como me disse uma psicóloga: Aonde quer que vá, vá com todo o seu coração, pois quem ama o Mundo, por este é amado. É uma meritocracia comportamental, ao contrário de nossos irmãos umbralinos, que sofrem. Quebrando um pouco a quadriculação, o quadro traz linhas orgânicas, como na sinuosidade de um violão, no formato do corpo da mulher, no modo como as modelos magérrimas fazem poses para parecer que têm mais curvas do que realmente têm, e isto é irônico: A Indústria da Moda exige modelos magérrimas e, ao mesmo tempo, exigem que elas pareçam mais voluptuosas (!). Na porção superior do quadro, uma forma que parece ser a cabeça de um cachorro, animal que representa a fidelidade incondicional, ou seja, o melhor amigo do Homem, como os cães farejadores em busca de drogas em aeroportos, auxiliando na incessante guerra contra a drogadição, pois as drogas são sinais auspiciosos, ilusões, reduzindo pessoas a seres patéticos. As partes em azul são a alma sonhadora, com a “cabeça nas nuvens”, no modo como o sonho, acompanhado de labor, tem sua importância, pois como é pobre a vida de quem não sonha nem um pouquinho! O quadrado púrpura, que abriga a assinatura do artista, é a sofisticação, é a cor de um hematoma, nos inevitáveis socos que a Vida vai dando em cada um de nós, fazendo com que o indivíduo tenha a força para se reerguer e continuar amando a Vida. É necessário um espírito olímpico! Ao lado do elemento em púrpura, um quadrado dividido ao meio, como um Frankenstein, uma colagem, uma clipagem, unindo peças separadas e fazendo algo novo, como uma colcha de retalhos.


Acima, Composição. Óleo sobre brasilit. 40 x 58 cm. 1948. Este quadro pertence ao Museu de Arte Moderna do Rio. Um vitral de igreja, talvez num Sacilotto religioso, mesmo que de forma inconsciente. Aqui, a herança mondriânica é mais clara, com arestas e formas truncadas, duras, manifestando toda a dureza do Mundo, um lugar em que a pessoa tem que provar que é boa e competente, pois, sem provas, nada se confirma, numa exigência racionalista, objetiva. Os vitrais coloridos de igreja quebram a sisudez religiosa, numa igreja que exige que o devoto se confesse, fazendo com que o devoto se arrepender de atos naturais e inofensivos, como a Masturbação, pois, como ouvi numa palestra inesquecível de Marta Suplicy, a Adolescência é uma época em que se masturbar dez vezes por dia é perfeitamente normal, ou seja, o Ser Humano tem que aceitar sua própria natureza. Aqui, temos uma mágica cesta de Páscoa, cheia de doces multicoloridos, no sentido de que o Espiritismo crê que, na Dimensão Metafísica, há doces deliciosos para serem degustados, como numa chocolateria gramadense, mas numa dimensão mental na qual a pessoa não engorda pelo formidável pecado capital da Gula – olha a Igreja aí de novo. O que há de errado em se sentir prazer, ora bolas? Neste vitral, temos algumas formas tortuosas, no aspecto orgânico, como sangue líquido circulando por um corpo, ou como uma seiva nutritiva, sempre circulando, sempre ventilando, sempre alimentando corpos e estruturas. Temos aqui vias de uma cidade que não foi planejada, numa urbe que foi se desenvolvendo gradativamente, compondo um semilabirinto o qual apenas os moradores da cidade compreendem completamente, desafiando o visitante, como entender perfeitamente a malha de metrô novaiorquina – eu até tentei andar de metrô em NY, mas, quando cheguei à estação subterrânea, achei tudo de um aspecto medonho, tão medonho que desisti de me aventurar pelo subway. Como na obra de Romero Britto, a cor preta tem um papel decisivo, pois o negror coadjuvante tem a função demarcadora, estabelecendo limites entre os subcobjuntos multicoloridos, estabelecendo ordem e respeito à propriedade alheia, pois há uma doutrina, desculpem-se, que prega o desrespeito a outrem, à propriedade de outrem e à liberdade religiosa. No quadro, as partes em azul são como se estivessem vazadas, proporcionando que o espectador flerte com um belo dia de céu azul, numa cena de limpeza e certeza, num ar puro circulando como fina melodia na Dimensão Metafísica, o Reino dos Céus que nos espera após o inevitável Desencarne. É uma nova perspectiva, e a Arte tem esta função, a de assinalar novos tempos, renovação, arejamento, como o Impressionismo “estuprou” a Pintura Tradicional Acadêmica. Arte é isso – jovialidade, como num da Vinci, que permaneceu jovial e bem-humorado até morrer. Aqui, a diversidade proporciona convívio pacífico, com as individualidades sendo respeitadas, dando nota zero aos que se acham proprietários de outrem, pois Liberdade e Prazer andam juntos – nada de errado em encontrar contentamento e alegria. Este é um vitral que foi estilhaçado pela Reforma Protestante, numa época em que o Respeito à Diversidade era absolutamente ignorado, precisando haver uma revolução para se trazer os valores contemporâneos de Igualdade. Esta explosão cromática traz uma cornucópia nobre e farta, nutrindo fartamente os súditos de um reino, num regente amoroso, que se coloca a serviço do Povo, nunca se opondo a este, como diz Tao: Nunca atrapalhe a escolha de um súdito em ser um pacato cidadão, um súdito que fica quietinho no seu canto, vivendo a Vida com simplicidade, pois quando há contentamento, nada significam talheres de ouro maciço – a Vida é boa quando é simples. Temos aqui um quebracabeça, sendo que cada um o monta do modo como desejar, pois pobre do artista que tem que produzir atrelado a uma ideologia opressora. Nesse sentido, o artista, sem Liberdade, não é artista.


Acima, Composição. Óleo sobre tela. 53 x 66,5 cm. 1949. Fios sustentando pontes, na demanda de uma urbe gigantesca, na demanda de uma pessoa que simplesmente precisa fazer Arte, numa demanda espiritual, no engarrafamento de uma cidade enorme, como um intestino constipado, amarrado, numa crise de fluxo, no prazer da catarse em se fazer cocô, numa sensação libertadora de desamarra. Grades de uma prisão, projetando uma sombra dentro de uma cela, no desespero de um detento em se libertar – não somos todos detentos? É a sombra que um artista deseja projetar no Mundo, fazendo “o chão tremer”, na capacidade do grande artista em causar impacto e comoção, como na declaração antiburguesia que foi Titanic. É como uma máquina de tear, no labor paciente do artesão, como na Divina Providência, tecendo as vidas das pessoas, fazendo com que passemos uns pelos outros, como irmãos se conhecendo e desejando o reencontro em uma dimensão superior, nas almas saudosas, que fazem com que sintamos muita saudade. Mais acima, vemos uma forma azulada no formato de uma mancha, ou de um fantasma, como um ovo sendo frito, no modo como a cabeça de uma pessoa é um forno no qual “pães” são confeccionados, no milagre cristão da multiplicação de peixes, assinalando que, acima da Terra, há rios fartos, sem a miséria de quem é rico; sem a miséria de quem é pobre(!). Essas barras são como uma xilogravura, um carimbo, na necessidade humana em conhecer, organizar e categorizar, enchendo o Mundo de graças e nomes, numa busca incessante por esclarecimento, na missão científica em conhecer e iluminar, numa estrela d’alva, surgindo fria no céu escuro, assinalando o início de uma revolução, de um processo de iluminação, desaparecendo aos poucos em meio às cores douradas de um novo dia, numa terra onde há beleza e limpeza por todos os lados. É uma promessa consoladora, restando à pessoa sonhar. Esta “ponte” é como um leque sendo aberto, numa oferta de múltiplas opções, numa pessoa que tem que decidir fazer algum trabalho, alguma coisa produtiva, pois, do contrário, é insuportável a sensação de nada fazer, como no Umbral, a dimensão maliciosa, um lugar sem algo produtivamente bom para ser feito, numa absoluta falta de sentido e de propósito. São como ângulos de um círculo, em lições matemáticas de pensamento racional e frio, na missão nobre da Matemática em estimular o pensamento lógico, inteligente, conhecimento este que abrange tudo. E como eu desprezava a Matemática! Temos aqui alguns quadrados e retângulos, prontos para serem desbravados e nominados, no frescor que este leque traz, na brisa de novas ideias de revoluções, havendo na Arte um nervo revolucionário – não seria horrível nunca mais haver novos movimentos na Arte? Temos aqui também algumas quinas cortantes e agressivas, no formato piramidal de espinhos, arestas esperando para ser aparadas, numa personalidade um tanto agressiva, cheia de ímpeto, no modo como a pessoa agressiva tem que tomar cuidado para não se tornar uma pessoa barra pesada, que pega pesado, esquecendo de ser sutil, discreta e cavalheiresca. Temos vários subconjuntos negros, imprevisíveis, no que nos espera pelas esquinas da Vida, “dando nos dedos” de quem acha que tudo já sabe, ou seja, a arrogância é a serpente sendo esmagada pelos alvos pés de Nossa Senhora, numa busca por apuro moral, busca esta que é o propósito áureo – a Vida não vai nos fazendo pessoas melhores? São como escadas de uma enorme mansão, absolutamente suntuosa, mas uma mera cópia das mansões metafísicas, sendo estas lugares ao desencarnado, apesar deste não ter documentos que comprovem a posse – a posse é uma ilusão material, pois sequer somos donos de nosso próprios corpos carnais, os quais perecerão. É um cenário gigantesco de uma produção antiga de Cinema, convidando o espectador a sonhar, principalmente durante a II Guerra Mundial, período em que o Cinema tinha que pegar leve, trazendo algum consolo ao espectador em meio às horríveis notícias bélicas da época. Arte é isso – antídoto. É um plano que tenta compreender o Eterno, na comprovação do poder imenso de Tao – jamais haverá fim. É o perfume da Vida Eterna. Irresistível.


Acima, Vibração Ondular. Esmalte sobre madeira. 42,5 x 50, 5 cm. 1953. Teclas de um piano em êxtase jazzista, no namoro entre as Artes. Ou como uma sanfona, produzindo som, como os “noninhos” tocando gaita em frente a um restaurante gramadense, convidando o cliente a apreciar Culinária e Arte. São trilhos de um trem, num trajeto, como em Assassinato no Expresso do Oriente, num trem cheio de assassinos conspiradores, no prazer em se desvendar um enigma, um crime. É como o saudoso Jogo da Vida, da fabricante Estrela, num trajeto existencial que passa por uma faculdade, pela construção de uma família e, por fim, a merecida aposentadoria, ou seja, a chegada a uma dimensão onde a pessoa descansa para, após, retomar a seriedade da Vida. É um trajeto, um desafio, uma trilha, como um LP ou um CD girando, fazendo a pessoa caminhar, num itinerário, como no trajeto nos pavilhões da Exposição Agroindustrial da Festa da Uva. São pauzinhos tentando se organizar, numa dança, num balé, numa coreografia que abrange cada membro do grupo, delegando papéis a todos, pois não é a Vida uma grande ópera? E o rico poderoso desencarna achando que ainda é rico e poderoso: nunca ouvimos que vão-se o anéis e ficam os dedos? Como no suicídio de Getúlio Vargas, no apego ao Poder. É um teatro, como um ator que, depois da encenação, despe-se do personagem e volta a ser a si mesmo, e o filme de uma vida é um filme de Hollywood, com multidões observando encarnações, no indivíduo que, ao desencarnar, sente-se como uma estrela voltando ao saudoso lar, recebido com glória, numa infinidade de significado. Temos aqui o charme entre o preto e o branco, num registro binário, numa grande estrela hollywoodiana fotografada em preto e branco, com uma pele acetinada e cabelos deslumbrantes, aprumados. São como espetos prontos para espetar a carne do churrasco, numa identidade cultural, quando vi, certa vez, ninguém menos do que Paixão Côrtes almoçando carne em um buffet em Caxias do Sul. São as “espetadas” que o psicoterapeuta dá em seus pacientes, para que estes prestem atenção à própria demanda existencial, espetadas que servem para ver se o paciente está vivo e consciente de si mesmo, consciente de sua própria vida. É o termo “colocar os dedos na tomada”, numa sensação desagradável, é claro, mas um remédio amargo que acaba fazendo um tremendo bem à pessoa. Portanto, não devemos reclamar do aspecto “feio” da Vida, pois o percalço vem para ajudar. São como sensuais venezianas num dia quente de verão, deixando o quarto em uma penumbra sexy, numa cena de prazer, de gosto pela Vida, num perfume de Verão, de férias, na pontinha de melancolia quando o Verão acaba e a pessoa tem que voltar a encarar a Vida, havendo nos objetivados um pouco menos dessa melancolia. Aqui, é uma trilha viscosa deixada por um verme inofensivo, na construção de uma carreira artística ou empresarial, na lição de cada momento, como uma cobra trocando de pele, renovando-se, como trocar de forro um sofá velho, como descascar uma fruta, como uma diva com décadas de carreira, chamando a atenção por sua trajetória criativa e colorida, vibrante. É o termo que já ouvi para definir a Linha do Tempo de usuários do Facebook: “penteadeira de puta”. Numa visão machista, a mulher tem que ser imaculada e sem história, jovem para sempre. Portanto, uma mulher artista aniquila este preconceito, havendo na Arte todo um aspecto sociopolítico de contestação, rebelando-se contra um governo que ameaça perseguir os opositores. Este quadro me lembra de um desenho da Pantera Cor de Rosa, num apelo abstrato regado a música, numa experiência onírica em que os elementos surgem da tela de forma estranha e instigadora, no poder da Criatividade, sendo esta a obrigação de um artista. Esta trilha corta o quadro de ponta a ponta, pervertendo os palitos retilíneos, submetendo estes à liquidiscência inevitável da Vida, como em Moby Dick, livro que, em um certo ponto, faz com que o leitor se sinta ondulando em um barco em Alto Mar.


Acima, Abstração. Óleo sobre tela. 60 x 47 cm. 1950. Este quadro pertence ao acervo do banco Itaú. É como um copo d’água derrubado sobre uma toalha, nos inevitáveis acidentes do cotidiano, como diz uma canção: “Acidentes acontecem; crianças crescem”. É a umidade tomando conta de um dia chuvoso, úmido, brumoso. No canto inferior direito, uma cobra coral, traiçoeira, perigosa, venenosa, esgueirando em meio ao mato para matar presas com seu veneno irrefreável, como uma pessoa fofoqueira, que nada mais tem a fazer da Vida – fofocar é uma perda de Tempo, pois fofoca e improdutividade andam juntas. Desinteressante. Temos aqui um prisma poderoso, riquíssimo em cores, numa explosão doce como um saco de jujubas, no modo como a Chiquinha não quis dividir as balas com Quico, fazendo esta ficar com dor de barriga, pois tudo em excesso é prejudicial – deitar na cama para descansar é bom e necessário, mas a pessoa enlouquece quando fica tempo demais na cama. Temos aqui linhas tensas oblíquas, dialogando com formas derretidas, como os relógios de Dalí, como na tórrida superfície venusiana, um ambiente hostil ao Homem, no desafio da Humanidade em desbravar o Cosmos, numa Humanidade ainda jovem demais. Um grande losango alaranjado é uma deliciosa e perfumada laranja, madura no ponto, como no slogan “Economizar é comprar bem”. Há aqui um jogo de transparências muito sensual, com sombras suaves se movendo pelo quadro, como um protetor solar, uma grande invenção. É como um tsunami esgueirando-se por terras secas, nas forças titânicas da Natureza, no modo como o grande artista é uma onda selvagem e gigantesca, arrastando as percepções do espectador, no modo como é feliz a obra que causa comoção, incômodo e contestação, rompendo chãos e trazendo o Mundo a um novo patamar – Arte é educar, mas de forma vibrante, divertida. Temos um Sacilotto amante das cores, num arco-íris sedutor, num prisma de gotículas de água, na promessa de um baú de ouro no fim do arco alegre, mas é uma promessa apenas, pois o pós vida só acontece em um determinado momento, depois da encarnação. É como a cor verde, que faz intermédio entre o amarelo e o azul, duas cores que de nada têm em comum, ou seja, duas cores que guerreiam entre si, em pura desigualdade. Então vem o verde e coloca-se entre os dois pólos birrentos, construindo a promessa de um amanhã menos belicista e mais pacífico. O verde não vai mudar o Mundo, mas vai trazer Esperança, pois já ouvi dizer que a Filosofia não muda o Mundo, mas pode mudar a visão de uma pessoa sobre este mesmo Mundo. Temos aqui linhas como um kilt, com linhas intercruzadas, como complexos circuitos de um produto eletrônico, fazendo metáfora com a construção técnica espiritual, quando a mortificação é necessária, vindo esta aniquilando ilusões auspiciosas. Os percalços causam desilusões, e isto é bom, muito bom – é capital. Temos aqui um namoro entre mole e duro, com linhas fazendo amor entre si, num momento interessante de interação social, como um baile, numa festa, num momento em que pontes são construídas. Então esta “ameba” curvilínea se insinua, trazendo um filtro solar, uma sombrinha, um guardassol, fugindo da obviedade solar e trazendo a discrição capciosa de uma sombra suave e sutil. Aqui, a assinatura do artista está na parte superior do quadro, no modo como os sonhos de artista estão lá no Céu, na Dimensão Metafísica, trazendo o desafio de traduzir estes sonhos e trazer estes para cá, para a Terra, como já ouvi dizer: O Ser Humano precisa tocar o Divino aqui, na Terra. A construção de mitos é inevitável e, ao mesmo tempo, rechaçável. Dispa-se de bobagens auspiciosas. E a serpente curvilínea se insinua sempre, fazendo fluir entre vales a preciosa água, num símbolo antigo de fertilidade, no modo como a mente artística não pode ser estéril, pois, se o for, produzirá qualquer coisa, menos Arte. A Arte é filha da Liberdade, e viceversa.

Referência bibliográfica:
Obra. Disponível em <www.sacilotto.com.br>. Acesso 17 out. 2018.