Falo sobre vários artistas da Pop
Art. As análises semióticas a seguir são minhas e não do livro-base de
Osterwold, minha referência bibliográfica.
Acima, Area Code, ou seja, Código de
Área, um óleo sobre tela de James Rosenquist, de 1970, com sete painéis em plástico. JR já foi
analisado por este blog, e este conjunto de painéis é similar a um trabalho
também analisado do artista neste blog. James ama as cores do arco-íris. Na
extrema direita, um grande pincel com muitas cerdas multicoloridas, numa bomba
atômica cromática. As superfícies reflexivas aqui multiplicam o registro de
cores, ampliando a percepção espacial – parece maior do que realmente é, mas
não devemos subestimar o artista nem a mente deste. Na extrema esquerda, mais
cores, só que há curiosamente uma asa negra, talvez de urubu ou algo que o
valha. O negror ameaça as cores mas acaba sendo vencido pela alegria de viver.
O negror é o arauto da guerra, da dor e da privação, e sua ameaça não pode ser
subestimada, ainda que vencida (temporariamente). Infelizmente, o ser humano
está o tempo todo produzindo conflitos, atritos e guerras, mas James tem fé no
ser humano, e a asa negra acaba vencida e controlada, como a noite é vencida
pela aurora e como o negror da tempestade é vencido pelo arco-íris. James está
ciente dos problemas do mundo, mas é otimista. As linhas de cores aqui são de
dois tipos: 1) Linhas tortuosas, como fios de novelo de lã, desfilando pelo
quadro de sete metros de comprimento e quase três de altura, fios que trazem
liquidiscência, ritmo e sensualidade feminina, confusa, insinuante a
desconcertante; 2) Já, há longos retângulos horizontais multicoloridos, como na
construção de um prédio de vários andares, e cada andar tem seu charme, seu
tom, seu atrativo. Há algo interessante no meio do quadro – existe um clarão,
uma lacuna praticamente não-preenchida, dando um respiro, uma folga de tantos
elementos cromáticos e geométricos. Parece que as cores estão se empenhando em
preencher este vazio, mas este é o charme do centro do quadro – é o nada, é
Tao, é o indecifrável, o útil, o humilde, o modesto. É uma explosão de limpeza,
de paz, de ponderação, e as cores aqui revelam-se como elementos decorativos,
que giram em torno deste vazio, do mesmo modo como um o CD e ou disco de vinil
são vazios no meio, e é exatamente este vazio quem dá utilidade ao objeto.
Poucas linhas tortuosas conseguem, em exceção, desfilar sobre o vazio
cromático. No geral, Rosenquist conta-nos uma história, um momento no qual as
cores deram a largada para tentar preencher de cor o centro incolor, insípido e
inodoro como água, o líquido da vida na Terra; como a matéria escura, à qual os
cientistas dão o crédito de ser uma substância absolutamente translúcida que
permeia o universo inteiro. As cores estão em pleno movimento, dando a largada
como numa corrida de Fórmula Um. As extremidades espelhadas fazem do espaço
infinito. A asa negra está tímida, acanhada, sabendo que a paz triunfará cedo
ou tarde. No clarão, há o discreto risco divisor dos painéis, revelando-se uma
linha de ponderação, pensamento racional e maturidade, estabelecendo a paz como
elemento eterno e dominante, ao contrário das guerras, que começam e acabam. O
clarão não começa e, por isso mesmo, não acaba. Os dois lados coloridos estão
em rota de colisão um contra o outro, preparando-se para um beijo, uma união,
um enlace. Parecem ter pressa, e correm o mais rápido que podem. O clarão é a
linha divisória entre antes e depois, como uma bomba atômica ou o Dia D da II
Guerra Mundial, num momento crucial, um importante divisor de águas. As cores
correm em um momento histórico, e fica a promessa de que um dia o mundo terá
paz e, assim, poderá viver e produzir tranquilamente. James acredita no Bem.
Resta-nos saber o porquê do título deste trabalho. Pode ser porque as cores
parecem estar telefonando umas para as outras, num conjunto vibrante, tendo no
clarão central a figura da telefonista, e esta conecta as pessoas, como se JR
pude-se prever que um dia surgiria a internet, unificando a Humanidade e simplificando
cada vez mais a vida das pessoas.
Acima, Stillife, ou seja, Natureza
Morta, uma fotografia colorida sobre madeira de Richard Hamilton, de 1965.
Confesso que não sei exatamente o que é o eletrodoméstico neste quadro. Será um
forno elétrico? O aparelho é acompanhado por duas taças, provavelmente de
espumante, num momento de festa, de confraternização, de reunião de família e
amigos. A transparência das taças é clareza da Pop Art em se debruçar sobre a
cultura de massa. Esta fotografia parece parte de um anúncio publicitário, pois
a sociedade de consumo está sempre querendo encantar e seduzir o consumidor, e
esta sedução acaba, ironicamente, seduzindo o artista. Ao fundo, vemos uma
paisagem de árvores frondosas, num fresco dia de primavera, com as folhas
farfalhando sensualmente ao sabor da brisa amena. As taças são belas, puras,
finas, sofisticadas. Podemos ouvir o sutil ruído de taças sendo brindadas em
uma ocasião especial. Podemos sentir o perfume usado pelos anfitriões, enchendo
o ambiente de cor e prazer, no prazer de uma taça de um bom espumante. Uma
limpa toalha branca parece estar sobre a mesa, como no branco de véspera de Ano
Novo, num momento de euforia e de agouro positivo. Na parte inferior do
aparelho, vemos uma tecla que vai para cima ou para baixo, na liberdade que a
pessoa tem de escolher entre o Bem e o Mal; céu ou inferno. A tecla é um
divisor de águas, e o indivíduo depara-se com momentos em sua vida em que
precisa tomar atitudes e fazer decisões, num momento que pode ser protelado mas
não totalmente evitado, pois, já ouvi numa canção, a vida cobra sério e
realmente não dá para fugir. A tecla é como um elevador que transita por um
esguio arranhacéu, com pessoas indo e vindo no ritmo de um produtivo dia. É como
um ioiô ou um coito sexual, numa brincadeira prazerosa. É como um pulmão que
inspira e expira, no pulsar da vida, na vibração da Arte, sendo esta sempre em
nome da Civilização, no poder terapêutico das catarses. A tecla está à espera
de alguém que a use, na prerrogativa do indivíduo inserido na vida em sociedade. Opções.
Acima da tecla, um cronômetro que dá a opção de tempo em que
ao alimento será cozido no forno, dando a ilusão de que o tempo pode ser
controlado, quando, na verdade, não pode, pois faz parte do pulsar do universo
e está além do alcance humano. É um relógio manipulável, moldando-se à vontade
do consumidor, curvando-se perante ordens, um vassalo que fica ao sabor do
vento, sem poder de incisão ou de escolha. É uma vítima do consumo, num sadomasoquismo,
acorrentado em um calabouço e eternamente submetido a ordens superiores. Os
eletrodomésticos são escravos, substituindo a mão-de-obra escrava, a qual
vigorou por muito tempo nos EUA. Curiosamente, o palavra brown, ou seja, marrom,
nomeia o aparelho, em inocente (porém clara) alusão à Escravatura. E a tecla
que leva para cima ou para baixo é a estratificação social – brancos acima de
negros. Certamente ainda existe muito preconceito racial no mundo, pois são
sequelas escravocratas, e não é diferente no Brasil. Esse contraste de cor
aparece muito bem neste trabalho de Hamilton, pois há coloração binária – claro
e escuro, é claro. São os contrastes da América, numa sociedade na qual a
miscigenação é rara, e não tão difundida como o é no Brasil. Na América, branco
casa com branco e negro casa com negro, geralmente. O aparelho está
sensualmente acorrentado em uma masmorra, disponível sempre, e o consumidor,
nesse sentido, “fica com a faca e o queijo nas mãos”. A sociedade de consumo
está sempre buscando facilitar a vida do consumidor, inventando conveniências e
abreviaturas, como na revolução que foram as máquinas de lavar roupa. O avanço
tecnológico traz progresso mas não faz o mundo ser perfeito. A seriedade da
vida está além do alcance do mercado de consumo, mercado que só faz promessas,
como políticos em campanha eleitoral. A ilusão do consumo não pode dizer quem
você é.
Acima, Win a New House for Christmas (Contest), ou seja, Ganhem Uma Casa Nova no Natal (Concurso),
um óleo sobre tela de James Rosenquist de 1964. Uma parte de um anúncio
imobiliário. Os elementos em vermelho quebram o registro em preto e branco. A
casa é o poder atrativo e gravitacional do lar, da proveniência, da origem
uterina. As janelas são negras, cegas, e não nos deixam ver por dentro; não dos
deixam ver a alma do lugar. A vegetação tem pinceladas incertas, difusas,
borradas. O poder do anúncio debruça-se sobre o lar, oprimindo-o, subjugando-o
pelo poder do dinheiro, pois os EUA são um país perfeitamente capitalista,
poderoso, rico. O grande valor monetário em vermelho suga todas as atenções
para si, dizendo o que realmente importa – o preço. A casa sequer é mostrada em
sua totalidade, sendo cortada pelo meio por Rosenquist. O que menos interessa é
o bem em si, mas a transação, a troca. A chaminé tem formas retangulares,
tensas, com tijolos cuidadosamente unidos por cimento. Dá vontade de acender a
lareira em um frio dia de inverno e receber amigos para degustar um vinho à
beira do fogo. O preço vende mais do que conforto, vende a ilusão da posse, da
propriedade, algo que a pessoa perde quando morre – para quem irá a casa no
momento da morte do proprietário? O vermelho sanguíneo é o sangue que passa de
pai para filho, numa herança. O retângulo que abriga os registros textuais oprime
tudo e todos no quadro, e o mundo publicitário revela-se em toda a sua avidez:
vender, vender e vender. Nada mais americano, correto? Na América, tudo é
dinheiro. A casa não tem curvas sensuais, mas é um projeto predominantemente de
linhas retas, objetivas, no objetivo mercadológico. O que as janelas negras
escondem por trás? Seria o negror a invisibilidade do destino, dos
acontecimentos imprevistos, da vida indecifrável? As janelas são negras como a
noite, só que sem estrelas ou Lua. Não podemos ver o interior da casa; não
podemos saber o que ela nos reserva. O que acontecerá quando comprarmos a casa?
Será que este bem suprirá as necessidades existenciais do ser humano? E por que
um concurso natalino? Na data em que celebramos o nascimento de um homem importantíssimo,
fazemos tudo com uma ganância que Ele jamais faria. A América é cristã e, ao
mesmo tempo, pagã. Não entrou Jesus furioso em um mercado e condenou a ganância
e a malícia ávida dos vendedores barganhadores? Rosenquist traz-nos um país
dinheirista, minando o mercado publicitário com mensagens que podem ser falsas.
Felicidade pode ser vendida e comprada? Receio que não. A casa, o imóvel, dá a
sensação de permanência, de chão, de referência. A casa é como um escravo negro
à venda, em toda a estupidez do ser humano preconceituoso. Diz Tao: se o que
você tem você não acha que é o suficiente, então você nunca vai ter o
suficiente.
Acima, Pepsi-Cola Sign, ou seja, Símbolo
da Pepsi-Cola, uma musselina embebida em gesso de Claes Oldenburg de 1961. A marca do
refrigerante está bem desfigurada, quase irreconhecível. A tinta afoita
escorrendo dá a sensação de que a obra foi recém feita, secando ao vento.
Parece que uma bomba atômica caiu sobre o símbolo do tradicional refrigerante
de renome mundial, pois o mercado capitalista está praticamente em todo os
cantos do planeta, na sangrenta competição bélica da colas: Pepsi versus
Coca-Cola. Parece que o símbolo foi colocado dentro e um forno e foi derretido
ao ponto de mal sabermos que se trata de Pepsi. Por que essa subversão de
tornar irreconhecível uma marca tão conhecida? A guerra das colas não tem fim,
na paixão do ser humano por filmes de banguebangue. A vida está repleta de
competição, e agressividade é necessária. A competitividade está em todos os
lados, como na Política, por exemplo. A América é agressiva em suas ações de
mercado, o qual está sempre em sinal de alerta: o que será que a concorrência
está tramando? Tensão. Parece que a Coca-Cola sabotou a Pepsi, e deixou esta
tão violada, estuprada, malfadada. No mercado, as logomarcas são muito
importantes, pois são os escudos de percepção que carregam nomes, embalagens,
marcas inconfundíveis. O desenho de marca e de embalagem é extremamente
competitivo, pois compete pela atenção do consumidor. Aqui, a Pepsi está
absolutamente invendável, não remetendo o consumidor ao refrigerante. Esta obra
de Oldenburg não quer vender, não quer fazer anúncio, mas confundir o
espectador. O artista aqui absolutamente não quer fazer transação, na ironia de
que esta obra tem, por si só, um valor no mercado de Arte. É venda falando de
venda, numa metalinguagem. Esta obra parece um doce, um sorvete colorido
derretendo no calor do verão, tornando-se irresistível, deliciosa. É como algo
envelhecido, com suas rugas, como um bom vinho. O texto confuso não quer
informar, mas desnortear. É uma obra que traz mais perguntas do que respostas.
E por que Pepsi? O que levou o artista a essa marca em especial? Refrigerantes
são a marca registrada da América, vendendo a idéia de juventude e frescor. A
obra parece uma tampinha amassada, desprezada, puro lixo, do modo como a
sociedade de consumo produz muito lixo. Esta obra parece ter sido esquecida,
abandonada à própria sorte, rolando por aí no meio de um monte de lixo. O
consumo é assim, vampiresco. E, depois de uma garrafa de refrigerante ter sido
consumida, o vidro vira resíduo, e uma nova garrafa terá de ser aberta.
Oldenburg tem um certo desprezo pelo consumismo, e alerta sobre a mazelas
deste. É como uma ameixa ressecada, doce, tentadora, no maravilhoso pecado da
gula. É como uma folha de papel amassada e desprezada, no dia a dia de um
escritório, na demanda humana por coisas e insumos. Aqui, o artista não quer
desamassar, mas deixar como está, sem pena do símbolo do refrigerante. O artista
que comunicar o incomunicável. Parece que foi a Coca-Cola quem detonou e
estragou este símbolo da Pepsi, numa sanguinolenta competição.
Acima, Close Cover Before Striking (Pepsi-Cola), ou seja, Fechar Antes de Riscar o Fósforo
(Pepsi-Cola), um acrílico sobre tela do célebre Andy Warhol, de 1962. Aqui,
a tampinha de Pepsi está extremamente clara, visível, comunicando com muita
nitidez o que está sendo anunciado e vendido. Há os dizeres Diga Pepsi, por favor, orientando o
consumidor a pedir o refrigerante em um bar ou restaurante. Até hoje as colas
estão em guerra, como diz o anúncio Pode
ser bom, pode ser muito bom, pode ser Pepsi. Não existe paz no marketing, e
os investimentos mercadológicos são vastos para qualquer produto ou serviço que
queira se destacar no mercado, nas gôndolas de supermercados. Na obra de
Warhol, uma extensa tarja preta como em um striptease, provocando a mente do
consumidor, tentando despertar neste o desejo que o mesmo tem em sua própria
mente. A tarja preta é a vergonha frente ao cinismo da sociedade de consumo,
como em um luto, no qual a moralidade é sacrificada e esquecida, pois a grande
ambição de um publicitário é ser um campeão de vendas, não importando os meios
para se buscar tal êxito. A tampinha de Pepsi tem bordas pontiagudas,
agressivas, abordando o consumidor de forma explícita, na agressividade de Wall
Street, fazendo do dinheiro uma religião, formando o objetivo de liquidar a
concorrência, como em uma disputa política entre candidatos rivais. A cor
amarela em torno da tampinha é o ouro dos tesouros, a disputada carteira do
consumidor. A mesma cor pode ser também um majestoso Sol de verão, quente,
provocando o consumidor a se refrescar com uma sedutora Pepsi bem gelada. Aqui,
o símbolo está imaculado, terrível perante a Coca-Cola. A tampinha tema s cores
da bandeira da América, querendo comunicar que se trata de um produto patriota,
digno dos americanos. Warhol foi um patriota, e a publicidade na América foi
uma grande inspiração para este artista. A tampinha metálica é a personalidade
bélica da concorrência mercadológica, numa guerra simplesmente sem um final
previsto, mas com a finalidade de ouvir inúmeros barulhos de garrafas de Pepsi
sendo abertas. O R de Marca Registrada é um aviso: não tente
ludibriar o setor jurídico de um grande fabricante. O R é como em Rei, na
ambição da Pepsi em controlar o mercado e dizimar a Coca-Cola, algo que
provavelmente não acontecerá, pois a agressividade da Guerra das Colas durará.
A tampinha é como um implacável tanque de guerra, passando por cima de tudo e
todos com frieza, tudo para ganhar a guerra. E o mundo publicitário sabe disso.
Como disse-me certa vez um psiquiatra muito pertinente, tens que ter agressividade, pois vives num mundo competitivo. Essa
é a eterna inclinação humana contra a paz. Uma nação poderosa até pode querer a
paz, mas irá à guerra se a mesma nação for provocada. Portanto, a competição é
natural ao ser humano, desde os espermatozóides competindo pelo óvulo, como na
escola, onde alunos competem para ver quem tira a nota maior; como no exame
vestibular. Mas, como diz Tao, se você é único, ninguém poderá competir com
você. A Guerra das Colas gira em torno da exclusividade e, nesta obra de
Warhol, não há similares para Pepsi, quando que, na verdade, há sim uma similaridade.
A Propaganda mente. Então o fabricante busca para conquistar diferenciais que
vendam, como no preço, por exemplo, ou na propaganda em si, ou na embalagem.
Dessa forma, os investimentos em Marketing são grandes, e até os artistas da
Pop Art competiam uns com os outros, e Warhol provou ser único. Concorre-se
para que não haja concorrência, numa divertida ironia.
Referência
bibliográfica:
OSTERWOLD,
Tilman. Pop Art. Köln: Taschen, 2007
Nenhum comentário:
Postar um comentário