quarta-feira, 25 de julho de 2018

Bonita Malfatti



Anita Malfatti participou do Modernismo Brasileiro, e deparou-se com um grande percalço – uma atrofia no braço direito. Outro desafio na vida da artista foi a Depressão. E as grandes superações e os grandes sucessos nascem de dificuldades desafiadoras. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!


Acima, A Estudante Russa. Uma mulher que recém chegou à Terceira Idade, com um olhar incerto e um tanto triste, na sabedoria que nasce do cansaço, numa mulher que cansou de se cansar, sentando-se calmamente e contemplando o que a Vida pode dar. É um quadro onde as ilusões estão aniquiladas; é um quadro com os pés no chão. Suas pálpebras caídas falam da passagem do Tempo, numa pessoa que reúne dentro de si uma série extensa de experiências. Seu cabelo curto é um corte sofisticado, urbano, numa Anita desejosa de derrubar velhos padrões acadêmicos e sisudos, trazendo a transgressão modernista, num Brasil que começava a se modernizar a nível de mentalidade, encontrando na Arte uma válvula de escape de um mundo tão careta, quadrado, previsível e monótono, desafiando a Burguesia para esta aceitar o novo, como numa transgressora Lady Di, adorada pelo povo. A mulher aqui está de batom, num ato de autoestima, numa pessoa que sabe que idade não é pretexto para parar de se arrumar, o que o Espiritismo chama de instinto de conservação, no qual o indivíduo quer sempre estar arrumado e garboso. Apesar da expressão triste, é um quadro colorido, numa artista brasileira tão desejosa de transmitir a alegria colorida o Povo Brasileiro, como na colorida coleção de camisas de Jorge Amado, em um museu em Salvador. O Brasil é naturalmente colorido na Fauna e Flora, e tem cores e sabores de frutas diversas, como na sedução exótica de uma Carmen Miranda, representando a alegria brasileira, num ato de identidade coletiva, do modo como Hollywood traz identidade ao Povo Americano, e cada povo tem que encontrar a si mesmo. Aqui, a camisa está com os botões superiores abertos, numa cena confortável, à vontade, no modo como Liberdade é sinônimo de Conforto, e é um desconforto o aprisionamento, o que nos faz perceber que o conceito de Liberdade da Revolução Francesa não é “conversa para boi dormir”, pois a Liberdade, realmente, é necessária, benéfica e deliciosa. A camisa desabotoada traz uma certa sensualidade, e esta mulher, apesar de não mais ser muito jovem, guarda traços de beleza, na natural sensualidade brasileira. A mulher está sentada, pois seria muito desconfortável – olha o conceito de Liberdade aí – ficar de pé por horas em frente de Anita. Uma das mangas está arregaçada, no calor da meteorologia brasileira, numa cidade de Salvador que, mesmo no calor, traz uma brisa reconfortante. A mulher não tem fio de cabelo branco, numa pessoa que quer se cuidar, apesar de ser necessário que a pessoa admita a própria idade. No pano de fundo, harmoniosos tons de azul, como numa paradisíaca praia, como no final do filme Contato, em que a personagem de Jodie Foster, numa experiência extracorporal, entra em uma praia absolutamente convidativa e agradável, com areia fofa e um mar de uma placidez arrebatadora, na promessa de que a Dimensão Metafísica possui lugares de prazer indescritível, lugares estes que encontram cópias (toscas) na Dimensão Material. É assim mesmo: tudo na Matéria gira em torno da dimensão acima, que é a Mente. É um quadro que traz um certo perfume, uma refrescância, como o Modernismo trouxe ares de renovação jovial a moldes tão rançosos e rígidos, no modo como disse o (ultracarismático) Papa Francisco: Sejam revolucionários! A camisa multicolorida é um arco-íris após a tormenta, na aurora que surge após um momento negro de incerteza, num Brasil que nunca mais seria o mesmo após o Modernismo. O rosto da mulher tem lacunas em branco, as quais são a pureza das intenções de um artista, numa bandeirinha branca clamando por Paz, querendo colocar um fim na “guerra” entre Tradição e Modernidade, as quais podem tranquilamente andar juntar, em harmonia, como no casarão de pedra dos Veronese – minha família! – em Flores da Cunha, RS: a junção entre o tradicional, que é a base de pedra, como o avançado e futurista, que é o teto de materiais como metal e vidro, como na deliciosa transgressão da pirâmide de vidro do Louvre, em Paris.


Acima, A Ventania. As pinceladas afoitas e vigorosas dão a própria impressão de ventania, e as árvores se contorcem intensamente, mas respaldadas por raízes fortes, que as prendem fortemente ao chão, o qual é o juízo, a maturidade. As árvores se curvam perante o vento, trazendo o conceito metafórico taoista de humildade: aquele que se curva jamais é arrancado do chão; jamais sofre. As árvores aqui estão se curvando perante a intempérie, procurando se curvar e, assim, sobreviver, pois só os humildes sobrevivem, e os arrogantes perecem, pois a arrogância, a ausência de raízes, precede a queda. O Brasil teve que se curvar perante os novos tempos da Arte nacional, e a Arte Acadêmica teve que se curvar perante o novo. É um quadro de instabilidade revoltada, num momento de mudança brusca de tempo, com tudo no quadro dançando conforme a música, nas instabilidades da Natureza, a qual nos dá o aviso de que não estamos numa dimensão perfeita, mas numa dimensão desafiadora e instável, exigindo do indivíduo a coragem e a superação para encarar uma Mãe Natureza tão exigente. Aqui, o campo está ermo, convidando a um momento de solidão reflexiva, como na cena do filme A Rainha, em que a monarca, num momento de solidão em um campo ermo, chora intimamente pela morte de Diana, numa regente muito discreta e reservada, e, na mesma cena, aparece um lindo animal silvestre, no modo como a Natureza, apesar das intempéries, traz-nos momento de alguma beleza, a qual, insisto, é uma cópia da dimensão acima. Os movimentos no quadro trazem um certo ar de Vincent van Gogh, em elementos fluidios, os quais convivem num ritmo só, do modo como há unidade na Natureza, e os reinos Mineral, Vegetal e Animal são regidos por uma mesma orquestra, com tudo bailando no mesmo tom, como neste quadro, e que todos os elementos sofrem as influências meteorológicas, e as previsões do tempo são tentativas humanas de encontrar lógica, sentido e previsibilidade na Natureza, dando ao Ser Humano a sensação de controle mental sobre o caos, tendo na previsão um “controle” sobre a Natureza, como na metáfora do aparelho de controle remoto, no anseio do Ser Humano de controlar a si mesmo e controlar a própria vida, tendo a ilusão de que, na Vida, é possível retroceder, acelerar, pausar e parar, quando na verdade, como mostra este quadro, a ideia de controlar a existência é falha, pois é do imprevisível que vem o aprendizado, como me disse uma velha senhora: Vivendo e aprendendo. Não é um quadro extremamente colorido, e as árvores são de um verde musgo, fechado, escuro, misterioso, como num campo inglês, muito distante da exuberante Natureza do Brasil. Podemos ouvir o vento uivando ruidosamente, impiedosamente, e podemos ouvir o intenso farfalhar das árvores, numa orquestra de caos e desequilíbrio, na crença do Ser Humano de que existe um equilíbrio ambiental, o qual não deve ser desrespeitado. Aqui, Malfatti catarseia um sentimento de desolação, frio e desconforto, numa sensação de aprisionamento, como diz a rainha Vitória de Dame Judy Dench: somos todos prisioneiros. Esse é o poder terapêutico da Arte, tendo no artista um paciente que se cura por meio de pinceladas numa tela. Aqui, o céu está incerto, com momentos claros e momentos cinzentos. A impressão que se tem é de Anita ali, naquele campo tão desconfortável e revolto, sofre para pintar, estando o tempo todo desafiada pela ventania caótica, nos motivos ocultos da Natureza, a qual tem suas próprias regras e motivações, desafiando o Ser Humano a decifrar os enigmas do Universo. São pinceladas arredondadas e orgânicas, sem qualquer retilinidade lógica, racional ou fálica. É como uma máquina de lavar roupa, na capacidade da Arte de “lavar” e renovar mentes, tanto a mente do autor quanto a mente do espectador.


Acima, Fernanda de Castro. A ironia é a de que a modelo Fernanda está com um olhar um tanto aborrecido e entediado, como se estivesse cansada de posar para Anita. Sua boca está com um aspecto irritado, e sua expressão é extremamente séria. É como se Fernanda estivesse farta de ocupar a posição que ocupava, querendo muito se libertar e ter novas experiências de vida, como, por exemplo, encontrar um grande amor, ou atingir grandes feitos profissionais. Seu cabelo está disciplinado e arrumado, na disciplina e na paciência que o modelo tem que ter para posar. Não é um quadro simétrico, pois a modelo não ocupa de fato o dentro do quadro. A cadeira sobre a qual repousa é a posição social, o privilégio, o qual, apesar de aparentemente benéfico, pode trazer problemas ou simplesmente tédio. Esta Fernanda anseia em se libertar, para voar para bem longe, para um mundo no qual as coisas são mais simples e autênticas, pois a Vida é boa quando é simples, como na infância de cada um de nós, numa época em que a simplicidade é o que rege a criança, no fato de que os adultos têm muito o que aprender com as crianças, pois o mundo dos adultos é complicado e, por vezes, amargo. Talvez Fernanda esteja farta disso tudo, e sua “monocelha” representa a pressão social em torno do comportamento feminino: Moças de família não depilam as sobrancelhas. Mas e se Fernanda quiser depilar? Fernanda está ansiosa para transgredir, como numa panela de pressão, prestes a estourar esplendidamente, na capacidade de uma pessoa em estourar como uma supernova, promovendo um espetáculo por meio de um trabalho bem feito. Apesar de grande, o decote não entrega muita coisa. Mal podemos ver a forma dos seios, talvez numa Fernanda que, no fundo, gostaria de estar posando nua. Esta modelo é relativamente jovem, e não deve ser mais velha do que uma trintona. Seus braços são harmoniosos e suaves, e seu vestido verde é uma folha de bananeira, pegando esta “banana” e alimentando o espectador. Parece a foto de uma pessoa presa pela polícia, sendo obrigada a posar para registro, como na foto do ator Hugh Grant ao ser preso com uma prostituta nos EUA. Certamente Fernanda não está muito feliz. Seus sérios olhos pétreos furam a tela e atingem o espectador, numa seriedade forte. No que será que ela está pensando? Por que tanto mal humor? Seus cabelos negros são imprevisíveis, não nos deixando ver o que Fernanda quer ou não quer. Seu rosto não é de uma beleza acadêmica, mas é um rosto estranho, com olhos muito separados um do outro, em tom aborrecido. Podemos ouvir um suspiro de tédio vindo do nariz da modelo, e talvez o tiquetaque de um relógio na sala, assinalando a passagem do tempo, o qual, depois de passar, jamais retorna. No pano de fundo, parece que há umidade escorrendo pela parede, como lágrimas de uma alma depressiva, a qual se depara com um gigantesco desconforto existencial, o qual vai contra a sensação de liberdade. Liberdade é prazer; desconforto é prisão. As mãos de Fernanda estão praticamente ocultas e misteriosas, como se estivesse escondendo um segredo, no mistério da grande mente artística, pois o grande artista se torna um mistério, cada vez mais insondável. É Tao, o mistério eterno, pois se não é infindável, não é Tao. E existe algo mais misterioso do que uma existência que simplesmente não finda? É muito poder. A “monocelha” é uma serpente tortuosa, insinuando-se na mente do espectador. Os olhos de Fernanda são frios como gelo, como se estivesse passando o espectador sob um raio x. É uma Anita catarseando um sentimento de enfadonhamento perante os moldes tradicionais, perante as pressões sociais sobre a mulher, pois esta tem que obedecer normas de conduta: mulher faz isso; mulher não faz aquilo. É uma Anita querendo se libertar por meio da Arte, como diz a letra célebre da banda Queen: I want to break free, ou seja, Eu quero me libertar. E os sistemas totalitários nada mais fazem do que torturar o seu próprio cidadão. É da Liberdade que vem o frescor do novo, num Brasil que ainda estava prestes a passar pela Ditadura Militar. A Liberdade é o Bem; a Censura é o Mal.


Acima, Mário de Andrade. Os artistas e intelectuais do Modernismo, é claro, formavam uma galera, dentro da qual todos eram uma mesma família, algo que mostra aqui a amizade entre duas grandes cabeças. Aqui, vemos um Mário lânguido, como o Taoismo diz que não é defeito ser preguiçoso, pois a preguiça faz com que a pessoa faça somente o necessário, tendo uma atitude “limpa”, pura, atenta ao essencial, ao indispensável, num belo minimalismo japonês: Menos é mais. Seus óculos deixam transparecer olhos tristes, depressivos, no auge de uma crise depressiva, numa prostração de quem sofreu uma decepção enorme com a Vida, como uma pessoa que conheci, a qual reformou a própria casa e fez uma plástica no próprio nariz, esperando, assim, mudar de vida, mas a vida dela continuou a mesma, com ou sem reforma ou plástica, e esta pessoa mergulhou em Depressão. Vemos aqui um cavalheiro polido, devidamente barbeado, formalmente trajado, com uma impecável camisa branca e uma elegante gravata borboleta, como as gravatas de Jô Soares, outro grande intelectual brasileiro. A gravata apertada é o anseio de se libertar, e hoje mesmo tomei conhecimento do falecimento de uma amiga, a qual, inclusive, era espírita, e era também muita cândida. Vá em paz, amiga, e desfrute da liberdade de quem não mais está anexado ao corpo carnal! Vemos, aqui, um Mário um tanto mortificado, desprendendo-se de ilusões ou idealizações, vendo o Mundo do modo como este é, sem filtros. Temos aqui uma Anita Malfatti amante das cores, colocando em seus quadros a riqueza cromática de um país tropical e caloroso, exótico, no modo como o Modernismo Brasileiro foi um empreendimento coletivo em busca de uma identidade brasileira, sem ficar tão “escravo” dos padrões europeus. A gravata borboleta é uma hélice de avião, num Santos Dumont sonhador ansioso por se libertar, por dar asas à imaginação e quebrar barreiras e limites. Os óculos transparentes são a transparência de uma Anita “Garibaldi” guerreira, a qual encontrou na Arte uma forma de superar tamanha melancolia, como numa Virginia Woolf depressiva, a qual mostrou ser genial. E virgem é a intenção do artista, numa Anita desbravando o Mundo, desvirginando este, num espírito de navegador, ansioso por se libertar nas águas. Vemos um Mário um tanto calvo, mostrando a passagem do Tempo e o inevitável envelhecimento, o qual, em compensação, traz sabedoria e precaução. Há sequer um mínimo sorriso esboçado em Mário, num homem delgado e elegante, amante da vida urbana, com elegantes cafeterias, teatros e galerias de Arte, como no anseio de Teresa de O Quatrilho, uma mulher que não se identificava com a árdua vida rural e queria se mudar para um grande centro urbano como São Paulo, querendo ter uma vida sofisticada e citadina, num anseio grande o suficiente para Teresa trair o próprio marido. E como está triste e carente este Mário! Talvez um coração cheio de amor para dar, mas num momento solitário, delicado, num homem querendo se encontrar na Vida. Busca por identidade. Podemos ouvir uma suave respiração de Mário, num sutil suspiro de vida que sobrevive em meio às decepções naturais da Vida. Ainda assim, é um quadro colorido, na promessa de um dia mais ensolarado. Vemos uma alma sensível e contempladora, numa sensibilidade que começa a se mesclar com melancolia, talvez numa Anita catarseando um sentimento de tristeza e lamentação, tons típicos da Depressão. É, insisto, o poder terapêutico da Arte – há algo mais humano do que fazer Arte?; do que expressar  pensamentos? A cabeça de Mário está levemente pendente para a esquerda, como um sino badalando, marcando a passagem do tempo de uma existência, dando um recado: Cedo ou tarde, o desencarne vem. E as pinceladas incertas de Malfatti dão o tom da jovialidade modernista, numa janela que se abre para o novo, para o fresquinho, como um delicioso pão que recém saiu do forno da padaria, alimentando a alma.


Acima, Tropical. Vemos uma mulher comum, do povo. Sua cor mostra a miscigenação brasileira, na magia de mistura entre africanos, brancos e indígenas, como num arcoíris de diversidade racial de uma campanha da Benetton, com as multicores das roupas fazendo metáfora com a diversidade racial. Podemos sentir o perfume dos frutos tropicais, e Anita nos traz frutas bem representativas do Brasil, como abacaxi, cacau, banana e manga. É a rica cultura gastronômica popular brasileira, um ramo da Cultura Popular Brasileira em geral, como na sedutora cozinha da casa de Jorge Amado em Salvador, como um suco de cajá, que simplesmente não existe no Sul do Brasil. Vemos, no quadro, a exuberante vegetação tropical, com folhas de bananeira, as quais são usadas até por Jamie Oliver, na Inglaterra. A mulher se veste de branco, a cor da cultura afro, e também a cor de centros espíritas e unidades hospitalares, tendo na cor branca representando pureza, limpeza e claridade, no termo latino Lux – leveza, luz e luxo, valores universais de sofisticação, no modo como a Dimensão Metafísica é limpa, perfumada e clara. Podemos ouvir o som de tambores, tão essenciais na herança afro, gerando o Samba, o Axé e o Pagode, trazendo identidade musical a um país tão diversificado como as frutas nesta salada de Malfatti. Os tambores me lembram de um casamento para o qual fui em Salvador há alguns anos, quando, no meio da festa, chegou uma vibrante banda ao estilo Olodum, contagiando e impedindo que os convidados ficassem parados. Os tambores têm a ver com a deliciosa liquidiscência, o fluído universal que interliga todo o Universo, como numa internet psíquica. O abacaxi tem lá seus espinhos, no termo “descascar um abacaxi”, pois os espinhos são naturais na Vida, e devem ser encarados, exigindo que a pessoa crie uma “casca grossa” e fique livre desses pregos que crucificaram Jesus. É como uma coroa de espinhos, que mostra como pesa a coroa sobre a cabeça de quem rege. As vestes desta mulher mostram o calorzinho tropical, numa amplitude térmica que se mantém a mesma o ano inteiro, com sedutoras noites tropicais enluaradas, convidando os enamorados a desfrutar de tal dádiva, como na balada romântica Kisses in the Moonlight, ou seja, Beijos ao Luar. Aqui, é uma mulher de autoestima, com cabelos arrumados e sobrancelhas depiladas. E há uma metalinguagem sutil: tropicalidade falando de tropicalidade, ou seja, um movimento tropical e brasileiro falando de frutas e miscigenações brasileiras. Nada mais pertinente. A mulher tem cor de chocolate e nos convida a entrar numa chocolateria de Gramado, a qual, apesar de ter ares tão europeus, usa o velho e bom cacau que vem dos trópicos. As frutas no cesto são a organização de Tao, o qual pega todos os seus filhos e os reúne sob o mesmo teto, sob a mesma casa, sob a mesma dinastia, não havendo, metafisicamente, diferenças abismais entre as pessoas e, ainda assim, cada filho tem sua própria identidade, numa perspectiva colorida como este cesto frutal. É o trabalho de coleta das mulheres indígenas, trabalho que é equiparado à mulher urbana fazendo compras no supermercado, na universalidade do Ser Humano. Como pode a Humanidade ser tão diversa e, ainda assim, ser tão igual? Este quadro é um momento de trabalho, e a mulher não pode perder muito tempo posando para Anita, pois o almoço tem que ser feito. O perfume das frutas toma conta do quadro, e a “crueza” das pinceladas modernistas seduz com o inédito, quebrando barreiras estéticas. É como uma rainha da Festa da Uva na videira, fazendo a colheita do fruto da terra, num arquétipo feminino de fartura e abundância, de prosperidade de uma terra. E no fundo do quadro podemos ver as folhas tremulando ao delicioso vento tropical, como uma bandeira nacional tremulando de Norte a Sul, unificando um território tão vasto e heterogêneo.

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