AVISO: Antes de ler esta
postagem, saiba que a próxima postagem, ao invés de acontecer na quarta-feira,
acontecerá na sexta-feira seguinte. Depois disso, o blog normaliza e as
postagens seguem sendo publicadas nas quartas-feiras. Boa leitura!
O portoalegrense Fernando
Baril, o qual pertence à geração de meus pais, é um artista hiperprodutivo,
produzindo cerca de trinta quadros por mês. Tenho a lembrança de ter visto o
majestoso quadro Meus Jesuses certa vez na Casa de Cultura Mário Quintana, de
Porto Alegre. Neste momento, Baril está tendo uma retrospectiva no Museu de
Arte do RS. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus.
Acima, Amarras I. Há compartimentos, do modo como a Vida em Sociedade é
toda compartimentada em horas, dias, anos etc. Remete ao clipe Human Nature de Madonna, em que
compartimentos claustrofóbicos oprimem o indivíduo, oprimindo características
naturais como a Sexualidade. É como em Matrix,
em que o indivíduo já nasce prisioneiro de um sistema, de um estado totalitário,
em que a Liberdade é vista como uma ameaça, uma subversão – é por isso o título
Amarras, como numa sessão
sadomasoquista, em que o sádico tem que ter o controle a qualquer custo, com a
submissão de um masoquista, que se submete a tal degradação, num vínculo
conciso: um precisa do outro para ser feliz. Há grades como prisões, do modo
como os submundos são prisões, quaisquer submundos, que são realidade
paralelas, sem conexão clara com o Mundo em geral, gerando subvalores e
conceitos que, fora da “gaiola”, nada significam na prática, no modo como
nossos pais nos colocaram no Mundo para o Mundo, e não para um submundo, um
mundinho em que os prisioneiros sofrem com uma apatia enorme – é o oposto da
Felicidade, da Realização, do Realismo, dos pés no chão, no modo como muitas
pessoas mergulham no Submundo e deste jamais saem, pois sair do Submundo é um
desafio que requer um esforço enorme do indivíduo. Aqui, há vários rostos
femininos, no modo como a sexualidade da Mulher é tolhida pelo Patriarcado, que
é uma estrutura universal, em
que Adão, ou seja, o Homem Primordial, rege o Mundo, havendo
na Mulher um elemento que atrapalha o bom funcionamento da Vida em Sociedade. É
uma misoginia sem fim. Vemos um bebê recém nascido, e podemos ouvir o choro dele,
no trauma que é vir ao Mundo, saindo do acalento delicioso do útero, num
indivíduo que já nasce um escravo, já nasce sem ser dono de si, obrigado a funções
sociais, tudo goela abaixo, no ancestral modo humano de agir: Imponha regras;
se estas não são obedecidas, force. É o egoísmo humano: “se eu estou bem, o
resto que se ferre”. É um quadro sombrio, como nas celas escuras do filme Ilha do Medo, num artista buscando na
Arte uma oportunidade catártica, um desabafo, uma autolimpeza espiritual, no
poder terapêutico da Vida Cultural. Bem abaixo no quadro, uma forma que parece
ser uma Lua Cheia, numa visão de beleza, muito longe da Escravidão, na
estupidez de arrancar seres humanos da África e forçá-los a trabalhar, sob
ameaça de Morte sobre estes. Este é o modo humano de agir: forçando. Esta lua é
pura como uma hóstia, trazendo um pinguinho de esperança a um quadro tão
fechado e opressor, no modo como os artistas brasileiros sofreram no Regime
Militar, e Baril pertence a esta geração, a qual testemunhou de perto o que é
ouvir um “cale-se”, o qual é frustrante para o cidadão artista. Acima no
quadro, um recipiente de doação de sangue, mas ele está vazio, pobre, carente,
precisando de boas almas, ou como num sistema opressor, que simplesmente suga o
sangue de seu cidadão, como num país fechado, doente, com cidadãos miseráveis,
o que o Taoismo chama de “guia torto”. Temos um Baril com a coragem de
catarsear um sentimento sombrio, no modo como ser artista é botar a cara a
tapa, esperando ser compreendido e respeitado. São como compartimentos de uma
colmeia, num sistema em que cada indivíduo tem um propósito, um trabalho. É um
quadro que mostra a vontade de libertar o Feminino, rechaçando um Patriarcado
que, no século XXI, dá sinais de enfraquecimento, pois tudo é processo, e a
Humanidade está em pleno processo de depuração. Ao lado direito da “hóstia”, um
belo corpo de mulher, num biquíni sumário, no modo como a sensual mulher
brasileira dá um jeitinho para fugir da opressão patriarcal.
Acima, Amarras II. A armadura é a blindagem psíquica, na necessidade do
indivíduo saber dizer “não”, obtendo o controle sobre a própria vida. A
armadura é a alma de guerreiro de um artista, num Baril que atua há décadas,
conquistando o respeito do público. É a garra, a força, a vontade de vencer,
tendo a força para virar as páginas e tocar a Vida para frente, sempre, pois a
página, seja doce ou amarga, sempre tem que ser virada. É a proteção das
eventuais flechas que podem querer atingir a pessoa, como críticas infundadas
ou como subestima, na luta que faz um artista ao querer ser reconhecido. É o
lado Yang da Vida. O fundo cor de rosa traz uma certa feminilidade, como na cor
de um bordel, ambiente que “cheira” a sexo, na sensação de virilidade que toma
o homem que vai para o puteiro. Ao lado da armadura, uma mulher toda
fragmentada, analisada, seccionada em partes para que a mulher seja
compreendida pelo Yang. A mulher está quase nua, com sutiã, com seios cônicos
que mostram o auge de uma beleza. Mais abaixo, uma vulva desprotegida, como uma
indefesa princesinha, a qual precisa ser salva pela fálica lança de São Jorge,
matando o dragão da animalidade e purificando o Feminino, na vitória da
Sabedoria sobre a Malícia. A cabeça da mulher tem vários buracos, como numa
estrada irregular cheia de crateras, na provação que são os caminhos tortuosos
da Existência, numa estrada cheia de curvas imprevistas, na aventura que é a
Vida, na aventura que é a construção de uma carreira. A mulher sorri suavemente,
com um sensual batom rubro, e está careca, como um feto, numa porção do ser
humano, porção esta que nunca deixa de ser criança, no modo como é necessário
que indivíduo mantenha-se sempre jovial, e nunca muito rançoso. Ao lado da
mulher, uma rosa, o presente clássico do Dia das Mães, no reconhecimento da
Feminilidade como co-construtora do Mundo, ao lado dos padrões patriarcais,
numa união de forças: a mulher cuida da casa e o homem sai para trabalhar, numa
sociedade, numa simbiose, no modo como cada artista tem que conciliar dentro de
si seus próprios Yin e Yang, sempre atento para não projetar em outrem coisas
deste mesmo artista. Logo atrás, terno e gravata, no traje oficial de um homem
trabalhando, assumindo inúmeras responsabilidades, gerenciando negócio, o
podemos ouvir tocando o telefone do escritório, nas responsabilidades de um
homem adulto, que precisa sustentar uma esposa e filhos, numa angústia mínima:
Será que vou ganhar dinheiro para sustentar os meus? Coroando o terno, vemos
uma forma misteriosa, parecendo ser uma coroa com uma cruz na frente, talvez a
Coroa Papal, na autoridade de uma elite sobre todo um sistema, numa hierarquia:
padres, bispos, arcebispos, cardeais e Papa, na inevitável hierarquialização do
Mundo. É o Direito Divino de um monarca, sendo o faraó um representante de Tao
na Terra, mas num faraó que, na real, nunca será Tao de fato. São as
ritualizações humanas. Mais ao fundo, duas cabeças também carecas, e a Calvície
é o Realismo, a falta de construção de ilusões, na necessidade de um artista em
se manter o mais real possível, rechaçando ao máximo quaisquer submundos
dantescos. As sobrancelhas delineadas são a disciplina de uma pinça, no
trabalho constante de um artista que trabalha consideravelmente, calando a boca
daqueles que acham que os artistas são vagabundos imprestáveis. Mais ao fundo, há
uma bela moldura torneada, a qual é a imposição de limites, no modo como é
sábio um homem que sabe até onde pode ir, obtendo Humildade. Acima da moldura,
um cabideiro, sustentando peças, organizando uma cena e dando ao artista um
sentimento de organização existencial, na qual tudo está em seu lugar, exalando
Paz, pois feliz é aquele que não declara Guerra contra si mesmo. A armadura e a
mulher formam um belo casal, sendo faces da mesma moeda, numa cena que parece
ser um casamento pós-moderno, revolucionário e, ainda assim, respeitando a
Tradição, como dizia Osho: o bom rebelde sempre respeita a Tradição.
Acima, Cachorro. É uma cena de confinamento, do modo como a Carne é a
prisão do Espírito, num Baril catarseando o sentimento de reclusão. O cão é o
guardião do Lar, mas aqui está acorrentado, purgando dias e noites de
aprisionamento. A etiqueta à esquerda, com o nome do artista, é a identidade, a
identificação com algo, com algum grupo, num Baril respeitado pelos outros
artistas plásticos de Porto Alegre. É como o código numérico no pingente de um
soldado, ou no código de nossas carteiras de identidade, ou uma tatuagem
numérica, identificando prisioneiros num campo de concentração, no sentido da
Igualdade, no qual cada um de nós tem um número, e ninguém é melhor ou pior do
que ninguém, como anônimos espermatozoides, competindo pelo mesmo óvulo. É a
competitividade da Vida em
Sociedade. O fundo do quadro, com pintinhas, é como um
formigueiro cheio de formigas, sendo umas iguais às outras, trabalhando em
conjunto em prol do formigueiro, em prol da grandeza da Vida em Sociedade. A partir
desse número identificador, cada indivíduo precisa desenvolver sua própria
identidade, sua própria diferenciação, e é da Igualdade que nasce a Diferença,
numa contradição muito irônica. São as pintinhas de um dálmata, na concorrência
entre cães de raça e viralatas, numa sociedade estratificada, piramidal, com
uma aristocracia ao topo, num indivíduo que nasce escravo de um sistema
opressor. As pintinhas são como uma chuva de piche, que suja ao invés de lavar,
na sujeira inevitável da Dimensão Física. A caixinha aprisiona o pobre bicho,
que tem que se contentar com migalhas, alimentando a Fé e a Esperança de que,
após o Desencarne, existe uma vida consideravelmente melhor, sem desemprego e
sem dor. A caixinha faz alusão à gíria “ficar na casinha”, a qual significa que
cada um tem que viver sua vida sem incomodar os outros. O “sair da casinha” é o
indivíduo que se excede e perde o foco da Vida em Sociedade, tornando-se uma
pessoa marginalizada. A corrente é o elo entre as pessoas, num engajamento de
rede, no qual há uma comunhão, uma vida em comum, no modo como a Unidade
organiza o Universo: Todos são filhos do mesmo útero, e, ainda assim, cada um
tem que ser ele mesmo, no processo de identidade no qual cada indivíduo tem que
ser autodidata. Aqui, o cachorro tem um olhar esperançoso, de quem tem a fé de
que um dia será libertado, podendo viver a Vida em plenitude, sem tantas
correntes, sem tanto confinamento, sem tanta sensação de despertencimento, pois,
na Dimensão Metafísica, o sentimento de pertencimento é supremo, constante e
inabalável. Acima e abaixo da caixinha confinadora, fios que parecem ser
elétricos, negros, agourentos, prendendo as percepções de um cidadão
escravizado por um sistema. São cobras malévolas que enforcam e matam; são o curso
de um rio altamente sinuoso e traiçoeiro; são minhocas sob a terra, fadadas a
servir de alimento a um pássaro, a um sistema; são o oposto da Liberdade,
construindo falácias ideológicas, no modo como o Ser Humano tem um talento para
produzir ditaduras; são dutos intestinais da mente artística, sempre observando
o Mundo de forma singular, na percepção pessoal de cada artista, havendo na
Arte um canal para que uma mente se expresse sem imitar outrem. O intestino vai
processando o cidadão, até eliminar este, num sistema em que a pessoa é uma
mera bateria alcalina, desprezada depois de não mais servir ao sistema, numa
metáfora da Psicopatia: quando o sangue da jugular seca, o vampiro parte em
busca de outro pescoço. Temos um Baril que mostra o poder libertador da Arte, a
qual deve ser acompanhada pela Liberdade de Expressão, pois, do contrário, não
é Arte, mas uma propaganda comunista.
Acima, Jesus Cristo Cruzado com o Deus Shiva. Baril entende que o Ser Humano é universal, e nisso
se incluem as religiões, pois é humano refletir sobre o Material e o Imaterial,
do modo como o Monte Olimpo, para o grego antigo, significava um mundo
metafísico, espiritual. É engraçado como os deuses hindus se parecem com
aranhas, com várias patas, e cada braço é um atributo, mostrando deuses
repletos de atributos, deuses estes que servem de referência espiritual ao
indivíduo fiel. Jesus na Cruz é a imagem da humilhação, da danação, da dor, num
homem que trouxe uma mensagem muito importante ao Ser Humano. Aqui, os braços
superiores se ramificam como árvores, na semelhança entre o formato de vasos
sanguíneos e de galhos vegetais, na força da Natureza, como poderosos raios e trovões,
identificados como a divindade nórdica Thor, pois o Ser Humano busca
explicações para o mundo no qual encarnou, e as religiões são essa tentativa
cognitiva, no modo como a vastidão imensurável do Universo tem que, no frigir
do ovos, ser atribuída a um Ser Supremo, a uma Inteligência Maior, e a crença
em Deus, em Tao, é tudo o que resta ao Homem, pois não existe livro dizendo
quem ou o que é Deus, no poder do Infinito, enorme demais para caber na cabeça
finita do Homem. A Coroa de Espinhos é o peso de uma responsabilidade, no peso
sobre a cabeça que reina, na majestade de ordem divina. Os vários braços nesta
cena estão desmembrados, decepados, como num açougue. Uma mão segura um peixe,
na Mãe Primordial que é o Oceano, e podemos ouvir o barulho de ondas
arrebentando, no odor sedutor do Mar, a Casa Primordial de Tolkien, chamando
seus filhos para o inevitável (e maravilhoso) retorno, na Lei do Eterno
Retorno; outra mão segura um cachorro quente, símbolo da comida contemporânea,
da Vida na Cidade, do modo como a fastfood é divinizada pela Cultura de Massa;
outras mãos são robóticas, como máquinas, no modo como o Pensamento Racional
faz metáfora com a Tecnologia Digital, na evolução técnica do espírito, e estas
mãos sangram, como se fossem um robô humano, uma máquina com sentimentos, no
modo como a paixão faz sofrer, numa cena de tanto sofrimento como a
Crucificação; outras mãos usam luvas de boxe, na batalha diária de um artista
em busca de si mesmo, em busca de ser compreendido pelo Mundo, pois a Vida é
luta. No topo da Cruz, uma inscrição – será que em Hebraico? A data, do ano de
1996, traz aqui um microcomputador que, na época, era o chuá da Tecnologia,
fazendo metáfora com o pensamento racional, que é necessário para abrandar
sofrimento, na questão da mortificação espiritual, sendo esta exaltada pelo Espiritismo,
sendo a mortificação, a morte das tolas ilusões, absolutamente capital no
progresso existencial. Este Jesus calça um par de tênis, informal, jovial,
despretensioso, na simplicidade das grandes mentes, das grandes pessoas, como
numa Eva Sopher, certamente uma das pessoas mais respeitadas da História de
Porto Alegre, com o famoso molho de chaves da guardiã do Theatro São Pedro,
como chaves de um tesouro inestimável. Aqui, um portarretrato com Marilyn
Monroe, figura tão constante na Pop Art, movimento que exaltou a Cultura de
Massa do Século XX, como vemos também aqui uma lata de sopa tomate e uma
garrafa de Coca-Cola, na inevitável industrialização global, numa ironia:
vender uma obra de Arte que retrata bens de consumo. Esta Marylin fuma, no poder
sedutor do tabaco, o qual prosperou em épocas em que ainda era permitida a
plena propaganda da Indústria Tabagista. Vemos também uma pistola reservada,
desativada, numa reserva de defesa, na necessidade do indivíduo desenvolver um
tanto de Agressividade, num mundo competitivo, onde um indivíduo quer brilhar
mais do que o outro. Também vemos um ratinho albino, significando a pureza com
a qual um artista concebe algo, sem malícias, sem ambições, mas com zelo e
propósito. O fundo do quadro é o Céu, é claro, na morada tão falada pela boca
de Jesus, num conceito desenvolvido posteriormente pelo Espiritismo.
Acima, O Halterofilista. O modo como a Sociedade cobra do Homem o pleno
desenvolvimento de agressividade, como no herói Hulk, que é 100% agressividade,
sequer com uma pontinha de charme ou cavalheirismo, mas uma força bruta da
Natureza, destrutiva como um vulcão ou uma tempestade. O halterofilista se
esforça para desenvolver a musculatura o máximo possível, nunca contente,
sempre querendo ter mais e mais músculos, no modo como a pessoa extremamente
atlética tem que cuidar para não se tornar uma pessoa desinteressante, para não
se tornar uma pessoa obtusa, que só sabe falar de atividade física, como vi num
filme de Woody Allen, em que um casal se diz feliz por ambos serem vazios e
nada terem de interessante para pensar ou falar. A beleza do corpo humano é
ancestral, muito antiga, no modo do Ser Humano observar a obra de Deus, no modo
como Deus concebeu Adão atlético, sem uma gota de gordura no corpo, como nos corpulentos
homens de Aldo Locatelli, que são homenzarrões vigorosos, entalhados na dureza
do dia a dia. Atrás do atleta, um alvo, na formação de um objetivo, que é
vencer um concurso de Halterofilismo, superando todos os concorrentes, na
versão masculina de um concurso de beleza feminino: o Homem tem que ser
agressivo e a Mulher tem que ser vaidosa, no modo como o Ser Humano é um animal
ritualístico, sempre tentando entender os mistérios universais. Aqui, o
halterofilista tem um pênis desproporcional, como o de Adão na pintura célebre
de Michelangelo, talvez um homem que tenha decidido ser musculoso por ter um
complexo de pênis diminuto. Aos pés do alvo, um portaflechas, cheio de objetos
pontiagudos e abrasivos, como pirâmides que representavam o temido poder do
Egito Antigo. As flechas são a reserva bélica, à disposição para qualquer
possibilidade de atrito, do modo como os republicanos nos EUA pregam o lobby
das armas e acreditam que todo cidadão deva caminhar na rua armado. A questão
do megamacho, do macho alfa, é expressada no corpo musculoso, como He-Man, o
homem mais poderoso do Universo, no modo como Trump se sente o machão alfa. Mas
essa polarização tem um oposto, que é a superfeminilidade, expressada nos
sapatos femininos de salto alto que o halterofilista aqui usa. É uma latência,
num indivíduo que pode ser muito macho e, ainda assim, feminino, nas
inevitáveis contradições entre as forças opostas que regem o Universo, no
discernimento taoista: se digo que algo é belo, é porque conheço o oposto, que
é feio, no modo como o liso e o áspero são faces do mesmo trabalho – nada de
errado em encarar dificuldades. Aqui, os pés do atleta estão pregados com
pregos longos, como os pés de Jesus crucificado, no modo como um atleta tão
desenvolvido sofre diariamente na luta por um corpão, como já ouvi na
televisão: vida de halterofilista é sofrimento! A pessoa com corpão paga um
preço tão alto por tal condicionamento físico, que esta mesma pessoa faz
questão de se desnudar em público e mostrar o resultado de seu empenho e de seu
sacrifício. Na cabeça deste atleta, uma explosão de elementos gráficos, como um
garfo, uma câmera filmadora e óculos escuros, elementos do dia a dia que Baril
traz como parte inevitável da Vida Contemporânea. O rosto do atleta está quase
todo encoberto, como se tivesse vergonha de ser alguém sem vida intelectual.
Este homem é prisioneiro do próprio corpo, numa cena um tanto sadomasoquista,
num Baril que catarseia um sentimento de aprisionamento. O corpo cruza o quadro
de ponta a ponta, como uma cidade pulsante e desenvolvida, num Arnold Schwarzenegger
fisiculturista que brincou ao dizer que ele mesmo era o navio de Titanic, como o homem musculoso que leva
o Mundo nas costas.
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