Natural da cidade italiana
de Lucca, Alfredo Volpi construiu no Brasil uma carreira que exaltou a segunda
fase do Modernismo Brasileiro. Muito de sua obra traz as famosas bandeirinhas e
casarios, numa grande identidade brasileira. Os textos e análises semióticas a
seguir são inteiramente meus. Boa leitura!
Acima, Bandeirinhas Estruturadas. Um azul marinho discreto, num Volpi apaixonado
pela beleza do Brasil, pelas riquezas naturais. As bandeirinhas são parte da
identidade nacional, no costume de decoração das Festas Juninas. As festas são
momentos de interação social, na tentativa de imitar a agenda social da
Dimensão Metafísica, sendo esta um lugar repleto de Vida, muito longe do modo
humano de temer a Morte. Temos um Volpi amante da Geometria, e sua obra traz
uma candura infantil, traço frequente no Modernismo, com linhas simples,
afastando-se da técnica acadêmica. As bandeirinhas brancas são a Paz, no clima
de interação amistosa que deve permear uma festa, longe de brigas e desavenças.
As bandeirinhas devem ser coloridas, alegres, convidando para festejar,
deixando para lá as tristezas espinhosas inevitáveis da Vida, num raro momento
de exaltação da doçura inenarrável de uma dimensão melhor. Além de
bandeirinhas, podemos ver, em contradição visual, figuras de pequenas casinhas,
com singelos telhados pontiagudos, na simplicidade de comunidades que se
distanciam das pretensões humanas de riqueza e ostentação, como diz a letra de
um funk: “Eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente na favela onde eu nasci”.
Como na acolhedora favela em que mora o personagem Zé Carioca, de Disney, numa
tentativa de estabelecer identidade, como uma Carmen Miranda dançando com Zé,
na política de boa vizinhança entre Brasil e EUA. São os abismos sociais
brasileiros, no modo como, ao lado de um apartamento em que morava minha irmã
em Salvador, havia uma pequena favela, tocando música o tempo todo, no modo
como o convívio tem que ser levado com delicadeza. Os telhadinhos aqui são bem
pontiagudos, agressivos, como se quisessem furar o Céu, desde os tempos da
Torre de Babel, num Ser Humano que, de certa forma, quer desafiar Deus, fazendo
avanços tecnológicos ilimitados, como me disse certa vez alguém: “Aonde o Homem
quer chegar?”. Temos aqui um mosaico, uma colcha de retalhos, como uma parede
de tijolos, construída com muito esforço e paciência, do modo como um cronista
constrói um texto, ou, como disse Caetano Velloso: compor uma letra de canção
exige paciência. Cada triangulozinho é o esforço de uma pessoa em particular,
no desafio do indivíduo em deixar a própria marca no Mundo, num exercício de
afirmação, num Mundo duro, no qual a pessoa tem que provar ser boa e
competente, no modo como qualquer artista quer conquistar seu lugar ao Sol, com
em plantas competindo pelo Sol, na inevitável competitividade de anônimos espermatozoides,
visando o sucesso do óvulo, a taça, o recipiente dos vitoriosos. Os telhados
negros são como furos triangulares, deixando aparecer, ao fundo, um negro céu
noturno, querendo desvendar o mistério, no modo como a Divina Providência
jamais antecede segredos antes do momento certo de revelação – a Vida é
naturalmente imprevisível, ou seja, é divertida e irônica. As bandeirinhas são
como tesouras esfomeadas, sempre cortando, sempre trabalhando, como na abertura
da telenovela Tititi, da Globo, em
que tesouras, representando costureiros rivais, devoravam uma à outra, como dois
cães raivosos brigando, na eterna vocação humana em odiar, odiar e odiar, sendo
a Raiva inimiga da Paz, pois há uma dimensão onde só há tempos e Paz e
Prosperidade, e a Guerra não é História; a Guerra é uma interrupção da
História. As bandeirinhas de tons terrosos são o chão, a terra, a referência,
do modo como Volpi adotou o Brasil e foi por este adotado, na simplicidade do
fato de sermos todos irmãos que habitam a mesma terra, como vi certa vez em um
desfile de moda, no qual a passarela era coberta de terra!
Acima, Bandeirinhas. A cor do Mar seduz Volpi. Aqui, temos uma maior
variedade cromática, como numa explosão de prisma. Podemos sentir o calor da
fogueira, e ver as pessoas pulando a fogueira! Podemos ouvir o barulho de fogos
e foguetes, e o som de Música. Podemos sentir o cheiro agradável de comidas e
bebidas juninas, como pipoca e quentão. Há algo mais brasileiro do que as Festas
Juninas? As crianças brasileiras, desde cedo, são incentivadas a participar das
brincadeiras juninas, num costume passado de geração para geração, numa
verdadeira expressão de cultura popular, como o Halloween nos EUA. No Sul do
Brasil, há um aspecto de miscigenação cultural, pois muitas meninas se vestem
de prenda e muitos meninos estão pilchados, ou seja, vestidos de gauchinhos, e
nas festas juninas gaúchas é servido também o tradicional pinhão, uma semente
invernal, num Ariano Suassuna que sempre amou o Brasil Popular. Estas cores
trazem um certo perfume cristalino, como cravo e canela usados no quentão, no
modo como é limpa e perfumada a atitude simples, minimalista, sem excessos ou
frescuras, no modo como uma publicitária me ensinou a dar valor às fontes
simples, como a Arial. Neste quadro, temos uma angulação, uma perspectiva. São
como azulejos de uma piscina, convidando-nos a mergulhar na água fresquinha e
prazerosa, na simples diversão infantil de pular n’água, num doce dia de férias
de Verão. O jogo de cores aqui faz parecer que há uma luz por trás do quadro,
como numa luz sendo projetada por um colorido vitral de igreja, trazendo a
alegria da diversidade, num mundo colorido em que cada cor é respeitada, no
necessário exercício democrático de respeito às diferenças – você não tem que
ser de tal cor; você tem que respeitar tal cor. O azul é o Mar cheio de
riquezas, de frutos, num formidável macarrão à putanesca, na sensualidade do
perfume de peixe, enchendo a casa, fazendo desta uma extensão do Mar. É a
simplicidade de uma criancinha à beiramar, numa diversão que sequer custa um
único centavo, no espaço altamente democrático que é a Beira da Praia, num
plano em que todos são iguais, como na Urna Eleitoral, como no fato de sermos
todos prisioneiros de corpos carnais, mas uma prisão que faz com que o prisioneiros
cresça, cresça muito, no sentido da Vida – crescer e se depurar moralmente, no
caminho humano rumo à depuração, à sofisticação de pensamento. As bandeirinhas
cor de rosa pastel são a candura infantil em se divertir da forma mais simples,
como crianças que, ao ganhar brinquedos caros, divertem-se muito mais com as
fitas coloridas que adornavam tais presentes, na necessária humildade
franciscana, como num Papa Francisco, uma pessoa que entende o poder da
Simplicidade. As bandeirinhas verdes são o verde da Flora Brasileira,
verdejante, vibrante, muito distante dos verdes sisudos de paisagens europeias.
Neste quadro, as bandeirinhas são como pedras preciosas, ricas em cores, na
sedução de objetos que brilham, no indescritível glamour da dimensão acima, no
perfume indescritível dos espíritos depurados, como dizem que, na presença do
médium Chico Xavier, era possível se sentir o perfume comportamental do mestre,
na lembrança de infância que tenho, com meus pais saindo perfumados de casa
rumo a algum evento social. Volpi foi muito feliz em ter se encontrado e ter
adquirido um estilo, no modo como, apesar da busca por referências ser
necessária, cada um tem que ser ele mesmo. Aqui são como gotas escorrendo em um
vidro de janela, no humor cinzento de um dia chuvoso, em que os chafarizes
perdem a razão de ser, sendo o chafariz só notado e valorizado em meio a um dia
seco, fazendo, assim, contraste. Estas bandeirinhas tremulam como uma bandeira
no mastro, em ondas, em liquidiscência, no modo como o Universo é altamente
translúcido, como numa Ana Terra, que fazia da água do rio um espelho para se
enxergar, numa busca por autoestima, numa pessoa querendo de se arrumar e se
gostar, na sensação gloriosa de uma pessoa que se aceita integralmente.
Acima, Barco com Bandeirinhas e Pássaros. Veja se não parece um desenho de
uma criança! Com isso não estou desmerecendo Volpi, bem pelo contrário, estou
enaltecendo o fato de ser necessário que um adulto conserve traços de candura
infantil. A magia do Modernismo traz essa simplicidade, num Brasil desejoso de
evoluir se modernizar em vários aspectos, como no aspecto industrial, por
exemplo, no modo como o Cinema Brasileiro tem a grande tarefa de estabelecer
uma identidade nacional, numa Patricia Pillar, uma atriz sempre enaltecendo o
Cinema Brazuca. O barco tem forma de concha, como no Congresso em Brasília, num
receptáculo, sempre aceitando, sempre recebendo, no modo como, ao receber o
passe no centro espírita, a pessoa tem que posicionar as mãos voltadas para
cima, para assim receber o Tao lhe coloca nas mãos. Podemos ouvir o som das
gaivotas e das ondas quebrando, e o humilde barquinho tremula com suas
bandeirinhas a vento, sempre tremulando, sempre aceitando o fluxo do ar, o gás
precioso e invisível. Aqui, Céu e Mar se fundem num só azul, no continuum que
reina entre tudo e todos, no tom que Tao traz à própria criação. O barco verde
é uma esmeralda, no modo como a velhinha de Titanic,
ao fim do filme, joga ao Mar uma preciosa joia, manifestando assim desprezo às
riquezas mundanas, pois um ser humano pode sofrer muito ao se apegar e deixar
dominar por riquezas mundanas. É um momento de libertação, como na sensação de
liberdade em uma praia de nudismo, na qual não há espaço para malícia, havendo
na nudez como algo belo e natural, na vocação milenar da Arte em despir o Ser
Humano, na busca pela simplicidade da nudez, como dedos que se desprendem dos
anéis, no necessário exercício de desapego, no modo como é complicado o desencarne
de uma pessoa materialmente apegada. As bandeirinhas seguem um só fluxo, numa
integração sensual, no ar puríssimo da beiramar, no modo como, na maior parte
do tempo, tudo de que precisamos é de ar nos pulmões. Os pássaros negros
competem com os pescadores, pois ambos visam o peixe como alimento, com
pássaros furtivamente roubando o peixe das redes dos pescadores. Em Capão da
Canoa, à noite, pode-se observar, bem ao longe, em altomar, luzes de barcos
pesqueiros, lutando pela Vida, buscando o alimento proporcionado por Iemanjá, a
Mãe dos Mares, como na mãe de Salvador Dalí, retratada de forma inocentemente
nua. É a liberdade do vento à beiramar, na sensação gloriosa de se despir e
colocar humildes chinelos, na simplicidade da falta de afetações ou vaidades.
Os pássaros negros têm olhos brancos, numa intenção de contraste, é claro, num
Volpi que sabe das contradições, como no fato de que, na Razão, nada mais
natural do que a Loucura, como numa peça teatral que vi há décadas, em que a
Razão era a sisudez masculina e a Loucura era a explosão multicolorida de uma
drag queen, no modo há duas faces de um mesmo trabalho – uma face é áspera; a
outra, macia como seda. Realmente, o Modernismo foi um ato de muita coragem
transgressora, em meio a um Brasil que ainda engatinhava como República,
havendo na Monarquia uma identificação com a Arte Clássica, acadêmica. É a
simplicidade das linhas de um Niemeyer, numa Brasília tão brasileira que
podemos ouvir o som de flautas e suaves percussões de Bossa Nova. No modo como
o Rock Brasileiro foi desbravando seu próprio caminho, e no modo como me
emocionei ao ver de perto, no Rio de Janeiro, ninguém menos do que Renato Russo,
algo muito improvável para um menino interiorano como eu. É como a magia de um
ovo de Páscoa sendo aberto, revelando um mundo mágico e colorido, com o perfume
de chocolate, numa revelação, como uma pedra de ametista, tão feia e
subestimada por fora; tão surpreendentemente bela e rica por dentro. Os traços
simples de Volpi fazem com que o subestimemos, e, desse modo, Volpi entra
poderosamente em nossas mentes, mostrando que menos é mais.
Acima, Fachada. Já ouvi dizer que, quando se vai a Portugal, a Arquitetura Lusa faz com que não nos sintamos numa terra estranha, e Volpi abraçou a
Arquitetura Brasileira. As portas em arco são a humildade, numa pessoa que se
curva e não se permite ser arrogante, pois a arrogância precede a queda, como
diz Tao: Quando você se sente como uma tesoura cega, é porque você está vem,
pois está humilde. E não é insuportável um sociopata que se acha Deus? Aqui, as
partes em vermelho são o continuum entre os sangues português e brasileiro,
havendo no processo colonizatório uma espécie de ensiminação, num Brasil que
cresceu muito, ao ponto de superar em muito a população portuguesa. Podemos
ouvir o som de cavaquinho, como no romance O
Cortiço, em que uma sedutora mulata dança ao som do samba, seduzindo com
uma cultura exótica, sensual, no modo da pessoa se sentir integrada ao Cosmos
ao redor, numa noite amena, de estrelas sobre o céu carioca. De novo vemos as
bandeirinhas, enfeitando para uma ocasião especial, como no seriado Chaves, em que a humilde vila é
enfeitada para a Festa da Boa Vizinhança, trazendo a pichorra, que é um traço
de Cultura Popular Mexicana, um boneco recheado de doces para as crianças,
havendo na festa um momento agressivo, em que a pichorra é espancada. Aqui, as
bandeirinhas são em duas cores, como num código binário, talvez representando
homens e mulheres, na ritualização social de dividir os banheiros públicos
entre Eles e Elas, na tentativa humana de organizar o caos primordial cósmico,
num mundo heterocentrado, em que a união homem-mulher é exposta e glorificada.
Aqui, vemos apenas a fachada, e não podemos saber o que há no misterioso
interior da casa. São as gavetas do Inconsciente, com conteúdos que devem
permanecer fechadinhos, a salvo. Como no seriado Friends, em que, na casa ultraorganizada de Mônica, havia um
pequeno cômodo absolutamente caótico e desorganizado, no modo como a
organização integral é uma ilusão, uma falácia, pois, na Dimensão Material, o
caos é inevitável, e só pode haver alguma ordem, e nunca ordem total, como diz
uma canção americana: Há uma manchinha negra no Sol hoje. Sempre haverá
manchinhas negras no Sol – Encarnação é isso. Temos aqui um rosa bebê, muito
cândido e brando, num delicioso interior rosado de um filé suculento, no modo
como a Arte é alimento espiritual; é comida para a Mente. No andar
intermediário, vemos uma porta mais estreita, mais difícil de ser utilizada,
num resguardo, numa reserva, na necessidade não só de privacidade, mas de
alguns saudáveis momentos de solitude. É a reserva da vida íntima, vida nesta
na qual apenas os amigos mais próximos entram, no modo como, no Facebook, por
exemplo, não são todos os nossos amigos na rede social que são de fato nosso
amigos fora da rede social. Bem ao alto, três janelas, sempre observando a rua,
como numa fofoqueira, eternamente debruçada e observando os movimentos do dia,
numa vida desinteressante, que nada mais faz do que perder tempo com
frivolidades, pois não é o fofoqueiro uma pessoa desinteressante, que mais nada
tem para fazer da Vida? Esta fachada traz um azul anil, num glorioso Céu de
Brigadeiro, na abundância de energia solar no Brasil. É a clareza de um artista
que se encontrou na Arte, num artista capaz de amar o Brasil, ajudando este a
ter uma identidade cultural. Esta fachada é simétrica, equilibrada, e podemos
ouvir o som de samba de um bloco carnavalesco de rua, pronto para passar e
fazer muito barulho, no sambinha de Chico Buarque: Vai passar nessa avenida o
samba popular. Em ruas cobertas de confete e serpentina. A fachada é o refúgio
do Lar, num espaço em que a pessoa pode ficar confortável, à vontade. O
vermelho sanguíneo pulsa junto com os tambores, em um Brasil que tanto deve
à cultura africana, num passado escravocrata tão cruel, com sequelas sociais
ainda presentes no Brasil, ao contrário dos EUA, com tantos negros integrando a
classe média por lá.
Acima, Festa de São João. Como são doces as lembranças de infância nas
Festas Juninas! Lembro que minha mãe, além de me vestir de caipira, pintava em
mim um bigode! Aqui, temos novamente tudo enfeitado para uma ocasião especial,
e os enfeites parecem grandes serpentes, como num sonho de Tim Burton, e as
cobras se esgueiram pela mata em busca de alimento, na inescapável tarefa da
Vida em nome do sustento, na luta pela Vida, com um pai um tanto angustiado,
sem ter a certeza de que receberá seu abono e poderá sustentar sua esposa e
filhos. Em um primeiro plano, vemos um grande poste firme, na autoridade
patriarcal, como numa mostra fotográfica recente que vi, sobre a África, e em
uma parte da mostra havia várias fotos de patriarcas africanos, sentados em
seus tronos empoderados, quase amedrontadores, poderosos. O poste é o falo,
fazendo uma divisão entre antes e depois, no modo como uma festa marca a vida
de uma comunidade, como na Festa da Uva, num momento de integração social em
torno de um só ideal – festejar a Vida. O poste é o dedo do meio, simbolizando
o “vá se foder”, com o perdão da palavra, como numa blindagem, em uma pessoa
que tem que aprender a dizer “não”. Vemos várias janelas e portas arqueadas,
como arcos romanos, como numa sensual modelo de calcinha e sutiã, havendo nas
curvas dos arcos a fluidez primordial uterina, o Sacro Lar ao qual todos
pertencemos, no problema de que os espíritos sofredores não querem saber deste
Lar. A cor alaranjada é cítrica e perfumada, na incrível variedade de frutos
brasileiros, num país em que a abundância faz bons preços nas feiras livres, em
programas de culinária que tanto fazem uso de raspas de casca de frutas
cítricas, num sabor ácido e abrasivo, numa agressividade tão interessante. De
dentro desta casa emana uma luz branca, como uma casa toda iluminada para uma
noite festiva, recebendo convidados de braços abertos, numa anfitriã rica e
elegante, recebendo as pessoas com o melhor espumante, no prazer de receber, de
acolher e de proporcionar prazer a outrem. Mais ao alto, vemos uma imagem,
talvez de Nossa Senhora, com uma cabeça radiante, cheia de brilho, com setas
espetando, irradiando beleza, numa fonte de esclarecimento, colocando fim às
dúvidas existenciais, trazendo a aurora da Dimensão da Estrela da Manhã, um
momento em que mistérios são finalmente desnudados e resolvidos. No topo do
quadro, mais bandeirinhas, sempre com a obrigação de colorir e trazer alegria,
num momento de euforia em um baile, em que todos são felizes e sorridentes,
deixando um pouco para lá as vicissitudes do dia a dia, numa festa pomposa,
digna de receber o Presidente da República, no modo como as festas comunitárias
divulgam cidades para o resto do país. Aqui, as janelas e portas têm forma de
balas de revólver, mas um revólver do Bem, que atira Arte e inspiração para
todos os lados, fuzilando as percepções, na guerra contra a Ignorância e o
Preconceito. A impressão que se tem aqui é a de um lugar muito bem governado e
administrado, num lugar belo e limpo, cheio de gente contente, como um mundo em
miniatura, numa cidade tão formosa e perfumada. Um pouco acima da imagem de
Maria, uma forma que parece uma flor, como a Rosa Mística, no mistério mágico
de Feminilidade, numa hortênsia decorando cidades serranas gaúchas no fim de
ano, numa claraboia iluminadora, trazendo coragem e certeza.
Acima, Sereia. As sereias têm toda uma magia, no sedutor odor de Mar, no
aspecto feminino de fluidez. No filme Piratas
do Caribe, as sereias são frias e traiçoeiras, arrastando marinheiros para
o fundo do Mar e destruindo-os. No folclore brasileiro, a sereia é algo belo,
como na imagem de Iemanjá, a Senhora dos Mares e dos Navegantes, nutrindo as
redes pesqueiras, com as mãos voltadas para o adorador, alimentando este com
pérolas brancas, os frutos do Mar. Os Estúdios Disney começaram uma fase de
reconstrução com o filme A Pequena Sereia,
em que uma sereia queria muito viver fora do Mar, na Terra, na metáfora com a eterna
insatisfação humana, num Ser Humano que nunca está bem servido – se está na
Cidade quer ir para o Campo; se está no Campo quer ir para a Cidade. Aqui, a
sereia tem longos cabelos negros, como os de Iemanjá, e são cabelos naturais, nunca
presos ou contidos, sem um penteado específico, na beleza de cabelos de
comercial de xampu, negros como a asa da graúna, nos cabelos da índia
idealizada Iracema. É impressionante a doce simplicidade infantil de Volpi,
pois um adulto jamais deve se alienar totalmente da própria infância. O rabo da
sereia é verde esmeralda, um rabo curvilíneo, sempre em movimento, escapando
das redes dos pescadores. Num recente comercial televisivo de carro, uma sereia
seduz um homem que dirige o caro anunciado – o homem acaba sozinho no Mar e a
sereia acaba controlando o carro, talvez numa metáfora de um divórcio litigioso,
num Luizinho ser obrigado, por Lei, a sustentar uma pessoa que não mais faz
parte da vida de Luizinho. Aqui, a sereia é cercada por meias-luas, que podem
ser peixes, na magia lunar que banha os Oceanos, regendo as marés, no sedutor
enigma físico da integração da Vida na Terra, nas entranhas do Mar que engoliu
o Titanic, numa fome voraz, num Mar que pode ser fada ou bruxa. As meias-luas
são a fartura do que é trazido pela Mãe Cósmica Primordial, num Jesus Cristo
fazendo o milagre da multiplicação dos peixes, enchendo de peixes as redes dos
pescadores, numa cornucópia, em um banquete digno de receber um rei, como numa
farta galeteria, na divertida lembrança que tenho de uma italiana à mesa de uma
galeteria caxiense, e a italiana dizia: “Ma
Dio, como vocês comem!”. É como a riqueza de um café colonial em Gramado,
ou no café da manhã de um bom hotel, numa mesa generosa, numa Iemanjá zelosa,
que gosta de presentear os pescadores. O rabo da sereia é altamente sinuoso,
traiçoeiro, sempre em movimento, na fluidez eterna de Tao, o córrego da Vida, a
cascata que nunca cessa. Seus dedos são delgados e delicados, como de uma
princesa cercada de privilégios, nas mãos de uma mulher que nunca teve que
fazer tarefas pesadas, como cortar lenha. Esta sereia é pálida como a Lua, na
suave luz lunar, e podemos olhar para ela diretamente, sem que nos ofusque os
olhos. Esta nudez é muito inocente, sem sensualidades, e os seios são
representados por apenas dois pontinhos. O rosto é um pouco Picasso, e esta
Nossa Senhora dos Navegantes não sorri; tem um olhar plácido e ponderado,
equilibrado, como num plácido e brando Mar da Vênus de Botticelli, num
receptáculo delicioso, acolhedor, no prazer que preenche a alma dos anjos, os
espíritos desencarnados, na crença espírita de que cada um de nós tem a
integral companhia de um anjo da guarda. O umbigo da sereia é um singelo
pontinho, como um micro buraco negro, seduzindo e arrastando tudo e todos para
si, como se agregasse uma família, na grande família que é a Vida no Mar, o
plano primordial que gerou a Vida. Esta sereia plácida entra aqui para trazer
estabilidade, na estabilidade de um artista que está centradinho e produtivo.
Esta sereia é um talismã benéfico de boa sorte, como uma Ísis dos Mares, no
mistério da reprodução, da fertilidade, dos mistérios do útero que traz novas
vidas ao Mundo. Este quadro é equilibrado, como um Niemeyer. As meias-luas são
cascas de unhas, no exercício constante de autoestima, numa pessoa que tem que
se cuidar para se gostar, na gloriosa sensação de uma pessoa que gosta de sua
própria Vida, como diz uma recente canção de Robbie Williams: “I love my life”,
ou seja, “Eu amo a minha vida”. É a romântica história do clássico filme dos
anos 80, Splash – Uma Sereia em Minha Vida, de uma
sereia que se apaixona por um homem, indo ambos, ao final, morar juntos no
fundo do Mar. As escamas trazem um elegante brilho, como num vestido cuidadosamente
adornado, na magia artística que nos transporta a outros mundos.
Referências bibliográficas:
Alfredo Volpi. Disponível
em <www.escritoriodearte.com>. Acesso 7 nov. 2018.
Alfredo Volpi. Disponível
em <www.wikiart.org>. Acesso 7 nov. 2018.
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