quarta-feira, 28 de junho de 2017

Sempre a Amaremos




Até hoje no mundo, milhões de discos já foram lançados, tanto vinis quanto CDs. Foram lançados trabalhos de vários artistas e estilos. Estar entre os dez trabalhos mais bem-vendidos da História da Indústria Fonográfica é muita, muita coisa; é a pontinha da pontinha do iceberg. O álbum O Guarda-costas vendeu terrivelmente bem, e foi, decididamente, um divisor de águas da vida desta cantora negra americana que começou cantando Gospel em igrejas. As seis canções do álbum cantadas por Whitney Houston foram exaustivamente tocadas em rádios e em festas, em especial o supermegahit I Will Always Love You, que é na verdade uma regravação, sendo que a canção, originalmente, não fizera tanto alarde quanto à faixa de O Guarda-costas. Irônico, não? Parece que Whitney deu um empurrãozinho para vender a canção. Em entrevista a Oprah Winfrey, Houston disse que, antes de O Guarda-costas, a diva usava drogas leves, e que, depois disso, passou a usar drogas pesadas, numa prova de como o sucesso acarreta em pressão e assoberbamento estratosférico. Não é fácil fazer tanto sucesso. O ator Macaulay Culkin, por exemplo, está até hoje tentando sobreviver a Esqueceram de Mim – ninguém o esqueceu. Por outro lado, o insucesso também é complicado, pois é depressor, desnorteante e desestimulante, quando que, quando alguém atinge um ponto de sucesso, quer permanecer eternamente neste momento doce, e a vida não é assim; a vida é página tendo que ser virada sempre. Portanto, relaxe e curta a viagem.

É interessante observar que as pessoas só se lembram das faixas de Whitney em O Guarda-costas, pois as faixas restantes, interpretadas por outros artistas, foram absolutamente esquecidas. Engraçado, não? Faixas que chegaram tão perto do sucesso e que foram ignoradas. É o senso de humor da vida. Outro aspecto equivalente é o fato de que o filme, no qual Whitney contracena com o hoje esquecido Kevin Costner, está abaixo da média, e não é um filme clássico, frente ao esmagador êxito do álbum. A crítica não se empolgou com a atuação de Whitney, a qual interpreta, em metalinguagem, uma estrela negra americana da Música – diva falando de diva. E Costner, que já esteve no topo da cadeia alimentar hollywoodiana com Dança com Lobos, entrou em um limbo do qual parece que não conseguirá sair, numa prova de que ninguém está por cima o tempo todo.

No filme, um guarda-costas, é claro, apaixona-se pela estrela da história, algo incomum nos EUA, país no qual, normalmente, branco casa com branco e negro casa com negro. A superdiva Rachel Marron, além de sucesso musical, é uma estupenda atriz, e é a favorita a ganhar um Oscar. O erotismo da história está exatamente na relação entre protetor e protegida, e o espectador não entende direito porque o par não viveu feliz para sempre. Ironicamente, Whitney, na época, após o boom de I Will..., apresentou o prêmio de Melhor Canção no Oscar, brincando ao dizer que toparia cantar todas a cinco canções, as quais já tinham sido tocadas na cerimônia, mostrando uma Whitney segura, mas algo que acabou revelando-se apenas um verniz, pois, abaixo de tanto aparente autocontrole, revelar-se-ia uma pessoa que foi sofrendo durante a vida. Ainda no Oscar, a deusa da Comédia Whoopi Goldberg cantou o refrão de I Will... para Whitney, que estava na plateia, revelando-se WG, comicamente, uma cantora que não chegava aos pés de Houston, e Whitney, embarcando na piada, aconselhou Whoopi a ficar calada, e esta disse: É por isso que só me deixam cantar com freiras, aludindo ao sucesso de comédia Sister Act, ou seja, Mudança de Hábito.

Whitney era dona de uma voz deslumbrante, viril, forte, redentora, no melhor estilo Gospel. I Will... é uma canção de amor fraterno, desapegado, racional. Na letra, uma pessoa rejeitou outra pessoa não por não amá-la, mas por amá-la de fato, algo do tipo: Se eu continuasse no seu caminho, eu colocar-me-ia entre você e a vida que você quer ter. Você jamais sairá de minha vida nem de minha memória, e sempre será um dos maiores amigos que tive em vida. Quero que você encontre alguém e que seja feliz com essa pessoa, pois você e eu sempre fomos pessoas que olharam para direções diferentes uma da outra: sermos diferentes um do outro parecia que ia dar certo, na junção dos opostos, mas acabou revelando-se não tão certo. Vá viver sua vida amigo, e conte com meu amor, sempre. É uma grande canção, e Whitney a preencheu com maestria, numa época em que sua voz estava no auge. Por que estou dizendo isso? Porque a voz dessa diva, no decorrer dos anos, pelo abuso de drogas, foi passando por um empobrecimento enorme, até culminar no desastroso álbum I Look to You, no qual Whitney volta às raízes Gospel. Nesse trabalho, sua voz está irreconhecível, no mau sentido, numa voz que revelou-se uma vaga sombra do que era a voz de Whitney nos anos 80. As drogas devastaram a voz e a vida de Whitney, e seu ganha-pão sofreu um débito incontornável, para sempre. Nesse álbum, só dá para ouvir momentos em que Whitney canta com mais sutileza, mas nada equiparável à “sirene” melódica de O Guarda-costas. A vida de Whitney ficou absolutamente destruída, tudo por culpa das drogas, malditas estas sejam. Nos últimos trabalhos de Whitney, não dava para reconhecê-la, tal o débito vocal. Parece que a diva simplesmente perdera a inata capacidade de cantar como um anjo. A diva caiu para nunca mais poder reerguer-se. Foi uma maldição digna de vilão de Disney.

Reza a lenda que Whitney, numa irrefreável avalanche de dependência química, fez da maconha e do álcool portas de entrada para a cocaína. Um dos sintomas da crise de abstinência de cocaína é a sudorese acentuada, e, realmente, se formos observar, depois de O Guarda-costas, Whitney, em suas aparições no palco, suava excessivamente, incessantemente, mais do que qualquer outro artista no palco. Mais ou menos na mesma época, Whitney fez uma aparição pública ao lado do Rei Pelé na abertura da Copa do Mundo dos EUA, em 1994. Falando em esportes, anos antes, antes mesmo de I Will..., a América já reconhecia o poder vocal de Whitney, e esta foi convidada a cantar o Hino Nacional dos EUA em uma cerimônia de um grande campeonato, e Whitney o fez fazendo-nos arrepiarmo-nos. Outra aparição apoteótica foi numa cerimônia do Grammy, na qual Whitney interpretou a arrebatadora canção One Moment in Time, num final glorioso, ovacionada de pé pela plateia e pelo mundo, numa diva no auge de sua virtude vocal, numa cantora que ia muito bem entre momentos sutis até explosões de “gritos”. E isso que I Will... ainda estava por vir.

Parece que Whitney, em uma fase aguda da drogadição, passou a fazer uso de crack, uma droga que é um verdadeiro pé na cova. Um dos efeitos desta droga malévola é a perda dental, com dentes que simplesmente começam a cair, numa Whitney que faleceu com vários implantes dentários. Provavelmente sob efeito excessivo de calmantes, Whitney adormeceu e afogou-se numa banheira um hotel de Beverly Hills, EUA. Sua família a enterrou com joias, e Whitney permanecerá sempre uma das maiores vozes do fim do Século XX – uma joia de talento. Entretanto, a história de Houston fala de sofrimento, numa fábula de como o mega-estrelato é desolador para quem está no topo desse bolo. Sem as drogas, Whitney ainda estaria entre nós, deslumbrando-nos por décadas com sua voz sobrenatural. A Indústria Fonográfica pode ser perniciosa. Whitney teve tudo, e tudo perdeu. Esperamos que ela esteja feliz na vida de desencarnada, continuando a fazer o que ela amava: cantar.

Além de diva, Whitney era bela e fotogênica, sempre aparecendo como uma deusa nas capas de seus álbuns, numa autêntica beleza africana. Um grande dueto que fez foi com outra megadiva, Mariah Carey – que cancelou um show em Porto Alegre –, na música-tema do filme O Príncipe do Egito. Uma piada no findado seriado The Nanny é quando a babá Fran fica sabendo que há em Nova York o Whitney Museum, que abriga arte estritamente americana, e Fran, ao entender errado, diz: Ela tem um museu? Será que lá tem a roupa metálica que ela usou em O Guarda-costas?, fazendo alusão ao figurino que Rachel Marron usa em um show no filme.

De uma Rachel Marron livre de drogas e maravilhosa em termos de voz e atuação, no completo controle das coisas, contrasta com uma Whitney que foi perdendo controle da situação e da própria carreira. Na lei universal de que ninguém está por cima o tempo todo, Whitney surfou em uma onda grande demais, e acabou afogando-se. Whitney não soube administrar. E o sucesso é de dificílima administração.

Depois de O Guarda-costas, Whitney virou sinônimo de excelência, num patamar como o de Michael Jackson. A América e o mundo veem estrelas subir e cair, no cômico carrossel da vida. Whitney foi sutilmente caindo. Ela teve um rápido upgrade na carreira com o lançamento de um álbum de remixes de grandes hits da cantora, com dois CDs ao mesmo tempo, sendo um de músicas dançantes e o outro de baladas românticas. Na capa do álbum, vemos uma Whitney sorridente colecionando discos que aludem aos recordes de WH em vendas. Mas já era um momento em que a diva decaía, num sonho que virara pesadelo. Repito: malditas sejam as drogas.

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