quarta-feira, 5 de julho de 2017

Preto & Branco




É dele o álbum mais bem vendido da História, o Thriller, uma marca que provavelmente inspirou o título Invincible, ou seja, Invencível, de seu álbum mais recente. Realmente, será difícil alguém desbancar aquele que foi chamado de Rei do Pop e de Mago. No início dos anos 80 eu era uma criancinha, e lembro-me perfeitamente do clipe de Thriller transmitido pela Globo, provavelmente no programa Fantástico. Eu estava deitado na cama de meus pais, a qual tinha uma TV em frente, e minha mãe, que estava comigo no quarto, deu um grito no momento em que Jackson transforma-se em um terrível monstro no clipe. Nunca alguém foi tão longe nem tão ousadamente, e um Michael monstruoso ganhou o mundo, que adorou vê-lo transformar-se em lobisomem e aterrorizar a mocinha do clipe, onde Michael dança com zubis recém desenterrados de suas covas, num horrível Umbral. Genial e original. Cantor ok e dançarino excepcional, Jackson inventou o famoso passo Moonwalk, no qual o dançarino parece estar andando para frente e para trás ao mesmo tempo. E MJ foi assim – andou para frente e para trás durante sua (conturbada) vida de popstar.

Digno de grandes investimentos por parte de gravadoras, MJ está no clipe mais caro da História, o Scream, ou seja, Grito, no qual contracena com a irmã Janet Jackson, uma cantora ruinzinha que precisa mostrar um dos seios em público para receber alguma atenção da mídia, como o fez ao lado de Justin Timberlake. Janet até tenta se vender na mídia, mas está a quilômetros de distância do talento do irmão. No clipe, em uma excelente fotografia em preto & branco, Michael e Janet estão em uma espaçonave, e os efeitos visuais impecáveis (e caros) mostram os dois dançando em uma coreografia empolgante e fazendo outras coisas, como jogar esportes e videogame, brincando com a falta de gravidade. A canção não chega aos pés do apuro visual do clipe, e fala de como Michael, recebendo então apoio da irmã, protesta sobre como a imprensa o maltrata, publicando informações horríveis, muitas vezes infundadas, como nas ocasiões em que o Rei foi acusado de pedofilia. E nisso MJ sofreu, e mostra no clipe a raiva por ser tratado assim, pedindo o respeito das pessoas. Na letra, Michael diz ter tanta raiva que quer gritar.

Há muitos anos foi promovido um evento chamado O Show da Família Jackson, que mostrou vários membros da família em performances no palco. É claro que as pessoas que pagaram ingresso para ir ao show foram querendo ver MJ no palco, sendo que os shows de seus parentes seriam uma simples preliminar, uma salada antes do grande prato principal. A plateia ficou absolutamente frustrada quando Michael, ao final do evento, subiu ao palco, ao lado da amigona Elizabeth Taylor, dizendo que não faria performance alguma. As pessoas ficaram tão revoltadas que vaiaram Michael, o qual disfarçou rindo suavemente mas, no íntimo, estava envergonhado e um tanto humilhado, pois quem é que gostar de ser vaiado? Liz Taylor intercedeu, e disse à plateia que não era nem um pouquinho legal estarem vaiando MJ. Nada mais natural do que duas grandes estrelas serem amigas uma da outra.

A partir de um certo momento, MJ foi sempre cercado de controvérsia, como nas várias cirurgias plásticas – ele disse ter feitos só duas: uma no nariz e outra no queixo. Isso sem falar no branqueamento da pele, o que é irônico dizer que ele foi alvejado em dois sentidos: alvejado na cor alva de sua pele, como que sob efeitos de água sanitária, e alvejado no sentido de sofrer ataques. Michael, antes de tanto bisturi, era um negro bonito, e era a grande coqueluche do conjunto Jackson Five, que montou com os próprios irmãos nos anos 70, sempre conduzidos pelo pai de Michael, um empresário que se revelou extremamente duro com os filhos, duro ao ponto de Michael querer cortar relações com o próprio pai. Autoritário, o pai de Michael gostava de ficar com o dedo em riste, exigindo sempre o máximo da prole, uma cobrança que fez de Michael um profissional esforçado e muito competente, ao ponto de se diferenciar claramente no grande panteão pop. Michael sempre disse que não teve infância, o que teria uma consequência depois, na vida adulta, num Michael adulto que dava todos os sinais de um complexo de Peter Pan. O próprio Michael dizia, que, em seu próprio coração, era Peter Pan. Desde a infância, MJ teve que trabalhar tanto que simplesmente foi tolhido como infante. Tudo aquilo no que a pessoa é tolhida na infância vai estourar na vida adulta, como uma consequência, como algo natural.

Michael recebeu certa vez uma grande homenagem na premiação anual do Grammy, sendo aclamado como uma verdadeira lenda. Mas nem tudo são flores. A inexpressiva Latoya Jackson, irmã de Michael, certa vez foi à mídia dizendo que seu irmão era, de fato, pedófilo, e outros membros da família Jackson, após isso, disseram que Latoya era desprezível, uma verdadeira pária da família. Certa vez, a revista brasileira Caras convidou Latoya para vir ao Brasil e fizeram um ensaio fotográfico com a pária, como se Latoya fosse uma superestrela. Jesus Cristo, por favor.

Por que MJ resolveu ter filhos com pessoas brancas? Não se sabe. Certa vez, o astro teve um midiático relacionamento amoroso com a filha de Elvis Presley, e o casal aparece junto no clipe de uma balada romântica de Michael. É claro que era tudo para causar estardalhaço na Mídia. MJ era um homem midiático, muito midiático. Cada suspiro seu era acompanhado e esmiuçado pela Mídia, como nas famosas imagens de Michael chacoalhando um de seus filhos, ainda bebê, no lado de fora da sacada de um hotel, sendo bradado por fãs. Muitas pedras já foram jogadas em MJ, e até acusaram-no de ser sociopata, um verdadeiro Hannibal Lecter. Que exagero. Nunca os supostos abusos sexuais tiveram provas, e Michael foi vítima de pessoas de má fé, que queriam arrancar-lhe dinheiro a qualquer custo. O astro foi humilhado, tendo que ir aos tribunais, sempre sob os holofotes midiáticos. O cantor até teve que ter suas partes íntimas fotografadas como parte das investigações. Como pode alguém tão bem-sucedido ser tão humilhado? O sucesso é uma faca de dois gumes.

A morte de MJ foi trágica. O astro estava em plenos ensaios de uma bateria de 50 shows em Londres, num espetáculo chamado This Is It, algo como Acabou, É isso, sugerindo que seria aquela a última vez em que pisaria nos palcos. É claro que Michael ganharia um bom dinheiro e pagaria suas dívidas. A amarga ironia é que Michael acabou-se antes mesmo de estrear no show, e há um filme que mostra os bastidores dos ensaios, num Michael dedicado, com barba por fazer, cuidando de cada detalhe cênico, de cada verso, de cada dançarino. Não se sabe por que Michael estava sofrendo de insônia nos preparativos do espetáculo, e pediu ao seu médico particular que lhe ministrasse grandes doses de um analgésico potente, tão potente que acabou causando uma parada cardíaca em Michael, o qual foi-se embora para bem longe dos meandros problemáticos do sucesso. Reza a lenda que, antes de dormir e morrer, Michael disse, aos sussurros, que queria que This Is It fosse uma experiência única para seus fãs.

O álbum Dangerous, ou seja, Perigoso, do início dos anos 90, era para ser um verdadeiro estouro de vendas, como Thriller, mas encalhou feio. Eu lembro de estar viajando pelos EUA, no início de 1993, e, numa loja de CDs, numa época em que acreditava-se que a mídia CD jamais ruiria como está ruindo hoje em dia, havia um balcão cheio de CDs de Dangerous sendo ofertado por poucos dólares. A música-chefe Black or White, ou seja, Preto ou Branco, mostra Michael viajando pelo mundo, entrando em contato com várias etnias, raças e culturas, exaltando a positividade da diversidade racial e dizendo que somos todos iguais, tendo em Michael uma espécie de embaixador global. Mas, mesmo com uma mensagem tão bela, as pessoas trouxeram à luz da discussão a cor da pele de Michael, a qual, ironicamente, estava entre preto e branco. Exaltado e nervoso em uma entrevista posterior, quando o repórter perguntou-lhe sobre a cor de sua pele, Michael disse que era uma doença dermatológica e que exigia ser respeitado. Até hoje é um mistério: por que um homem negro tornou-se branco? Será que Michael tinha um distúrbio de imagem e que, quando olhava-se no espelho, via tudo, menos a si mesmo?

Outro grande clipe é o Remember the Time, ou seja, Lembre-se da Época, catarseando um Complexo de Édipo. O cenário é o Egito Antigo, e Michael aparece como, ironicamente, em metalinguagem, um entertainer, um artista performático, seduzindo a rainha – a linda modelo negra Iman, incorporando a mágica Nefertiti – e deixando o faraó – o astro Eddie Murphy – furioso. Então Michael dança com odaliscas e transforma-se em areia para fugir dos guardas que o perseguem por ruelas e palácios. MJ está belo, vibrante, um verdadeiro astro, aparecendo no início do clipe com um misterioso capuz que lhe cobre o rosto de início, revelando-se depois. Falando em clipes, o irônico em Thriller é que Michael, que sempre preocupou-se tanto com a própria aparência e beleza, abriu mão da vaidade e aparece feio, horrendo, ganhando o mundo ao abrir mão da boa estampa, num momento em que Michael ficou livre de si mesmo, produzindo pura Arte, pois, diz Tao, quem é livre de si mesmo, é feliz.

MJ já esteve no Brasil e, sob muito burburinho, gravou em uma favela do Rio o clipe de They Don’t Really Care About Us, ou seja, Eles não se Importam Muito Conosco, numa canção que é um manifesto político sobre desigualdades sociais. Na gravação, uma fã driblou a segurança e abraçou Michael, e ficou em sua própria pele com um resquício do pó de maquiagem do astro, sendo que, depois, uma apresentadora da MTV Brasil entrevistou-a e cheirou o resquício de maquiagem.

Controvérsia e Michael Jackson andaram juntos. No filme promocional do álbum HIStory, ou seja, A História Dele, que traz um panorama da carreira do astro, Jackson desfila num grande cortejo militar digno de soviéticos, nazistas ou norte-coreanos, e o astro é saudado por multidões como um ser apolíneo, perfeito, digno de reverência e adoração.

Em um desses filmes de besteirol americano de comédia, há uma sátira de Michael, que ironiza as acusações de pedofilia e, quando Michael leva um chute na virilha, não sente nada, como se fosse castrado. Michael sempre propagou a ideia de ser assexuado, e, no palco, é realmente sem gênero, num mistério. Sua fala mansa e afeminada contrasta com o colosso viril que é no palco, só que em This Is It faltou-lhe um bom coreógrafo. Não que os trejeitos dançantes clássicos e famosos de Michael não fossem esplendorosos, mas Michael teria que aprender novos passos, para evitar a repetitividade. Mas existe alguém no mundo que poderia ensinar a dançar um gênio de coreografias como Michael Jackson? Outro ponto problemático de Michael é que este acreditava que, ao vivo, a banda tinha que reproduzir exatamente o mesmo arranjo musical ouvido nos álbuns. Nesse sentido, MJ era complicado, pois dar novas roupagens a velhas canções faz destas renovadas e reinventadas. Há uma pessoa do showbusiness, cujo nome não mencionarei, que dá uma aula em matéria de novas roupagens a velhas canções.

O CD Invincible não entusiasmou a Crítica, a qual só gostou da música-chefe You Rock My World, cujo clipe é sequer uma sombra de outros clipes impecáveis da carreira do Mago. No encarte do CD, um Michael Jackson triste, em preto & branco, contrasta com um fundo com as cores de um arco-íris, numa latência: como pode haver tanta alegria e tanta tristeza? MJ foi um adulto recluso, tímido, buscando sobreviver às sequelas de infância, cercando-se de crianças e fazendo-as divertidas em seu parque de diversões particular, no exótico comportamento de Michael, um astro nem sempre compreendido pelo mundo.

Recentemente no televisivo Domingão do Faustão, num quadro onde pessoas famosas homenageiam outros grandes artistas, como Roberto Carlos, Shakira e James Brown, recebeu destaque um rapaz que imitou Michael Jackson, dando-nos um gostinho de lembrança de como fomos privilegiados por termos tido entre nós um artista como Jackson, nos seus originalíssimos passos de dança e no seu carisma ao palco. Descanse em paz, Michael. No seu funeral, a filha, emocionada, disse que Michael foi o melhor pai do Mundo.

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