Exatamente no momento em que eu
selecionava em minha cabeça um assunto para tratar aqui no blog, estava numa
fila do caixa de uma farmácia em Caxias do Sul, e num mural atrás do operador
de caixa havia, dentre muitas imagens, uma imagem de Elizabeth II da
Inglaterra, isto num estabelecimento comercial em pleno Brasil. Ela
é uma monarca que ultrapassa fronteiras, sendo respeitada ao redor do mundo.
Nesta imagem na farmácia, ela está num traje rosa, e abana sorrindo. Bisavó,
Elizabeth II tem o reinado mais longevo da História da Inglaterra, numa energia
que, apesar da idade, nunca deixou de exercer suas obrigações constitucionais.
É uma saudável senhora. No casamento do filho Charles com Camilla Parker
Bowels, o Príncipe de Gales, ao ver a mãe, deu-lhe um singelo beijo no rosto,
quebrando protocolos e formalidades, pois já ouvi dizer que família são todas
iguais – só muda o endereço. Uma pessoa de minha família, em recente viagem ao
Reino Unido, comprou como souvenir um prato com a imagem impressa da monarca,
devidamente sorrindo e coroada com joias, representando um país rico e
respeitado, herdando o legado eterno da grande monarca antepassada, a lendária
Elizabeth I. Bisneta da popular rainha Vitória, Elizabeth II, no decorrer de
suas décadas de reinado, foi aprendendo e crescendo, desenvolvendo um estilo
próprio. Líder da família mais famosa do mundo, disse, em discurso ainda jovem,
que todos os cidadãos de seu país pertencem à Grande Família Imperial.
Há muitos anos, vi um inesquecível
programa de humor da TV Inglesa, e era um programa no qual bonecos faziam
sátiras de grandes personalidades. Então, estava um boneco aludindo à Elizabeth
II, com uma coroa de pedras preciosas e as tradicionais luvas da rainha, visto
que esta senhora viveu nas décadas em que luvas eram indispensáveis a uma dama
em compromissos sociais. Uma atriz imitava a voz da rainha, e era uma voz idêntica.
Então estava a rainha fazendo um saque em uma agência bancária eletrônica em
Londres, num caixa de autoatendimento. Ao lado do boneco da rainha, estava um
boneco imitando o príncipe Charles, e a rainha disse-lhe: Olhe só, Charles, que beleza esta máquina fotográfica que encontrei.
Você passa este cartão por esta fenda, pressiona alguns números, e saem fotos
suas na hora! Ou seja, uma rainha absolutamente debilmental que não via que
as “fotos” eram, na verdade, cédulas de dinheiro daquele país! Anos depois, em
outra sátira de um artista plástico, um pouco indiscreta (diga-se de passagem),
a rainha aparece sentada em um troninho, não no trono da Realeza, mas no
troninho do banheiro, e esta senhora aparece com as saias arriadas, fazendo
xixi e cocô, sorrindo, vestida em traje de gala e devidamente coroada. Um pouco
agressivo, não? Na verdade, todos precisamos fazer cocô e xixi. A rainha, em
suas várias décadas de trajetória, aprendeu a desenvolver senso de humor, pois
as grandes figuras públicas não podem ter controle sobre tudo e todos, tendo que
abraçar suas próprias personas públicas e entender que as sátiras são declarações
de amor.
O Marketing não é um privilégio só
de plebeus. Há as famosas fotos, de décadas atrás, de Charles acompanhando os
próprios filhos montados em pôneis, em imagens que repercutiram pela Mídia
Inglesa e até Mundial. Nada mais natural, portanto, a monarca lançar mão de uma
boa assessoria de Marketing. Há anos, a assessoria da rainha convidou
jornalistas daquele país para que presenciassem um momento “íntimo” e informal
da monarca: a rainha apareceu docemente colhendo flores em seu jardim e, ao
final da colheita, sorriu para os fotógrafos. Claro que tudo premeditado, e a
rainha deve ter sido aconselhada pela assessoria para esta senhora tomar parte
em uma cena simples, feminina, como uma inocente senhora colhendo flores em seu
jardim, como qualquer outra adorável senhora do Reino Unido em seu florido,
feminino e frágil jardim. Em outra jogada marqueteira, a rainha, assediada por
fotógrafos, previamente convidados para o acontecimento, entrou, acompanhada
por outras mulheres da Realeza, em uma loja de pratos de cerâmicas, objetos de
uso popular de cidadãos comuns, muito aquém das finas porcelanas com as quais a
rainha está acostumada, numa medida de Marketing que buscou aproximar a monarca
de seu povo, mostrando que não há algo de errado em comer em simples pratos de
cerâmica. Feliz do líder que se revela com simplicidade, ignorando os abismos
sociais da rígida estrutura social inglesa. Se quando desencarnamos vamos a um
lugar onde somos todos príncipes herdeiros do mesmo rei, lá sobrenomes e
dinastias são inúteis nessa dimensão de igualdade. Outra grande tacada de
Marketing foi após o assassinato em solo inglês do jovem encanador brasileiro Jean
Charles, abatido pela polícia inglesa por ter roubado um simples pacote de
biscoitos. O próprio jornalista Boris Casoy disse, ao dar notícia, que o
acontecimento tornara-se uma mácula na coroa de Sua Majestade. Pouco tempo
depois, a rainha convida o então presidente brasileiro Lula e esposa Marisa, os
quais foram recebidos em Londres em um luxuoso jantar formal, recepcionado pela
rainha em pessoa. No
jantar, acompanhado por jornalistas, foram divulgadas no Brasil as palavras da
rainha a Lula, e a monarca disse ao presidente que era um prazer receber no
Reino Unido jovens brasileiros que vão a este país para estudar e trabalhar. É
claro que a rainha referiu-se, em parte, a Jean Charles, ironicamente com o mesmo
nome do herdeiro do Trono da Inglaterra.
A rainha adora filmes de James Bond,
e não perde qualquer première londrina dos filmes de 007. A monarca está sempre presente
das sessões de gala de exibição. James Bond é uma espécie de patrimônio cultural
inglês, numa combinação de charme e agressividade. Na première do filme de Bond
no qual a popstar Madonna canta a música-tema, e rainha, é claro, estava lá, só
que ninguém explicou para a diva americana como é cumprimentar a monarca: a
rainha estende a mão e a pessoa que a cumprimenta faz um sutil curvamento
perante Sua Majestade. Madonna, que está acostumada a estender a mão para
cumprimentar as pessoas, estendeu a mão à rainha, a qual também estendeu a mão!
Num breve momento de tensão, Madonna cumprimentou a rainha apertando a mão
desta, sem curvamento, numa gafe que ficou famosa, com um jornalista brasileiro
dizendo: Não é todo o dia em que a Rainha
do Pop encontra-se com a Rainha da Inglaterra.
Discreta, Elizabeth sabe o valor da “invisibilidade”
de camaleão. Em sua mente, a rainha entende que todos os cidadãos devem sentir-se
iguais em dignidade, herdando valores democráticos como Igualdade, da Revolução
Francesa, apesar da milenar rivalidade entre ingleses e franceses. Para a
rainha, ser da Realeza é como usar um broche extremamente discreto e singelo,
avisando, de forma minimalista, que se trata de um membro da Família Real
Inglesa. É claro que a vida tem suas inúmeras vicissitudes, e nem sempre a rainha
pode erguer a cabeça empunhando os princípios comuns ingleses de discrição,
quietude e elegância. Por exemplo, as recentes imagens do neto da rainha,
Harry, absolutamente nu, tapando o sexo com as mãos. Coisa de pirralho, é
claro. Mas, depois disso, a rainha tomou providências para acompanhar de perto
os compromissos sociais do neto rebelde. Por outro exemplo, os seios nus da
então recém-casada Kate, esposa do neto William.
Elizabeth II é um tanto
incompreendida. Ela é uma doce senhora, e fim. Já chegaram a declarar que a
rainha tramou o acidente automobilístico que matou Diana, pois há os que
acreditavam que a ex-princesa estava grávida do famoso milionário Dodi, um
muçulmano, e que a rainha não suportaria o fato de que seus netos caucasianos
tivessem meios-irmãos não-caucasianos. Que exagero, pessoal. A própria Diana,
após o hecatômbico divórcio, achou que a rainha estava interceptando as
ligações telefônicas de Di, como se a rainha nada mais tivesse a fazer da vida.
É um grande desafio ser visto com bons olhos, e ser uma pessoa pública não
garante que esta seja necessariamente bem-vista.
Certamente, o maior tributo já feito
a EII é o filme A Rainha, que rendeu
um merecidíssimo Oscar a Helen Mirren, a qual ironicamente já interpretou
Elizabeth I na televisão. EII gostou do filme e até convidou a atriz para um
chá. No filme, de início, vemos uma rainha muito segura de si, no controle de
tudo, achando que pouco teria mais a aprender. Então, um abalo sísmico ocorre, enorme,
descomunal – a morte de Diana. De início, a rainha recorre ao pensamento
racional: se Diana divorciou-se, perdeu o título de Alteza Real; logo, não tem
direito a um funeral de realeza. A opinião pública entrou em verdadeiro
alvoroço, e o senso comum acaba impondo-se: mesmo tendo tecnicamente perdido o
título HRH – Her Royal Highness – de jure,
Diana, no coração do Povo Inglês, permanecia princesa de facto. A rainha fica bem confusa, e não sabe direito o que
fazer. Numa cena, ela está sozinha numa sala, tomando um uísque para abrandar a
dureza do dia. Entra em cena um papel decisivo, o então recém-empossado
Primeiro Ministro Tony Blair. Tony faz a ponte entre a rainha e o povo desta, e
acaba convencendo a monarca de que algo deveria ser feito, de que alguma
atitude tinha que ser desencadeada pela rainha. Elizabeth II acaba curvando-se,
com sabedoria, e sai vitoriosa do episódio. Vivendo e aprendendo, não importa a
idade. E Diana caba tendo um funeral de realeza, difundido pelos quatro cantos
do mundo, na famosa cena da rainha curvando-se perante o caixão. Não diz Tao
que quem se curva, governa? Não é insuportável um líder arrogante?
A rainha gosta de fazer uma mensagem
anual de Natal para seus súditos, desde jovem até os dias presentes. A monarca
foi adquirindo know-how, num complicado início de reinado, como é mostrado na recente
série televisiva The Crown, ou seja, A Coroa, exibida pelo Netflix. A série,
em seu início, mostra uma Elizabeth recém-casada, em uma viagem de vários meses
por colônias inglesas na África. A notícia da morte de seu pai, o Rei, pega-lhe
de surpresa, e a viagem por território africano tem que ser abreviada. Ao
descer de luto, vestida de preto, e recolocar os pés em solo inglês, a série
mostra uma menina obrigada a, imediatamente, tornar-se mulher, numa pessoa
tímida que se viu obrigada a desenvolver um modo de lidar com uma mudança de
vida, mudança esta tão repentina. Ainda por cima, a rainha sofre comparações
com sua antecessora Elizabeth I, uma monarca decisiva no momento da Inglaterra
Renascentista.
Pertencente à geração que
testemunhou a II Guerra Mundial, Elizabeth II trabalhou como mecânica durante o
conflito e, na tradicional aparição dominical da Família Real aos súditos em
uma sacada do Palácio de Buckingham, a jovem Elizabeth, ainda princesa, aparece
com o sóbrio uniforme militar, dizendo ao povo que era a hora de deixar o
glamour de lado e focar-se em questões mais importantes e imediatas, numa
sobriedade que expôs a sisudez da Coroa em frente à grande, amada e transgressora
popstar que foi Diana. Na Inglaterra, mulheres da aristocracia nunca devem
cruzar as pernas em público e nunca devem tingir seus cabelos, regras que a
rainha segue até hoje. Para esta senhora, o dever vem sempre antes do
não-dever, ou seja, o “eu” vem em segundo lugar; as obrigações, em primeiro.
Na
ilustração desta postagem, a rainha em compromisso oficial com o então
presidente americano Barrack Obama, sendo este uma explosão de carisma. É
pesada uma coroa sobre a cabeça, numa função representativa que coloca o rosto
da pessoa nas cédulas de dinheiro de um país. A rainha reina, mas não governa.
Mesmo assim, existe poder na Coroa da Inglaterra. Apesar de ser o cidadão mais
importante da Inglaterra, a rainha não pode votar nas Eleições Parlamentares de
seu próprio país. A monarca fica numa contradição: tem poder e, ao mesmo tempo,
é impotente. O jornalista Paulo Francis disse, certa vez, que, ao observar-se a
função de Elizabeth II, é difícil de se imaginar função mais enfadonha.
O equivalente latino para Elizabeth é Isabel. Portanto, pode-se tranquilamente dizer a rainha Isabel II da Inglaterra. Do mesmo modo, o equivalente
espanhol é Gonzalo para o nome
português Gonçalo. Há épocas atrás eu
me incomodava quando alguém me chamava ou escrevia Gonzalo, mas hoje aceito ambos os nomes. Nada como a Universalidade.
Excelente Gonçalo, tens uma visão interessante sobre as pessoas. Continue escrevendo, pois a tua avó teria muito orgulho ao ler teu blog.
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