quarta-feira, 21 de junho de 2017

Simples Sol Nascente




            Eu devo ter sido japonês em outra encarnação, pois adoro tudo relativo ao país do Sol nascente: Folclore, Arquitetura, Cultura, Gastronomia, Arte. Esbaldei-me na seção japonesa do Metropolitan, de Nova York. Existe na cultura japonesa uma simplicidade, um minimalismo elegante e impecável, uma limpeza de formas, num povo discreto, num país onde o analfabetismo é zero. Há no senso comum japonês um espaço para a meditação, a ponderação. Os japoneses são polidos. Quando eu estava no Ensino Médio, em Caxias do Sul, veio estudar no meu colégio, na minha sala de aula, uma menina adolescente japonesa. Inteligente, ela escrevia em Português muito bem, e numa de suas redações citou que gostou muito do vinagre de vinho tinto, algo que provavelmente não deve ser muito comum no Japão, apesar deste país estar começando a aflorar como pólo de vitivinicultura, algo que me dá curiosidade para, quem sabe um dia, provar os vinhos japoneses – eis que o Japão não produz só saquê. Esta adolescente disse que, em seu país de origem, o professor dá a aula no mais completo silêncio, e que, ao fim da aula, cada aluno que tiver dúvidas vai falar individualmente com o professor. O Japão sabe que a base de uma nação próspera é a produção de cultura erudita, a qual inicia-se nos bancos escolares.

O Japão é um gigante econômico, mas um anão político, e nunca se mete nos assuntos de outros países. De passado xintoísta, religião pagã, o Japão hoje é budista, pois existe toda uma vertente filosófica oriental que é esquecida pelo Ocidente, como o Taoísmo, por exemplo. Exótico para nós da América, o Japão exerce fascínio, como no filme A Época da Inocência, no qual o personagem Newland quer se desligar da insuportável vida burguesa novaiorquina e aventurar-se nas longínquas terras japonesas. Infelizmente, o Japão sofre com terremotos, e um dos grandes abalos sísmicos recentes provocou um desastre atômico em Fukushima. Mas o Japão sempre acaba reerguendo-se, resiliente.

            A História do Japão é a da Fênix, que ressuscitou das cinzas. A humilhante derrota na II Guerra Mundial, com duas bombas atômicas no país, depois do infame ataque japonês a Pearl Harbor, nos EUA, fez parecer com que o Japão jamais se reerguer-se-ia. No divertido filme De Volta para o Futuro, em uma cena ocorrida nos EUA dos anos 1950, mostra que, na época, a tecnologia japonesa era uma piada, digna de incredulidade e indigna de respeito, mas o mundo dá voltas. Uma pessoa de minha família, alguém que já viajou por muitos lugares do mundo, já esteve no Japão, e eu, na minha curiosidade sobre este país, perguntei-lhe como eram as coisas lá, e essa pessoa me disse que fica-se embasbacado com a riqueza do Japão. Por exemplo, há em Tóquio uma avenida do porte de uma Avenida Paulista, só que apenas de lojas de eletrônicos. Então imagine uma avenida tão vasta como a Paulista, inteira de eletrônicos. É muita riqueza. País da flor nacional que é a sakura, a primavera no Japão é exuberante, e a sakura segue como símbolo dessa beleza, como no lobby do hotel Matsubara de São Paulo, numa pintura de uma grande árvore de sakura florida, tendo no mesmo hall uma armadura de samurai, remetendo ao interessante filme O Último Samurai, com Tom Cruise, película que mostra os costumes de um tradicional Japão prestes a entrar na Modernidade, pois tive uma professora que dizia que o Cinema é uma ótima forma de se narrar costumes de comunidades e países distantes.

            O Japão é homenageado pela Disneyworld na Flórida, EUA, pois nos pavilhões dos países no Epcot Center, há um impecável arranjo arquitetônico que honra as tradições estéticas japonesas. O bairro japonês de São Paulo, chamado Liberdade, tem um excelente restaurante de sushi onde almocei por duas ocasiões com minha família. Na divertida personagem Dona Xepa, vivida por Marília Pêra, Xepa é levada a um restaurante de sushi e não entende porque tudo era cru, perguntando: Mas não tem nem uma colher de óleo para fritar esse peixe? Mas nem tudo são flores, pois o restaurante de sushi tem que ser de confiança, tendo-se a certeza de que o peixe é fresquinho, pois por duas ocasiões, em restaurantes japoneses do RS, passei mal depois de comer sushi com peixe passado. Isso é uma sacanagem para com o cliente. O que ocorreu? Eu nunca mais fui comer nestes dois restaurantes. Isso se chama Dissonância Cognitiva, que é quando a pessoa pega nojo de algum produto ou serviço. Ainda falando em sushi, há um divertido episódio do seriado The Nanny em que a personagem Fran vai a um restaurante novaiorquino de sushi e, depois de mastigar um sushi de borracha que era só para exposição, quase “morre” ao ingerir, inadvertidamente, uma grande quantidade de raiz forte, o condimento que deixa o sushi extrapicante. O sushi ganhou o mundo, numa comida relacionada a conceitos de sofisticação e luxo, visto que não é tão simples assim fazer sushi, e o sushiman, o fazedor do sushi, tem que ser habilidoso, senão o sushi fica com cara de rocambole. No seriado Sex and the City, a personagem Samantha prepara uma surpresa de Dia dos Namorados ao namorado, e o espera deitada nua, apenas coberta de sushis. E por que a Liberdade chama-se assim? Porque os imigrantes japoneses, ao vir ao Brasil, foram escravizados, forçados a trabalhar para senhores gananciosos e inescrupulosos, algo muito bem mostrado em um filme da cineasta Tizuka Yamasake. Os imigrantes, depois de sofrer, finalmente foram libertados do trabalho escravo e fincaram-se profundamente na sociedade paulistana. A Liberdade é um bairro vibrante, com muito comércio e restaurantes.

            Monarquia parlamentar, o Japão honra suas tradições, como por exemplo por meio da Família Imperial do Japão. Há ainda muita tradição, como nas gueixas, que são arquétipos femininos de delicadeza, perfume, poesia, beleza, graça e, acima de tudo, sedução. Uma pessoa de minha família fez certa vez uma exposição de óleos sobre tela, e um dos quadros era do rosto de uma gueixa, tradicionalmente aprumada, com um olhar um tanto triste, como se assoberbada pela aprumação e pelo comportamento esperado de uma gueixa. Esta pessoa, ao ver que gostei do trabalho, deu-o para mim, e até hoje tenho a tela com muita estima, exposta ao lado de meu computador, pois, segundo o fengshui, ao lado da mesa de trabalho tem que haver ou uma janela ou algo que seja quase como uma janela, como uma pintura, por exemplo. Certa vez vi uma reportagem sobre o Japão, e nas ruas de Tóquio passeava um tradicional casal, com a mulher trajada tradicionalmente, sendo que o homem, absolutamente sisudo e sério, caminhava passos à frente da esposa, que por sua vez era totalmente sorridente e simpática, saudando a câmera de reportagem. É o arquétipo universal de Razão versus Loucura, sendo um a contradição do outro, como falam as leis filosóficas da Dialética Grega. O equivalente gaúcho da gueixa é a prenda, a qual é doce, graciosa e agradável, num contraponto ao gaúcho machão. O universo das gueixas já seduziu a popstar Madonna, a qual no clipe de uma canção aparece como uma gueixa pós-moderna, com o cabelo lisíssimo do povo japonês.

A bandeira nacional japonesa é de uma elegância incrível, ao ponto de me fazer dizer que é a bandeira mais bonita do mundo, mesmo sendo eu patriota e achando a bandeira brasileira bela também, só que a bandeira do Brasil é mais complexa, fugindo do minimalismo oriental. A inspiração para a bandeira do Japão é o místico nascer do Sol de lá, o qual nasce rubro e envolto de uma névoa alva. Esta bandeira é de uma limpeza primorosa, numa composição gráfica que sabe que menos é mais.

Em meus tempos de residência em Porto Alegre, eu morava na quadra da casa do Cônsul do Japão, uma estrutura que posteriormente foi demolida, transformando-se em prédio residencial. Falando em consulados, o filme O Império do Sol, com um infante Christian Bale, mostra o estopim da II Guerra Mundial, narrando a história de uma família cujo chefe era Embaixador dos EUA no Japão. Só que os pais, por acidente,
perdem contato com o filho, vivido por Bale, e o menino vê-se sozinho na casa dos pais, num ponto em que a penúria causada pelo conflito causou a falta de água na casa, e o menino passa fome e necessidades. É uma história de um menino que se tornou homem em poucos anos, finalmente reencontrando os pais ao final da Guerra, abraçando a mãe e fechando os olhos, como se estivesse acordando de um longo e penoso pesadelo. Ainda falando em filmes, a película Encontros e Desencontros, com Bill Murray, mostra a paixão dos japoneses pelo videoquê, e mostra também a prostituição no país, quando ao personagem de Murray é oferecido o serviço de uma bela e discreta prostituta.

            Um dos sinais de discernimento dos japoneses é curvar-se para saudar alguém, em consonância com o Taoísmo, que prega que, para se conquistar, é necessário antes ser humilde e curvar-se perante a situação, como no polido cumprimento de curvatura entre os oponentes no Judô, o qual é uma das mais expressivas tradições desportivas japonesas, num esporte olímpico que ganhou o mundo, inclusive o Brasil. O Judô é sábio, em golpes que fazem com que o atleta pareça vencível perante o oponente, quando que, na verdade, são movimentos que mostram que quem é subestimado, vence. Em um episódio de Mr. Bean, o personagem-título tem uma aula de Judô, e acaba enrolando o professor (ou sensei) no tatame, o colchonete sobre o qual o esporte é praticado. Ainda falando em desporto, há o tradicional Sumô, praticado por homens obrigatoriamente obesos. Ainda falando em curvar-se, há a famosa imagem de Barack Obama, no início do primeiro mandato, curvando-se humildemente perante um japonês. E só quem se curva pode vencer, eliminando-se assim a arrogância e a presunção.

            Por fim, não posso deixar de falar da expressiva Cultura de Massa japonesa, principalmente no que tange à programação infantojuvenil. Cresci assistindo aos seriados de super-heróis japoneses, como Spectroman, Ultraman, Jaspion e Changemen. A trama é basicamente sempre a mesma: seres maléficos do espaço querem conquistar e destruir a Terra, e os guardiões da Humanidade surgem para enfrentar gigantescos monstros que querem destruir tudo e todos em seu caminho. Há personagens inesquecíveis como o monstrinho Ghioday, que é redondo e tem um grande olho só, e tem o poder de transformar monstros pequenos em titãs do Mal. É sempre o combate de Bem versus Mal, no qual o Bem prevalece, pois na cabeça da criança é tudo muito simples: ou algo é do Bem, ou é do Mal. Os Figurinos e a Direção de Arte são normalmente loucos nesses seriados japoneses. Um videoclipe da cantora Mariah Carey satiriza isso tudo, e mostra monstros gigantescos destruindo prédios no Japão enquanto as pessoas trabalham naturalmente, sem sobressaltos. Outro aspecto de Entretenimento Infantil é a tradição de desenhos animados japoneses, em muitos dos quais os personagens tem olhos grandes e redondos, extremamente ocidentais, contrapondo-se aos olhos orientais puxadinhos. Irônico, não?

            Quem sabe um dia vou ao Japão, talvez encontrando museus que tratem da Arte daquele país.

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