quarta-feira, 24 de abril de 2019

Fonte de Luz



O italoargentino Lucio Fontana (1899 – 1968) é tido como deflagrador do Espacialismo, um movimento de vanguarda, agressivo como qualquer inovação, como o Modernismo Brasileiro. Já teve uma mostra retrospectiva no Met Breuer, que é uma “filial” do Met de Nova York, sendo aquele responsável exclusivamente por mostras de Arte Moderna e Contemporânea. Fontana é conhecido por perfurar e cortar suas obras, fazendo também entalhes. Os textos e análises semióticas a seguir são inteiramente meus. Boa leitura!


Acima, Conceito Espacial (1). Esta obra remete ao recente caso no Brasil de um carro ser alvejado por militares, matando inocentes. É como a marca de tiroteios em favelas, na efervescência do Funk Carioca, na participação de Anitta no próximo álbum de Madonna. A cor da base é alva, branca, como se estivesse predestinada a receber esses tiros de pistola, no prazer estuprador de macular algo, de pisar em terras devolutas, como um imigrante italiano abraçando uma vida dura, de muito labor, encarando terras selvagens, cheias de índios e criaturas exóticas. Aqui é como uma constelação, uma família estelar, no enigma das estrelas fascinando a Humanidade desde sempre, na obsessão incessante de um artista querendo se tornar estrela, tornando-se uma referência no céu noturno, nos sonhos de um ator em início de carreira, no duro fato de que ninguém brilha o tempo todo, e de que a Morte vem incondicionalmente, num artista querendo ser lembrado para sempre, deixando uma mácula indelével no Mundo. Aqui, são como organismos microscópicos no Oceano, nos mistérios do surgimento da Vida na Terra, com cientistas se perguntando se há Vida Microscópica fora da Terra, nos confins de um sistema solar tão vasto, tão frio, tão escuro. Aqui, há uma divisão entre furos e cruzes, e, apesar de estarem todos juntos, como dançando num baile, suas diferenças jamais serão esquecidas, num mundo democrático em que, frente à urna, somos todos iguais, não importante sexo, cor, raça, nível social etc. Mas também num mundo em que as diferenças jamais serão esquecidas, nas inevitáveis dores da existência, numa pessoa que geme de dor por ser desimportante, como um ator que, no início da carreira, teve inúmeros sonhos apolíneos, mas que, no galgar dos anos, foi se frustrando e acabou trocando de carreira, sepultando um sonho que, apesar de belo, não resistiu às intempéries da Vida, como no choque entre dois mundos – um mundo idealizado e o mundo real, num choque em que o idealizado é pulverizado e o real, na sua dureza, prevalece. Aqui, é como uma tela de bordado, na costureira com sua agressiva agulha, perfurando o tecido, na metáfora ao redor das costureiras, tecendo os destinos das pessoas, fazendo com que passemos uns pelas vidas dos outros, como conheci, certa vez, um amigo, e ele e eu estávamos passando por uma devastação existencial muito grande, só que por motivos diferentes, e eu jamais vou me esquecer deste amigo. Aqui, é como aquele joguinho infantil de ligar os pontos e descobrir uma forma, um desenho, uma lógica, algo palpável, solucionando um mistério e trazendo elucidação a superstições tolas – é o poder da Razão, a lança afiada que todos temos em nossas respectivas bainhas. Invertendo as cores aqui, temos um fundo negro com estrelas brancas, numa dança de sedução entre claro e escuro, nas majestosas fotos em preto e branco das estrelas hollywoodianas, fazendo metáfora com a vida majestosa que nos espera após o Desencarne, quando um barco nos leva a uma dimensão em que as vicissitudes terrenas nada significam – existe uma vida maravilhosa após a Encarnação, e entes queridos, falecidos antes de nós, aguardam-nos em uma suntuosa festa de retorno, como um filho que finalmente volta ao Lar. Esses furinhos de Fontana são como um rastro deixado por serpentes, na sensual liquidiscência das cobras, seres de constituição simples, minimalista, como um cabelo impecavelmente aprumado com gel. É como um enxame de muitos mosquitos, num grupo social complexo, numa família numerosa, muito numerosa.


Acima, Conceito Espacial (2). Uma vista do deserto do Saara, pontilhado por inúmeras pirâmides, na necessidade do Ser Humano em entender a finitude da Matéria. A cor é dourada, gloriosa, nos louros exclusivos que são jogados num artista consagrado. É como a vista aérea de construções humanas, talvez querendo obter a atenção de seres extraterrestres, que nos olham de cima, do espaço. Parece que os ventos do deserto foram moldando essas construções, na sensualidade das curvas erosivas que o vento foi desenhando por eras geológicas, no fato de que nada na Terra é eterno, e nem o Sol é eterno, e do mesmo modo que algumas estrelas morrem, outras nascem, num Universo em constante processo de evolução e depuração. As pirâmides, com suas pontas agressivas, apontam para o Céu, como se quisessem dizer algo, atingir algo, na esperança de que a alma sobreviva à putrefação orgânica, numa esperança de que algo um pouco melhor do que a dura vida material. São como estrelas inúmeras em uma galáxia, uma família sideral, com estrelas girando em torno de um vazio, de um buraco negro, nas incompreensíveis demandas cósmicas, num Cosmos que funciona como se fosse um organismo só, na pergunta: O que há além da escuridão nos confins do Universo? O que há depois? O que é a Eternidade? A Eternidade é poderosa demais para ser entendida pelo Ser Humano, pois a Eternidade é o imenso poder de Tao, o qual sempre esteve aqui. Estes furinhos de Fontana seguem uma certa lógica, um balé, e desdobram-se como serpentes, fluindo pelas areias, famintas, sempre em busca de comida, como insaciáveis pombas urbanas, sendo alimentadas por cidadãos que se dão ao trabalho de comprar milho granulado, como uma pessoa que conheço, que simplesmente ama os animais de rua. As dunas não são perenes, e estão em constante processo de modificação, nunca caindo numa mesmice, no modo como a pessoa nunca pode crer que atingiu um momento de perfeição, pois, como dizem as leis básicas da Dialética, tudo é processo, tudo é dinâmico, no modo como é uma ilusão acreditar que a Terra será para sempre como é, com os continentes migrando para lá e para cá no passar de bilhões de anos – como a Humanidade é jovem! É da cor de um biscoito, recém-saído do forno, espalhando um doce cheiro de baunilha pela casa, como nos furinhos nos biscoitos de bolacha Maria. São como fios gravitacionais entrelaçados num sistema social complexo, em que o infrator é punido e rejeitado, no modo como um psicopata assassina sua própria vida social, “queimando-se” com tudo e todos. São serpentinas num baile de carnaval, na inofensiva brincadeira de salão de jogar confete uns sobre os outros, num momento de festa, num momento que faz metáfora com a rica agenda social metafísica. São como lombrigas num intestino, apoderando-se de um organismo, sugando a Vida, como pragas em uma árvore, ou como pragas num vinhedo, num viticultor permanentemente atento a qualquer insinuação de parasitas sobre os vinhedos. É o exercício cognitivo de separar o joio do trigo, observando o Mundo do jeitinho que este é, sem maquiagens ou idealizações, no sentido da mortificação espiritual, no exercício de não mais se deixar seduzir pelos agouros mundanos, rejeitando e desprezando estes. É como os cabelos sedutores de uma sereia n’água, na sedução feminina que faz com que Marte curve-se perante Vênus, numa sociedade machista em que é complicada a questão feminista, pois o Ser Humano constrói inúmeras ritualizações em torno de gênero. São como os cabelos esvoaçantes de uma Gisele, encantando o Mundo com o talento de alguém que sabe se destacar numa passarela, na agressividade de uma pessoa que não se contenta em ser só mais uma na multidão, numa atitude altamente antissimplória. É uma água viva com seus tentáculos cáusticos, reinando sobre as águas.


Acima, Conceito Espacial (3). Temos pinceladas afoitas, como um papel higiênico usado, na ironia de que as catarses são fezes psíquicas, que limpam a mente do artista catártico. É como a vista aérea de um complexo de arquipélagos, com muitos subconjuntos cortados por muitos lagos e rios, no fato de que a Terra é tão rica em Vida, sem o Ser Humano saber se há esferas no Universo com tanta Vida como há na Terra, no modo como o Ser Humano sempre olhou para as estrelas, perguntando-se o que são elas, como num documentário biográfico que vi ontem mesmo, sobre Rita Hayworth, no talento instintivo de certas pessoas que conseguem se vender muito bem, pois não há livro ou faculdade que nos ensine a brilhar, e este aprendizado tem que ser individual e instintivo – por que certas pessoas têm tanto talento para se vender e outras não? Aqui, há uma minoria, que são as pinceladas brancas, relegadas a um papel mínimo e coadjuvante, discreto, sempre sendo a dama de honra e nunca sendo a noiva, no modo como as pessoas que vagam pelos submundos têm que se contentar com migalhas, com restos, na prisão mental que é um submundo. Aqui, há a supremacia das pinceladas douradas, numa vida iluminada, sem a escuridão fétida do submundo. Aqui, é um artista se vendendo como ouro, dando-nos a impressão de que o artista reconhecido em vida teve sorte, mas não é bem assim – é uma ilusão crer que uns nascem com sorte e outros nascem com azar, e o fracasso de alguém não é culpa do Mundo, apesar de parecer que este é injusto e cruel. O fundo do quadro é um oceano denso, bem escuro, que esconde o que há por baixo, no modo como a Divina Providência esconde certas coisas por um certo tempo, sendo muito importante que a pessoa só veja aquilo que realmente deve ser visto, pois quando não é para a pessoa ver algo, não tem Cristo que faça ver. A Vida é uma cortina misteriosa, e nunca vemos o que não nos é permitido ver. Esta é uma foto do Google Earth, dando a impressão de que a Terra é plácida e perfeita, na perfeição de uma cidade metafísica, onde as dores existenciais cessam e onde o indivíduo tem uma vida plena, produtiva e deliciosa. O sucesso do Google Earth se deve ao fato da metáfora que o programa faz com o Mundo Metafísico, um plano desvencilhado das vicissitudes terrenas. Neste programa de computador, parece que tudo está em inabalável paz, e que os problemas do Mundo e das pessoas, simplesmente, deixaram de existir. Lucio Fontana, definitivamente, abraça a Arte Moderna e foge dos moldes clássicos acadêmicos, no modo como a Renascença, na época desta, era o que havia de frescor e novidade, com as ondas, as vogues ditando tendências e renovações, fazendo da Arte um corpo dinâmico e imprevisível, numa Arte que simplesmente não tem como cair na mesmice, sendo função da Arte trazer sempre frescor, sempre evolução, acompanhando o galgar moral da Humanidade, pois o comportamento moral é o foco, o objetivo da Encarnação, e os que não têm apuro moral, perecem no Umbral, na dimensão na qual vagam aqueles que não aceitam que há algo muito além da Matéria, do Físico. Aqui, é uma frente fria e úmida que vai se espalhando por um país, numa Natureza ditando as regras, cabendo ao Ser Humano aceitar humildemente tais golpes climáticos, sempre buscando se adaptar a dias frios ou quentes; úmidos ou secos. E as pinceladinhas brancas resistem, valentemente, como o Modernismo Brasileiro, que foi se impondo sobre moldes clássicos e paradigmáticos de Arte, quebrando a membrana do tédio e tendo a mesma atitude agressiva de Lucio Fontana, rasgando as telas, no prazer desvirginante de morder um bombom de sorvete coberto de uma casca de chocolate. Aqui, temos a ovelha negra da família, a anomalia em Matrix, fazendo do indivíduo contestador o nervo de novas eras, no modo como a evolução de uma sociedade se deve à atitude do indivíduo transgressor, e a Arte tem essa função, a tarefa de trazer frescor e novidade, pois é claro que a Humanidade jamais permaneceria para sempre na Renascença.


Acima, Conceito Espacial (4). Lucio pegou aqui um estilete e deixou sua mácula, sua marca, como nas garras de Wolverine, rasgando o Mundo, trilhando um caminho, desbravando caminhos nunca antes trilhados, na coragem de uma pessoa que se permite sonhar. Aqui, é como um olho felino, afiado, que enxerga muito longe, como lince. É o grande e terrível olho onisciente de Sauron, o Senhor dos Anéis, o Senhor da Escuridão que quer agrilhoar o Mundo e ser o Senhor de tudo e todos, acabando com a Vida na Terra e promovendo Fim dos Tempos, num cenário apocalíptico, na fraqueza do Ser Humano perante os poderes mundanos do Anel. Aqui, é como o órgão reprodutor feminino, numa fenda que conduz a uma caverna de mistérios, no útero que é o santuário da Vida, o nervo da Vida, a sala primordial que trouxe todos nós à Terra. É o portal, a passagem, o canal natal que gera a Vida e traz encarnados ao Mundo. É o termo, a gíria “racha”, que denomina seres humanos heterossexuais do sexo feminino, no modo como a genitália feminina tem o aspecto de uma rachadura, de um trinco em vidro, parecendo um coco que caiu no chão e que adquiriu uma rachadura. É como um homem castrado, restando apenas a cicatriz da extirpação. É uma brecha que permite que a pessoa respire, no modo como é insuportável a “falta de ar” nas pessoas que simplesmente não produzem. São as brechas da Vida em Sociedade, como o Machismo, por exemplo, num sociopata sugador e ardiloso que se aproveita dessas brechas para emanar malícia e maldade. A Sociedade Heterocentrada, por exemplo: o sociopata se aproveita dessa porta escancarada para causar mal a outrem, numa inteligência brilhante, só que uma inteligência a serviço do Mal, como na inteligência de um Bin Laden destruindo símbolos do poder americano. Aqui, é um risco elegante e minimalista, num dano mínimo, nas inevitáveis feridas que a Vida nos causa, deixando cicatrizes que não nos permite que esqueçamos, com lições e aprendizados, na demanda existencial de lições importantes sendo aprendidas, no modo como nada, na Vida da pessoa, acontece por acaso, numa Divina Providência que tece nossos dias na Terra. É um risco que demarca um antes e um depois, como na passagem de Jesus pela Terra, numa agressividade do Bem, benéfica, sem amargor, num homem que trouxe lições importantes, sempre visando a depuração moral do Ser Humano, como ser uma pessoa honesta, digna de respeito, no modo como nas Cidades Metafísicas só há pessoa boas, honestas e virtuosas, pessoas que jamais optariam pelo Mal. É como uma jangada bem fininha, rasgando mares e rios, na ânsia humana em descobrir e desvendar, como na Era das Navegações, ou na vontade humana de pisar em Marte, num Ser Humano sempre sedento por superações e descobertas, na ânsia científica em desvendar mistérios. É como um fiozinho de cabelo encontrado numa cena de crime, num fiozinho que, na perícia, fará toda a diferença, nos vestígios que uma pessoa vai deixando na Terra, como pegadas, com legados sendo entregues no Mundo. Aqui, temos uma virginal base branca, e o olho felino negro é misterioso, como se revelasse um interior que jamais fora revelado anteriormente. Estamos olhando para os confins cósmicos, sendo bilhões de anos insuficientes para vermos tudo o que nos cerca, no poder imenso por trás da Eternidade, uma prova do poder intermitente de Tao, a virtude eterna. Este rasguinho nos dá vontade de rasgar ainda mais para vermos o que há dentro, num desejo de estupro cognitivo. Esta brecha deixa o quadro respirar, como uma fenestração de banheiro, permitindo que a umidade do banho saia pela janela. É como um corte de papel, um corte mínimo, mas que faz toda a diferença, porque dói. É como uma mínima ferroada de abelha, que dói mais do que imaginamos quando vemos um ferrão tão pequenino. É o ferrão sendo subestimado, revelando-se fortíssimo e ensinando a lição de que não devemos subestimar outrem.


Acima, Conceito Espacial Vermelho. O gosto de Fontana por rasgos, como uma mão calejada, habituada à lavoura. É como uma estrada trilhada inúmeras vezes, deixando vestígios de danos e desgastes, num atelier desgastado, um lugar próprio para labor, numa feiura e numa bagunça que só o próprio artista pode compreender. Temos aqui uma gruta, como em um dos episódios do desenho animado Thundercats, numa gruta cujo interior fazia com que a pessoa, ali dentro, envelhecesse extraordinariamente rápido, em questão de apenas alguns segundos. É uma fissura, uma rachadura em uma parede, deixando vazar umidade, nas inevitáveis imperfeições de tudo o que é feito pelo Homem, sendo este um ser eternamente empenhado em tentar imitar Tao, o Impecável. A cor desta obra é a da menstruação, nas memórias que tenho no colégio, com uma colega minha “morrendo” de dores de cólica, chorando, tendo que tomar Atroveran Gotas. Esta gora vai gotejando aos pouquinhos, lentamente, com passinhos de bebê, com muita paciência, até o ponto longínquo em que o copo está cheio d’água, como uma galinha, enchendo o papo de grão em grão, numa paciência eterna, como a Paciência Divina, sempre disposta a perdoar, pois o crescimento depende do perdão. É uma cor muito recorrente em bandeiras nacionais, no fato de que o Ser Humano, em seus patriotismos, é universal, e as diferenças culturais são apenas superficiais e ilusórias, no modo como, por exemplo, a Arte é universal, assim como o Patriarcado. É a cor da Guerra, da feiura, do ódio e da raiva, na eterna inclinação humana em subestimar a Paz, pois só há prosperidade em meio à Paz, nunca em meio à Guerra, sendo esta uma interrupção, um abalo sobre o qual nada pode ser construído; nada pode prosperar. É a cor da feminilidade, da maçã do pecado, na misoginia bíblica, culpando uma mulher pelos males da Humanidade, fazendo da Mulher um mero e grotesco arremedo da obraprima de Deus, que é o Homem. É a maçã que a bruxa dá a Branca de Neve, na cor da sedução, dos organismos regados a sangue. É como uma supernova explodindo, numa grande estrela, como uma Gisele, com a capacidade de ditar uma tendência capilar mundial que já dura anos e anos. A intenção da Arte é imitar as forças da Natureza, no modo como o Ser Humano, desde cedo, identifica fenômenos naturais com deuses, como o Sol, a Lua, os rios, as estrelas etc. E o artista, no fundo, quer ser isso, quer ser uma força da Natureza, quer abalar estruturas, quer fazer o chão tremer, e tudo o que o artista não quer é ser ignorado, às vezes apelando para artifícios, sempre visando obter atenção, na amargura na vida de um artista que é, desde sempre, ignorado pelo Mundo em geral, numa frustração triste. É a cor rubra do olho do computador maléfico do filme 2001, fazendo na Inteligência Artificial um demônio que pouco se importa com a depuração moral da Humanidade, fazendo metáfora com o psicopata, uma pessoa fria, desalmada e cruel, que debocha de pessoas moralmente empenhadas. Este rasgo de Lucio Fontana traz um respiro, como se a obra fosse um ser vivo que precisa respirar para viver, para se manter no Mundo, no modo como o nervo da Arte é a Vida, pois esta é obra de Tao, o misterioso, num enigma fácil de ser perguntado e difícil de ser resolvido – o que faz um coração bater? E é exatamente este mistério o que move o Ser Humano, seja na Arte, seja na Ciência. O interior aqui é imprevisível, negro, precisando ser iluminado pelas luzes do Conhecimento, na cor negra dos confins do Universo – será que existem barreiras delimitando o Universo? E após essas barreiras, o que existe? Temos que crer no Infinito. A velocidade da Luz é muito lenta em termos cósmicos, numa vastidão incrível. Aqui, é uma porta estreita, e só os moralmente honestos podem passar, entrando para a Dimensão Metafísica, a dimensão do desapego material; do contrário, há Umbral, o lugar onde vagam os não muito honestos. Tao não faz o Mal – o Mal é um capricho humano. Ouvimos aqui um mínimo ventinho fluindo pela brecha, no ar que nos une ao redor da Terra.


Acima, Teatrino. Dois espectadores abraçados assistindo a um filme ou um espetáculo. A pessoa da direita é maior, talvez o homem, no papel de protetor, protegendo a pessoa menor e mais fraca, que é a mulher, no modo como a Sociedade considero belo um casal cujo homem é mais alto do que a companheira, na relação erótica entre protetor e protegido, como Batman e Robin. A tela aqui é dourada, muito dourada, no ouro metafísico cornucópico que nos aguarda na dimensão acima, uma dimensão que não é submetida às intempéries da Natureza. Na tela, há furinhos em uma fila indiana, como o rastro viscoso deixado por uma lagarta, como um artista construindo uma carreira, sempre sabendo que não pode parar de trabalhar, de lutar pela Vida, pois, se parar, sabe que virará peça de museu – não importa quanto sucesso alguém obtém, pois este alguém sempre tem que ter a força para virar a página e seguir em frente com a Vida. Aqui, a tela é uma aurora majestosa, na sedução da Estrela D’Alva, sempre anunciando um novo dia, na beleza das terras metafísicas, o Reino prometido por Jesus – temos que ter Fé. Todo o entorno da cena é bem escuro, absolutamente preto, como as tubulações em banheiros, levando a túneis escuros, no mistério que divide o Universo entre Físico e Metafísico. A escuridão é a imprevisibilidade da Vida, sempre nos pregando peças, sempre fazendo brincadeiras, sendo essencial à pessoa entender o senso de humor de Tao. Esses furinhos são como a trajetória de um corpo celeste, no modo como os antigos observadores sabiam que certas estrelas, que hoje sabemos que são planetas, “dançavam” pelo Céu, diferentemente do restante das estrelas. É como uma parede calejada, que já recebeu inúmeras obras de Arte penduradas, numa galeria com toda uma história e uma trajetória, sempre sendo necessário fazer com que a parede seja imaculada, tentando o Ser Humano entender o que é uma Imaculada Conceição, que é a total ausência de Matéria, de coisas, de objetos, de joias, de metais etc., no sentido de que a Vida Material é uma ilusão, uma grande ilusão, grande ao ponto de seduzir muitos espíritos mundanos e indepurados. Acima na cena, formas que são como galhos de árvore, no modo como a Natureza vai invadindo a Vida em Sociedade, no constante trabalho terrestre de varrer ruas e podar plantas, fazendo com que as Cidades Físicas se pareçam ao máximo com a dimensão acima. E a aurora permanece majestosa, como se todo o universo fosse pintado de ouro, fazendo parecer com que o ouro físico seja absolutamente tudo; mas não é. O Cinema é a capacidade humana em sonhar com um mundo não tão duro como este no qual estamos encarnados, acorrentados. Como na II Guerra Mundial, época em que o Cinema tinha a missão de nos fazer esquecer de tantas tristezas, tanta violência e tanta morte, no modo como os Jogos Olímpicos foram suspensos nos períodos bélicos, assim como a Festa da Uva de Caxias do Sul foi suspensa durante o conflito. E os namorados abraçados curtem um momento de interação social, havendo no casal heterossexual uma inevitável representatividade – Yin e Yang, os opostos que formam Tao, o perfumado Amor Eterno. Os furinhos são como capelinhas, e dentro de cada uma há um astro, um artista célebre, ou um político célebre, no modo humano de culto às celebridades, no modo como Jesus Cristo foi um grande superstar, o maior da História do Mundo, segundo o Espiritismo. Os pontilhados são a organização da Vida, com um dia após o outro, no modo humano de contar o Tempo linearmente, entre passado e futuro, havendo no Tempo uma ilusão, pois o resto do Universo despreza absolutamente os modos humanos de contar o Tempo, por meio de rotações e translações que, fora de nosso sistema solar, nada significam. As cabeças desses namorados são grandes, no crescimento mental por meio da Arte, havendo nesta a dignidade de nos fazer humanos. Esta aurora é a de Scarlet O’Hara, tirando força do fundo d’alma para tocar a Vida para a frente.

Referências bibliográficas:

Lucio Fontana. Disponível em <www.catalogodasartes.com.br>. Acesso 17 abr. 2019.
Lucio Fontana. Disponível em <www.fondazioneluciofontana.it>. Acesso 17 abr. 2019.
Lucio Fontana. Disponível em <www.guggenheim.org>. Acesso 17 abr. 2019.
Lucio Fontana. Disponível em <www.museoreinasofia.es>. Acesso 17 abr. 2019.
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Lucio Fontana. Disponível em <www.touchofclass.com.br>. Acesso 17 abr. 2019.
Lucio Fontana Obras. Disponível em <www.google.com>. Acesso 17 abr. 2019.

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