Jasper Johns nasce em 1930 em
Augusta, Geórgia, EUA, e passa a infância na Carolina do Sul, tendo depois
prestado serviço militar no Japão. Estuda de 1949 a 1951 na Universidade
deste estado americano e trabalha em uma livraria entre 1952 e 1958. Com Robert
Rauschenberg, artista já analisado neste blog, Jasper decora uma vitrine e, em
1954, faz seu primeiro quadro. Em 1958, faz a primeira exposição individual em Nova York, participa da
Bienal de Veneza e ganha um prêmio na Bienal de Pittsburgh. Em 1959, participa
de mostra coletiva no MoMA. Em 1960, começa a fazer litografia. Em 1961, expõe em Paris. Tem
retrospectiva coletiva no Museu Judaico de Nova York em 1964, participando
neste ano novamente da Bienal de Veneza. Em 1965, grande retrospectiva de Johns
no Pasadena Art Museum, recebendo também um prêmio na Iugoslávia. Em 1966,
exposição individual na National Collection of Fine Arts, de Washington. Em
1967 aluga um sótão para trabalhar e ilustra poemas de Frank O’Hara. Nessa
época, Jasper também torna-se conselheiro artístico, guiando outros artistas.
Em 1972, concebe figurinos de peça teatral. Em 1977, importante retrospectiva
no Whitney Museum e, em 1978, em Colônia (Alemanha), Paris, Londres e Tóquio.
No mesmo ano, ainda mais uma participação na Bienal de Veneza. Em 1979,
exposição na Basileia e, em 1988, JJ finalmente recebe um prêmio na Bienal de
Veneza. Aviso que as análises semióticas a seguir são minhas e não do
livro-base de Osterwold, minha referência bibliográfica.
Acima, Target with Plaster
Casts, ou seja, Alvo e Moldagem em
Gesso, de 1955. O alvo é o objetivo do artista. O alvo deve ser agredido
pela flecha; deve sentir a dor da incisão. O vermelho ao redor do alvo esquenta
a cena, como um molho de tomate sobre espaguete. O alvo é um prato vazio, o
qual deve ser preenchido pelo pensamento racional. No filme A Época da Inocência, a personagem de
Winona Ryder, cujo sobrenome é Archer, ou seja, Arqueiro, ganha um concurso de
arco e flecha, numa personagem que tem um objetivo claro e simples: casar, ter
filhos, ter uma vida social harmônica e construir um lar com L maiúsculo. Já, a
personagem depressiva de Michelle Pfeiffer está perdida, sem objetivo,
sofrendo, sendo considerada um objeto cuja utilidade é desconhecida. O alvo é
visado pela agressividade, a qual deve ser impiedosa. Quem sabe o vermelho é o
sangue pulsante, excitando um vampiro psicopata. O cinza azulado são as cinzas
na vida de quem não tem propósito ou objetivo, do modo como a pessoa sem
objetivos é tratada como cocô, sendo condenada a ser levada embora pela
descarga da privada. O amarelo é o ouro, a recompensa para quem vence o
concurso de arco e flecha; é o ouro da estatueta do Oscar e do robô C3PO de
Star Wars. Acima do alvo, há pequenas prateleiras com objetos que retratam
partes do corpo humano, no desmantelamento psíquico da pessoa depressiva: são pés,
orelhas, narizes, mãos, bocas, como um Frankenstein, uma reunião de peças
desconexas que tratam de gerar um novo ser, do mesmo modo como produzir Arte
Plástica é combinar elementos para produzir algo novo. O alvo é como uma gota
d’água caindo e gerando ondas de propagação, na fragilidade da superfície
d’água, sensível a qualquer toque, como era sensível a personagem de Pfeiffer.
O alvo é a glória olímpica dos campeões arqueiros, numa metalinguagem, pois o
alvo, objetivo de vida deles, é, ironicamente, um alvo. As formas arredondadas
giram em torno de um sol, num sistema solar regido pelo astro-rei. Organização.
Tudo gira em torno de algo, ou seja, de Tao. As caixas com os pedaços humanos
são lúgubres, como um sádico que mata vítimas, esquarteja-as e guarda seus
pedaços como souvenires. As prateleiras são o hábito de analisar e classificar,
do mesmo modo como a Medicina analisa o corpo humano e o setoriza em forma de
órgãos, sistemas e aparelhos. O alvo tem uma certa fragilidade feminina – é
passivo, exposto, disponível, uma donzela em apuros. O arqueiro fica
obcecado em acertá-lo. O
alvo é o símbolo de uma vida centrada, uma vida bem-estruturada, construída
cuidadosamente. A obsessão pelo alvo é tão grande que uma arqueira chega a
amputar o próprio seio direito para poder manejar o arco com destreza. O alvo é
o feminismo, numa mulher que quer ser livre e que quer ter um objetivo, como
qualquer homem o tem. O alvo é como pratos de diferentes tamanhos organizados
por ordem de tamanho, numa hierarquia – quanto maior, mais para trás fica, para
mostrar os seus irmãos menores, pois, como o Espiritismo diz, há uma hierarquia
muito forte entre os espíritos: os mais depurados moralmente regem os menos
depurados, fazendo metáfora com a hierarquia militar, por exemplo, ou com os
jogos de bonecas russas, nos quais as bonecas maiores abrigam as menores. O
alvo é como se fosse uma bola cortada ao meio, como um cadáver é dissecado em
nome da Ciência. O alvo é o útero avermelhado, o misterioso âmbito da vida, e o
pênis é o princípio de desbravamento, a flecha que se atém somente ao
necessário – é a simplicidade viril. Os pedaços de corpo são multicoloridos,
como num arco-íris, trazendo alegria e diversidade. Alvo e Moldagem em Gesso é muito colorido, quente, acolhedor. É um
confortável sofá chamando-nos para sentar nele. O vermelho é um tapete vip, uma
decoração chinesa, vibrante. São ondas sonoras espalhando-se, num pulsar de
vida. Cada prateleira tem uma portinhola removida, permitindo que os conteúdos
sejam vislumbrados pelo espectador. É a revelação de mistérios, de cores doces,
como numa salada de frutas, como numa paella de carnes variadas, como num
fondue de queijos. O alvo vibra como uma sirene, escandalosamente,
ruidosamente. É como um disco de vinil tocando, sensível à agulha fálica,
revelando arte e sensibilidade na vagina feminina, o buraco acústico do violão.
O disco de LP, assim como o CD, tem um furo bem no meio, e é esse vazio que faz
com que o LP e o CD sejam úteis – a ausência e o minimalismo tornam-se
poderosos, como um buraco negro no meio de uma galáxia. O alvo é uma explosão
como na clássica obra Explosão Número Um
de Roy Lichtenstein, já analisada por este blog. O alvo é uma deliciosa pizza,
com queijo quentinho e derretido, com ingredientes e condimentos irresistíveis.
O vermelho é a pimenta, a excitação, a graça, o sabor do objetivo. A pessoa objetivada
tem uma vida simples, centrada no meio do alvo. A partir de um centro, a vida
torna-se harmônica, e o sofrimento é minimizado. O alvo é como um espasmo de
dor, um sinal de alerta, de que algo está errado. É claro de se observar que
tudo nesta obra gira em torno do centro do alvo, na beleza do vazio, do mesmo
modo como o vazio de uma porta aberta faz com que esta seja útil. Na linguagem
publicitária, o termo target (alvo) é
usado para designar o perfil do público o qual deseja-se atingir com uma
campanha publicitária. O alvo é a clareza, a desconstrução, transformando o
complicado em simples, abreviando dores e eliminando superstições sombrias e
dúbias. Uma vida centrada é uma vida feliz. O alvo é uma visão aérea de um bolo
com vários andares, como num casamento, o objetivo da vida de uma mulher. As
argolas do alvo abrigam umas às outras, gerando um lar, um ninho, uma
referência, um aconchego. O centro do alvo faz com que tudo gravite em torno de
si, organizando a vida. Do modo como a palavra “gol” vem do inglês “goal”, que
quer dizer “meta”, o jogador cruza o campo driblando percalços e saindo-se
vitorioso na consumação do único objetivo em um esporte – o ponto. O alvo é um
grande ponto-final, na simplicidade na qual uma goleira, o princípio feminino
de passividade, deve ser desvirginada pela bola, que é o princípio ativo. O
ponto organiza textos, finalizando frases e marcando o início de outras. É como
o planeta Terra cortado ao meio, revelando camadas geológicas chegando ao
núcleo, à raiz, ao útero, à fonte central da vida, vida quente como o vermelho
desta obra de Jasper Johns. O alvo é o princípio e o fim, a finalidade. A pessoa
centrada tem razão para viver, dando um norte à própria vida. O que é de um
navegador sem sua bússola? O alvo propaga-se por todos os pontos cardeais,
espalhando-se uniformemente em todas as direções. É como um Código Morse, numa
estrela coruscando como fino cristal, do modo como um astro de cinema brilha e
propaga seu brilho aos olhos do mundo. O alvo é a cidade perdida de Atlântida,
com seus anéis de concreto intercalados por anéis de água, num mistério que
perdura. E as várias luas de Júpiter circundam o planeta, como os
espermatozóides em torno de um óvulo.
Acima, Three Flags,
ou seja, Três Bandeiras, de 1958.
Patriotismo claro, quiçá uma catarse para expulsar o chauvinismo. As bandeiras
são três irmãs, como no Cinturão de Órion, para sempre brilhando, alinhadas às
três famosas pirâmides egípcias. Há um céu noturno repleto de estrelas, como no
panteão de Hollywood. É como uma pirâmide vista de cima, numa estrutura
absolutamente estável – a base é grande, e vai afinando à medida em que sobe
até o topo pontiagudo, numa forma agressiva de geometria. A intercalação de
listras brancas e vermelhas são o contraste entre dor e prazer, visto que estes
dois mesclam-se e produzem um sabor agridoce na vida. E por que o artista só se
contentou depois de três bandeiras? Seria uma forma de reiterar seu orgulho de
ser americano? A Pop Art faz isso, explorando os aspectos do modo americano de
vida, como o consumo e o culto a personalidades da arte e da política. A
bandeira menor faz com que a maior seja notada em seu tamanho, e a bandeira
maior faz com que a menor também seja vista como pequena, tendo uma sustentando
a outra. A bandeira do meio é o tamanho ideal, o equilíbrio, o bom senso. Há
uma metalinguagem, pois há uma bandeira falando de outra bandeira que, por sua
vez, fala de mais outra bandeira, num túnel de profundidade eterna. A
sobreposição dá movimento ao quadro, e as bandeiras parecem tremular. Quase
podemos ouvir o hino nacional dos EUA, e a tradição militar do país do Tio Sam
é inegável. A América cultua si mesma, como em super-heróis como Capitão
América e Mulher Maravilha, cujos trajes trazem alusão não só à bandeira
nacional americana como também a conceitos patrióticos como liberdade – o busto
da MM é adornado por uma águia, sendo esta símbolo nacional dos direitos de
cada cidadão americano, como liberdade de expressão e de pensamento. Terra dos livres, lar dos valentes, diz
o hino dos EUA. O americano está confortável em sua própria pele. As bandeiras
de Jasper anteciparam, ironicamente, o momento em que JJ foi condecorado décadas
depois com uma honraria nacional americana, momento comentado no final desta
crônica. O próprio artista falou sobre Três
Bandeiras, dizendo que a peça não é nem quadro, nem bandeira, numa
contradição enigmática, característica da grande obra de Arte. Nada mais
natural do que este quadro patriótico fazer parte do acervo de um museu especializado
em arte americana, o Whitney Museum de Nova York.
Acima, Studio, ou
seja, Atelier, de 1964. O azul
cinzento traz sisudez e discrição. Na parte direita, algo que parece ser uma
explosão, um sol negro, ou um formato parecido com a folha de maconha, nas
explosões inventadas pela indústria cultural, a qual quer vender ídolos vendáveis.
Na extrema direita, latas descartadas dependuradas, mostrando como a sociedade
de consumo produz lixo, no ritmo frenético de uso e desuso de embalagens e
produtos, como na célebre lata de sopa de tomate de Andy Warhol, peça já
analisada neste blog. O vazio das latas é o vazio do consumismo – quanto mais
tenho, menos feliz sou; quanto mais compro, maior a sensação de vazio. É a
ironia do ter. Impondo-se quase centralmente nesse óleo sobre tela, um bloco
branco que parece ser uma geladeira, um objeto de desejo, um eletrodoméstico
moderno à disposição na loja somente para quem tem cacife – a sociedade de
consumo é excludente, e gera no indivíduo sonhos de aquisição, na ilusão do
materialismo. À direita da geladeira, três blocos coloridos, na tendência de
Jasper em evocar a mágica cromática – um artista que gosta de se divertir,
nunca perdendo a jovialidade, como Leonardo da Vinci. Os blocos são países do
bloco capitalista, e entram em harmonia uns com os outros, em oposição ao bloco
comunista. O consumismo não deixa de ser uma ditadura, pois não achar que se
tem o suficiente é caótico. O tom de azul cinzento opõe-se à alegria de um céu
azul anil. A Guerra Fria tem toda uma seriedade, e um artista tem o dom e o
desejo inconscientes de enaltecer momentos históricos e expressar estes. As
latas vazias são descartadas como uma pessoa pobre, excluída do convívio
social. Elas pendem por um frágil fio como um relógio, pendendo e marcando o
tempo, pois tempo é dinheiro, dizem os americanos. O fino fio é a fragilidade
de uma existência voltada ao ter.
Acima, Untitled,
ou seja, Sem Título, de 1964-65. O
óleo sobre tela lembra, inegavelmente, o bairro multicolorido El Caminito, de
Buenos Aires. A Pop Art revela-se em toda a sua paixão pelas cores festivas e
intensas. O conjunto é vibrante, e letras desfilam divertidamente pelo quadro,
o qual não tem norte, não tem ponto gravitacional de referência. Na extrema
direita, uma vassoura dependurada, no desejo de Jasper de limpar a América de
tanta sisudez e celebrar a superação em relação à II Guerra Mundial. A Pop Art
foi uma grande vassoura conceitual, trazendo um vento fresquinho de novidade –
a Arte transforma-se sempre. Quase não há curvas, mas blocos retangulares, em
uma certa tensão. As poucas curvas existentes lembram frações de arco-íris,
como num prisma mágico projetando um baú rico em cores variadas, como na
bandeira gay. Há três círculos negros, fazendo referência espacial, delimitando
territórios de uma nação feliz e harmônica – Jasper revela ter fé na América. O
amarelo, vermelho e laranja são uma explosão de calor, como no verão da
Flórida. Desfilando pelo quadro, retângulos menores, predominantemente brancos,
contrapondo-se aos pontos negros – são como cartões de visita, apresentando os
EUA ao mundo, obtendo respeito universal em torno da obra de Jasper Johns, um
artista do mundo. Um desajeitado retângulo verde, com gotas de tinta
escorrendo, traz a inclinação de Jasper em torno de pinceladas furiosas,
apressadas, marcantes – a Arte libertava-se de certos paradigmas, e trouxe toda
uma atitude, uma verve, um pólo. O amarelo de ouro nesta tela é uma medalha
olímpica, um reconhecimento, um marco. Jasper sobre a um pódio e recebe seu
prêmio; recebe reconhecimento, a ambição de todo artista. Sem Título tem uma certa semelhança com as linhas retilíneas de
Piet Mondrian, com quadrados e retângulos trazendo cores. É impossível para um
artista não sofrer influências; é impossível não ter inspirações baseadas em
outros artistas. É um corpo dinâmico em constante processo. Esta tela tem uma
certa candura infantil, como caramelos multicoloridos à venda num bar. E a
vassoura pertence a uma bruxa de contos infantis, só que a bruxa foi dar uma
volta e esqueceu a vassoura em
casa. A vassoura é a vida de um gari, que passa os dias varrendo
as ruas de uma cidade, tentando impor ordem ao caos da sujeira. A limpeza
pertence a Tao, o guardião do essencial. Esta tela de Jasper tem um aroma doce,
uma delicada fragrância jovial. É como um comercial de Coca-Cola, com a
juventude radiante e feliz, curtindo a vida e divertindo-se risonhamente, numa
colorida loja de moda jovem.
Acima, Jasper Johns recebendo do presidente Obama a Medalha
Presidencial da Liberdade, a maior condecoração civil dos EUA. O mesmo
presidente já deu a honraria a, entre outros, a deusa Meryl Streep, Bill
Clinton, Steven Spielberg e Oprah Winfrey.
Referência
bibliográfica:
OSTERWOLD,
Tilman. Pop Art. Köln: Taschen, 2007
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