Estive na capital argentina por três
vezes: quando eu era criança, depois pós adolescente e mais tarde adulto. Certa
vez ouvi a frase: “Os argentinos são italianos que falam espanhol e se acham
ingleses”. Talvez essa frase tenha sido dita após o episódio da Guerra das
Malvinas, na qual Argentina e Inglaterra disputaram um arquipélago no
Hemisfério Sul, conflito que trouxe baixas para ambos os lados. Semelhantes
ao Brasil, os argentinos passaram por um período de ditadura militar, e foram
esses ditadores que fizeram questão de pisar nos calos da Inglaterra e fazer do
episódio uma bandeira de propaganda do regime opressor argentino. A própria Margareth
Thatcher, primeira ministra inglesa na época, chamou os militares da Argentina
de “gangue de fascistas”. Eram os anos 1980, e o mundo voltou suas atenções à
disputa. Inclusive, quando foi lançado o jogo de tabuleiro “War”, naquela
década, o filme publicitário mostrava sósias de personalidades mundiais jogando
e disputando terras ao redor do mundo, e uma das sósias era de Teacher, digo,
Thatcher. A Argentina perde a guerra e os militares passam do “prazo de
validade”. A ditadura cai de podre. E há em Buenos Aires um
memorial em homenagem aos mortos no conflito – uma gigantesca flor
artesanalmente feita com pedaços dos aviões argentinos que lutaram nas Malvinas.
A flor da paz é maior do que o sangue da guerra. O orgulho inglês saiu
renovado, visto que a Inglaterra teve (e ainda tem) uma atitude colonizadora,
vendo outrora na Argentina uma oportunidade de investimentos civilizatórios,
como estradas de ferro cortando o país. Mas, hoje, argentinos e ingleses estão
em paz, sem mais agressividade, e cada um fica quieto no seu canto. As guerras
são sempre arrasadoras para todos os lados. Não se respiram bons ares na raiva.
A Argentina tem um charme especial,
e o Sol de lá parece ser mais dourado do que o comum. Por que será? Mas dizem
que, meteorologicamente, Buenos Aires é uma cidade “bipolar”, pois o inverno é
bem frio e o verão é bem quente, e o calor é turbinado pelo grande acúmulo de
concreto e asfalto.
Há a face negra da nação argentina –
o racismo. Assim como o Brasil, a Argentina teve a força econômica de trabalho
da escravatura, e negros foram arrancados da África para o trabalho forçado, e
assim foi com os afrodescendentes argentinos destes, nesse absurdo que é a
escravidão. Só que há um ponto contrastante no momento da abolição da
escravatura: no Brasil, os negros foram libertados e passaram a ser cidadãos
brasileiros, herdando de seus senhores os seus sobrenomes – é por isso que há
tantos Silva no Brasil, por exemplo; já, na Argentina, os negros foram
libertados mas foram todos reunidos e mandados de volta à África, sendo
inaceitável serem convertidos em cidadãos – os escravos na Argentina foram usados
e descartados como Kleenex. Uma parente minha viajou para Buenos Aires em excursão
e, quando o grupo chegou à porta de uma casa noturna, o segurança, ao saber que
se tratava de um grupo brasileiro, perguntou se neste havia algum negro, e
minha parente disse ao segurança que, no Brasil, o portenho seria processado
por injúria racial. Em outra oportunidade, um amigo meu estava com um
grupo de amigos em um restaurante portenho, e uma de suas amigas era negra.
Então o meu amigo disse que ouviu pessoas locais que, ao saírem do
restaurante, olharam para a moça negra e disseram: “Não dá mais para vir aqui”.
Será que os argentinos têm inveja dos brasileiros pela Argentina não ter tido
um Pelé? Será que os argentinos gostam de haver uma família negra na Casa
Branca nos EUA? Levando em conta o racismo, seria coincidência o fato de que
vários nazistas refugiaram-se na Argentina após a II Guerra Mundial? Eu, hein. Preconceito
é uó.
Certa vez em uma entrevista, o ex
jogador Diego Maradona fez uma gozação do estilo brasileiro e da tradição do
futebol arte brazuca. Cidade que respira futebol, BA é o cenário da ópera rock
“Evita” de Andrew Lloyd Webber. A larga avenida 9 de Julio tem a reputação de
fazer com que as pessoas, por causa da alta poluição, fiquem com resquícios de
poluentes nas narinas, mas é puro mito. O célebre obelisco na avenida é símbolo
do orgulho portenho, numa urbe que abriga em sua região metropolitana um terço
de toda a população da Argentina. Os portenhos curtem uma boa cafeteria, tendo
uma certa semelhança com Porto Alegre, sendo que esta tem mais a ver com BA do
que com o Rio de Janeiro. A sofisticada avenida Santa Fé abriga uma livraria,
El Ateneo, que se instalou onde era certa época um teatro. A mistura ficou
excelente e inusitada, um símbolo da paixão portenha por cultura. El Ateneo
aproveita todos os espaços – os camarotes laterais também abrigam livros e,
mais ao fundo, no palco, há uma cafeteria, num conceito muito criativo,
equiparando-se à Livraria Cultura na cidade de São Paulo. Ainda falando da 9 de
Julio, o centro de Buenos Aires já não respira o glamour portenho de outrora, e
há prédio antigos decadentes e pichados, há camelôs vendendo tranqueira e há mendigos.
Berço do tango, com shows gratuitos da dança pela rua, a
Big Apple da Argentina tem, em uma bela galeria em art déco, o teatro Astor Piazzolla,
cujo nome homenageia o célebre músico astro do tango. O impecável show de tango,
nesta dança apreciada por Eva Perón, é apresentado após servido um jantar, um
bom programa para namorados e casais em geral. A técnica dos dançarinos é perfeita e, num
certo momento da apresentação, há uma dança gauchesca extremamente parecida com
as tradições do Rio Grande do Sul. São os pampas.
O grandioso Museu de Arte Latinoamericana, o Malba, com
suas paredes brancas, lembra um pouco o MoMA de Nova York. Vibrante, o centro
cultural portenho sempre traz mostras, e, quando fui, deparei-me com uma
instalação indescritível. Foi a catarse mais forte e marcante que vi na minha
vida. Uma porrada na mente. Não lembro do nome do autor e nem quero lembrar,
hehehehe! E o monumental Puerto Madero é um bom programa de passeio, com
gastronomia e muitos barcos atracados, num espaço que Porto Alegre quer fazer
semelhantemente no Cais Mauá, no centro da capital gaúcha.
Na luz do dia, Buenos Aires é uma cidade relativamente segura.
Bater perna é bom, visto que os pés bombeiam o sangue para o resto do corpo. Os
guias recomendam não caminhar na rua após as 22 horas, e estão havendo vários
furtos pelas ruas da cidade, em plena luz do dia. Os portenhos não vivem
absolutamente seguros. Uma característica dos boêmios portenhos é o horário,
pelo menos em boates onde fui – a festa começa, de fato, só às 3 da manhã, e
vai até as 8 horas da matina. Cidade de passado rico e próspero, Buenos Aires
respira o poder da Casa Rosada, num bom passeio, com uma entrada especial para
turistas, com grandes quadros pintados com ícones da história política
argentina. Mas, quando fui, observei algo instigante: num mastro estava
hasteada a bandeira nacional, só que esta estava absolutamente esfarrapada, em frangalhos. Seria
por causa de uma tradição que desconheço? Quanto pode custar uma bandeirazinha
nova?
Na última vez, hospedei-me no Hotel Bisonte, com um ótimo café
da manhã, servido até as 13 horas. O táxi na cidade é barato, até barato
demais, e a categoria, na época em que fui, estava insatisfeita com as baixas tarifas.
Alguns taxistas não são lá muito gentis. Ainda por cima, há táxis não
regulamentados e não licenciados trabalhando pela cidade, e você tem que se
assegurar que está pegando um táxi legalizado. Além do mais, circula em Buenos Aires muito
dinheiro falso, e há até taxistas que passam aos passageiros cédulas
inverídicas, e é por isso que os guias recomendam nunca dar cédulas de valor
muito alto, pois, no troco dado pelo motorista, pode haver “ouro de tolo”. Deus
que me perdoe, isso tudo numa cidade tão bonita. Por fim, o trânsito é meio
caótico, e, em avenidas largas, com várias pistas, os carros nunca ficam na
mesma pista, e invadem incessantemente as outras pistas demarcadas no asfalto.
Mas isso Dios perdoa, mesmo porque é portenho o Papa Francisco. E abençoados
são os shoppings de BA, que são finos, como as Galerias Pacífico, com seus
afrescos pintados, com algo que amo – uma loja da rede mundial de cafeterias
Starbucks, com um cappuccino excelente, só que caro. Diz-se que Francisco
adorava tomar café pela cidade.
No retorno de minha terceira viagem a Buenos Aires, quando
fui com minha família em um feriadão de Corpus Christi, uma pessoa de minha
família, que adora doce de leite, adquiriu um vidro do produto na cidade.
Chegamos em Porto Alegre
e desembarcamos. E eu, para poupar os mais velhos de grande esforço, coloquei
em meu carrinho a maior parte das malas. O que eu não percebi é que eu estava
com “cara de sacoleiro”, como se eu estivesse cheio de contrabando. Então o
funcionário da alfândega, ao me ver, solicitou que eu colocasse as malas sob o
raio x, e o pote de doce de leite foi descoberto. O funcionário informou que,
por ordens da vigilância sanitária, doces de leite da Argentina não podem
entrar no Brasil. Aí o homem abriu o pote na nossa frente e o descartou, pra
mostrar que o produto seria de fato jogado fora. E lá se foi um delicioso doce
de leite. Fazer o quê? Inclusive, o funcionário nos deu um folder explicando as
razões da legislação. Firme, porém, gentil.
Há o tradicional passeio pelo bairro El Caminito, com sua
casas multicoloridas – como no Pelourinho em Salvador –, e há a feira de
antiguidades no bairro de San Telmo. É bom também fazer visitas guiadas pelo
colossal Teatro Colón. Buenos Aires é uma cidade grande e aberta ao mundo, numa
bela escolha de lua de mel, por exemplo. BA é doce. Os argentinos retribuem as
visitas dos turistas brasileiros, e vão às praias brasileiras no verão – vi até
argentinos em um resort em
Salvador. Certa vez, no verão em Capão da Canoa, eu cheguei
em um café e sentei-me inocentemente em uma mesa. Então veio um argentino que
disse-me em espanhol – como seu eu, no Brasil, tivesse a obrigação de entender
a língua dele – que ele estava sentado, antes de mim, na referida mesa. Cedi
gentilmente, dizendo que eu não sabia. Não vou puxar briga com um argentino,
principalmente por uma mesa em um café em Capão da Canoa. Em outra ocasião, em
Gramado, duas senhoras argentinas estavam batendo fotos, e eu me ofereci para
tirar fotos delas. Quando lhes devolvi a máquina, uma delas agradeceu e disse-me,
em espanhol, que eu era muito amável. Amo a Argentina, principalmente os vinhos!
E não podemos esquecer da Republica de Los Niños, ou seja,
a República das Crianças, parque temático fundado por Evita Perón nos anos 1950
– olha ela aí de novo, tendo sido tema deste mesmo blog anteriormente. Reza a
lenda que quando Walt Disney visitou o parque, teve a inspiração para construir
a Disneylândia na Califórnia, EUA. Falando em crianças, certa vez minha família
alugou nossa casa no litoral para um casal argentino com filhos. E também tive
a oportunidade de conhecer, no Brasil, o portenho Félix Monti, o talentoso diretor
de fotografia de cinema.
Na ilustração desta
postagem, um banco exótico no interior do Malba. É a sofisticação dos citadinos
hermanos.
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