quarta-feira, 8 de junho de 2016

The die of Di




            Ela tinha um carisma mágico. Sua morte virou o mundo de cabeça para baixo. O título de Lady ela herdou de sua avó, que legou-lhe no testamento. A família de Diana é muito discreta, se comparada à visadíssima família real inglesa. Filha de conde, Diana teve uma vida confortável, cheia de privilégios. Reza a lenda que Di foi apresentada ao príncipe Charles por Camila Rosamaria Shand, a qual tornou-se amante deste e, anos depois, casou-se com o príncipe, sendo a segunda esposa dele. A história de Charles e Diana é um conto de fadas ao contrário: não foi o sapo que virou príncipe, mas o príncipe que virou sapo. O início do casamento destes até foi harmonioso, mas a coisa começou a azedar – ele passou a ficar indiferente em relação a ela. Com uma forte tendência à depressão, Diana quase tentou suicídio, tal sua insatisfação na vida de cônjuge. Pessoa extremamente pública, Diana fazia questão de expressar a própria tristeza e insatisfação. Di era autêntica e espontânea, arrebatadora, como uma Nefertiti pós moderna. O povo adorava essa transparência. Fina como cristal.

            Diana tinha o dom de “orquestrar” a mídia global em torno de sua própria figura de princesa e ex-princesa. Diana foi uma popstar de brilho esmagador. Com o divórcio, Di tinha tudo para cair no mais completo esquecimento, como o que ocorreu com a ex concunhada Sarah Ferguson: Fergie – a imprensa inglesa adora apelidar pessoas famosas – passou pela mesma experiência, decepcionando-se no casamento com um príncipe. Até hoje lembro-me do casório de Ferguson. Era uma fria manhã de domingo de inverno em Caxias do Sul – pelo fuso horário, meio-dia no verão inglês – e Fergie entrou na igreja com um vestido de uma cauda monumental. Na saída do templo, o casal recém enlaçado passeou de dourada carruagem pelas ruas de Londres saudando o povo londrino e jogando pelas ruas muitas pétalas de flores brancas. Um verdadeiro espetáculo midiático. Os casamentos exercem um fascínio sobre o ser humano, pois a vida em sociedade é repleta de rituais, seja em tribos amazonenses, seja no Japão, seja no Ocidente. O ritual impõe ordem e clareza ao caos da existência, numa promessa de um mundo melhor. E a junção entre homem e mulher é de forte ritualismo, na junção de Yin e Yang, resultando em Tao, ou seja, Deus. É a tentativa humana de tocar o divino e compreender este. É a promessa de um mundo maravilhoso.

            Certa vez um oportuno jornalista comparou Fergie e Di, e lembrou-se do conto de fadas sobre duas princesas: uma, quando falava, saiam da própria boca flores perfumadas; a outra, quando falava, saia da própria boca carne podre – a primeira é Di e a segunda é Fergie. SF nunca soube brilhar muito, nem teve horrores de carisma. Com o divórcio, Ferguson caiu no esquecimento. Realmente, Di era única, e ninguém, nem mesmo a rainha inglesa, esperava que a tímida menina do conde Spencer tornar-se-ia esse colosso midiático, esse gigante planetário, uma estrela em seu próprio modo. Pessoas como Diana coruscam de qualquer maneira. É coisa do espírito do indivíduo. É algo imutável, que é figura na pessoa – usando aqui o termo “figura” como termo técnico da Psicologia. É o perfume comportamental da pessoa. E Diana dava um banho de charme.

            O casamento real da jovem Diana também causou comoção nas massas. Ao sair da igreja, já casado, o casal foi saudado por uma multidão de súditos encantados, e Diana olhou para tudo aquilo overwelmed – assoberbada. No fim das contas, Diana deu-se conta de que não seria algum dia rainha da Inglaterra, mas que seria rainha nos corações das pessoas.

              Há dois filmes sobre Diana – um bom e um ruim.
            O bom chama-se “A Rainha”, que deu um (merecido) Oscar a Helen Mirren, a qual interpreta a rainha Elizabeth II nos dias que se seguiram da morte da ex nora da regente. O roteiro é calmamente bem contado, delicioso. Filmão. A rainha fica confusa: Diana não morreu oficialmente princesa, pois, com o divórcio, perdeu o título de “Princesa de Gales”, logo, não seria digna de um funeral de realeza. Mas a força do senso comum falou mais alto, e Elizabeth II passou a sentir-se extremamente pressionada a fazer um enterro de princesa a Di. No frigir dos ovos, Diana será sempre a “Princesa do Povo”, e seu memorial em Londres ostenta o título de “Princesa de Gales”. Ao ver que o povo estava insatisfeito com o seu posicionamento de monarca, a rainha vê-se praticamente forçada a tomar certas atitudes, não só como dar um enterro de realeza como também baixar as bandeiras nacionais a meio mastro e fazer uma declaração na televisão, declaração esta que repercutiu no mundo inteiro. Nesse momento, a rainha teve que prestar um tributo e, no filme, antes de ir frente às câmeras, diz a frase “Do I have a choice?”, ou seja, “Tenho eu uma escolha?”, mostrando-se um pouco irritada pela pressão sobre si por causa da lady morta. “A Rainha” mostra uma mulher que foi pega de surpresa pelas esquinas da vida, achando a monarca que, em um primeiro momento, era histeria coletiva a comoção popular pelo falecimento de Spencer. Elizabeth achava que, por ser então um pouco idosa, nada mais tinha a aprender. Grande engano;
            O filme ruim chama-se “Diana”, com Naomi Watts no papel título, num roteiro mal costurado e pretensioso, narrando o relacionamento amoroso da lady, então divorciada, com um cirurgião de origem indiana. O final é super sem graça. Uma pena, visto a estrela que é Naomi Campbell, digo, Watts.

            É claro que a morte da lady resultou no que resultou, pois não foi só a morte de uma popstar amada como também o óbito da mãe do futuro rei da Inglaterra. Não deve ser fácil entrar para uma família real, inserir-se num clã tão evidenciado pela mídia e pelas milenares tradições de um país como a Inglaterra, nação de passado glorioso. O funeral de Diana foi fenomenal, não apenas pela pompa e circunstância de realeza, mas pelo comportamento das pessoas. À medida que o carro fúnebre passava pelas ruas de Londres, adornado por uma carta escrita a Di pelo filho Harry, então infante, as pessoas jogavam delicadamente flores em cima do carro, e não foram necessários cordões de isolamento, tal o respeito das pessoas pela falecida. Como manda a tradição, até a rainha tem que se curvar perante o caixão de uma princesa, e a rainha o fez. Longeva e produtiva, Elizabeth II ultrapassou a recordista bisavó Vitória em anos de reinado e está dando sinais de que só deixará o cargo quando São Pedro lhe chamar. Deve ser assoberbador sentar no mesmo trono de um Henrique VIII, uma Elizabeth I ou uma Vitória. As pressões são inevitáveis, e foram exatamente essas pressões que deixaram Diana estupefata e fizeram esta mandar tudo para aquele lugar, e era exatamente esse ímpeto que fazia com que as pessoas se apaixonassem cada vez mais por Di. “Eu só quero ser feliz”, diria a lady. E o povo entendia isso. Carisma total. Suas transgressões eram cativantes, pois Di não o fazia por mal, e o povo identificava-se com ela, que brilhava como uma diva de Hollywood. Sensível e criativa, Diana tinha alma de artista. Sua própria vida pública foi tela, tintas e pincel em suas mãos.

            Recém após a morte de Di, a popstar Madonna declarou que, pela primeira vez em anos, pôde caminhar sozinha na rua, tal o impacto que o falecimento trouxe ao mundo – naquele momento, as pessoas passaram a refletir sobre a superexposição de celebridades, e como estas perdem a liberdade e a privacidade. Inclusive, Madonna homenageou a Princesa de Gales no clipe de Substitute for Love, no qual a cantora mostra como o assédio e a falta de respeito podem ser complicados para uma pessoa pública. Amante das artes e grande amiga de Luciano Pavarotti, Diana causou comoção ao ir assistir ao espetáculo The Girlie Show de Madonna em 1993, em Londres – dois monstros midiáticos pertinho um do outro. Lá pelo ano de 1998, Xuxa Meneguel entrevistou Madonna e, quando perguntou a esta qual a primeira coisa que vinha à sua mente quando ouvia a palavra “fama”, Madonna disse:
            – Prisão.
            E Diana sentia isso. As pessoas comuns não sabem o que é ser esse “prisioneiro”, e a corajosa Diana queria, além de ser famosa, ter liberdade, num flerte irresistível entre comum e excepcional. É claro que o assédio dos paparazzi era insuportável, e Diana tinha uma relação de amor e ódio com eles: Di gostava de ser popstar, mas não gostava da falta de respeito. Diz-se que o acidente automobilístico que lhe ceifou a vida aconteceu por Diana solicitar que o motorista acelerasse fundo para fugir dos jornalistas montados em motos, tal a obsessão destes de capturar imagens e obter informações sobre Diana, visto que essas fotos e esse assunto eram comprados a peso de ouro pela mídia sensacionalista inglesa. Como acidentes de carro são comuns, foi-se Diana na flor da idade, em 1997. Falando em flor, a música tema English Rose, ou seja, Rosa Inglesa, cantada por Sir Elton John, foi tema do funeral de Di, do mesmo modo que a canção Coração de Estudante, cantada por Milton Nascimento, foi o tema do funeral de Tancredo Neves nos anos 1980 – eu me lembro deste, apesar de eu ser criancinha na época. Há funerais que se tornam grandes eventos de massa, pois o funeral, ao lado do casamento, é um ritual extremamente difundido ao redor do mundo.

            Certa vez tive um professor na Faculdade dos Meios de Comunicação Social na Pontifícia Universidade Católica de Porto Alegre. O funeral de Diana recém tinha acontecido, e o professor disse:
            - Tantos os problemas que temos para resolver e temos que ouvir essa musiquinha babaca e sentimental do funeral da Diana!
            Concordo e discordo. Concordo porque o circo midiático é inegável; discordo porque temos que ter respeito aos mortos. O assédio da imprensa a Diana foi denunciado pelo irmão, pois, na morte dela, ele declarou publicamente que a imprensa tinha sangue nas próprias mãos.

No filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain, cuja trama enlaça-se com momento da morte de Diana, um personagem chauvinista desdenha da lady, e diz que deve-se valorizar o que é francês, como, por exemplo, Renoir. Mas Di brilhava além de nacionalidades. Era universal. Um fenômeno. Após o divórcio, Diana perdeu os guardacostas de quando era alteza, e não se importou com isso. Mas, ao viajar acompanhada dos filhos, Elizabeth II disse:
- Meus netos não vão a lugar algum sem guardacostas.
Diana confiava no bom senso das pessoas. Não queria viver numa redoma. Mereceu ser considerada a “irmã” do povo, uma mulher que emanava simplicidade e fineza, num glamour “herdado” por Michelle Obama e “ensinado” por Jackie Onassis. Diana era a primeira dama do mundo.

Certa vez, Diana promoveu um leilão beneficente de seus vestidos em Nova York, por sugestão do filho William. E essa era outra faceta de Diana: a filantropia. Nos anos 80, quando a AIDS apareceu, Diana foi precursora ao apertar a mão de pacientes com HIV, algo pouco feito então. Diana tinha todo um dinamismo beneficente – uma pessoa bem intencionada. Tudo tem seu ônus e seu bônus, e Diana pagava o preço da sua própria estrela. Ao perder o título de Her Royal Highness, ou seja, Sua Alteza Real, Diana permaneceu nobre no imaginário popular. O povo jamais lhe deu as costas. Descanse em paz, rosa inglesa. Um mito digno de deusa grega.

            O título em inglês desta crônica quer dizer “O Destino de Di”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário