quarta-feira, 1 de junho de 2016

Diana, a princesa do Jazz




            Há muitos anos escrevi uma pequena crônica sobre Diana Krall no site de crítica cultural argumento.net, site que sempre me deu muitas oportunidades, e hoje volto a falar desta canadense que conquistou o público que curte música minimalista e sofisticada. Diana está desde sempre batalhando, lançando seu primeiro trabalho de estúdio em 1993. Só pelo final dos anos 1990 eu entrei em contato com o trabalho de Di, quando eu estava numa megastore em um shopping tradicional de Porto Alegre. Eu estava recém aventurando-me e começando a me alinhar com o Jazz, gênero musical único que surgiu da cultura afrodescendente do sul dos Estados Unidos - precisamente de Nova Orleans -, e que se misturou com outras vertentes, como o Soul, o Blues e o Gospell, enamorando-se também pelo Rock e o Country. O que seria dos EUA sem essa vibração das culturas afro? Branca canadense que nasceu a muitos quilômetros de distância de Nova Orleans, Diana Krall começou a tocar piano quando era uma criancinha, construindo uma intimidade de décadas com o instrumento. Só para fazer aqui um aparte, outro grande artista jazzista o qual admiro é Harry Connick Jr, o qual é de Nova Orleans e tem vasta obra de bom Jazz, como no álbum que gravou inspirado no formidável filme “Harry e Sally - Feitos Um para o Outro”. Como eu gostaria de ver Harry C. e Diana trabalhando juntos! Connick é também pianista. Dois monstros contemporâneos do Jazz. Só que Harry é também ator, e Diana é exclusivamente musicista.

            Há uma característica predominante na obra de Di: ela quase nunca gravou canções inéditas. Diana ama os clássicos, e os reverencia regravando-os. Normalmente, ela usa poucos instrumentos na produção, apesar de em turnês viajar com uma orquestra primorosa, incluindo o brasileiro Paulinho da Costa na percussão. Os CDs de Diana são “orgânicos”, sendo que, em toda sua carreira, apenas no trabalho mais recente, o Wallflower, há uma sutil percussão eletrônica - o referido álbum é o único de Diana em que esta revisita o Pop, pois Diana sempre foi uma jazzista por excelência, e nos seus trabalhos é frequente também uma delicada guitarra. Diana sabe que fraco é forte, numa classe equiparável à das criteriosas brasileiras Marisa Monte e Elis Regina.

            No primeiro CD de Diana que eu adquiri - All for You, de 1996 -, fui seduzido pela capa: a diva estava de pés descalços, e a simplicidade me deslumbrou, na falta de pretensão, sendo o mercado fonográfico de massa tão cheio de excessos. Já no início da primeira canção, sua voz grave me surpeendeu. Diana tem uma obra a qual vale a pena ser revista inúmeras vezes. Você nunca vai enjoar dela, e praticamente todos os dias ouço-a. Essa inegável veia jazzística da artista sofreu uma reviravolta decisiva em When I Look in Your Eyes, de 1999: o casamento entre Jazz e Bossa Nova prova ser delicioso como morango com champagne. Lançando mão de uma voz quase sussurrante, Diana, com este trabalho, filou um Grammy. O álbum de 1999 é de uma sofisticação inegável. Há melancolia, como na faixa título, mas há clássicos revisitados, como I’ve Got You Under My Skin, e canções mais animadas, como Popsicle Toes. A paixão de Diana pelo Brasil a fez passar em turnê pelo país, e o casamento com o ritmo brazuca intensificou-se no álbum The Look of Love, de 2001, o qual, de tão similar, parece ser um Volume II de When I Look..., numa tentativa clara da artista de se manter em um doce momento de sucesso, sendo que este, como eu já disse, é um amante infiel. O CD Quiet Nights, de 2009, sela de vez esse flerte com a Bossa Nossa, digo, Nova, numa Diana com a voz ainda mais sussurrante e introspectiva, com direito a ela cantando em português Este Seu Olhar, sendo inevitável também cantar uma versão de Garota de Ipanema, ou seja, The Boy From Ipanema. A sensualidade da América do Sul seduz o mundo há tempo. E a voz de Diana é sedutora. Eu estava assistindo a um filme certa vez, do qual infelizmente não lembro o nome, mas em um momento da película, Diana faz uma participação cantando, e um dos personagens comentou esse it, esse charme especial da jazzista.

            Há algumas semanas atrás, eu estava fazendo compras em um supermercado quando ouvi Diana tocando nos altofalantes de música ambiente do estabelecimento. Ouvir esse tipo de música enquanto fazem-se compras - não tem preço. Infelizmente Krall não incluiu a América Latina em sua atual turnê. E que turnê: é uma trabalheira danada. Krall é uma trabalhadora, uma hard working woman. Imagine ter que se deslocar ao redor do globo com tantos músicos, instrumentos e equipe técnica. E dê-lhe aeroporto, dê-lhe hotel. Recentemente, a musicista disse que mal espera pelos filhos terem idade o suficiente par acompanhá-la nas turnês. Diana é casada com o músico Elvis Costello.

            De tudo gravado por Di até hoje, a faixa que mais amo é a canção Dreamsville, de um miniálbum natalino de 2001. Uma sutileza presente, num fonograma usado pela rádio Antena 1 para anunciar o Big Hour, a programação de fim de tarde da emissora. A delicadeza da artista ao piano vale cada centavo para se comprar seus álbuns. E há um mérito em Diana em sua discrição: ela sabe que não canta como uma Barbra Streisand, logo, vai até onde pode. Mas essa discrição é tão grande que o ouvinte acaba se rendendo ao vocal despretensioso dessa princesa do Jazz. O DVD dela ao vivo em Paris, de 2002, mostra o bom gosto na hora de se contratar músicos, com um início arrebatador, com o barulho da chuva parisiense misturando-se com o som dos aplausos da plateia. Sem mil e uma pirotecnias, um locutor anuncia a artista em francês e a diva simplesmente entra no palco e começa a trabalhar. Veludo puro.

            Diana tem a força para move on, ou seja, sobreviver ao showbusiness. A artista mostra estar empenhada em se reinventar. No ótimo álbum Glad Rag Doll, de 2012, ela regrava canções pouco conhecidas, ao contrário dos grandes clássicos famosos do Jazz que Krall ama tocar e cantar. Só para fazer outro aparte, recomendo o excelente trabalho Cheek to Cheek, de 2014, que o monstro sagrado Tony Bennett gravou com o monstro pop Lady Gaga - esta canta tão bem que não passa vergonha ao lado de Tony. Uma delícia para se ouvir na estrada, por exemplo. Fico gago com o talento jazzístico desse dueto.

            Difícil falar de Jazz sem mencionar o grande mestre Cole Porter, ídolo do diretor Whoody Allen, que é outro amante do Jazz e integrante de uma banda. Certa vez, em Porto Alegre, tive a oportunidade de ver um show da banda Jazz 6, à qual integra o escritor Luis Fernando Verissimo. Em outra oportunidade, presenciei uma versão que um produtor musical fez da canção All Through the Night, de Porter, artista este muito regravado, inclusive por Krall, como também na versão pós moderna da banda U2 de Night and Day. Em toda essa regravações, existe em Cole um namoro entre antigo e novo, um contraste doce. Um trocadilho infame: o Jazz não jaz.

            Na ilustração desta postagem, uma homenagem a Krall na Calçada da Fama do Canadá, numa estrela inaugurada em 3 de junho de 2004.

            A seguir, um breve apanhado biográfico, o qual não aparece no site oficial da cantora, numa vida dedicada à Música:
1964 - Nasce em 16 de novembro na Colúmbia Britânica, Canadá, Diana Jean Krall, em uma família musical, como na família de Michael Jackson. A pequena Diana passa a tocar piano aos quatro anos de idade, o que enraizou uma grande relação com as teclas. Nos anos 1970, no colegial, Diana integra uma banda de Jazz.
1979 - Diana começa a se apresentar em restaurantes.
1981 - Diana ganha uma bolsa de estudos no Berklee College of Music, em Boston, EUA. Findados os estudos, muda-se para Los Angeles, onde continuou estudando, firmando uma parceria musical com o pianista e cantor jazzista Jimmy Rowles, falecido em 1996.
1990 - Diana vai para Nova York e passa a trabalhar na Big Apple.
1993 - Lançado o primeiro álbum de Diana, Stepping Out, chamando a atenção do produtor Tommy Li Puma.
1994 - Tommy produz o segundo álbum de Krall, Only Trust Your Heart.
1996 - O terceiro álbum de Diana é lançado, All For You, que homenageia o ícone jazzístico Nat King Cole. O álbum leva uma indicação ao Grammy.
1997 - O álbum Love Scenes é lançado, sendo sucesso de vendas com um enxuto trio de Jazz.
1999 - Ano capital na vida de Diana: é lançado o álbum de super sucesso When I Look in Your Eyes. A artista leva um Grammy, o de Melhor Artista de Jazz do Ano.
2000 - Diana faz uma parceria com Tonny Bennett para uma turnê.
2001 - É lançado o álbum The Look of Love, e Diana fila outro Grammy. Em setembro, Diana sai em turnê e grava seu primeiro álbum ao vivo, em Paris, trabalho lançado no ano seguinte. O ano de 2001 também contou com Diana lançando um miniálbum de Natal.
2003 - Diana e Elvis Costello casam-se.
2004 - Diana torna-se compositora com o álbum The Girl in the Other Room. A artista recebe uma homenagem na Calçada da Fama do Canadá.
2005 - Diana adora Natal, e mais uma vez lança um álbum para a data, desta vez com mais canções do que o álbum natalino anterior.
2006 - Ano de gravidez e parto, e nascem gêmeos da união de Krall e Costello: Dexter e Frank. Diana lança o álbum From This Moment On, trabalho que conta com uma versão em inglês para o clássico brasileiro Insensatez, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes.
2007 - Diana apresenta-se integrando uma campanha da companhia japonesa automobilística Lexus. Ano que também teve Diana lançando a primeira coletânea, com CD e DVD.
2009 - O sexy álbum Quiet Nights é lançado.
2012 - O álbum Glad Rag Doll é lançado, resgatando canções “perdidas”. Diana, de personalidade forte, foi convencida a posar na capa com roupa e pose pouco ortodoxas. Em geral, Diana gosta de visuais mais discretos. Diana definitivamente não quer ser um sex symbol nem uma megacelebridade. Ela quer é fazer música.
2015 - É lançado o álbum Wallflower, que não traz apenas Jazz.

Diana, cuja voz flui como um plácido córrego, já teve oito canções integrando a trilha sonora de novelas da Rede Globo. Segundo o site no qual fui buscar insumos para esta crônica, normalmente os álbuns de Krall aparecem em prestigiadas posições nas paradas de Jazz da Billboard, ranking que mostra os artistas em evidência no momento. O que esperar do próximo trabalho de Krall? Muito critério, sempre. Bom gosto. E a assinatura despretensiosa desta jazzista de mão cheia. Uma exceção foi quando Diana regravou o bolero Besame Mucho, que ficou famoso tocado pela orquestra de Ray Conniff, e um jornalista escreveu:
- Nem o bom gosto de Diana Krall é capaz de disfarçar a cafonice de Besame Mucho.
Kkkkk!!!

Diana leva uma vida reservada e pacata, como a discreta atriz Meryl Streep. Harry Connick Jr, abaixo de muita pressão profissional - esperou-se “apenas” que ele seria o novo Frank Sinatra -, certa vez envolveu-se com drogas. Diana não deve sofrer tantas pressões nem ter problema com álcool ou drogas, pois a canadense sabe que a discrição tem doces frutos - o quanto mais “invisível” eu for, menos encherão meu saco. Essa questão da pressão e das drogas pode ser complicada, como no caso da cantora Whitney Houston, que cedeu às drogas depois de um marco em sua vida, o mega álbum do filme O Guarda Costas. O sucesso pode ser pernicioso se a pessoa não tiver estrutura psicológica forte, se não souber ficar com os pés no chão. E Diana Spencer, digo, Krall tem os pezinhos bem no chão.

Referência bibliográfica:
Diana Krall. Disponível em <pt.wikipedia.org/wiki/Diana_Krall>. Acesso em 28 mai. 2016.

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