Há muitos anos escrevi uma pequena
crônica sobre Diana Krall no site de crítica cultural argumento.net, site que
sempre me deu muitas oportunidades, e hoje volto a falar desta canadense que
conquistou o público que curte música minimalista e sofisticada. Diana está
desde sempre batalhando, lançando seu primeiro trabalho de estúdio em 1993. Só
pelo final dos anos 1990 eu entrei em contato com o trabalho de Di, quando eu
estava numa megastore em um shopping tradicional de Porto Alegre. Eu estava
recém aventurando-me e começando a me alinhar com o Jazz, gênero musical único
que surgiu da cultura afrodescendente do sul dos Estados Unidos - precisamente
de Nova Orleans -, e que se misturou com outras vertentes, como o Soul, o Blues
e o Gospell, enamorando-se também pelo Rock e o Country. O que seria dos EUA
sem essa vibração das culturas afro? Branca canadense que nasceu a muitos
quilômetros de distância de Nova Orleans, Diana Krall começou a tocar piano
quando era uma criancinha, construindo uma intimidade de décadas com o
instrumento. Só para fazer aqui um aparte, outro grande artista jazzista o qual
admiro é Harry Connick Jr, o qual é de Nova Orleans e tem vasta obra de bom
Jazz, como no álbum que gravou inspirado no formidável filme “Harry e Sally -
Feitos Um para o Outro”. Como eu gostaria de ver Harry C. e Diana trabalhando
juntos! Connick é também pianista. Dois monstros contemporâneos do Jazz. Só que
Harry é também ator, e Diana é exclusivamente musicista.
Há uma característica predominante na
obra de Di: ela quase nunca gravou canções inéditas. Diana ama os clássicos, e
os reverencia regravando-os. Normalmente, ela usa poucos instrumentos na
produção, apesar de em turnês viajar com uma orquestra primorosa, incluindo o
brasileiro Paulinho da Costa na percussão. Os CDs de Diana são “orgânicos”,
sendo que, em toda sua carreira, apenas no trabalho mais recente, o Wallflower, há uma sutil percussão
eletrônica - o referido álbum é o único de Diana em que esta revisita o Pop, pois
Diana sempre foi uma jazzista por excelência, e nos seus trabalhos é frequente também
uma delicada guitarra. Diana sabe que fraco é forte, numa classe equiparável à
das criteriosas brasileiras Marisa Monte e Elis Regina.
No primeiro CD de Diana que eu
adquiri - All for You, de 1996 -, fui
seduzido pela capa: a diva estava de pés descalços, e a simplicidade me
deslumbrou, na falta de pretensão, sendo o mercado fonográfico de massa tão
cheio de excessos. Já no início da primeira canção, sua voz grave me surpeendeu.
Diana tem uma obra a qual vale a pena ser revista inúmeras vezes. Você nunca
vai enjoar dela, e praticamente todos os dias ouço-a. Essa inegável veia
jazzística da artista sofreu uma reviravolta decisiva em When I Look in Your Eyes, de 1999: o casamento
entre Jazz e Bossa Nova prova ser delicioso como morango com champagne.
Lançando mão de uma voz quase sussurrante, Diana, com este trabalho, filou um
Grammy. O álbum de 1999 é de uma sofisticação inegável. Há melancolia, como na
faixa título, mas há clássicos revisitados, como I’ve Got You Under My Skin, e canções mais animadas, como Popsicle Toes. A paixão de Diana pelo
Brasil a fez passar em turnê pelo país, e o casamento com o ritmo brazuca
intensificou-se no álbum The Look of Love,
de 2001, o qual, de tão similar, parece ser um Volume II de When I Look..., numa tentativa clara da
artista de se manter em um doce momento de sucesso, sendo que este, como eu já
disse, é um amante infiel. O CD Quiet
Nights, de 2009, sela de vez esse flerte com a Bossa Nossa, digo, Nova, numa
Diana com a voz ainda mais sussurrante e introspectiva, com direito a ela
cantando em português Este Seu Olhar, sendo inevitável também cantar
uma versão de Garota de Ipanema, ou
seja, The Boy From Ipanema. A
sensualidade da América do Sul seduz o mundo há tempo. E a voz de Diana é
sedutora. Eu estava assistindo a um filme certa vez, do qual infelizmente não
lembro o nome, mas em um momento da película, Diana faz uma participação
cantando, e um dos personagens comentou esse it, esse charme especial da jazzista.
Há algumas semanas atrás, eu estava
fazendo compras em um supermercado quando ouvi Diana tocando nos altofalantes
de música ambiente do estabelecimento. Ouvir esse tipo de música enquanto
fazem-se compras - não tem preço. Infelizmente Krall não incluiu a América
Latina em sua atual turnê. E que turnê: é uma trabalheira danada. Krall é uma
trabalhadora, uma hard working woman.
Imagine ter que se deslocar ao redor do globo com tantos músicos, instrumentos
e equipe técnica. E dê-lhe aeroporto, dê-lhe hotel. Recentemente, a musicista
disse que mal espera pelos filhos terem idade o suficiente par acompanhá-la nas
turnês. Diana é casada com o músico Elvis Costello.
De tudo gravado por Di até hoje, a faixa
que mais amo é a canção Dreamsville,
de um miniálbum natalino de 2001. Uma sutileza presente, num fonograma usado
pela rádio Antena 1 para anunciar o Big
Hour, a programação de fim de tarde da emissora. A delicadeza da artista ao
piano vale cada centavo para se comprar seus álbuns. E há um mérito em Diana em
sua discrição: ela sabe que não canta como uma Barbra Streisand, logo, vai até
onde pode. Mas essa discrição é tão grande que o ouvinte acaba se rendendo ao
vocal despretensioso dessa princesa do Jazz. O DVD dela ao vivo em Paris, de
2002, mostra o bom gosto na hora de se contratar músicos, com um início
arrebatador, com o barulho da chuva parisiense misturando-se com o som dos
aplausos da plateia. Sem mil e uma pirotecnias, um locutor anuncia a artista em
francês e a diva simplesmente entra no palco e começa a trabalhar. Veludo puro.
Diana tem a força para move on, ou seja, sobreviver ao showbusiness.
A artista mostra estar empenhada em se reinventar. No ótimo álbum Glad Rag Doll, de 2012, ela regrava
canções pouco conhecidas, ao contrário dos grandes clássicos famosos do Jazz
que Krall ama tocar e cantar. Só para fazer outro aparte, recomendo o excelente
trabalho Cheek to Cheek, de 2014, que
o monstro sagrado Tony Bennett gravou com o monstro pop Lady Gaga - esta canta
tão bem que não passa vergonha ao lado de Tony. Uma delícia para se ouvir na
estrada, por exemplo. Fico gago com o talento jazzístico desse dueto.
Difícil falar de Jazz sem mencionar
o grande mestre Cole Porter, ídolo do diretor Whoody Allen, que é outro amante
do Jazz e integrante de uma banda. Certa vez, em Porto Alegre, tive a
oportunidade de ver um show da banda Jazz 6, à qual integra o escritor Luis
Fernando Verissimo. Em outra oportunidade, presenciei uma versão que um
produtor musical fez da canção All
Through the Night, de Porter, artista este muito regravado, inclusive por
Krall, como também na versão pós moderna da banda U2 de Night and Day. Em toda essa regravações, existe em Cole um namoro
entre antigo e novo, um contraste doce. Um trocadilho infame: o Jazz não jaz.
Na
ilustração desta postagem, uma homenagem a Krall na Calçada da Fama do Canadá, numa estrela inaugurada em 3 de junho
de 2004.
A seguir, um breve apanhado
biográfico, o qual não aparece no site oficial da cantora, numa vida dedicada à
Música:
1964 - Nasce em 16 de novembro na Colúmbia Britânica,
Canadá, Diana Jean Krall, em uma família musical, como na família de Michael
Jackson. A pequena Diana passa a tocar piano aos quatro anos de idade, o que
enraizou uma grande relação com as teclas. Nos anos 1970, no colegial, Diana
integra uma banda de Jazz.
1979 - Diana começa a se apresentar em restaurantes.
1981 - Diana ganha uma bolsa de estudos no Berklee College
of Music, em Boston, EUA. Findados os estudos, muda-se para Los Angeles, onde
continuou estudando, firmando uma parceria musical com o pianista e cantor
jazzista Jimmy Rowles, falecido em 1996.
1990 - Diana vai para Nova York e passa a trabalhar na Big
Apple.
1993 - Lançado o primeiro álbum de Diana, Stepping Out, chamando a atenção do
produtor Tommy Li Puma.
1994 -
Tommy produz o segundo álbum de Krall, Only
Trust Your Heart.
1996 - O terceiro álbum de Diana é lançado, All For You, que homenageia o ícone
jazzístico Nat King Cole. O álbum leva uma indicação ao Grammy.
1997 - O álbum Love
Scenes é lançado, sendo sucesso de vendas com um enxuto trio de Jazz.
1999 - Ano capital na vida de Diana: é lançado o álbum de
super sucesso When I Look in Your Eyes.
A artista leva um Grammy, o de Melhor Artista de Jazz do Ano.
2000 - Diana faz uma parceria com Tonny Bennett para uma
turnê.
2001 - É lançado o álbum The Look of Love, e Diana fila outro Grammy. Em setembro, Diana sai
em turnê e grava seu primeiro álbum ao vivo, em Paris, trabalho lançado no ano
seguinte. O ano de 2001 também contou com Diana lançando um miniálbum de Natal.
2003 - Diana e Elvis Costello casam-se.
2004 - Diana torna-se compositora com o álbum The Girl in the Other Room. A artista
recebe uma homenagem na Calçada da Fama do Canadá.
2005 - Diana adora Natal, e mais uma vez lança um álbum
para a data, desta vez com mais canções do que o álbum natalino anterior.
2006 - Ano de gravidez e parto, e nascem gêmeos da união de
Krall e Costello: Dexter e Frank. Diana lança o álbum From This Moment On, trabalho que conta com uma versão em inglês
para o clássico brasileiro Insensatez,
de Tom Jobim e Vinícius de Moraes.
2007 - Diana apresenta-se integrando uma campanha da
companhia japonesa automobilística Lexus. Ano que também teve Diana lançando a
primeira coletânea, com CD e DVD.
2009 - O sexy álbum Quiet
Nights é lançado.
2012 - O álbum Glad
Rag Doll é lançado, resgatando canções “perdidas”. Diana, de personalidade
forte, foi convencida a posar na capa com roupa e pose pouco ortodoxas. Em
geral, Diana gosta de visuais mais discretos. Diana definitivamente não quer
ser um sex symbol nem uma megacelebridade. Ela quer é fazer música.
2015 - É lançado o álbum Wallflower, que não traz apenas Jazz.
Diana, cuja voz flui como um plácido córrego, já teve oito
canções integrando a trilha sonora de novelas da Rede Globo. Segundo o site no
qual fui buscar insumos para esta crônica, normalmente os álbuns de Krall aparecem
em prestigiadas posições nas paradas de Jazz da Billboard, ranking que mostra os
artistas em evidência no momento. O que esperar do próximo trabalho de Krall?
Muito critério, sempre. Bom gosto. E a assinatura despretensiosa desta jazzista
de mão cheia. Uma exceção foi quando Diana regravou o bolero Besame Mucho, que ficou famoso tocado
pela orquestra de Ray Conniff, e um jornalista escreveu:
- Nem o bom gosto de Diana Krall é capaz de disfarçar a
cafonice de Besame Mucho.
Kkkkk!!!
Diana leva uma vida reservada e pacata, como a discreta atriz
Meryl Streep. Harry Connick Jr, abaixo de muita pressão profissional -
esperou-se “apenas” que ele seria o novo Frank Sinatra -, certa vez envolveu-se
com drogas. Diana não deve sofrer tantas pressões nem ter problema com álcool
ou drogas, pois a canadense sabe que a discrição tem doces frutos - o quanto
mais “invisível” eu for, menos encherão meu saco. Essa questão da pressão e das
drogas pode ser complicada, como no caso da cantora Whitney Houston, que cedeu
às drogas depois de um marco em sua vida, o mega álbum do filme O Guarda Costas. O sucesso pode ser
pernicioso se a pessoa não tiver estrutura psicológica forte, se não souber
ficar com os pés no chão. E Diana Spencer, digo, Krall tem os pezinhos bem no
chão.
Referência
bibliográfica:
Diana Krall. Disponível em <pt.wikipedia.org/wiki/Diana_Krall>.
Acesso em 28 mai. 2016.
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