Pacifista, James Albert Rosenquist é
preso por algum tempo nos EUA por ter se declarado publicamente contra a Guerra
do Vietnã – foi acusado de simpatizar com o Comunismo. James nasce americano em
1933 em Dakota do Norte. Em 1948 começa a estudar Arte, migrando para os
estudos de Pintura. Em 1954, começa com pinturas para espaços publicitários. Viagem
a Cuba. Interesse por impressionistas. Em 1955, ganha uma bolsa de estudos de
Arte em Nova York. Em
1957, aluga um atelier e faz desenhos publicitários. No fim da década, é
empregado como pintor chefe de uma grande empresa de design, mas abandona este
trabalho em 1960. Casa-se com uma desenhista têxtil. Passa a decorar vitrines. Em
1962, sua primeira mostra individual. No ano seguinte, recebe uma grande
encomenda. Em 1965, começa a trabalhar com litografia e produz F-111, um painel de 26 metros de comprimento,
obra que viaja o mundo sendo exposta solenemente. Em 1966, JR participa de uma
retrospectiva no MoMA. Os anos 1970 são marcados por muita atividade do artista.
Nos anos 1980, James recebe várias retrospectivas e, no fim da década, recebe
distinção de uma importante instituição americana de Arte. Em 2002, grande
retrospectiva de James no Museu Guggenheim de Nova York. Aviso que as análises
semióticas a seguir são minhas e não do livro-base de Osterwold, minha
referência bibliográfica.
Acima, F-111, de 1965, considerada a obra mais importante de James. Riqueza
em cores, típica da Pop Art. Turbinas de um potente avião. Um grande pneu de ônibus.
Uma menininha feliz em um secador de cabelos de salão de beleza. Uma bomba
atômica estourando em todo o seu terror, atrás de um guarda-chuva. Semelhante à
bomba, ar explodindo dentro d’água. Macarrão ao molho vermelho, como na obra I Love You My Ford, analisada nesta
mesma crônica. O painel é um manifesto contra as guerras. As cores buscam
maquiar, evitar o terrorismo, por exemplo. A bomba estourando é um lembrete
desse posicionamento político de Rosenquist. A menininha é a promessa de um
futuro mais colorido e menos dolorido. O texto USA Air Force aparece para citar a nação do artista, o qual não
gosta de conflitos, usando a arte como catarse, como vômito purificador. O
painel, no geral, tem muito movimento. O maquinário pesado não consegue vencer
o aspecto orgânico, que é o macarrão. O guarda-chuva quer proteger o mundo das
guerras, por isso, aquele está à frente da explosão. A explosão é como um
popstar sendo revelado ao mundo, como um Michael Jackson implacável. A inocente
menininha olha para o maquinário e não faz ideia das vidas que ele ceifará na
guerra. O pneu esmagador passa por cima de tudo e todos, ignorando a vida,
deixando cicatrizes pelo caminho. No geral, o avião ocupa todo o quadro, mas
não é absoluto, impondo-se de forma discreta, de ponta a ponta, sendo um
princípio fálico de verdade e liberdade americano. O céu azul limpa o conjunto,
como num belo dia; como no sorriso da menininha. O avião está aterrisando
majestosamente, anunciando vitoriosamente as vidas que ceifou. F-111 é muito estimulante aos olhos. No
centro do quadro, uma lâmpada, iluminando as ideias de uma América
anticomunista. As cores rejeitam completamente os tons cinzentos da Cortina de
Ferro, e tanto a extremidade esquerda quanto a direita têm partes em cinza,
dando tristeza aos pontos de chegada e de saída do avião. Rosenquist gosta do
apelo político. A menininha é a frágil feminilidade em meio aos horrores
bélicos. A impressão que se tem no quadro geral é a de que o avião está em
pleno voo, e podemos quase ouvir o barulho de seus motores. Bem ao centro do
quadro, uma estrela militar, na fixação da Pop Art pelas estrelas midiáticas. A
menininha é uma estrela; o avião, também. Abaixo do pneu, um delicioso bolo com
uma doce cobertura, e o bolo está decorado com bandeirolas, as quais são as
referências militares de alvos de bombardeio. O bolo é o lado doce da vida,
lado este muito distante das guerras. Rosenquist nos mostra que a paz é maior
do que a raiva, como as cores são maiores do que a morte. No mais, o painel
parece ser uma propaganda comunista, só que colorida. Uma saudável loucura de
James Albert.
Acima, Untitled (Joan Crawford Says...), ou seja, Sem Título (Joan Crawford Diz...) de 1964, ano em que o Brasil
mergulha no governo militar. Toda a frivolidade do mundo publicitário e do american way, na premeditada ausência de
título e de sentido. Joan é a dona de casa perfeita. Sua pele é imaculada, sem
poros e sem qualquer sinal de idade ou de expressão. Seus dentes são dignos de
comercial de creme dental. Seu cabelo não tem um só fio desalinhado e, é claro,
não tem um só grisalho. Em torno de seu pescoço, uma joia. Joan parece estar
ouvindo o “plim” do forno, o qual avisa que o peru está assado e pronto. As
alças de seu vestido combinam com o batom e o quadro ao lado, o qual cita
palavras da estrela de cinema. Reza a lenda que Joan Crawford e a inesquecível
Bette Davis não gostavam uma da outra. Bette achava-a brega, superficial,
simplória. Já, Joan teria feito uma campanha em Hollywood para evitar que Bette
ganhasse um Oscar, fazendo com que o troféu fosse para a concorrente Anne
Bancroft. Bette representa a inteligência, a sofisticação, a sagacidade,
ganhando títulos como “perigosa”, “a malvada” ou “pérfida”. Bette fazia vilões
como ninguém, desconstruindo o psicopata. E é claro que Joan Crawford não
chegava aos pés da rival. Inclusive há a canção Bette Davis Eyes, ou seja, Olhos
de Bette Davis, música na qual a diva é exaltada. No óleo sobre tela de
James Rosenquist, Joan não está olhando para o espectador; não está olhando para
lugar algum. Está sem rumo, sem objetivo, acorrentada à função machista de Rainha
do Lar. Podemos sentir seu perfume de rosas, Chanel, inebriante. Ela é
encantadora. Chique, mas sem terríveis facetas. Ela está num pedestal
espinhoso, doloroso. Sua fronte está iluminada, ressaltando-lhe as
sobrancelhas, os cílios e o delineador, todos pretos. Joan está impessoal. Está
apática para com os problemas do mundo. Tudo o que ela quer é ter uma imagem de
perfeição, exemplarmente servindo o peru à mesa, como uma gueixa doce e
submissa. Seu colar é como uma forca, condenando-a a viver e morrer
desempenhando um papel eternamente coadjuvante, à sombra de um homem, como
Grace Kelly, que abandonou a carreira. Joan faz de tudo para encantar o seu
homem, interpretando uma fada, uma idealizada e indefectível Glenda de O Mágico de Oz. Seu cabelo cor de cobre
está discreto. Ela é uma Nefertiti, ausente de si mesma. Seus olhos são dois
belos seios afiados e voluptuosos; sua boca, a vagina, o centro da vida da
galáxia. Suas sobrancelhas delineadas entram em harmonia curvilínea com os
traços do nariz, o qual é pequeno e belo. É claro que Joan está maravilhosa,
mas tudo gira em torno da obrigação do publicitário: vender, obsessão exposta
pela Pop Art. A superficialidade de Joan entra em completa harmonia com a
ambição mercadológica, com a cultura de massa e com as indústrias afins. Joan
está ali para vender perus, batons, laquês, joias, rímeis etc., o que for. Seu
pescoço é pétreo, escondido em um ponto de sombra. Indestrutível, Joan brilha
como a Marilyn Monroe de Andy Warhol, no eterno vínculo da Pop Art com o mundo
idealizado do consumo de celebridades. A Pop Art traz esse mundo à tona e
faz-nos refletir sobre o que adquirimos em um supermercado. Joan está à venda,
em plena disposição em uma gôndola de mercado. Joan está ali como moeda de
troca e, se você tiver dinheiro, fará parte desse maravilhoso mundo de faz de
conta. Atrás de Joan, uma casa impecavelmente arrumada, podendo vender
aspiradores de pó, flores decorativas, cortinas etc. O mundinho de Joan é
perfeito e, portanto, uma falácia. Seu sorriso nada quer dizer. Ela desempenha
um papel, apenas isso. É uma atriz. Não podemos vê-la dormindo com o cabelo
todo desarrumado; não podemos vê-la escovando os dentes, tomando banho ou
sentada no troninho do banheiro; não podemos vê-la sem maquiagem, vestindo uma
camiseta de ficar em
casa. Não. Só podemos ver o que não a faz humana. Joan está
sendo usada para interpelar as donas de casa da América, inspirando-as a ser
como a estrela. Então um sabão em pó é comprado como se fosse mágico, e como se
a figura da dona de casa perfeita não fosse de mentirinha. Quem é você, além de
dona de casa? Você pode ser maravilhosa como Joan – é só comprar os produtos
que ela está anunciando. Se você não os comprar, ficará de fora desta festa
apolínea. Joan está recebendo os seus convidados, fazendo com que estes
sintam-se como reis. Rosenquist traz a estética do mundo publicitário para a Arte,
pois o artista, em geral, não se realiza no ramo publicitário, logo, vemos
James fazendo do limão uma limonada. A Pop Art mescla-se com o consumismo,
amando-o e odiando-o. Joan busca ser extremamente glamourosa, desprezada por
uma Bette Davis inteligente que não dá a mínima para os apelos da sociedade de
consumo. Para Bette, o buraco é mais embaixo; para Bette, é absolutamente
insuportável desempenhar um papel superficial. Joan está mentindo com todo o seu
peso estelar; é uma boneca; é sobre-humana; é uma Barbie à venda em uma loja.
Joan é rica, bela e feliz; é a promessa de uma sensação melhor; e é também a
promessa de gordas vendas. Joan quer encantar, enfeitiçar, nunca conseguindo
convencer a si mesma da própria mentira. Joan quer causar comoção e ver legiões
de meninas adquirindo bonecas em lojas de brinquedos. Joan quer dinheiro, e
esforça-se ao máximo para convencer de que é digna desse mesmo dinheiro. Ela
está alheia à dor. É um impessoal pedaço de plástico. Não sabemos se a amamos
ou a odiamos. Simplesmente não podemos passar indiferentes a ela. Essa é a função
da Arte.
Acima, President Elect, ou seja, Presidente
Eleito, de 1960-61. JFK foi uma figura pop, presidente de enorme carisma.
Seu assassinato foi uma comoção na América. Na obra de Rosenquist, a face do
presidente em um sorriso arrebatador, um líder amado pelos americanos, com uma
esposa para lá de célebre e respeitada – Jackie. Neste óleo sobre placa, uma
roda de carro, talvez o carro no qual o presidente perdeu a vida em público –
sangrento espetáculo midiático, formidável para a Pop Art. O carro está sobre
um tapete vermelho, o qual pode significar duas coisas: 1) O status de
celebridade e de vip que do qual o político gozava; 2) O sangue dele ao ser
alvejado por um assassino louco. O amarelo pastel confere delicadeza ao quadro,
a qual também ocorre por meio dos dedos femininos que emergem da face de Keneddy,
talvez as mãos da primeira dama, ou da mãe do presidente – Freud explica. É
difícil dizer o que esses dedos seguram; parecem segurar pedaços de carpete
cinza, como as cores cinzentas do luto da América. Os tons de azul do quadro
são do Sonho Americano, sendo este erguido como propaganda do governo Kennedy –
a América adorou este. Os dentes do presidente são perfeitos, inspirando as
crianças da América a ter saúde e escovar os dentes direitinho. O sorriso de
JFK traz um homem maduro e, ainda, jovem. Abaixo do queixo dele, vemos uma
continuidade do chão vermelho e, ao lado do paletó azul; vemos que os Kennedy
são o sangue azul da América, a qual “comprou” o clã. E por que os dedos
femininos são cinzentos? Trazem a crua realidade em preto-e-branco. Os pedaços
de carpete são macios ao toque, trazendo todo o charme macio, sedoso e aristocrático
dos Kennedy, charme muito bem incorporado por Jackie, como uma Mortícia Addams
iluminada. Na aspereza do mundo e do assassinato de JFK, a primeira dama emergiu
publicamente e foi a maior viúva de todos os tempos, com seus óculos escuros
que falam sobre a finitude do Homem. O negror da roda do carro traz a morte, o
luto. O brilho prateado da roda é uma lua que traduz a feminilidade do mito
Jackie. O presidente está impecavelmente barbeado, e seus sinais de expressão faciais
exprimem experiência, sabedoria. Os dedos femininos traduzem como o charme
viril de Kennedy encantava as mulheres – certa vez, quando Jackie foi sozinha à
Índia fazer uma visita oficial, o presidente reuniu amigos e fez uma festinha
na Casa Branca cheia de meninas bonitas. Até hoje os Kennedy são associados a
sedução e poder, numa família muito famosa e visada – e não foi um espetáculo
midiático sexual o caso entre Bill Clinton e Monica Lewinsky? Rosenquist traz-nos
um pouco de estranheza. O sorriso do líder é ensolarado, como um rei Sol. Seu
carisma irradia sobre o povo americano, na promessa de uma América melhor. O
carro passa rápido como o tempo, e hoje os EUA cultivam os seus próprios mitos.
Entre os dedos femininos, há uma faixa multicolorida de arco íris, partindo do
vermelho para o amarelo, o verde e o azul, traduzindo a alegria colorida do
carisma de JFK, nas cores após uma tempestade, após uma negra tormenta,
trazendo esperança ao povo. O brilho multicolorido traz a transparência
cristalina da personalidade do presidente, no qual o povo confiava, elegendo-o
em um sistema no auge de um paradigma – o sistema democrático.
Acima, I Love You My Ford, ou seja, Amo-te
Meu Ford, de 1961, como uma pessoa pode amar objetos de consumo – nada mais
capitalista. Neste óleo sobre tela, há três partes. Na parte um, a frente de um
Ford em preto-e-branco chegando à cena, impondo-se, trazendo paixão ao artista.
O brasão ao centro é como uma bússola, abrindo-se agressivamente nas quatro
direções. É o Norte, a referência, a base de comparação. Seu brilho metálico
revela-se limpo, potente, masculino. Na parte dois, uma mulher de feições
delicadas adormece, protegida e seduzida pelo carro. Na parte três, um
delicioso macarrão ao molho de tomate, cujas latas estão à venda no mercado, do
mesmo modo como o carro foi comprado. Estaria a mulher morta, como uma Evita
embalsamada? O macarrão parece minhocas contorcendo-se. Seu vermelho é o
sangue, o líquido da vida. O macarrão é o único registro colorido do quadro.
Por que a mulher não tem cor? Os tons de cinza representam a infelicidade ou a
sofisticação? A mulher dorme depois de comer o macarrão, digerindo-o sensualmente
em seu corpo entorpecido. A mulher repousa nos confortáveis bancos do carro. O
macarrão é o alimento assim como a gasolina alimenta o veículo – a glorificação
mercantilista do petróleo. O Ford tenta dominar a cena, mas o macarrão não o
deixa fazê-lo. Aproximar cor de fotos em preto-e-branco ajuda a “vender” o
registro cromático cinzento. E por que a mulher está ensanduichada entre o
carro e o macarrão? Estaria ela reprimida, dividida entre o prazer do macarrão
e a racionalidade do carro? Os lábios da mulher são perfeitos, harmoniosos,
assim como as linhas de design do carro. O carro chega, e sua presença é
impossível de ser ignorada. Ele domina a cena como um rei. O macarrão
representa o inconsciente, o prazer, o humano. O macarrão está sendo lentamente
assimilado, como a “preguiçosa” Bossa Nova. O “amigo” carro é amado pelo
consumidor. A mulher, em sua sedução, também é objeto de desejo, só que sexual.
O macarrão é a gastronomia italiana, com um bom prato de espaguete e um vinho
acompanhando, nos pequenos prazeres da vida. A mulher está inconsciente. O
carro é a figura paterna, o dinheiro, a responsabilidade de levar os filhos ao
colégio todas as manhãs. O interior do carro é o reinado do homem, um reino
onde este homem governa plenamente, como Kennedy. O macarrão é a comidinha
feita pela mãe. A mulher repousando faz o intermédio entre os dois quadros,
unindo-os e separando-os, em contradição dialética. O vermelho do molho é o
sangue derramado nas guerras, do modo como Rosenquist odiava-as.
Acima, a litografia Horse Blinders, ou seja, Antolhos, de 1963. Há duas partes: uma
alegre, colorida e festiva; a outra, cinzenta, triste, monótona, monocromática,
sisuda e mortificada. Na parte colorida, um pincel cujas cerdas têm todas as
cores do arco-íris. Ao fundo, cores semelhantes à da bandeira nacional
francesa, no desejo por liberdade de pensamento, liberdade esta tolhida quando
James foi preso. Saindo das cerdas do pincel, arame farpado, na dor das
guerras, no sangue humano derramado em conflitos. Rosenquist
quis fazer um contraste violento mas, no frigir dos ovos, ambas as partes falam
de tristeza e de dor. A colorida alegria não neutraliza o luto cinzento, e o
arame farpado, como uma coroa de Cristo, encarrega-se de avisar que o ser
humano está o tempo todo em conflitos, seja consigo mesmo, seja em relação a
outrem. James, assim como Tolkien, não tem ilusões em relação ao ser humano. A
parte cinzenta avisa-nos do arame farpado, muro dolorido que separa as nações
entre capitalistas e comunistas. É o Muro de Berlim, segregando irmãos. As
cores tentam neutralizar a dor, mas não conseguem – só conseguem ser a promessa
de um (longínquo) mundo melhor. As cores não conseguem quebrar o dia
melancólico, brumoso, misterioso, depressivo. A cor vermelha é certamente o sangue
bélico, desperdiçado nos conflitos. A América queria ver-se bem longe do
Comunismo. Tanto o lado esquerdo quanto o direito trazem mazelas: estamos mal
no Capitalismo; estamos mal no Comunismo. A guerra é impiedosa, e não poupa
pessoa alguma. E por que “antolho”? Porque o cavalo que o veste fica com a
visão prejudicada, subtraída, restrita, limitada. O ser humano, normalmente
fútil e alienado dos problemas do mundo, gira em torno de seu próprio egoísta umbigo.
O pincel é como um espanador, cuja função é purificar. Talvez um dia a visão se
expanda e as cores vençam o cinzento dia. James traz-nos esperança.
Referência
bibliográfica:
OSTERWOLD,
Tilman. Pop Art. Köln: Taschen, 2007
Nenhum comentário:
Postar um comentário