Nascido em 1931 em Cincinnati, EUA,
não foi imediatamente que Tom Wesselmann encontrou-se na vida, pois, antes de
fazer Arte, cursou Psicologia na Universidade de Cincinnati, e essa faculdade
influenciou-o em sua obra posteriormente. Em meados dos anos 1950, ao se formar
no referido curso, Tom ingressa no curso de Arte da mesma instituição e, na
segunda metade da década, começa a estudar Arte e Arquitetura em Nova York, numa época em
que o artista flertava com o movimento expressionista abstrato. Em 1961, sua
primeira exposição na Big Apple e, no ano seguinte, participa de uma mostra
coletiva no MoMA. Em 1963, mostra na cidade de Houston. Em 1965, mostra no
Whitney Museum de Nova York, instituição especializada em Arte Americana. Em
1967, participação na Bienal de São Paulo, Brasil. Em 1974, participação em
mostra sobre Pop Art, no Whitney. Em 1976, mostra em Sidney, Austrália, fazendo
muitas outras mostras na mesma década e na anterior. Em 1980, obra de
retrospectiva de seu próprio trabalho, na qual Tom usou um pseudônimo. Em 1994,
organizaram para Tom uma grande retrospectiva de sua obra. Tom falece em 2004, em Nova York. Tido
como artista provocador, Wesselmann namora com a estética publicitária e o
desbravamento do corpo nu feminino. Com o conhecimento em Psicologia, Tom estabeleceu
uma relação de naturalidade com a nudez e com a sexualidade, algo difícil em um
país de raízes puritanas como os EUA. E o artista também embarcou na tendência
multicolorida da Pop Art. Aviso que as análises semióticas a seguir são minhas
e não do livro-base de Osterwold, minha referência bibliográfica.
Acima, Great American Nude n. 54, ou seja, Grande Nu Americano n. 54, de 1967, tela com diversas técnicas e
diversos objetos e sonorização, numa criativa mistura de tela com instalação.
Uma mulher nua deita-se em uma pose quase ginecológica. As cores em vermelho,
com a calefação, aquecem a cena, quente como a sensualidade tórrida da mulher.
O amarelo da tela entra em harmonia com o amarelo da árvore através da janela.
Flores pintadas e reais simbolizam a feminilidade. As cortinas rubras são a
vagina e, de dentro do útero materno, tem-se a vista para o exterior, o ar
livre, o princípio viril de liberdade. A mulher espreguiça-se lânguida, e o
interior de seu corpo é aquecido como as cores quentes da cena. Uma cadeira de
costas para o público parece contemplar por si só, distraída com a vista,
parecendo não se dar conta da mulher nua. A mulher tem cor de pele parda, mestiça,
até negra, e os bicos de seus seios são “afiados”, desafiadores, disponíveis ao
toque, movimentando-se enquanto a modelo espreguiça-se, esta acordando ou
pegando num sono de apelo sedutor, sonolento. A mulher não parece ser vulgar,
apesar da pose. Ela lida muito bem com seu próprio corpo, e Wesselmann pinta
uma pose de naturalidade, sem malícia mas, ainda assim, provocadora, podendo
ser alvo de moralistas, tão abundantes na América. A Arte prova ser
independente, gravitando acima de julgamentos medíocres. No rosto da mulher, um
pequeno traço pode ser o contorno do queixo ou lábios sorrindo, exalando o
simples prazer de deitar-se e relaxar o corpo. Pequenos elementos em azul têm a
missão de fazer contraste com o registro quente cromático, realçando este,
contraditoriamente. Na mesinha atrás da cadeira, um prato com legumes, na
sensualidade de se digerir uma boa refeição. Ao lado, dois doces de morango com
chantilly, imitando os seios da mulher, associando o prazer sexual ao
gastronômico. Comer é um prazer. Descansar é um prazer. Um telefone branco de
parede está em meio ao amarelo caloroso da parede. O telefone é um ligação com
o mundo lá fora, mundo este esquecido e deletado, tal a paz de um sono bem
dormido. Provavelmente, o elemento de sonorização da cena é o aparelho tocando,
e a mulher está absolutamente alheia ao chamado do mundo lá fora. O telefone
toca, toca e toca, e só recebe a indiferença da cena indoor. A mulher tem prazer
em ignorar o telefone. A gostosa soneca é sedutora; a preguiça, também, num
doce pecado capital. O carpete vermelho acolhe o espectador, e convida-o a
pisar nele, descalço. Relaxe. A mulher é embasada por um cor-de-rosa pastel,
dando continuidade à paleta de cores femininas. A mulher está dentro de si
mesma, e nada vai removê-la dali. O telefone segue tocando, desprezado. O mundo
lá fora chama, mas o mundo lá dentro ignora, tendo este suas próprias regras. A
mulher tem especial prazer em ignorar a chamada – quanto mais ele toca, mais
preguiça ela tem. Quase apenas pela pequena brecha das cortinas vaginais é que
podemos vislumbrar um pouco do exterior. A mulher não vai sair dessa cama,
móvel que é fonte dois prazeres – o sexo e o sono. Atrás da mulher, há uma
brecha ainda menor na cortina vermelha, e um pouco da cena ensolarada pode ser
visto. As cortinas são de Chapeuzinho Vermelho, e o Lobo Mau está à espreita lá
fora, talvez telefonando para a mulher chapeuzinho. A cena é um claustro
amenizado pela vista do mundo exterior. Parece que cada chamada do telefone dá
prazer à mulher. Alguém quer desesperadamente falar com ela, mas ela quer ficar
em paz. Ela
dorme, e mal nota o apelo do mundo exterior. Ela parece estar prestes a cair da
cama e acordar de seu soninho gostoso. Wesselmann tem um desprendimento europeu
ao tratar da nudez com naturalidade. Ele não é pornográfico, mas erótico, e seu
fascínio pelo corpo feminino é muito claro.
Acima, Great American Nude n. 98, ou seja, Grande Nu Americano n. 98, também de 1967, com telas sobrepostas. Um
cigarro aceso repousando em um cinzeiro e espalhando a fumaça cinzenta. Uma mulher
loira de sensuais lábios sorridentes parece ter muito prazer no tabagismo, em
uma época em que o cigarro não tinha as conotações não-saudáveis dos dias de
hoje. Um bico de seio da mulher revela uma parte do corpo de grande apelo
erótico. A mulher, da qual vemos apenas duas partes – seio e parte inferior do
rosto -, parece estar em completo êxtase. Seus lábios são provocantemente vermelhos
e lustrosos, como o bico do seio o é, e esses dois elementos apoderam-se do
conjunto pictórico, apesar de estarem em meio a outros elementos. Uma caixa
azul de lenços de papel tem uma função purificadora, lutando contra o erotismo,
como o conflito prazer vs. culpa. O azul da caixa combina com o encosto de uma
cadeira azul atrás da mulher. Frente a tudo, uma suculenta laranja, quente como
um sol de verão. Diante de tudo, a laranja luta para se destacar, e sua forma redonda
é como o seio da mulher loira. Embasando todos os elementos, uma discreta base
cinzenta como a fumaça do cigarro. É impressionante como a boca feminina
apodera-se do conjunto, como uma vagina avermelhada e convidativa,
irresistível. Os dentes brancos da mulher são limpos como o lenço de papel. A
mulher é limpa e, ao mesmo tempo, “suja” em seu apelo – é anjo e demônio;
bipolar. A laranja e os cabelos loiros combinam entre si, e o conjunto fala de
prazeres da vida. O bico do seio é perfeito, muito provocante. Mais uma vez,
Wesselmann traz-nos uma mulher lânguida, desdobrando-se em um momento de
orgasmo. A mulher ri de alguma piada, e está completamente à vontade, confortavelmente
recostada na cadeira azul, que é o princípio masculino sisudo que respalda a
modelo. O lenço de papel é o prazer de se manter limpo, como uma boa
chuveirada. O lenço em si é como uma nuvem, leve, suave, e a caixa azul é o
céu, em um dia bonito o qual dá muito prazer de se presenciar. O cinzeiro preto
é a morte à espreita, talvez pelos riscos do cigarro à saúde. É a morte que,
cedo ou tarde, vem a todos, portanto, a vida tem que ter prazeres. O sorriso da
mulher parece desdenhar da morte, e lida naturalmente com ela. A saudável
laranja está ali para mostrar que não se deve ter culpa em relação a prazeres,
e que é saudável uma pitada de pecado. Relax and enjoy the moment, ou seja,
relaxe e curta o momento. O lenço de papel tem como missão limpar a luxúria,
mas esta nunca desaparece por completo. E o brilho da laranja revela um raio de
Sol reconfortante, gostoso. A Pop Art revela-se em suas cores estimulantes, e
trata da sedução dos anúncios publicitários, os quais vendem prazer. Os elementos
nessa obra de Wesselmann são vitrines de objetos de desejo, e tudo está a venda:
o batom na boca da mulher, produtos de higiene, alimentos, cigarro, seios
siliconados. E o prazer sorridente da mulher aceita toda essa mercadologia
insana, provocante e, como diz o marqueteiro americano Al Ries, responsável por
despertar o desejo que o consumidor já tem dentro de si mesmo. A maior ambição
de um publicitário é estimular o desejo em outrem. E o sorriso da mulher, como uma Monalisa
pós-moderna, aceita todo esse apelo consumista. Ela delira de prazer.
Wesselmann é um mistério.
Acima, Bathtub 3, ou seja, Banheira
3, de 1963, com tela e objetos diversos compondo a cena. Mais uma vez, uma
mulher completamente nua. Com a pele alva como neve, seca-se calmamente com uma
toalha listrada, que patrioticamente lembra um pouco a bandeira nacional dos
EUA, na beleza da mulher americana. Mais uma vez, a cor vermelha de Chapeuzinho,
no apelo erótico pelo interior do corpo da mulher, rubro como uma decoração de
bordel, ou a Casa da Luz Vermelha, prostíbulo da obra de Jorge Amado. A cortina
revela uma Vênus de Botticelli emergindo das profundezas aquáticas do
inconsciente humano. Aquecendo a cena, três elementos no mesmo tom de amarelo
caramelo: cabelo, parede e toalha, a qual está dependurada, tendo sido esquecida
e ignorada pela mulher. A vulva da mulher é escura, misteriosa, uma porta de
entrada para o desconhecido. Os tons de azul fazem-se presentes: azul marinho
nos azulejos, azul ciano na banheira e azul esverdeado na cesta de roupa suja.
A cesta está fechada, alheia ao mundo, guardando coisas inimagináveis, como o segredo
de uma mulher reservada e sedutora. Um pequeno interruptor de luz aparece
discretamente, ao lado de uma mulher que tem o controle sobre si mesma: ela
pode ligar ou desligar quando bem entender, com independência. As mulheres de
Wesselmann são sexy mas não são submissas; não estão submetidas a qualquer misoginia;
estão confortáveis em sua própria pele. A porta branca faz conjunto com a alva
pele: como algo tão esclarecido pode ser tão indecifrável? O formato redondo da
maçaneta combina com os bicos dos seios, que, por suas vezes, não estão tão em
evidência como o bico de seio de Grande
Nu Americano n. 98, analisada anteriormente nesta crônica. Os azulejos
quadriculados conferem organização, e as listras curvilíneas da toalha
simbolizam o caos, a paixão, o sofrimento, os sentimentos em geral. A mulher pega as
linhas retas e subverte-as, tomando conta da cena que é Banheira 3. A perspectiva do interior do box de banho traz
profundidade tridimensional, e a mulher ocupa o seu lugar no olho do furação,
no centro das atenções. A função do azul marinho é contrastar com a pele
branca. Ao lado da banheira, um tapete quase preto, recolhido em sua discrição.
Ele aguarda pela mulher para acolher confortavelmente os pés dela; está ali à
sua inteira disposição, um servo, um escravo da beleza feminina. E a porta,
onde vai dar? É outro mistério. A porta é o acesso para o mundo lá fora, e tem
a função de salvaguardar a mulher em seu recinto íntimo de higiene e beleza. A
cortina está aberta porque a porta está fechada. A mulher sente-se segura e tranquila.
O bastão metálico prateado que segura a cortina é o princípio fálico, nas
linhas retas e práticas do pensamento racional. Mas o bastão está por demais
afundado na bagunça sensual, e desaparece na cena, fazendo um papel mínimo, uma
pontinha coadjuvante. O bastão está preso assim como a toalha amarela está em
um gancho, o qual tem sua função definida: sustentar a mulher; girar em torno
dela. Tudo o que existe de quadricular e retangular na cena – inclusive a
estrutura de vime do cesto – combate a tortuosidade feminina, com o balançar
dos quadris da mulher.
Acima, Stillife n. 20, ou seja, Natureza
Morta n. 20, de 1962, numa mistura de pintura com objetos, algo que Wesselmann
gosta muito de fazer. A Pop Art aqui revela-se completamente nas embalagens de
produtos à venda no mercado: Coca-Cola, pão, cerveja e produtos de limpeza. As
bananas trazem uma discreta alusão a Carmen Miranda, um ícone pré Pop Art, mas
que trazia muitas cores na era Technicolor, “vendendo” o Brasil e a
tropicalidade. Mais uma vez, Tom lança mão da cor vermelha, no desejo constante
de calor, tempero e estímulo visual – o vermelho nos torna mais agressivos e estimulados.
No lado direito, metalinguagem, pois é artista falando de artista – há uma tela
de Piet Mondrian, em suas ultracélebres linhas pretas retas formando quadrados
e retângulos que abrigam cores primárias. A fria lâmpada branca ilumina a
torneira: uma vez caída a água, esta desaparecerá, e mais água será necessária,
assim como um produto que é comprado – tudo perece, e o consumo constante
prevalece sempre. É a frieza capitalista. A portinhola revela produtos guardados,
os quais são dignos de respeito, pois servem para algo; têm propósito. O quadro
de Mondrian está ali como qualquer outro produto, sempre à venda. Na Pop Art,
tudo está a venda em uma prateleira de supermercado. O pote vazio na prateleira
é o sentimento de vazio do consumismo: quanto mais tenho, menos feliz sou;
menos é mais; como diz o Taoismo, fraco é forte, forte é fraco. O que é melhor:
uma casa abarrotada de coisas ou uma casa limpa? O vazio material combate o
materialismo. Há paz no vazio. Não compre jóias, pois, se você o fizer, fará
com que queiram roubá-las de você. O pão é o alimento do espírito, sendo este
cansado de tanto consumo. O vermelho de Mondrian encontra-se com o vermelho de
Wesselmann, estabelecendo harmonia cromática entre os dois artistas. E as maçãs
são como a laranja viçosa em Grande Nu Americano n. 98, tudo a venda em uma quitanda. As
torneiras são como os seios das mulheres de Wesselmann, e a torneira é o
aparelho urinário, por onde flui a urina. As bananas, junto às cervejas, são o
princípio fálico, como na dança pagodeira erotizada da garrafa. A Coca-Cola consolida
a marca Pop Art, e está geladinha e deliciosa, irresistível em seu apelo
mercadológico, assim como são irresistíveis as mulheres de Wesselmann. A
sociedade de consumo funciona perante à irresistência do consumidor, e a
sedução feminina é forte, ou seja, fraca.
Referência
bibliográfica:
OSTERWOLD,
Tilman. Pop Art. Köln: Taschen, 2007
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