quarta-feira, 26 de abril de 2017

De Lanterninha a Diva




            Aos 16 anos de idade, Barbra Streisand era uma judia do Brooklin, região metropolitana de Nova York. A jovem decidiu que queria trabalhar na Broadway, não importando como ou em que função. Então ela atravessou a ponte do Brooklin em direção a Manhattan, e foi batalhar por um emprego, com uma Barbra sempre guerreira. Conseguiu um trabalho de lanterninha, e gostava, pois podia ver as peças teatral-musicais de graça. Você percebe a trajetória desta judia? Ela começou como lanterninha e acabou como um verdadeiro monstro artístico. Apenas cinco anos depois de ingressar na Broadway como lanterninha – cinco anos passam rápidos –, Barbra protagonizava o célebre musical Funny Girl, interpretando o mesmo papel no cinema anos depois e levando um Oscar por tal. Talento indiscutível, Barbra atua e canta obtendo reconhecimento incondicional. Para uma pessoa conseguir emprego de ator na Broadway, esta pessoa tem que ser excepcional, pois medíocres não têm vez na Broadway. As auditions, ou seja, os testes de elenco são inúmeros e a competição é acirrada. Só o talento abre portas, e Barbra escancara-as. De brilho da lanterna a brilho dos holofotes. Sometimes, you have to start small, ou seja, às vezes, você tem que começar por baixo, canta Barbra no clássico da Broadway Everybody Says Don’t. E, como diz Tao, temos que nos curvar antes de conquistar.

            No arrebatador desenho animado cômico Southpark, Barbra transforma-se num terrível monstro que destrói Nova York, cantando o clássico Memories. Em outro momento, Barbra está disfarçada, e tem que aturar comentários do tipo Barbra gostaria de ter para sempre 45 anos de idade, e a dublagem de Barbra no desenho trata de reproduzir o som nasalado de sua voz, como a da divertida personagem Fran Fine no extinto seriado The Nanny. A judia Fran é absolutamente louca por Barbra, e esta recebe várias homenagens em episódios diferentes do seriado, como por exemplo: Fran descobre em uma caixa de coisas velhas suas uma peruca que imita o cabelo de Barbra; Fran fala com Barbra ao telefone depois de um espetáculo desta, e a cantora a saúda com o jargão Hello, Gorgest, ou seja, Alô Lindona. Fran diz que Barbra libertou o povo judeu do sentimento de culpa! Mas, no seriado, Fran nunca chega a de fato encontrar-se com Barbra, como em um show na vida real, em que uma expectadora na primeira fila grita Touch me, Barbra!, ou seja, Toque-me, Barbra!, mas Barbra, apesar de estender a mão com sua famosas unhas longuíssimas, não chega a tocar na fã. Inclusive, na capa do álbum Lazy Afternoon, na moda dos esteticamente infames anos 70, Barbra está com unhas com “quilômetros” de comprimento.

            Reservada, Barbra é discreta no dia-a-dia. Faz aparições públicas não muito frequentes, como no programa televisivo americano Saturday Night Live, em que personagens mulheres judias adoram Barbra como uma verdadeira deusa.

            Uma das mais belas canções de Barbra é I Finally Found Someone, ou seja, Eu Finalmente Encontrei Alguém, um dueto romântico com Bryan Adams, tema do ótimo filme O Espelho tem Duas Faces (The Mirror Has Two Faces), em que Barbra interpreta uma brilhante professora universitária de Literatura que descobre o amor conjugal e conquista a própria autoestima como mulher, na sequência final em que usa a metáfora da aurora para ilustrar a clareza com que a personagem acaba vendo a vida e o mundo. Há uma aurora na vida de Rose, a personagem, do modo como Barbra, que já fez décadas de psicoterapia, permite a si mesma ver o mundo de um modo novo, encontrando o prazer de viver e a certeza de encontrar contentamento e felicidade. A canção foi indicada ao Oscar de Melhor Canção. Só que Barbra decepcionou os fãs e disse que não cantaria a música na cerimônia, mesmo porque Barbra, na noite do Oscar, estava com uma ousada saia justa, sendo complicado subir no palco em tais vestes – Barbra gosta de se gabar por ter pernas bonitas, como no vestido famoso na turnê The Concert, onde sexy não é vulgar, numa tênue linha. Então, na dada cerimônia, o pepino ficou para Celine Dion, que teve que ensaiar às pressas a canção dentro do toalete feminino, por causa da acústica do WC. Como se trata de um dueto, na verdade a canção deveria ter sido interpretada por um cantor e uma cantora, mas foi só com Celine mesmo, privando a reprodução de todos os versos da bela balada. É por isso que Barbra ficou muito amiga de Celine, ficando grata a esta e, posteriormente, gravando juntas um dueto meio brega, mas belo, chamado Tell Him, ou seja, Diga a Ele, em que uma mulher mais experiente, interpretada por Barbra, dá conselhos amorosos a uma mulher mais jovem e inexperiente, vivida por Celine. Na canção, a mulher mais velha diz à mais nova que esta deve expressar ao amado toda sua paixão, partindo para o tudo ou nada, ganhando-o ou perdendo-o, mas sempre sendo autêntica em relação aos próprios sentimentos. A foto oficial das duas divas juntas tem ao fundo um grande arranjo de flores, para ilustrar a identidade feminina da canção. Breguinha, mas duas vozes (muito) respeitáveis. Na vida, não se tem tudo, e cada um tem seus defeitos. E o dueto com Bryan é pertinente, sendo este um homem feio, mas charmoso, com uma voz que fala cantando.

            Em relação a repertório, Barbra é meio engessada, dura. A diva só vai a público interpretando as mesmas velhas canções. É claro que a diva tem um fãclube sedimentado, com pessoas sempre dispostas a comprar seus CDs e a pagar ingressos para seus shows. É claro que a biografia musical da diva é soberba, mas seus shows acabam se tornando, de modo geral, vintage nostálgica, como no megashow The Concert, dos anos 90, no qual a diva provou ter poder de fogo de sobra. O show resgata grandes hits da carreira, com a diva até fazendo um narcisista dueto com si mesma, e insere pouco material novo. Existe uma pessoa do showbusiness, cujo nome não mencionarei, que permaneceu o resto de seus dias cantando músicas suas dos anos 80, quando que, na vida, o importante é sobreviver e tocar o barco para a frente. Existe outra característica de Barbra que é a pretensão, como podemos ver nos títulos de dois de seus álbuns, Timeless e Higher Ground, ou seja, Atemporal e Nível Mais Alto. Não que sua voz não seja poderosa e inspiradora, mas Barbra crê que a pretensão ajuda a vender CDs.

            Centrada, Barbra nunca se rendeu às drogas e à bebida, mesmo com as inevitáveis pressões do showbusiness, como nas pressões em cima de Harry Connick Jr., que nos início da própria carreira enfrentou um mercado que exigiu que Harry fosse “apenas” o novo Frank Sinatra; como no caso de Whitney Houston, que perdeu a voz por causa das drogas. Certamente, um dos highlights da carreira da diva é o inesquecível dueto com Frank Sinatra no pertinente CD de sucesso Duets. Um programa humorístico de TV americano mostrou atores interpretando Barbra e Frank, no qual o astro chama a diva de Nose, ou seja, Nariz. Heheheheh!!! De personalidade marcante, Barbra busca gravitar psicologicamente em níveis acima de mediocridade e mundanismo, sendo seletiva na hora de trabalhar em projetos, seja na Música, seja no Cinema.

O meu trabalho preferido de Barbra é o CD Back to Broadway, dos anos 90, no qual a diva, que começou na Broadway, revisita clássicos do teatro novaiorquino. Barbra brilha indescritivelmente como em canções imortais do musical Sunset Boulevard, musical já encenado por Glenn Close – não farei aqui uma covarde comparação, visto que Glenn, sendo toda a estrela que é, não tem a voz de uma Barbra, mas Glenn se defende no palco e não faz feio na hora de cantar a peça do mito Andrew Lloyd Webber. O CD ainda tem duetos primorosos, com arranjos musicais de extremo bom gosto, num álbum que tem o dom de ser reproduzido incansavelmente, mesmo tantos anos após seu lançamento. Barbra mostra intimidade com o microfone tanto em momentos sutis quando em grandes “gritos” melódicos, dando a impressão de que cantar é fácil. Mas é apenas uma impressão.

Há décadas atrás, o Príncipe Charles, em visita oficial aos EUA, pediu para se encontrar com Barbra, sendo provado aí o monstro global que a diva é. Barbra estava em estúdio gravando, e estava muito concentrada e absorvida pelo trabalho. A diva recebeu Charles no estúdio e, sob câmeras da imprensa, conversaram rapidamente e Barbra até lhe ofereceu um gole do chá que ela estava tomando. Décadas depois, Barbra até brincou, dizendo que, se talvez tivesse sido mais simpática e calorosa, poderia ter se tornando a primeira princesa judia da História, já imaginando manchetes sobre si, provavelmente apelidada de Princesa Babs, nos tablóides ingleses! Em outra ocasião, reza a lenda que Barbra, lá pelos anos 60, encontrou-se em um camarim com o rei Elvis Presley, e que o astro beijou as pontas das unhas de Barbra.

Em termos de política, Barbra é democrata, e gosta de fazer opinião pública sobre política. Como na maioria da classe artística americana, o Partido Democrata é unanimidade entre as pessoas sensíveis e intelectualizadas do showbusiness, o qual premiou Barbra com um Globo de Ouro pelo conjunto da carreira cinematogtáfica.

Barbra tem muito controle sobre a própria vida, na independência psíquica das pessoas psicoanalisadas. Por exemplo, é difícil achar imagens na internet de Barbra sem direito autoral, pois esta busca ter o direito de reprodução de cada foto sua. Uma insegurança, talvez pela diva não se achar das mais belas e, mesmo psicoanalisada, tem problemas em relação à própria aparência. Conheço pessoas que acham Barbra um tribufu; outras, consideram-na uma “feia bonita”, ou seja, um charme interessante, não nos clássicos padrões de beleza, mas num encanto único, como seu grande nariz, responsável pela soberba voz nasalada, equivalendo a uma orquestra inteira. Em Funny Girl, na hora da personagem de Barbra interpretar a canção The Most Beautiful Bride in the World, ou seja, A Noiva Mais Bela do Mundo, a personagem trata de ousar e mudar um pouco o roteiro, aparecendo inesperadamente no palco com uma irreverente barriga de grávida, transgredindo comicamente. Numa metalinguagem, pois é monstro de teatro falando de monstro de teatro.

A mãe de Barbra, quando esta era jovem, dizia que Barbra teria dificuldades em obter um marido, pois a jovem judia era nariguda e estrábica. Como é característica das grandes pessoas, Barbra venceu todas as vicissitudes da baixa autoestima e se tornou uma pessoa adulta e madura, sendo sinônimo de excelência, quando ouvimos frases do tipo O Fulano é a Barbra Streisand da Arquitetura, ou O Beltrano é a Barbra Streisand da Propaganda. E a diva disse em entrevista que Sucesso é ter um melão inteiro à disposição mas só comer um pedaço deste. Barbra fala de como é ser uma celebridade, envelhecendo publicamente, mas, como a própria já disse, algumas coisas melhoram com a idade.

Ok, Barbra não tem muito estilo, como em uma recente aparição pública, em que vestiu uma roupa medonha que fazia referência aos anos 70, época que a diva amou viver. Mas existe uma celebridade, cujo nome não mencionarei, que esbanja estilo mas tem uma voz quilômetros pior do que a de Barbra. Encantando gerações diferentes, Barbra é apreciada por mim e pelos meus pais, e, ao que tudo indica, entrará para a História com uma das principais vozes de nosso tempo.

Não devemos culpar quem escreve “Barbara” ao invés de “Barbra”, pois a diva é, ironicamente, bárbara. E há um fato engraçado, pois já foi dito inúmeras vezes que a top brasileira Mariana Weickert parece-se com a Barbra na juventude desta. Um narigão para lá de charmoso. Nunca ouvimos falar que beleza não põe à mesa?

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