No remoto Festival de Cinema de
Gramado de 1995, estava eu no Palácio dos Festivais, que nada mais é do que uma
sala de Cinema. Então, alguém no microfone chamou por Ilana Kaplan, e esta
levantou-se e acenou à pessoa que a chamou. Tendo eu já visto a impagável peça
teatral Buffet Gloria (em Porto Alegre com meus
pais e minha irmã), dirigi-me à atriz e disse que adorei tê-la visto nesta
peça. Ok, pura tietagem da minha parte, admito. Tietagem exagerada. Beijei-lhe
o rosto e ela deu-me um autógrafo no verso do meu crachá de identificação.
Ilana não sorriu para mim, mas foi gentil ao autografar – será que ela não
estava ainda acostumada com o assédio do público? Tempos depois, acabei
perdendo o autógrafo. Mas era só um autógrafo, e eu era um mero adolescente
imaturo, confuso, assoberbado por um evento de tanta magnitude quanto o
Festival.
A peça Buffet Gloria é gloriosa. Contracenando com um ator de papel menor
– não lembro-me do nome do rapaz, mas era ótimo ator –, Ilana toma o palco por
assalto, tornando-se um tsunami intergalático. A atriz interpreta vários
monólogos, e preenche o palco impecavelmente, mostrando que o talento basta a
si, e que o talento deslumbra o espectador, como o deslumbrante ator Diogo
Vilella na peça O Grande Mentecapto,
peça em que o ator está solito em um palco nu, com um texto que inunda de
imagem a mente do espectador. Em Buffet...,
Ilana, tabagista convicta, brinca de fumar do modo mais nojento e asqueroso
possível, ocupando o palco com calma para desdobrar os monólogos. Ao
espectador, resta sentar na poltrona e rir. E rir muito. Em outro monólogo,
Ilana é uma garota que vai para uma festa mas perde sua lente de contato em
plena pista de dança, dizendo: Por que eu
não fiquei em casa lendo um livro? No início da peça, Ilana e o ator
contracenam com ambos explorando cada momento de risadas, numa metalinguagem,
pois o espectador também ri – graça falando de graça. Contagiante. Ao som da
música Georgia on My Mind, Ilana toma
o público impiedosamente, e este torna-se um “escravo” da comicidade
indiscutível de Ilana, a qual é uma verdadeira mestre no palco, no qual a atriz
sente-se absolutamente confortável para deitar e rolar. O que é feito com
prazer é apreciado com prazer. Nesse sentido, Kaplan é feliz, pois ama o palco,
e o público a ama também. E a peça é um buffet muito rico, com delícias ao
alcance da gula cultural.
Infelizmente, Ilana não brilha na TV
como o faz no palco. Ilana está no momento trabalhando no SBT e na Globo em
papéis que não fazem jus ao magnífico brilho desta atriz no tablado, mas pelo
menos a atriz está pagando as próprias contas. No finado programa humorístico
dominical Sai de Baixo, da TV Globo, Ilana
estreou, trazendo ao palco televisivo trejeitos de suas personagens em Buffet
Gloria – deve ter sido engraçado para quem estava na
plateia de gravação do programa, mas não teve muita graça no resultado final,
na fria tela de TV. Nunca esquecer-me-ei das palavras do mestre Tatata
Pimentel, meu professor de Teoria de Comunicação na PUCRS – já contei esta
história neste mesmo blog, mas recontarei, pois Pimentel é uma lenda. Era o
segundo período da manhã de segunda-feira, e na capa da Zero Hora saiu uma foto
de Ilana no palco do programa com a manchete: Irreverência Gaúcha. Tatata chegou na sala e os alunos sentaram-se
e fizeram silêncio. O profe levou o jornal consigo, leu, mostrou-nos e disse: Isto aqui é um jornal provinciano, no qual
só porque é uma gaúcha que está na Globo é a maior atriz do mundo. Tatata
diria provavelmente Isto aqui é um poço
provinciano, para o qual só porque é um gaúcho que ganhou o The Voice Kids
Brasil é o maior cantor mirim do mundo, ou então Só porque é um brasileiro que está em um filme de Hollywood é o maior
ator do mundo. Os exemplos seriam inúmeros. Tatata ensinou-me a não superestimar.
A sobriedade de Tatata é ótima. Suas aulas transformam o aluno. Aulas muito
além do valor da mensalidade.
Nesse sentido, Ilana é o oposto de uma pessoa, cujo nome e
gênero não mencionarei, uma pessoa que brilha na TV e no Cinema, mas que até
hoje não teve as bolas para pisar num palco; uma pessoa que, como disse-me um
amigo cuja inteligência respeito, é uma pessoa um tanto superestimada, não tão
gloriosa. Se tivermos que falar de artistas cênicos completos, temos como
exemplo Fernanda Montenegro, uma artista que brilha em todos os planos de atuação
– uma atriz completa.
Há no Youtube uma série de vídeos
com monólogos de Ilana, a qual tem o controle da própria carreira,
estabelecendo direitos autorais sobre os personagens, o texto e a divulgação
dos vídeos, que foram gravados nas Terças
Insanas em uma casa de espetáculos de São Paulo, durante o ano de 2005. Os
monólogos, como é de se esperar, são geniais, e Ilana mostra sua maestria em
preencher o palco, algumas vezes contracenando com outro ator ou atriz. Nos
parágrafos abaixo, descrevo alguns momentos de alguns dos pocket shows.
Evelise é uma modelo gaúcha de Santo
Ângelo que está há anos em
São Paulo batalhando na carreira de modelo. O grande drama de
Evelise é que ela é crespa, e está obcecada em ser lisa, dizendo que todos
ficam ao redor daquele quadro na Europa porque trata-se da Monalisa – se fosse
a Monacrespa, Evelise acha que ninguém daria bola para o quadro. A semana de
Evelise só tem cinco dias, pois no domingo e na segunda-feira o salão de beleza
não abre, ou seja, Evelise fica sem escova alisadora, o que significa que
Evelise é uma crespa trancada em casa por dois dias seguidos. Evelise mora em
um apê com mais sete meninas, de onde a gaúcha pretende se mudar futuramente. A
modelo crê que está perdendo muito trabalho e muito dinheiro porque deixa de
trabalhar dois dias por semana. Evelise está no palco das Terças Insanas porque precisa urgente de uma escova definitiva, e
conta com a contribuição dos espectadores que a assistem. A gaúcha conta o
drama de ser crespa, dizendo: Qual é o
cara que vai querer ir para a cama com uma princesa lisa e acordar com um sapo
crespo? Sabe o que é saber todas as posições do Kamasutra e só poder fazer o
básico, com medo de suar e o cabelo encrespar? Até em danceteria eu danço
pouco, com medo de suar. Sabe o que é ir a um sítio de amigos chiques, bonitos,
bacanas, e todo mundo em volta da piscina, e tu esturricando no Sol, com medo
de mergulhar na piscina e sair crespa d’água? E eu tendo que mentir, dizendo
que não dou da água. Eu até pensei em ir para uma esquina movimentada aqui de
São Paulo, com um cartaz dizendo que sou crespa e que preciso de dinheiro para
fazer uma escova definitiva, mas abandonei a ideia porque achei que era muita
apelação. Desde que eu cheguei em
São Paulo eu não tenho feito muita coisa como modelo; eu
tenho feito evento e feira. Tenho feito evento direto. Eu faço muita porta;
fico na porta dizendo às pessoas Boa noite, seja bem-vindo. Então, Evelise
conta um episódio chato que lhe ocorreu. A gaúcha foi fazer porta em um evento
de lançamento do perfume da Paris Hilton, que é ídolo de Evelise, pois, nas
palavras desta, Paris tem uma cabeça
muito boa, pois o cabelo dela sai liso da raiz. Evelise chegou no evento,
que era na Daslu, mas, mesmo chegando lisíssima lá, foi demitida, pois começou
uma típica garoa paulistana e o cabelo de Evelise encrespou. E Evelise diz
mais: Esses dias, uns amigos meus estavam
tendo um papo cabeça, mas um papo no qual eu pude entrar. Eles estavam falando
sobre o desarmamento, e me perguntaram se eu contra ou a favor. Eu disse que
era totalmente a favor, pois um cabelo armado, com frizz, é uma ameaça à
sociedade. Desarme já.
Já, Sonia Lichtman é uma psicoterapeuta graduada em
Psicologia, Pedagogia e Parapsicologia. Ela diz: Eu trato de uma pessoa famosa, não vou dizer quem é, não é ético da
minha parte. Ele é um escritor de renome mundial, considerado um mago na
atualidade, e tem o sobrenome de um bichinho da Páscoa. Eu não vou dizer que é,
não é ético da minha parte. Então Sonia diz que a plateia pode fazer
perguntas a ela. Um dos bilhetes de espectadores diz: A que horas acaba esta palhaçada? Sonia diz: Isso é uma pessoa ansiosa, que quer pular etapas. Se está no campo quer
ir à cidade; se está na cidade quer ir ao campo. Outro bilhete diz: Sonia, eu te acho insuportável. Se eu
soubesse que tu virias, eu não teria vindo. Sonia diz: Isto é uma pessoa focada e objetivada. Ok. Só que nós vamos ter
trabalhar um pouquinho essa agressividade. O último bilhete diz: Precisamos de um garçom na mesa sete.
Sonia diz: O que é isto? É o garçom na
figura provedora da mãe. Há anos atrás, Sonia tratou de outra pessoa
famosa, cujo nome a terapeuta não revela. Ela diz que este paciente tinha um
quadro de megalomania enorme, porque ele chegou no consultório, deitou-se no
divã e disse a Sonia: Sonia, eu nasci há
dez mil anos atrás. E não tenha nada neste mundo que eu não saiba de mais.
Então Sonia pediu para o paciente baixar a bola.
Há ainda o Jornal da Criança, em que Ilana e outro ator
interpretam crianças que dão as notícias referentes à escolas. Eles leem as
notícias do jeito de criança que está aprendendo a ler. Uma das notícias: Segundo informação escrita na porta do
banheiro do segundo andar, o professor de Biologia chupa o grilo da professora
de Português. Outra notícia: Segundo
informação escrita na porta do banheiro do terceiro andar, Julinho já deu o cu.
A plateia vai abaixo. Mais uma notícia: O
pipoqueiro que vende pipoca em frente à escola foi preso só porque disseram que
o sal que ele vendia a parte não era sal. Tem ainda o desfile da menor
escola de samba do mundo, com apenas dois componentes – Ilana faz a
portabandeira, e a bandeira é um rodo com um pano amarrado. Os carros
alegóricos são inacreditavelmente ridículos, e têm uma narração de
comentaristas de TV sobre o desfile, superestimando o ridículo. Em outro
quadro, Ilana e outra atriz exploram as possibilidades cômicas de um grande
sucesso da dupla sertaneja Bruno & Marrone, no fundo uma declaração de amor
ao brega.
Gostei demais do teu texto, Gonçalo. Parece que temos mais este ponto em comum. No teatro, sou fascinado pela performance dos artista. Mais até que o próprio conteúdo. Fiquei com vontade de assistir alguma peça da Llana. Fraterno abraço.
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