sexta-feira, 19 de maio de 2017

Ela não é Patricinha




A revista Veja respeita Patricia Pillar; por outro lado, a Veja não gosta de Gloria Pires, nem dos Barreto, nem do PT. Quando O Quatrilho foi indicado ao Oscar, a Veja teve que engolir os Barreto e Pires – é diferente do que gostar. Na referida edição, o veículo paulistano de Comunicação fez uma grande matéria sobre a produção, e uma pessoa, cuja inteligência respeito, disse que a Veja se redimira, pois, meses antes, quando o filme foi lançado no Festival de Cinema de Gramado, a Veja espinafrou o filme, subestimando Fábio Barreto mas, na mesma amarga resenha, elogiando Patricia, dizendo que esta foi a única que entendera que o filme era, na verdade, uma comédia. No tapete vermelho do Oscar, Patricia vestia um discreto Versolato azul-marinho; Gloria, um vestido de estampa de araras. A Veja, então, disse: Desnecessário dizer qual das duas estava realmente elegante. De quem será que a Veja falou mal, meus caros? Outro exemplo do desprezo por Pires foi uma infame capa de Veja na qual, na mesma foto, estavam Gloria, a filha Cleo e o marido daquela, numa capa que expunha, sem dó nem piedade, um escândalo moral, desmoralizando pessoas e fazendo com que maliciosas fofocas virassem apolíneo insumo sério e jornalístico; ainda outro exemplo do desprezo de Veja por GP é a implacável matéria sobre o filme Lula, o Filho do Brasil, dirigido por Fábio Barreto, hoje em coma. É claro que a Veja tinha toda uma predisposição para odiar a película, acusando esta de endeusar o político. Então, aconteceu algo curioso: Gloria Pires tem papel protagonista na trama, interpretando a mãe de Luís Inácio, e, ao colocar na matéria uma foto de Gloria Pires com uma atriz coadjuvante do filme, a Veja, na legenda da imagem, apenas diz: As atrizes do filme. O nome disso é desprezo. Veja disse algo do filme, do tipo: Não vi; não gostei. Conheço pessoas que gostaram e pessoas que não gostaram do filme. O nome disso é controvérsia. É claro que quem odeia o PT já entrou cheio de preconceitos na sala de cinema. Tenho uma grande amiga que é totalmente anti-PT, e quando eu começo a defender o partido, esta amiga diz-me: Gonçalo, não tente me doutrinar. Não entendo este bangue-bangue, esta bipolaridade entre xiita tucano versus xiita petista. Acredito em diálogo.

Well, voltando a Pillar na Veja. Filha de militar, Patricia é uma mulher de coragem. Ao descobrir que estava com câncer de mama, examinando-se no chuveiro – como deve ser feito – , a atriz fez questão de trazer o drama a público para alertar as mulheres sobre esse tipo de câncer. No dia em que Patricia raspou a cabeça para ir ao hospital e iniciar o tratamento de quimioterapia, é claro que a imprensa a assediou, e Pillar apareceu na capa da Veja careca, mas a revista tratou o assunto com respeito. Na capa, PP está séria, porém bela, mesmo sem cabelo. Muitos anos depois, quando Patrícia interpretou uma arrogante baronesa decadente na novela da Globo Lado a Lado, a Veja publicou uma foto da atriz com um majestoso vestido de época da novela, e, na nota, a revista perguntou se Patricia estava namorando alguém. Patricia disse: Não interessa. E a Veja respeitou sua privacidade. Respeito é tudo. Discreta em sua simplicidade como pessoa, Patricia sempre tratou sua própria vida amorosa assim, sem alardes. Teria sido uma maravilhosa primeira-dama se o político Ciro Gomes, com quem namorou uma época, tivesse tornado-se presidente.

Uma personagem muito marcante de PP é Ana do Véu, acho que na novela global de época Sinhá Moça, nos anos 80. Na trama, a mãe de Ana fez uma promessa, a qual obrigou a filha a nunca sair em público sem um véu sobre a face – deve ter sido fácil, pois nessas cenas Patricia não precisava de maquiagem. Well, corria então pela cidade o rumor de que Ana usava um véu porque esta era absolutamente desfigurada, horrorosa, medonha, um verdadeiro diabo de feia, com um rosto que deveria ser a própria imagem do inferno. Então, houve na novela uma cena muito bonita, um baile de gala, com uma luxuriante cascata no salão, e lembro dos cavalheiros batendo ruidosas palmas usando luvas brancas, em toda a suntuosidade do padrão Globo de produção. Então, Ana deveria ser revelada à sociedade no baile. Ana, sob os olhos de todos no salão (e sob os olhos dos telespectadores do Oiapoque ao Chuí), levanta o véu e revela aquela mulher linda, deslumbrante, de beleza arrebatadora. Uma metalinguagem, pois foi o debut de Ana do Véu e o debut de Patricia, ambas apresentadas ao mundo: revelação falando de revelação. A tomada do véu sendo levantado não mostrou o tecido sendo simplesmente erguido, mas uma sucessão de imagens, quase em câmera lenta, como se tivessem sido desvelados vários véus em um.

No filme Zuzu Angel, Patricia faz o papel-título da estilista que teve o filho desaparecido durante a Ditadura Militar. Numa cena catártica, Zuzu diz a um tribunal militar, que a acusava de desacato, que desacato era não ter o direito de enterrar o próprio filho. No pôster do filme, Zuzu está abraçando o filho, numa metáfora, pois guarda o filho como um anjo da guarda, aludindo ao nome “Angel”. Em outra cena, Patrícia mostra uma Zuzu nervosa e cheia de expectativas, durante um desfile de roupas da estilista.

Ao preparar-se para a novela O Rei do Gado, Patricia resolveu fazer um laboratório radical, e foi, anonimamente, viver alguns dias com boias-frias de verdade, trabalhando no campo e comendo a simples comida campesina, revelando-se uma pessoa sem frescuras nem afetações. Patricia disse que, dias depois, todos os boias-frias deram-se conta de quem ela era.

Guerreira que sempre batalhou na carreira, Patricia revelou iniciativa ao fazer um documentário sobre o cantor Waldick Soriano, e disse que a produção foi muito prazerosa, pois Patricia fez tudo aquilo com calma. Fã de um belo papo, Patricia tomou um vinhozinho em uma noite friazinha de filmagem de O Quatrilho, claro que frio para os padrões sensoriais cariocas. Esforçada na arte de Atuação, frequentou laboratórios sobre Teatro na casa da célebre crítica teatral carioca Bárbara Heliodora.

Brasileiríssima, Patricia defende com unhas e dentes o Cinema nacional. Lembro-me de quando eu perguntei a uma criança se esta já tinha visto o filme americano Pocahontas, e Patricia, no mesmo momento, perguntou à mesma criança se esta já tinha visto O Menino Maluquinho, no qual PP interpreta a mãe do personagem central. Patricia defende a tese de que qualidade vem com quantidade, e que o Brasil precisa produzir um filme atrás do outro e, assim, desenvolver uma identidade cinematográfica brasileira. Patricia disse, no televisivo Programa Livre, de Serginho Groisman, que os filmes americanos também são bacanas, mas que o Brasil tem que ter autoestima cultural. E com isso concordava Fábio Barreto, que disse que o Brasil precisa exportar mais imagem, e não só importar. Falando em Fábio, houve uma passagem engraçada: Fábio mandou chamar Patricia ao set, e o motorista foi ao hotel, buscou a estrela, e esta chegou de banho tomado no set, mas, só depois de ter deslocado-se, Fábio chegou à conclusão de que não era necessária a presença de Patricia, e a mandou de volta ao hotel, e Patrícia ficou indignada, furiosa por ter se deslocado por nada, e deu um “xixi” em Fábio! O diretor chegava no set e, dirigindo-se a Patricia, perguntava-lhe: Como vai minha estrela? E Patricia sempre se comportava de forma discreta, mesmo com esse bajulador tratamento especial de estrela – Fábio tratava-a como uma rainha. Outra coisa que irritava Patricia era o assédio desrespeitoso. Estávamos numa van em frente ao hotel prontos para ir ao set, e hóspedes do hotel viram Patricia e começaram a filmá-la sem a autorização da atriz. Então Pillar esbravejou, dizendo: É por isso que eu não gosto de ficar parada aqui – as pessoas nos tratam como atração de circo. Em outro dia, estávamos indo ao set e um policial nos parou na estrada. Então, Fábio desceu da van e disse quem este era. O policial botou a cabeça para dentro da van e cumprimentou Patricia, a qual pareceu não se irritar, ao menos não daquela vez.

Mesmo tão patriota, Patricia adora Nova York, onde viveu por um tempinho, e ama a trilha sonora do filme Harry e Sally – Feitos um para o Outro, que se passa na Big Apple. Eu também amo esse álbum, e o ouço neste exato momento em que redijo. Depois de passar anos sem fumar, Patricia retornou ao hábito tabagista no ano de 1995, e é claro que levou um baque com as recomendações médicas de parar de fumar por causa do câncer de mama que a acometeu.

Paradoxalmente tímida, mesmo sendo todo o gigante midiático que é, Patricia enrubesceu quando o ator Bruno Campo disse estar entusiasmado com a perspectiva de ser amante de Pillar no Cinema. Generosa, Patricia gosta de ajudar as pessoas, como quando marcou uma audiência comigo com o falecido Paulo Ubiratan, poderoso diretor da Rede Globo. Patricia gosta de crianças, e entretinha os infantes no set. O ser humano não é perfeito, e ela esqueceu do texto na cena que filmou comigo. O que mais posso dizer sobre ela? Uma total antiperua, alguém que construiu a si mesma na dureza da vida. Patricia nunca deixará de brilhar. Despretensiosa, ia aos ensaios de dança de O Quatrilho com jeans e uma camiseta com o título da produção, sendo que só momentos depois os figurantes do filme deram-se conta de que aquela era Patricia Pillar no ensaio. Com uma voz linda, canta cristalinamente – que pena que nunca explorou muito esse seu lado musical. Patricia tem olhos cristalinos que revelam uma alma verdadeira, que vive aberta ao mundo. Ela começou como modelo de moda.

Recentemente, Patricia resolveu processar internautas que a insultaram na web. Deixe disso, Patrícia. Deixe passar. Não se estresse. Ignore. A paz é maior do que a raiva. Você é uma grande atriz e ponto final. Let it go. Assim como nós perdoamos a quem nos tenha ofendido.

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