quarta-feira, 10 de maio de 2017

Além do arroz com feijão




Amigo próximo do príncipe Charles, Rowan Atkinson é o maior palhaço da atualidade. Vi os trejeitos de Mr. Bean, personagem que consagrou Rowan ao redor do mundo, sendo imitados por um palhaço do fascinante Cirque du Soleil, em Porto Alegre. O programa televisivo Mr. Bean começou a carreira na Inglaterra no início dos anos 90, e permanece atual, pois o senso de humor é atemporal. Eu era um adolescente fazendo cursinho pré-vestibular no ano de 1995, e meus amigos já viam que eu adorava Bean, tendo-me imitando as palhaçadas que eu via na TV. Há um amigo de meu pai que também é grande fã de Mr. Bean, e este amigo também imita o personagem, o qual gerou várias temporadas, com Rowan sempre colaborando no roteiro e agindo instintivamente, e a filha pequena de um grande amigo meu também ama Mr. Bean. A música de abertura do seriado significa, em latim, Este é o homem que se chama feijão. Excepcional ator, Atkinson tem maestria evidente, com boa dose de carisma, absolutamente confortável na pele do palhaço. Na vinheta de abertura, Mr. Bean é como um alienígena colocado no mundo por sua nave-mãe. Bean é absolutamente desprovido de charme e sensualidade. Bean impõe o caos com implacabilidade.

Mr. Bean está numa loja de departamentos fazendo compras, e faz questão de mostrar a todos que tem um cartão American Express. Quase morre sufocado pelos perfumes na seção de perfumaria. Abre uma escova de dente para testar, mas na hora de levar a mercadoria, leva uma escova sem ser aberta. Por certa circunstância, fica preso ao bolso traseiro de um homem na loja e vai, involuntariamente ao banheiro com este homem, o qual só nota Bean quando aquele está sentado na privada.

No Natal, Bean subverte um presépio em uma loja, e associa este a outros elementos, como um dinossauro, um robô e um helicóptero que resgata o Menino Jesus de um atentado. Ao testar se as luzinhas de pinheiro estão funcionando, Bean acaba por desligar todas as luzes da loja. Ao passar pela vitrine de uma loja de joias, a namorada de Bean aponta claramente o dedo para a vitrine, desejando um anel, numa vitrine decorada por um display que mostra um homem presenteando uma mulher com um anel. A namorada de Bean vai embora cheia de esperanças, e Bean entende que a moça queria o display, presenteando-a com o mesmo no Natal. Ao receber o display de presente, a namorada começa a chorar desamparada, e Bean tira do próprio bolso uma caixinha de anel. A namorada abre a caixinha cheia de surpresa, e adora o presente. Só que, depois de abrir a caixinha, a namorada dá-se conta de que era apenas um gancho para dependurar o display na parede.

Numa première de gala de estréia de um filme em Londres, Bean trata de se arrumar para a chegada da Rainha na sessão. Ao saudar a monarca, Bean, ao fazer o cumprimento curvando a cabeça, curva-a de mais e acaba nocauteando a Rainha, a qual cai no chão. Felizmente, ninguém nota que o responsável por aquilo era Bean, e este esquiva-se quietinho e deixa a “cena do crime” – os ingleses amam tratar a Rainha com irreverência na mídia.

Na noite da Ano Novo, Bean recebe em sua casa convidados, e os recebe com chapéus de festa, feitos de jornal. Mas Bean, depois de chegar os convidados, nota que não tem vinho para brindar. Então, mistura vinagre com açúcar e serve a bebida, intragável, e os convidados se assustam. Ao servir petiscos, Bean vê que nada tem de petiscos para servir, então abre a janela da cozinha e pega galhos de uma árvore lá fora, cortando os pedaços de galhinhos e cobrindo-os com geleia, servindo então. Os convidados então adiantam o relógio e dizem Feliz Ano Novo, indo embora imediatamente da casa de Bean.

Na piscina pública, Bean quer escorregar pelo escorregador de crianças, mas é tolhido pelo vigia. Bean então sobre num trampolim de vários metros de altura e só se dá conta da altura quando chega no topo. Bean então tem uma verdadeira crise de aerofobia, como num pesadelo, sendo forçado a cair n’água quando um menino pisa-lhe a mão, quando Bean estava simplesmente dependurado na beira do trampolim. Na queda, Bean perde o calção e fica nu. Na saída do estacionamento na piscina, Bean de jeito nenhum quer pagar o estacionamento, e faz de tudo para sair grátis do estacionamento pela chancela eletrônica. Bean aguarda um caro chegar da rua e enfrenta-o, obrigando este a dar ré e deixar Bean sair. Aliás, há um aspecto interessante em Mr. Bean: o misterioso carro azul. Este carro é uma espécie de arquiinimigo de Bean, o qual evita o carro azul incondicionalmente.

No dentista, Bean acaba acidentalmente anestesiando a perna do dentista, fazendo este cair no chão e ser nocauteado pelo próprio equipamento do consultório. Então, Bean resolve ele mesmo tratar da cárie e, ao ver a radiografia de sua própria boca, fica em dúvida sobre qual dente está avariado, e resolve perfurar todos os dentes, para ter certeza. Antes de sentar na cadeira do dentista, na sala de espera, Bean quer tomar das mãos de um menininho um gibi do Batman.

Num hotel, Bean faz um buraco na parede para entrar no banheiro do quarto ao lado. No refeitório, Bean inventa de rivalizar com outro hóspede, e come em dobro tudo o que este hóspede comia. Só que este não come as ostras, e só depois de Bean comer de três a quatro ostras é que o funcionário do hotel percebeu que estavam podres. Bean tem uma baita intoxicação alimentar. Então, enquanto dorme, Bean ouve muito barulho no quarto ao lado, e sai nu de seu quarto par abater na porta do vizinho e pedir silêncio. A porta do quarto de Bean fecha-se sozinha e ele nota que está nu, trancado fora do quarto. Então Bean desfila pelo hotel tapando com placas as partes íntimas, acabando por vestir urgentemente o vestido de gala de uma drag queen, a qual dá-se conta do “roubo”.

Num show mágica, Bean desmoraliza um mágico, revelando os segredos deste, fazendo com que a plateia vaiasse o ilusionista. Na sala ao lado, uma danceteria, a namorada de Bean simpatiza com outro rapaz, e Bean quase mata este. Por fim, ao ver que perdera a namorada, só por vingança, desliga a chave geral e deixa a danceteria no breu.

Ao sair para um piquenique, Bean leva consigo a direção de seu carro, evitando assim roubos. Então, Bean começa a se incomodar com um inseto inconveniente. Num almoço ao ar livre, ao invés de levar um sanduíche pronto, Bean vai a um parque, senta-se no banco e tira de seus bolsos todos os ingredientes: um pão que corta com uma tesoura, sardinhas vivas em um pote de vidro, pimenta, alface etc. Na hora de tomar o chá, coloca o saquinho uma bolsa d’água quente, e, no costume inglês de tomar chá com leite, Bean bebe leite de uma mamadeira e cospe dentro da bolsa.

O episódio da missa é apoteótico. Bean começa a pegar no sono em pleno sermão, e perturba um senhor que está ao seu lado. Bean simplesmente vai ao chão e desperta-se logo em seguida. Ao espirrar, Bean está sem lenço, e limpa-se com a parte interna do bolso do paletó, sempre observado pelo senhor ao lado. Para passar o sono, Bean abre uma bala para chupar, mas acaba colocando-as no bolso com ranho. Escatologia também é quando, em um avião, Bean espalha pela cabine inteira o vômito de um menino a bordo.

Bean também faz uma reforma em seu apê, e a sátira à família real inglesa segue, com Bean cortando as cabeças de Diana, Charles e até da Rainha. Na lavanderia, Bean sofre bullying de uma valentão e vinga-se deste, fazendo com que o valentão colocasse café e não sabão na roupa do autor do bullying. Numa prova de vestibular, Bean acha que não estudou o que caía na prova, e tenta de todas as maneiras colar de um estudante ao seu lado. Bean gosta de rivalizar, e tirar muitas e muitas canetas de seus bolsos, concorrendo com o homem ao lado, que tem apenas uma caneta e um lápis. Em uma tarde educação para adultos em uma escola, Bean explode um laboratório de química e, na aula de desenho, escandalizado com a modelo nua, faz-lhe roupas de argila, material disponível na mesma sala de aula.

De todos os vários episódios de Bean, não gosto apenas de dois: o primeiro mostra Bean num parque de diversões, tendo que cuidar de um bebê que “adotou” involuntariamente; o segundo mostra Bean obcecado em fazer pontos em um parque de minigolf, tocando a bola com o taco pela cidade inteira. Esses dois episódios são exceções – normalmente, amo Mr. Bean. Há dois longas-metragens de Mr Bean. O primeiro é razoável, com Bean estragando, sem querer, uma obra de arte de valor inestimável; segundo é mais sem graça, com Bean viajando pela Europa e causando caos no Festival de Cinema de Cannes. Mas nada se comprara ao grande brilho de Bean na TV. Há ainda um desenho animado de Mr. Bean, mas não sou muito fã. As crianças, quem sabe, devem gostar do desenho.

Um dos apelos ao público infantil é Teddy, o inseparável ursinho de pelúcia de Bean. Ao fazer as malas e ter que cortar alguns itens para que caibam numa mala pequena, Bean quase corta a cabeça ou uma perna do urso, mas desiste e coloca o inestimável amiguinho inteiro na malinha. Quando Bean coloca Teddy numa máquina de lavar, o ursinho encolhe, e aquele, desesperado ao ver Teddy naquele jeito, cutuca o ursinho e este dá sinais de vida, aliviando Bean. No Natal, Teddy ganha um par de olhos, e pela primeira vez consegue ver o dono e a casa onde vive. Ao ler histórias em quadrinhos junto com Teddy, este não consegue ler, e Bean se lembra de colocar os óculos no urso, colocando este para dormir por hipnose, guardando-o cuidadosamente em uma caixa de sapatos em baixo da cama.

Mr. Bean tem um universo tão rico que fica difícil falar de tudo no seriado.

Outro personagem famoso de Rowan é Johnny English, um agente secreto britânico como James Bond, só que Johnny é um anti-herói, bem atrapalhado, fazendo muitas bobagens, como espancar a Rainha da Inglaterra pensando que esta era uma espiã disfarçada. Parece uma versão inglesa do francês Inspetor Clouseau, ou a franquia norteamericana Corra que a Polícia Vem Aí. English mais atrapalha do que ajuda, conseguindo se meter numa cerimônia de coroação, acabando com a coroa da Inglaterra na própria cabeça.

Outro seriado televisivo traz Rowan como um inspetor de polícia, e a trama desenvolve-se muito no convívio entre os colegas de escritório na delegacia – infelizmente não lembro do nome do seriado e nem o do personagem de Atkinson, mas este interpreta um delegado extremamente tradicional e patriota, que fica chocado quando uma colega diz-lhe que Sherlock Homes e Watson eram gays e que moravam juntos como um casal. E o personagem de Rowan diz: Eles apenas conversam e animam o fogo da lareira.

Certa vez vi também pela TV um show de stand up, apenas com Rowan no palco, o qual é satisfatoriamente preenchido como o fazem grandes atores. Em um monólogo, Atkinson é o diabo no inferno, e está coordenando aqueles que foram ao inferno, como os cristãos, pois o diabo diz: Os cristãos estão aqui? Ótimo. Informo que o judeus estavam certos. Em outro monólogo, Rowan é um ator local de pouca importância que recebe um prêmio em nome de um colega ator mais famoso e prestigiado, e o ator rival sobre ao palco dizendo que o colega premiado é bissexual e tem sífilis. O personagem de Rowan também está odiando o fato do colega estar fazendo, no momento, um filme com Meryl Streep. Inclusive, quando o nome do colega é anunciado como vencedor, o ator de Rowan diz um audível Oh, shit, ou seja, Que merda, igualzinho a Samuel L. Jackson no Oscar, quando o nome de outro ator foi anunciado. Deve ser uma delícia assistir a Rowan ao vivo no palco.

Rowan começou a ser conhecido do público quando interpretou um padre iniciante no sucesso cômico Quatro Casamentos e um Funeral – o padre está absolutamente tenso e nervoso, pois está fazendo o seu primeiro casamento. Metalinguagem, pois é iniciante falando de iniciante. A tensão do padre é mostrada com maestria pelo ator. Não parece que estamos vendo um ator; estamos vendo um padre.

Felizmente, há no Youtube muito material de Rowan Atkinson. É só sentar e rir. Na dureza da vida, o senso de humor é fundamental. Abençoado seja o palhaço.

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